Meio ambiente

Para desembargador, Brasil está adiantado em Justiça ambiental

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13 de outubro de 2005, 16h21

O Brasil está adiantado no que se diz respeito à Justiça ambiental. A afirmação foi feita pelo desembargador Jacobina Rabello, do Tribunal de Justiça de São Paulo, durante o curso Justiça Ambiental Brasileira e Prática do Direito à Luz do Tribunal de Justiça de São Paulo, na Escola Paulista da Magistratura.

Segundo o desembargador, “em matéria de proteção ao meio ambiente, o Brasil, como em outras áreas, conta com leis muito oportunas”. Para Jacobina, a doutrina e a jurisprudência do país têm “mostrado uma face criativa na tentativa de aplicação adequada das regras de proteção do meio ambiente”.

O desembargador pondera que muitas vezes a defesa do meio ambiente ultrapassa os limites do razoável: “é certo que, segundo escreveu Glauber Moreno Talavera, estaria a ocorrer ‘um verdadeiro fundamentalismo verde’ com atribuição de responsabilidade solidária entre pessoas ou entre empresas acusadas de lesar o meio ambiente. Também que a legislação brasileira estaria a criar um atentado ao desenvolvimento sustentável, porque a responsabilidade solidária inibiria financiamentos”.

Mas, de acordo com Jacobina, “nada fica o Brasil a dever em termos de institutos passíveis de prevenir e reprimir atentados e danos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, sem prejuízo de desenvolvimento econômico em harmonia com o dever imposto a todos de preservação do bem em causa”.

Leia a íntegra da palestra

ACESSO À JUSTIÇA AMBIENTAL

Falar em “acesso à justiça ambiental” está a significar, desde logo, a idéia de intervenção judicial referente aos ecossistemas.

Mas, antes do ingresso no tema, sob o prisma das ações judiciais, porque é por meio delas que se dá o acesso à Justiça Ambiental em termos de Estado-juiz, algumas considerações se mostram devidas. É que, nos tempos presentes, um mais efetivo exercício da cidadania, mediante protestos, movimentos de organizações e associações, que repercutem na imprensa, parece estar a levar a uma situação de reconhecimento prévio de falhas omissivas e comissivas de parte de apontados responsáveis, o que muito tem resultado em termos de dispensa de tomada de medidas jurisdicionais. Compromissos de adequação de conduta às regras têm sido firmados, de pronto, especialmente por pessoas jurídicas e por aquelas pessoas físicas que se dão conta das conseqüências de um inquérito administrativo, do civil que pode vir a ser proposto pelo Ministério Público ou, finalmente, de um processo judicial.

Assim, por exemplo, se tem obtido desativação de torres de empresas de telefonia celular, porque instaladas em locais inadequados do ponto de vista estético ou porque seriam nocivos à saúde. Também por via dos movimentos cívicos se tem conseguido a mantença de zona de tombamento na cidade de São Paulo, de alteração cogitada apenas para possibilitar obras de construção de prédios e garagens dentro de seus limites, em atendimento a pressões poderosas, ainda que ao preço da desnaturação do local, caso dos moradores do bairro do Pacaembu em face das pretensões da FAAP, bem como, também como exemplo, o adiamento de realização de projeto de estrada, que fora elaborado sem estudo de impacto ambiental e cuja construção implicaria em degradação ou desaparecimento de mananciais de água, caso do trecho Norte do chamado Rodoanel, nas cercanias de São Paulo (cf. jornal “O Estado de S. Paulo”, edição de 18 de setembro de 2005, C3).

Questões não ainda bem estudadas, como, por exemplo, a de negligência do Poder Público ante barulho perturbador do sossego de toda uma parcela da população, como o emanado de chamados “shows” em estádios ou em casas de espetáculos artísticos, têm levado o Poder Público e pessoas jurídicas a um cuidado nunca antes tomado em relação à matéria. Visto que a ação civil pode ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, a presunção começa a ser a consistente em que o Poder Público pode vir a ser condenado a agir de modo a ser espancado o abuso, sob pena de sofrer as sanções cabíveis.

