Exame de aids

Médica é condenada por dar resultado errado de exame de Aids

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13 de outubro de 2005, 18h23

O médico que deixa de dar o resultado correto de diagnóstico age com negligência e é obrigado a indenizar por danos morais. Esse é o entendimento da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que condenou uma médica que transcreveu equivocadamente resultado de exame a uma paciente grávida, afirmando que ela não era portadora do vírus HIV.

Para os desembargadores, a falha impediu que a grávida se submetesse ao tratamento adequado e evitasse amamentar a criança, o que poderia ter evitado a transmissão do vírus e a morte do bebê. A indenização por dano moral foi fixada em 100 salários mínimos.

“Transcrever equivocadamente o resultado do exame de pesquisa de anticorpos anti HIV configura conduta extremamente negligente da profissional da medicina, em quem o paciente deposita toda a confiança”, considerou o relator do recurso, desembargador Adão Sérgio do Nascimento Cassiano.

A médica alegou que não agiu com culpa, negou a existência de erro médico, sustentando equívoco administrativo. Disse que, apesar do engano, não lhe poderia ser imputada a responsabilidade pelo desenvolvimento da Aids na criança e tampouco sua morte.

De acordo com a médica, a identificação do vírus numa mulher grávida, cuja gestação completa oito meses, como no caso dos autos, torna incapaz de produzir efeito qualquer tratamento para evitar o contágio do feto.

Declarações de testemunhas, tanto da mãe da criança como da médica, avaliaram que as chances de o bebê nascer com o vírus da Aids se a mãe não fizer nenhum tipo de tratamento durante a gravidez são de 30% a 40%.

Se a mãe realizar todo o tratamento para a prevenção desde a 14ª semana de gestação e o recém-nascido for medicado até a sexta semana de vida, a chance de que o bebê seja contaminado cai para 8%.

“Diante deste contexto extrai-se a ilação de que, a par de a demandada haver obstaculizado que a filha dos autores fosse submetida a tratamento adequado, não veio a informar a gestante acerca do diagnóstico e dos riscos da doença, como observado pelo Conselho Regional de Medicina”, considerou o relator.

Para o desembargador, “beira as raias do absurdo” a afirmação da médica de que no caso concreto seria inócuo qualquer tratamento para evitar o contágio do feto. Votaram no mesmo sentido os desembargadores Marilene Bonzanini Bernardi e Odone Sanguiné.

Leia a íntegra da decisão

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. ERRO MÉDICO. TRANSCRIÇÃO EQUIVOCADA DE RESULTADO DE EXAME. IMPEDIMENTO DO PACIENTE DE REALIZAR O TRATAMENTO ADEQUADO. MORTE DE RECÉM-NASCIDA. NEGLIGÊNCIA DA MÉDICA. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR.

Age com negligência a médica que transcreve equivocadamente resultado de exame, consignando que a paciente, grávida, não é portadora do vírus HIV. A transmissão do vírus HIV da mãe para o filho pode se dar durante gravidez, no parto ou na amamentação. A ignorância acerca do resultado correto do exame impediu que a paciente se submetesse ao tratamento adequado e, além disso, que evitasse amamentar a criança recém nascida, o que poderia ter evitado a transmissão do HIV e a conseqüente morte do bebê. Transcrever equivocadamente o resultado do exame de pesquisa de anticorpos anti HIV configura conduta extremamente negligente da profissional da medicina, em quem o paciente deposita toda a confiança. Em tal caso, a médica deve indenizar a paciente por danos morais. O quantum indenizatório de 100 salários mínimos nacionais, arbitrados na sentença, não se mostra excessivo para indenizar o erro médico, considerando as peculiaridades do caso concreto.

NEGARAM PROVIMENTO AO APELO.

APELAÇÃO CÍVEL — NONA CÂMARA CÍVEL

Nº 70007694656 — COMARCA DE PELOTAS

GISELE NUNES VIEIRA DE VIEIRA — APELANTE

JEFERSON ALEXANDRE SEVERO — APELADO

SALETE SCHNEIDER — APELADA

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores DESA. MARILENE BONZANINI BERNARDI E DES. ODONE SANGUINÉ.

Porto Alegre, 14 de setembro de 2005.

DES. ADÃO SERGIO DO NASCIMENTO CASSIANO,

Relator.

RELATÓRIO

DES. ADÃO SERGIO DO NASCIMENTO CASSIANO (RELATOR E PRESIDENTE)

GISELE NUNES VIEIRA DE VIEIRA interpôs recurso de apelação diante de sentença proferida em 10/06/2003, que julgou procedente em parte a ação de indenização por dano moral movida em 19/11/99 por JEFERSON ALEXANDRE SEVERO e SALETE SCHNEIDER, nos termos que seguem:

‘Isto posto, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido para condenar a demandada a pagar aos autores, a título de indenização por danos morais, a importância correspondente a 100 (cem) salários mínimos, a nível nacional.

Pela sucumbência, condeno-a ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados estes em 12% sobre o valor da condenação.’


