Lei da Biossegurança

ONG defende no STF pesquisa com células-tronco embrionárias

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9 de outubro de 2005, 7h00

Entre os que são contra ou a favor das pesquisas com células-tronco embrionárias, a discussão é uma só: em que momento começa a vida? Para os primeiros, a resposta é clara. Eles acreditam que, a partir do momento em que há fecundação, há vida. Para os segundos, óvulo fecundado fora do útero não é vida.

Integrante deste último grupo, a ONG Movitae — Movimento em Prol da Vida entrou com pedido no Supremo Tribunal Federal para ingressar como parte interessada no processo que discute a constitucionalidade do artigo 5º da Lei 11.105, de março de 2005, a Lei de Biossegurança. Pelo texto, ficou permitida a pesquisa com células-tronco de embriões produzidos por fertilização in vitro, congelados há, no mínimo, três anos, desde que tenha o consentimento dos genitores e a aprovação dos comitês de ética.

Para o Movitae, os estudos com células embrionárias não violam o direito à vida nem à dignidade, estabelecidos pela Constituição Federal, já que não se pode falar em vida humana para um embrião fora do útero e congelado. A organização entregou ao STF um estudo onde apresenta argumentos éticos, jurídicos e técnicos para o seu posicionamento. Fazem parte do Movitae o Centro de Estudos do Genoma Humano da Universidade de São Paulo, o Grupo de Pais e Pacientes de Doenças Neuromusculares e os técnicos da CTNBio — Comissão Técnica Nacional de Biossegurança.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade foi entregue ao Supremo no primeiro semestre deste ano pelo então procurador-geral da República Cláudio Fonteles. Ele alega que a vida começa na fecundação e “destruir” um embrião humana contraria o artigo 5ª da Constituição, que garante a todos o direito à vida. O argumento de Fonteles é defendido, principalmente, entre as comunidades religiosas, como a CNBB — Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.

A tese da ONG Movitae, no entanto, também têm seus adeptos, entre eles a seccional paulista da OAB — Ordem dos Advogados do Brasil. A vice-presidente da OAB-SP, Márcia Regina Machado Melaré, se manifestou a favor da constitucionalidade da lei. “A vida no ser humano existe somente se as funções cardíacas e cerebrais estão em funcionamento simultâneo e regular”, disse. O relator da Adin é o ministro Carlos Ayres Britto.

Fundamentação

O representante legal da ONG é o advogado Luís Roberto Barroso. No estudo apresentado ao Supremo, ele apresenta argumentos jurídicos, técnicos e éticos para que seja permitida a pesquisa com células-tronco embrionárias. O texto foi feito com apoio de outras associações interessadas: ADJ — Associação de Diabetes Juvenil, Multiplem — Grupo de Abordagem Multidisciplinar da Terapia de Esclerose Múltipla, Associação Brasil Parkinson e ABDim — Associação Brasileira de Distrofia Muscular.

A ONG ressalta que as pesquisas podem oferecer uma “perspectiva real de futuro tratamento” para portadores de doenças graves, entre elas Parkinson e esclerose múltipla. A organização destaca que as células-tronco de adultos não têm as mesmas propriedades e a mesma eficácia nos estudos que as embrionárias. Segundo o Movitae, de 3 a 5% da população brasileira tem doenças genéticas e, a cada ano, surgem de 8.000 a 10.000 casos de lesão medular.

No estudo, a organização argumenta que a Constituição da República assegura a inviolabilidade do direito à vida e o Código Civil estabelece quando começa a personalidade civil. O artigo 2º do código diz: “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. A ONG, então, entende que a lei afirma que a pessoa humana surge com o nascimento da vida e que, segundo entendimento de civilistas, expresso em vocabulário e dicionários jurídicos, “nascituro é o ser concebido, mas que ainda se encontra no centro materno”. Portanto, conclui que, na fertilização in vitro, não há pessoa, porque ainda não nasceu, nem nascituro, já que o embrião não foi transferido para o útero materno.