Se ao povo passou a ser vedado fazer justiça pelas próprias mãos, sempre necessário se lembrar que nem a própria lei poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, conforme previsto na norma que consagra o princípio da inafastabilidade do controle judicial, artigo 5o, inciso n. XXXV, da Constituição Federal. Não foi por outra razão que escreveu Álvaro Luiz Valery Mirra, na Revista de Direito Ambiental, n. 30, que o Judiciário teria passado a ser o canal de que pode se valer a sociedade para o controle da Administração Pública na área ambiental, com o que de se refutar argumento desta sobre violação ao princípio da separação dos poderes. E bem acrescentou que perfeitamente possível, no âmbito da responsabilidade civil ambiental, obter a supressão das omissões estatais lesivas ao meio ambiente, de maneira até mesmo a levar o Poder Público a implementar políticas públicas, conseqüência inevitável em muitas circunstâncias, bastando referência a exigências de tratamento de lixo e de efluentes e esgotos, que exigem iniciativas e programas, tudo dentro das políticas públicas ambientais.


Vera Jukovsky também expressou opinião pela qual o Judiciário acaba por poder interferir nas políticas públicas, em matéria ambiental. E observou que, no caso de descumprimento de ordem, o juiz deve decidir entre execução da sentença ou formalização de termo de ajustamento de conduta. No seu entendimento, a tutela específica deve ser preferida quando em cotejo com a aplicação de pena pecuniária, cujo destino acaba sendo, segundo a Lei 7.347/85, o fundo a ser gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais, embora com prevista aplicação na reconstituição dos bens lesados. Registra a magistrada que o juiz deve atuar de modo a refletir na decisão o sentimento mais profundo da comunidade e do meio jurídico, por mais poderosos que se mostrem os interesses governamentais ou de grupos econômicos em oposição à defesa do meio ambiente, tomada a lição de Vladimir Passos de Freitas, transcrita na Revista dos Tribunais, volume 659. Remete Vera Jukovsky o estudioso, ainda, à opinião do juiz Renato Nalini, para quem cabe à decisão judicial um papel pedagógico de realização de educação ecológica (cf. LEX – Jurisprudência do STJ e TRFs, n. 83).

Mas a Declaração de Estocolmo de 1972 pregou princípio de desenvolvimento econômico e social sustentável, com o que não há o juiz de entender que a natureza não possa ser explorada, e sim que a utilização dos recursos naturais se realize mediante preservação, em prol da geração presente e das futuras. O princípio em questão vem abrigado no artigo 225 da Constituição, bem como nos artigos 170, n. VI, que cuida da ordem econômica, e do artigo 186, II, que atende à política agrícola. O parágrafo 3º do artigo 225 mostra o constituinte a dispor sobre sanções aos agressores do meio ambiente, tal a seriedade com que devem ser tratadas as infrações em causa.

O ideal seria, porque sempre menos traumática e mais pronta, o espraiamento e o sucesso contínuo daquela aqui chamada “justiça comunitária prévia”, mas, como acontece com todas as coisas no âmbito das relações humanas, nem sempre se mostram possíveis as soluções independentemente de ações judiciais, sobretudo num campo em que são múltiplos os fatos e os personagens, como no campo do mundo ambiental.