Em suas razões, a apelante sustentou que não deve ser responsabilizada, pois não agiu com culpa. Disse que transcreveu na ficha da autora Salete que esta possuía soro não-reagente ao vírus do HIV, porque no resultado do exame a informação reagente ao HIV 1 estava muito próxima da informação de não-reagente ao HIV 2. Afirmou que não agiu com erro médico, mas incorreu em equívoco administrativo. Alegou que, apesar do engano, não lhe pode ser imputada a morte da criança e tampouco o desenvolvimento da Aids na filha de Salete.

Mencionou que a identificação da presença do vírus em uma mulher grávida, cuja gestação completa oito meses, como no caso dos autos, torna inócuo qualquer tratamento para evitar o contágio do feto. Aduziu que ainda que tivesse anotado corretamente a presença do vírus na mãe, tal fato não evitaria o efeito danoso. Mencionou que o valor da indenização, fixado na sentença, foi exagerado.

Ao final, requereu a reforma da decisão monocrática.

A apelação foi recebida no duplo efeito.

Juntadas as contra-razões, os autos subiram a esta Instância.

O Ministério Público de 2º Grau declinou de intervir no processo.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTOS

DES. ADÃO SERGIO DO NASCIMENTO CASSIANO (RELATOR E PRESIDENTE)

Eminentes Colegas:

Inicialmente, adoto como razões de decidir os fundamentos da r. sentença, os quais transcrevo a seguir, ipsis litteris:

‘Trata-se de pedido indenizatório decorrente de erro médico, sendo que a demandada reconhece haver incorrido em engano, ao transcrever para a ficha da autora o resultado negativo para o exame de HIV, quando, em realidade, aquela seria portadora do vírus da AIDS; argüi, no entanto, que dado o seu avançado estágio de gravidez, eventual tratamento não surtiria efeito terapêutico e não teria o condão de impedir o óbito da filha dos postulantes.

Entretanto, as declarações de duas testemunhas trazidas à [sic] juízo pela parte autora e uma outra pela própria demandada revelam de que se posicionam em sentido contrário à tese defensiva.

A médica Mariângela da Silveira Steffens, perante à [sic] autoridade policial (fls. 59), já enfatizava que as chances de o bebê nascer com o vírus da AIDS, se a mãe não tiver nenhum tipo de medicação durante a gravidez seriam de 30% a 40%; se a mãe realizar todo o tratamento para a prevenção desde a décima-quarta semana de gestação, durante o parto, e o recém nascido ser [sic] medicado até a sexta semana de vida a chance de se contaminar cai para oito por cento; isto é, “quanto mais tarde iniciar o tratamento menor será a sua efetividade”, conclusões que a testemunha confirmou em juízo (fls. 128) e que foram embasadas pelas pediatras Susane Muller Klug Passos (fls. 56 e 129) e Denise Marques Mota (fls. 130).

Diante deste contexto, extrai-se a ilação de que, a par de a demandada haver obstaculizado que a filha dos autores fosse submetida a tratamento adequado, não veio a informar a gestante acerca do diagnóstico e dos riscos da doença, como observado pelo Conselho Regional de Medicina, conforme documentos de fls. 121/124, em decorrência do que chegou a amamentar a filha, o que pode haver contribuído para o contágio.

Portanto, ainda que não se possa de forma matemática, afirmar que a conduta da ré foi o fator decisivo para o óbito da filha dos autores, é de considerá-la como uma circunstância que muito contribuiu para que tal ocorresse, revelando, os documentos de fls. 18 a 52, a dificuldade do diagnóstico, nas várias consultas e internações sofridas pela criança, vislumbrando-se a impossibilidade, ante a negligência daquela, de que pudesse ter sido submetida, senão no útero, mas desde seu nascimento, ao tratamento correto.

[…]

Constatada a ilicitude do ato praticado pela demanda [sic], encontrando-se presente, pois, a responsabilidade de indenizar o sofrimento e a dor causadas aos postulantes, entendo, no atinente ao montante, que o valor sugerido pela nobre Promotora de Justiça, qual seja, o valor equivalente a 100 (cem) salários mínimos, afigura-se justo, tendo em vista o princípio da razoabilidade, não se descurando de sua exeqüibilidade e que, de outro lado, não enseja margem ao enriquecimento sem causa.

[…]’

Também é pertinente, no caso, o parecer da eminente Promotora de Justiça, que assim se manifestou no parecer lançado às fls. 60-67:

‘[…]

Sabe-se que o resultado de exames tem que ser verificados [sic] com o maior cuidado e atenção pelo médico, uma vez que este será considerado base para eventual tratamento contra a proliferação da (s) doença (s). A análise de exames laboratoriais por parte dos médicos tem que ser feita com a maior seriedade, tendo em vista que o paciente tem o direito, previsto no próprio Código de Ética Médica, de tomar conhecimento da sua doença a fim de que saiba dos procedimentos médicos adequados para curá-la, ou na impossibilidade de cura, abrandá-la ou dificultar o seu desenvolvimento, bem como para que possa optar por diferentes tratamentos, se existirem. Também é relevante o diagnóstico correto, em face do cuidado que a pessoa acometida pelo mal tem que ter para não infectar os outros.