O Movitae lembra que o Código Civil foi aprovado em 2002, mas a partir de projeto de lei discutido em período em que ainda não se fazia a fertilização fora do útero da mulher.

Outro argumento apontado pela organização não governamental é a comparação do início da vida com o seu fim. Ou seja, se a Lei de Transplante de Órgãos estabelece o fim da vida, momento em que se pode retirar os órgãos do corpo, quando o sistema nervoso pára de funcionar, o mesmo critério deveria se adotado para o início, que se daria só quando o sistema nervoso começa a funcionar ou, pelo menos, a se formar, o que ocorre a partir do 14º dia após a fecundação.

Quanto à violação da dignidade humana, o Movitae conclui: “não sendo o embrião uma pessoa, não há que se falar, a rigor, em dignidade humana”. Para a ONG, a lei já limita bem a banalização do uso de embriões humanos, proibindo a clonagem humana, a comercialização de material biológico e a extração de células-tronco produzidas exclusivamente para a pesquisa.

A organização frisa que, em setembro de 2003, academias de ciências de 63 países firmaram documento contra a clonagem e favorável ao estudo com células-tronco de embriões.

“Ao exigir o prévio consentimento dos genitores para a realização de pesquisas com células-tronco, a lei assegura o direito de cada um agir de acordo com sua ética pessoal”, afirma o Movitae. Para a organização, a tese pela inconstitucionalidade da pesquisa implicaria em proibir também a fertilização in vitro, “a não ser que se sustentasse a necessidade de que todos os embriões fecundados fosse implantados, o que não é possível”.

Leia a íntegra do trabalho apresentado pela Movitae

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 3.510

Pedido de ingresso como amicus curiae formulado por

MOVITAE – Movimento em Prol da Vida

Em defesa das pesquisas com células-tronco embrionárias

(constitucionalidade do art. 5º da Lei n. 11.105/2005)

Introdução

Pedido de ingresso como amicus curiae

Parte I

A hipótese dos autos e o histórico da lei de biossegurança


I. A hipótese

II. Histórico legislativo da norma impugnada

Parte II

A questão do ponto de vista técnico e doutrinário

I. Fertilização in vitro

II. Importância das pesquisas com células-tronco embrionárias

III. Bioética, biodireito e Constituição

Parte III

A questão do ponto de vista ético

I. O debate sobre o início da vida

II. Outras indagações

Parte IV

A questão do ponto de vista jurídico

I. Inexistência de violação do direito à vida

II. Inexistência de violação à dignidade da pessoa humana

III. Notícia sobre o direito comparado

Parte V

A questão do ponto de vista institucional

I. Princípio majoritário, jurisdição constitucional e razão pública

Conclusão

Constitucionalidade do art. 5º da lei n. 11.105/2005

EXMO. SR. MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO – MINISTRO RELATOR DA ADIn Nº 3510

MOVIMENTO EM PROL DA VIDA – MOVITAE, associação civil sem fins lucrativos, certificada pelo Ministério da Justiça como organização da sociedade civil de interesse público (doc. nº 1), com sede na Rua Monte Caseros, 313, ap. 31, Vila Gomes, São Paulo, por seu advogado ao final assinado (doc. nº 02), com fundamento no art. 7º, § 2º da Lei nº 9.868, de 10.11.99, vem requerer seja admitida sua manifestação na presente ação direta de inconstitucionalidade, na qualidade de amicus curiae, apresentando desde logo as razões pelas quais postula a improcedência do pedido formulado.


Introdução[1]

Pedido de ingresso como amicus curiae

1. A presente medida conta com o apoio intitucional de Associação de Diabetes Juvenil – ADJ (doc. nº 03), Grupo de Abordagem Multidiciplinar da Terapia de Esclerose Múltipla – MULTIPLEM (doc. nº 04), Associação Brasil Parkinson (doc. nº 05) e Associação Brasileira de Distrofia Muscular – ABDIM (doc. nº 06). Apenas por simplificação, à vista da representatividade da MOVITAE, deixam elas de figurar formalmente como requerentes.