Pode-se dizer, com Sydney Sanches, que o legislador, já com o Código Civil de 1916, no capítulo sobre os direitos de vizinhança, levara em conta o meio ambiente, do mesmo modo que veio a fazer com o velho Código Penal, ao estabelecer sanções em casos de infrações a determinações do Poder Público das quais resultantes envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal. Lembrou também esse notável professor e magistrado que a atual Constituição Federal estabeleceu, no artigo 23, que da competência comum da União, dos Estado, do Distrito Federal e dos Municípios proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas, enquanto que a Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, estabeleceu uma política nacional do meio ambiente, com a introdução de penalidades administrativas e a definição de legitimidade ao Ministério Público para propor ação de responsabilidade civil e criminal pelos danos, ação essa que, na primeira hipótese, começou a ser chamada, desde então, de ação civil pública. Ressaltou ainda Sydney Sanches ter passado à condição de função institucional do Ministério Público, pela Constituição, no artigo 129, a promoção do inquérito civil e da ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

No “caput” do artigo 225 da Constituição, dispôs o constituinte, em termos de direito fundamental de terceira geração, que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, enquanto que, no parágrafo 3o, estipulou que “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

Nota-se, nessa regra do parágrafo 3º do artigo 225, que o legislador nela se preocupou com as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente, com destaque, na seqüência, a alcançar pessoas físicas ou jurídicas, sem restrições. O legislador não restringiu e, portanto, não fora do alcance do dispositivo nem mesmo os entes públicos e administradores desses entes públicos.

Vê-se, pois, que Poder Público, pessoas jurídicas em geral e pessoas físicas se mostram destinatárias do comando do artigo 225 da Constituição para a defesa e preservação do meio ambiente, como também poderão ter que responder, sob os planos cível, administrativo e penal, por infração contra ele.


A regulamentar essas regras constitucionais, nos campos administrativo e cível, se mostram presentes, além da já mencionada Lei 6.938, de agosto de 1981, pela qual o poluidor passou a responder independentemente da existência de culpa (responsabilidade objetiva), diplomas importantes, como o Código Florestal, a Lei do Parcelamento do Solo Urbano e a Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985. Esta última reafirmou a legitimidade do Ministério Público para a ação civil pública principal e a cautelar.

Facultou a instauração de inquérito civil, sob sua presidência, ao mesmo tempo em que estendeu legitimidade para a propositura de ação civil e da cautelar também para Estados federados, União e Municípios, para autarquias, empresas públicas, fundações, sociedade de economia mista ou associações, desde que velhas estas de pelo menos um ano de idade, requisito passível de dispensa pelo juiz, e desde que a incluir entre suas finalidades institucionais a proteção ao meio-ambiente. Nessa Lei n. 7.347, foi ressaltado que a ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. Também afirmado nela que a sentença civil fará coisa julgada “erga omnes”, nos limites da competência territorial do órgão prolator, permitida a propositura de nova ação, com idêntico fundamento, se apresentadas novas provas, no caso de julgamento de improcedência da primeira ação. A Lei 7.347 reza, por fim, que não exigível, nas ações nela tratadas, adiantamento de custas, honorários e despesas, não devendo se cogitar de condenação do autor em custas, despesas e honorários advocatícios, exceto no caso de comprovada má-fé.

A propósito, Vladimir Passos de Freitas expressou entendimento no sentido de que a legitimidade também deveria abranger os defensores públicos, aos quais cabe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados. Ainda de acordo com Vladimir Passos de Freitas, o objeto da ação civil pública não se resume a uma busca de condenação do infrator em dinheiro ou a um cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, mas pode também alcançar condenação no pagamento de indenização por dano moral. Sim, também condenação por dano moral, como ilustra com decisão tomada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em ação proposta pelo Município do Rio de Janeiro contra quem, sem licença, fizera supressão da vegetação de imóvel, um pequeno bosque, a acarretar padecimento da coletividade pela impossibilidade de reposição do ambiente ao estado anterior (cf. TJERJ, Apelação Cível n. 14586/2001).

