Sentença suspeita

STF anula decisão que rejeitou denúncia contra ministro

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13 de outubro de 2005, 13h41

O Supremo Tribunal Federal anulou a decisão do desembargador Kid Mendes de Oliveira, do Tribunal de Justiça do Amazonas, que rejeitou a denúncia do Ministério Público local contra o atual ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento. Ele é acusado por crime de responsabilidade cometido quando era prefeito de Manaus.

O relator do processo no Supremo, Celso de Mello, anulou a decisão do desembargador por considerar que ela violou as leis 8.658/93 e 8.038/90, que estabelecem que o recebimento ou a rejeição da denúncia em crimes de competência originária deve ser do Plenário. Como atualmente é ministro de Estado, Nascimento tem prerrogativa de foro e é julgado pelo Supremo.

Segundo o Ministério Público do Amazonas, Nascimento omitiu em sua declaração de bens nas duas vezes que assumiu o mandato de prefeito de Manaus, eleito em 1996 e reeleito em 2000, a participação de sua esposa na sociedade da empresa “Vulcanização Tarumã”.

Como é casado em regime de comunhão de bens, o ex-prefeito teria de incluir a empresa da qual sua mulher é sócia em sua declaração de bens. A empresa pertence à mulher do ex-prefeito, Francisca Leônia do Nascimento, e ao irmão dela, Francisco Rodrigues de Morais. Até 2000, Francisca tinha 80% das ações da empresa. Segundo o MP do Amazonas, a empresa era a principal prestadora de serviços de recauchutagem de pneus para as sete empresas de transporte coletivo que mantinham contrato de concessão com a Prefeitura de Manaus desde 1995.

A denúncia contra Nascimento foi oferecida em fevereiro de 2004 e rejeitada no mês seguinte em decisão monocrática do desembargador Kid Mendes de Oliveira. O presidente do TJ amazonense desarquivou o processo em agosto de 2004 para apreciar a reclamação do MP contra a decisão de Mendes.

Como Nascimento foi nomeado ministro, a denúncia foi enviada em maio deste ano para o Supremo. A partir da anulação da decisão de Oliveira, a denúncia será novamente analisada, a partir de agora, no STF. O pedido de anulação da decisão do desembargador foi feito pelo então procurador-geral da República, Claudio Fonteles, no último mês de junho.

Leia a integra do parecer do parecer do MPF

Parecer nº 5238/CF

inquérito n.º 2223-3/140/am

RELATOR:

EXMO. SR. MINISTRO Celso de Mello

autor:

ministério público Federal

indic:

Alfredo Pereira do Nascimento

Excelentíssimo Senhor Ministro-Relator,

Cuida-se inquérito veiculando denúncia criminal oferecida pelo Ministério Público do Estado do Amazonas contra o Ministro dos Transportes ALFREDO PEREIRA DO NASCIMENTO, que, na qualidade de Prefeito Municipal de Manaus/AM, teria negado execução a lei federal, incorrendo no delito previsto no inciso XIV, do art. 1º, do Decreto-Lei n.º 201/67.

1. Narra a denúncia, a fls. 02/04, que ALFREDO PEREIRA DO NASCIMENTO, nas duas oportunidades em que tomou posse como Prefeito Municipal de Manaus/AM, 1997 e 2001, deixou de inserir, na respectiva declaração de bens, a participação de sua esposa na sociedade “VULCANIZAÇÃO TARUMÃ LTDA”, ato indispensável, segundo o Ministério Público Estadual, em decorrência do regime matrimonial de comunhão de bens verificado na hipótese, descumprindo, pois, o estabelecido no art. 2º, da Lei 8.730/93.


2. A denúncia foi oferecida perante o Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, em 05 de fevereiro de 2004.

3. Distribuída na 2ª Câmara Criminal do TJ/AM, a peça acusatória foi rejeitada liminarmente pelo relator, Desembargador KID MENDES DE OLIVEIRA, em decisão monocrática proferida no dia 03 de março de 2004 (fls. 127/136).

3. Contra a decisão monocrática que rejeitou, de plano, a denúncia, foi ajuizada Reclamação pelo Ministério Público Estadual perante o TJ/AM, alegando, em suma, a usurpação da competência da 2ª Câmara Criminal para a apreciar a admissibilidade da acusação, eis que, em se tratando de ação penal originária, tal juízo de valor caberia apenas ao órgão colegiado, nos termos do art. 6º da Lei 8.038/90 (fls. 02/07 do autos apensados).

4. Em conseqüência, os autos foram desarquivados pela Presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, em 13 de agosto de 2004, com a finalidade de se apreciar o objeto da Reclamação (fls. 13, dos autos apensados).

5. A fls. 151/157, manifesta-se o Ministério Público Estadual pela remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal, tendo em vista o foro especial por prerrogativa de função ostentado pelo denunciado, na condição de Ministro de Estado.

6. Em 10 de maio de 2005, os autos foram encaminhados a esse Supremo Tribunal Federal, em cumprimento ao disposto no art. 102, I, “c” da Constituição Federal (fls. 159).

7. É o relato necessário. Segue manifestação.