2. A Lei nº 9.868/99 promoveu a introdução formal, no direito brasileiro, da figura do amicus curiae, originária do direito norte-americano. A inovação fez carreira rápida, reconhecida como fator de legitimação das decisões do Supremo Tribunal Federal, em sua atuação como tribunal constitucional[2]. A Lei, em seu art. 7º, § 2º[3], delineou dois requisitos a serem utilizados como critérios de admissibilidade pelo relator: a) a relevância da matéria; e b) a representatividade do postulante. Ambos se encontram presentes no caso aqui examinado[4].

3. A relevância da matéria, tanto para a sociedade em geral como para os interesses tutelados pela entidade requerente, afigura-se manifesta. O pedido formulado na ação interfere de maneira drástica com as pesquisas envolvendo células-tronco embrionárias, sob o fundamento de sua incompatibilidade com a ordem constitucional. Tais pesquisas, no entanto, oferecem uma perspectiva real de futuro tratamento para doenças graves, que desafiam a medicina e afetam a saúde e a vida de milhões de pessoas. A requerente considera de inexcedível interesse público o reconhecimento da validade da lei que regulamenta tais procedimentos.

4. A representatividade do MOVITAE também pode ser seguramente constatada. Trata-se de organização não governamental, sem fins lucrativos, com atuação nacional, fundada em janeiro de 2003 por iniciativa conjunta do Grupo de Pais e Pacientes de Doenças Neuromusculares, do Centro de Estudos do Genoma Humano da Universidade de São Paulo – USP e dos técnicos da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança). A MOVITAE tem como missão institucional, precisamente, favorecer a comunicação entre a comunidade científica, a sociedade e o governo no debate sobre o uso de células-tronco em pesquisas. Também se inclui no seu objeto acompanhar e participar da criação e implementação das leis que disponham sobre a melhoria da qualidade de vida de pessoas portadoras de doenças genéticas ou adquiridas. Não parece haver dúvida razoável acerca de sua representatividade para manifestar-se sobre o tema a ser discutido na presente ação[5].


5. Diante de tais elementos, requer a MOVITAE que V. Exa. se digne de admitir sua manifestação no presente processo, na qualidade de amicus curiae, inclusive para fins de sustentação oral, na linha dos precedentes dessa Corte.

Parte I

Hipótese dos autos e histórico da Lei de Biossegurança

I. A hipótese

6. Insurge-se o autor da ação contra a íntegra do art. 5º da Lei nº 11.105, de 24.03.2005. Conhecida como Lei de Biossegurança, este diploma legal cuida de matérias diversas[6], sendo que a parte impugnada dispõe, especificamente, sobre a utilização, para fins de pesquisa e terapia, de células-tronco obtidas de embriões humanos, produzidos mediante fertilização in vitro, e que não foram transferidos para o útero materno. Os dispositivos legais impugnados têm a seguinte redação:

“Art. 5o É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:

I – sejam embriões inviáveis; ou

II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento.

§ 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.

§ 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa.

§ 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997”.

7. A tese central sustentada na ação é a de que “a vida humana acontece na, e a partir da, fecundação”. Fundado em tal premissa, o autor da ação alega que os dispositivos legais impugnados violariam dois preceitos da Constituição da República: o art. 5º, caput, que consagra o direito à vida; e o art. 1º, III, que enuncia como um dos fundamentos do Estado brasileiro o princípio da dignidade da pessoa humana. Os argumentos desenvolvidos pelo eminente Procurador-Geral da República que firmou a peça inicial podem ser resumidos em uma proposição: o embrião é um ser humano cuja vida e dignidade seriam violadas pela realização das pesquisas que as disposições legais impugnadas autorizam.


8. Antes de prosseguir, cumpre expor, de maneira objetiva, o sistema introduzido pela Lei nº 11.105/2005, em sua unidade e harmonia. A Lei permite a realização de pesquisas com células extraídas de embriões, mas exige que:

a) os embriões tenham resultado de tratamentos de fertilização in vitro (art. 5º, caput);

b) os embriões sejam inviáveis (art. 5º, I) ou que não tenham sido implantados no respectivo procedimento de fertilização, estando congelados há mais de três anos (art. 5º, II);

c) os genitores dêem seu consentimento (art. 5º, § 1º);

d) a pesquisa seja aprovada pelo comitê de ética da instituição (art. 5º, § 2º).