Na verdade, doutrina e jurisprudência têm, efetivamente, com segurança, mostrado uma face criativa na tentativa de aplicação adequada das regras de proteção do meio ambiente. A Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, volume 123/275, dá-nos conta de ação civil pública de associação cujos estatutos não estavam a prever, expressamente, defesa do meio ambiente. Não obstante, o Tribunal não rejeitou a ação, mas, sim, afastou a necessidade de expressa disposição sobre a exigência legal nos estatutos, no caso, porque o reconhecimento de que a satisfazê-la estava a decorrer da finalidade precípua de defender o interesse comum dos moradores.

Nelson Nery Júnior, conforme apontamentos na Revista do Centro de Estudos Judiciários, do Conselho de Justiça Federal, volume 3, n. 8, criticou, na Lei da ação civil pública, a limitação dos efeitos “erga omnes” da sentença aos limites da competência territorial do juiz prolator, argumentando, em contrário, com o disposto no artigo 103, do Código de Defesa do Consumidor, em que não existente a restrição, devendo aqueles alcançar o mais amplo espaço. Na verdade, o artigo 21 da Lei 7.347/85 dispõe que se aplicam à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que cabível, os dispositivos do CDC, com o que plenamente pertinente a crítica do eminente doutrinador.

Quanto às ações cautelares, preparatórias ou incidentais, podem, segundo Sydney Sanches, ser até mesmo de antecipação de provas por danos ecológicos, como aquela proposta pela Curadoria do Meio Ambiente do Ministério Público de São Paulo, em caso do canal e praias de Bertioga, e em caso outro de danos à fauna ictiológica.

Mas, conquanto a ação civil pública tenha se tornado a mais eficiente via de acesso à justiça ambiental, pelo amplo leque na legitimidade dos que podem vir a propô-la, pela isenção de custas, despesas processuais e honorários advocatícios, salvo má-fé, um importante papel já coube antes à ação popular, e continua a caber. Ainda na última terça-feira, 27 de setembro deste ano de 2005, o jornal “O Estado de S. Paulo” noticiou ação popular na qual acusada a prática de ato lesivo ao patrimônio da Companhia do Metropolitano, com condenação do advogado Eros Grau, solidariamente com ex-diretores da empresa, a devolver aos cofres públicos cerca de dois milhões e meio de reais, pagos a título de serviços jurídicos prestados, porque contratados os serviços independentemente de licitação. Sabe-se que na ação popular é limitada a legitimidade do autor a quem seja cidadão, isto é, a quem no exercício e gozo dos direitos políticos, vale dizer, alguém com título de eleitor, como ensinou Hely Lopes Meirelles.


Com a Constituição Federal de 1988 a ação popular abandonou o leito estreito voltado apenas para anulação de atos lesivos ao patrimônio de entidades públicas, como definido o instituto nas constituições anteriores, a partir da de 1934, e passou também a albergar, dentre outros mais, por escrito, atos lesivos ao meio ambiente, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e de ônus de eventual sucumbência.

Paulo Barbosa de Campos Filho, na Revista de Direito Administrativo nº 38, admitira, há tempos, caber a ação popular não apenas contra atos administrativos, mas também contra atos legislativos, como a lei em tese, quando lesiva ao patrimônio público, bem como até mesmo contra atos judiciários, embora, conforme observou Manoel Gonçalves Ferreira Filho, não conste ter algum tribunal acolhido ação popular contra decisão judiciária, mesmo porque só poderia ser proposta depois de haver coisa julgada (cf. “Comentários à Constituição”).