No caso, a autora foi privada do correto diagnóstico e das possibilidades de tratamentos existentes, o que por si só já configura a negligência do atuar da requerida.

[…] é certo que o fato da [sic] médica não ter informado à paciente do resultado do exame, dos riscos, das possibilidades do tratamento, inclusive, durante o parto e após o nascimento, com aplicação de medicação na criança, contribuiu para o óbito, pois os pais não tiveram a chance de tomar determinados cuidados, nem os médicos tiveram condições de efetuar um correto diagnóstico e aplicar a medicação mais adequada e eficaz, quando da internação da criança, pois desconheciam fato relevante.

Os cuidados médicos e tratamentos que poderiam ter sido tomados quando do parto, logo após o nascimento e posteriormente, quando da internação da criança, poderiam não ter evitado a doença, mas sim a morte.

[…]


A afirmação da ré-apelante no sentido de que no caso concreto seria inócuo qualquer tratamento para evitar o contágio do feto e que não pode ser condenada a indenizar os pais da criança falecida porque, ainda que tivesse anotado corretamente a presença do vírus na mãe, tal fato não evitaria o efeito danoso, beira as raias do absurdo.

A informação correta acerca do resultado do exame de Salete Schneider poderia sim ter salvado a vida de sua filha, e essa probabilidade era considerável, no presente caso. É público e notório que a Aids pode ser transmitida ao bebê pela mãe durante a gravidez, no parto e por meio da amamentação.

Nesse sentido, vejam-se as seguintes matérias extraídas da internet:

‘Estima-se que no Brasil existam cerca de 17 mil e 200 gestantes com o HIV, mas o tratamento das parturientes com AZT ainda não chega a 6 mil casos por ano. O Projeto Nascer quer testar 100% das parturientes que não realizaram testes anti-HIV anteriormente e garantir todos os procedimentos médicos que impedem a transmissão do vírus para o bebê, nos três momentos em que isso pode ocorrer: na gravidez, no parto ou na amamentação.’ (http://www.aids.gov.br/fiquesabendo/noticias1.asp?not=100)

‘AIDS – SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA

A AIDS, abreviatura de Acquired Immunodeficiency Syndrome ou SIDA, abreviatura de Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, é uma doença causada por vírus (virose), transmitida de uma pessoa infectada (portadora do vírus) para outra pessoas não infectada (não portadora do vírus), principalmente através da relação sexual, da transfusão de sangue, de injeções com agulhas ou seringas contaminadas, da mulher grávida para o feto, através do sangue da placenta, ou, da mãe para o recém-nascido através do leite materno. Ou seja, sempre que ocorrer o contato entre uma pessoa contaminada com o HIV e outra não contaminada, através do sangue, sêmen (esperma) ou secreção pré-seminal, secreção vaginal e leite materno, pode haver a transmissão da AIDS’ (http://www.sespa.pa.gov.br/Educa%C3%A7%C3%A3o/aids.htm)

‘AIDS, assim pega

[…]

Gravidez e Amamentação – a mulher contaminada pelo HIV passa o vírus para o feto na gravidez, no parto ou durante a amamentação.

[…]

Hoje existem remédios que podem diminuir o risco de a mãe passar o vírus HIV para o seu bebê.’

(http://www.saude.rj.gov.br/Guia_sus_cidadao/pg_43.shtml)

Vê-se que, se a ré não tivesse agido com negligência ao transcrever o resultado do exame de sangue da autora, a demandante poderia ter sido submetida ao tratamento adequado e certamente seria orientada a tomar os devidos cuidados para não transmitir o vírus HIV para sua filha. Na ocasião em que foi detectado o vírus, caso a criança ainda não estivesse contaminada, os médicos poderiam ter administrado as drogas adequadas, além de providenciarem os cuidados devidos durante o parto e também no sentido de evitar a amamentação.

Como se vê, ao contrário do que alegou a apelante, não se pode afirmar que o tratamento seria inócuo, caso ela tivesse transcrito corretamente o resultado do exame da autora.

Diante disso, não há como afastar a responsabilidade da ré pelos danos morais ocasionados aos autores.

O quantum indenizatório arbitrado pelo douto Juízo a quo, correspondente a 100 salários mínimos nacionais, não é excessivo para indenizar os danos morais, no caso concreto.

Esta C. 9ª Câmara Cível já decidiu, em precedente que tratava de erro médico, do qual adveio a morte do paciente, fixar indenização por danos morais em 200 salários mínimos (Apelação Cível nº 70005479076, j. em 17/12/2003).

O voto, pois, vai no sentido de negar provimento ao apelo, devendo ser mantida a r. sentença apelada, inclusive no que tange aos ônus sucumbenciais.

“NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.”

DESA. MARILENE BONZANINI BERNARDI – De acordo.

DES. ODONE SANGUINÉ(REVISOR) – De acordo.

DES. ADÃO SERGIO DO NASCIMENTO CASSIANO – Presidente – Apelação Cível nº 70007694656, Comarca de Pelotas: “NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME”

Julgador(a) de 1º Grau: LIZETE BROD LOKSCHIN

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