8. Consoante posicionamento jurisprudencial dessa Colenda Corte Constitucional, há de se afirmar que a competência penal originária por prerrogativa de função do STF, advinda da ocorrência de investidura do sujeito ativo de um delito nas funções descritas no art. 102, I, alíneas “b” e “c” da CF/88, no curso do processo, não acarreta a nulidade da denúncia oferecida, nem dos atos processuais praticados anteriormente perante a justiça competente à época dos fatos. Têm-se, apenas, a cessação da competência da Justiça Estadual do Amazonas e o deslocamento para o Supremo Tribunal Federal. Tal desconjunção não afasta o princípio tempus regit actum, do qual resulta a validade dos atos antecedentes à alteração da competência inicial, por força da intercorrente nomeação do denunciado no cargo de Ministro de Estado, ocorrida no dia 15/03/2004 (documentos em anexo). Neste sentido INQ QO 571-DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJU 05.03.1993.

9. Contudo, no que se refere especificamente à decisão monocrática proferida pelo Desembargador KID MENDES DE OLIVEIRA, em 03/03/2004, que rejeitou liminarmente a denúncia oferecida pelo Ministério Público Estadual contra ALFREDO PEREIRA DO NASCIMENTO, restou caracterizada a ofensa aos princípio do devido processo legal e da ampla defesa.

10. É que, em se tratando de ação penal originária de competência dos Tribunais de Justiça Estaduais, dispõe a Lei 8.658/93, em seu art. 1º, o seguinte, verbis:

“Art.1º As normas dos arts. 1º a 12, inclusive, da Lei 8.038, de 28 de maio de 1990, aplicam-se às ações penais de competência originária dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, e dos Tribunais Regionais Federais.”

11. Com efeito, estabelece a lei 8.038/90, todo um rito especial para o julgamento das ações penais originárias de competência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, de observância obrigatória para os Tribunais de Justiça Estaduais, por força da disposição legal supracitada (art. 1º da Lei 8.658/93).

12 Nessa perspectiva, e nos termos do art. 3º da Lei 8.038/90, compete ao relator, monocraticamente, tão-somente determinar o arquivamento do inquérito ou de peças informativas, quando o requerer o Ministério Público, ou submeter o requerimento à decisão competente do Tribunal, ou ainda, decretar a extinção da punibilidade, nos casos previstos em lei.


13 Já no que se refere à rejeição de denúncia criminal regularmente oferecida, prescreve, categoricamente o art. 6º da Lei 8.038/90, que o relator pedirá dia para que o Tribunal delibere sobre o recebimento, a rejeição da denúncia ou da queixa, ou a improcedência da acusação, se a decisão não depender de outras provas.

14 Assim, note-se que, in casu, o relator, ao rejeitar liminarmente a denúncia, por intermédio de decisão monocrática proferida em 03/03/2004, infringiu a norma prevista no art. 6º da Lei 8.038/90, que estabelece a competência exclusiva do Tribunal para avaliar a admissibilidade da denúncia, ofendendo, portanto, o devido processo legal relativo ao julgamento da ação penal originária.

15 Vale ressaltar, também, que, assim agindo, o Desembargador-Relator também impossibilitou o denunciado de apresentar defesa preliminar, nos termos que lhe faculta o art. 4º da Lei 8.038/90, verbis:

“Art. 4º Apresentada a denúncia ou a queixa ao Tribunal, far-se-á a notificação do acusado para oferecer resposta no prazo de 15 (quinze) dias.

(…)”

16 Destarte, resta caracterizada, outrossim, a ofensa ao princípio da ampla defesa, uma vez que, a defesa preliminar, além de representar um direito público subjetivo do acusado, pode possibilitá-lo a levar ao Tribunal as razões suficientes para ensejar, inclusive, a deliberação sobre a improcedência da acusação (art. 6º, da Lei 8.038/90, in fine).

17 Nesse contexto, conclui-se que a decisão monocrática exarada pelo Desembargador KID MENDES DE OLIVEIRA, em 03/03/2004, que rejeitou liminarmente a denúncia, está inquinada de nulidade absoluta, por ofender os princípios do devido processo legal e da ampla defesa, consubstanciados nas normas sobre o processo relativo às ações penais originárias previsto na Lei 8.038/90.

18 No que tange à Reclamação apensada nos presentes autos, constata-se a perda superveniente do seu objeto, em razão da modificação da competência, o que prejudica a análise do respectivos fundamentos.

19 Ante o exposto, e pelas razões aduzidas, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL o seguinte:

a) seja declarada a nulidade da decisão monocrática que rejeitou a denúncia formulada pelo Ministério Público do Estado do Amazonas contra ALFREDO PEREIRA DO NASCIMENTO, pela prática do crime previsto no art. 1º, inciso XIV, do Decreto-Lei n.º 201/67, para que se permita o prosseguimento do feito nos termos da Lei 8.038/90;

b) seja intimado o denunciado para, se quiser, oferecer resposta no prazo de 15 (quinze) dias, nos termos do art. 4º da Lei 8.038/90;

c) após, seja reaberta vista dos autos a esta PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA.

20 Pede deferimento.

Brasília, 06 de junho de 2005.

CLAUDIO FONTELES

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

ALOÍSIO C. S. JR

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