É possível ler em Paulo Affonso Leme Machado que a primeira ação popular sobre questão própria de meio ambiente foi aquela proposta no Estado do Paraná acerca da degradação em Vila Velha, na década dos anos oitenta. Contudo, e esse fato foi registrado em obra de Vladimir Passos de Freitas, “A Constituição Federal e a Efetividade das Normas Ambientais”, a ação popular pioneira se desenrolou foi na Comarca de Itanhaém, em S. Paulo, no começo dos anos 70, apresentada por Ernesto Zwarg Júnior, professor na escola de grau médio estadual local. Esse cidadão a propusera para a declaração de nulidade de lei que alterara outra anterior, a qual restringia o gabarito dos prédios, com o que passava a se permitir, com as novas normas, os chamados “espigões”, até então não tolerados, e isto mesmo junto às praias, independentemente de prévia rede pública de esgoto. O juízo local de Itanhaém, na época, o ano de 1974, proferiu sentença de anulação da lei nova, com acolhimento do argumento consistente em que formalmente viciada, porque aprovado o projeto de modo célere, sem respeito aos requisitos previstos no Regimento Interno da Câmara Municipal, e em atentado à Constituição, ante os riscos à saúde e ao lazer da população que poderiam decorrer da poluição a provir dos edifícios a serem erguidos sem a infra-estrutura devida.

O Prefeito, a Prefeitura e a Câmara Municipal, réus na ação popular, apelaram ao Tribunal de Justiça, para a reforma da decisão, negando possibilidade de ofensa ao meio ambiente, porque os projetos dos prédios, nos termos das normas recém aprovadas, deveriam contar com prévia aprovação de órgão de controle de poluição, a SABESP. E o Egrégio Tribunal de Justiça de S. Paulo, por seus elevados fundamentos, deu provimento ao recurso (Apelação Cível n. 237.209, cf. RDP 31/159; RDP 35-36/217). Não obstante, teria restado do episódio pelo menos a percepção de que a notável via de acesso ao Judiciário, ainda que sem fazer referência, na época, a meio ambiente, se prestava à sua defesa. A confirmar esse reconhecimento de seu papel pelo precedente, ocorreu, posteriormente, declaração de Aguiar Dias sobre perfeita possibilidade de ação popular para exame de atos de entes estatais dados como praticados em ofensa ao meio ambiente, o que estava a se mostrar lógico, uma vez que voltada ela para a anulação daqueles que lesivos ao patrimônio de entidades públicas, no qual incorporado, evidentemente, o meio ambiente.

Na verdade, como anotou Edis Milaré (RT 651/29), a ação popular é também uma ação civil pública, pela qual se busca a defesa do interesse público, o interesse de todos, não do interesse próprio, não de direito subjetivo individual, embora devendo o autor contratar advogado para a propositura, em não podendo contar com a justiça gratuita ou com a assistência judiciária. Na Revista dos Tribunais, volume 794/251, se tem a publicação de caso de ação popular por dano ambiental causado por construção clandestina erguida em área de proteção, que terminou com condenação da municipalidade à reparação, omissa que se mostrara no exercício do poder de polícia, solidariamente com o dono da obra. Bem por todos esses elementos é que José Afonso da Silva expôs que “O objeto imediato da demanda popular consiste na anulação do ato lesivo ao meio ambiente e na condenação dos responsáveis pelo ato, incluindo os seus destinatários, ao pagamento de perdas e danos ou, alternativa ou cumulativamente, a repor a situação no status quo ante, ou seja, a recuperar o meio ambiente degradado”, acrescentando que “O objeto mediato constitui-se na proteção do meio ambiente…” (cf. “Direito Ambiental Constitucional”).

Numa e noutra dessas ações, a ação civil pública e a ação popular, o exame de pedido de liminar ou de antecipação de tutela se submeterá aos dispositivos do Código de Processo Civil, naquilo em que não a dispor de forma diversa as leis regulamentares, ns. 7347/85 e 4.717, respectivamente (cf. RT 729/191).


O mandado de segurança coletivo o prevê a Constituição no artigo 5o, inciso n. LXX. Também serve de acesso à justiça ambiental, como decorre de sua natureza e nome. Contudo, além de se prestar à tutela dos interesses coletivos, há de servir, igualmente, à defesa dos interesses difusos, como o de preservação do meio ambiente. Pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional e por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados. Ressalva Edis Milaré, invocando lição de Celso Agrícola Barbi e de Lúcia Valle Figueiredo, que o mandado de segurança coletivo não se destina à defesa de direitos subjetivos de cidadãos, tanto que o dispositivo legal fala em “interesses”, devendo ser compreendidos na palavra apenas aqueles coletivos e os difusos, como resulta, aliás, da definição da legitimação a partidos políticos, a entidades sindicais, entidades de classe e associações.

No artigo 5o, n. LXXI, estabelece a Constituição que se concederá mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. O significado do dispositivo reside em que o tribunal definirá solução hábil a suprir a omissão, como já ocorreu em precedente em que funcionários de empresas clamaram por providência no que referente a distribuição de lucros, direito que não estavam a ver concretizado, por falta de regulamentação da regra constitucional que o concedia. Tem-se como aplicável o instituto também no que a entender com a defesa do direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, diante de situação em que, sem estudo antecedente de impacto ambiental, se cogite de instalação de atividade supostamente agressiva ao meio ambiente, valendo-se essa instalação de falta de regulamentação de determinada norma (cf. Diomar Ackel Filho, RT 628/424). O mandado de injunção seria cabível porque a Constituição, no artigo 225, parágrafo 1o., n. IV, impõe ao Poder Público exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental. Ressalva relevante faz, todavia, Alexandre de Moraes, ao escrever que “O mandado de injunção somente se refere à omissão de regulamentação de norma constitucional”, embora possa ser ajuizado por qualquer pessoa ou por associação de classe, hipótese última esta em que se deverá falar em “mandado de injunção coletivo”. No pólo passivo apenas poderá figurar a pessoa estatal, porque do Poder Público é que pode emanar o provimento normativo destinado a dar aplicabilidade à norma constitucional. O procedimento será o do mandado de segurança (cf. “Direito Constitucional”).

Conclusões: pelo que se vê, o Brasil se acha adiantado em matéria de acesso à justiça ambiental, tal a gama de instrumentos à disposição das pessoas físicas, das entidades públicas, das associações, uma vez superada, sem sucesso, aquela justiça ambiental que se tem afirmado, de modo crescente, independentemente de intervenção dos interessados junto ao Poder Judiciário. Nada fica o Brasil a dever em termos de institutos passíveis de prevenir e reprimir atentados e danos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, sem prejuízo de desenvolvimento econômico em harmonia com o dever imposto a todos de preservação do bem em causa. Também previstas sanções penais e administrativas não apenas a pessoas físicas mas também às jurídicas, na busca da realização dos ideais colimados (cf. Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998). Desta maneira, resta torcer por um Judiciário rápido e eficaz, no campo em questão, sem prejuízo de seriedade e qualidade na prestação jurisdicional. Em razão mesmo de conveniência de celeridade e especialização, consta estar prestes a ser aprovada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo uma Câmara Especial de Meio Ambiente, o que haverá de traduzir um exemplo de preocupação e de modernidade no trato de matéria que importa à própria vida dos ecossistemas naturais e sociais.

É certo que, segundo escreveu Glauber Moreno Talavera, estaria a ocorrer “um verdadeiro fundamentalismo verde” com atribuição de responsabilidade solidária entre pessoas ou entre empresas acusadas de lesar o meio ambiente. Também escreveu que a legislação brasileira estaria a criar um atentado ao desenvolvimento sustentável, porque a responsabilidade solidária inibiria financiamentos.

Sem embargo da consideração devida às referidas opiniões e que estariam a traduzir, pelo menos, em boa parte, apego exagerado a posições próximas, talvez, de um saudosista do Estado liberal, a verdade é que, em matéria de proteção ao meio ambiente, o Brasil, como em outras áreas, conta com leis muito oportunas.

O que importa é que, como ressalta Nelson Nery Júnior, o ser humano é o destinatário da proteção da biodiversidade, ou, como eu me permito dizer, é o ser humano o destinatário principal da proteção da biodiversidade. E o que se tem buscado conseguir é respeito a esse fato.

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