9. Além disso, a Lei nº 11.105/2005, proíbe:

a) a comercialização de embriões, células ou tecidos (art. 5º, § 3º, e Lei no 9.434/97, art. 15)[7];

b) a clonagem humana (art. 6o, IV)[8]; e

c) a engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano e embrião humano (art. 6o, III)[9].

10. O ponto de vista exposto pelo autor da ação é respeitável, como são as múltiplas visões de mundo em uma sociedade pluralista, e deve ser enfrentado com seriedade científica e filosófica. É o que se pretende fazer ao longo das presentes razões, nas quais se percorrerão os argumentos jurídicos e biológicos que infirmam a tese em que se baseia o pedido inicial. Será demonstrado, também, que a disciplina da matéria pela legislação atacada caracteriza-se pela prudência e pela moderação e que, em lugar de violar a vida e a dignidade humana, o tratamento dado ao tema promove esses valores de maneira adequada.


II. Histórico legislativo da lei impugnada

11. A Lei nº 11.105/2005 resultou de Projeto de Lei de iniciativa do Presidente da República, encaminhado à Câmara dos Deputados como Mensagem nº 579, datada de 3.10.2003. Embora constassem do texto original e tenham sido objeto de parecer favorável do Relator da Comissão Especial, Dep. Aldo Rebelo, as pesquisas com células-tronco não figuraram no texto que veio a ser aprovado no Plenário e remetido ao Senado. Na Câmara Alta, todavia, o texto foi recomposto após amplo e exaustivo debate, havendo tramitado por diversas comissões[10] e tendo sido submetido a inúmeras audiências públicas[11].

12. Em 20.09.2004 foram apresentados os pareceres dos Senadores Osmar Dias e Ney Suassuna. Em 6.10.2004 a matéria foi discutida em Plenário, com a manifestação oral de diversos Senadores[12]. O Projeto, já agora voltando a prever as pesquisas com células-tronco, foi aprovado por 53 votos a 2. Reenviado à Câmara dos Deputados, foi submetido a nova deliberação e aprovado em 4.03.2004. Em 14.10.2004 o Projeto de Lei foi sancionado pelo Presidente da República (com vetos que não repercutem na matéria aqui discutida), convertendo-se na Lei nº 11.105/2005.

Parte II

A questão do ponto de vista técnico e doutrinário

I. Fertilização in vitro

13. A fertilização in vitro é um método de reprodução assistida, destinado em geral a superar a infertilidade conjugal, utilizado com sucesso desde 1978[13]. Ela permite que os espermatozóides fecundem os óvulos em laboratório, fora do corpo da mulher, quando este processo não possa ser realizado no seu lugar natural, que é a trompa de falópio. A prática médica consolidada é a de se retirarem diversos óvulos para serem fecundados simultaneamente, evitando-se a necessidade de submeter a mulher a sucessivos procedimentos de estimulação da ovulação e aspiração folicular a cada tentativa de fecundação e desenvolvimento do embrião.


14. Muitos dos embriões obtidos se revelam inviáveis. Quando, todavia, se realiza com êxito a fase de fecundação e desenvolvimento inicial, o embrião é transferido para o útero, onde deverá continuar seu ciclo de formação, até adquirir capacidade de implantação no endométrio, que é a camada interna do útero da mulher (nidação). As possibilidades de êxito na obtenção da gravidez aumentam em função do número de embriões transferidos. No entanto, para limitar os riscos da gravidez múltipla, a recomendação é a de transferência de dois embriões, sendo comum que se chegue a três. Os embriões excedentes são congelados[14].

II. Importância das pesquisas com células-tronco embrionárias

15. As características que singularizam as células-tronco em relação às demais células são (a) a capacidade de se diferenciarem, i.e., de se converterem em distintos tecidos no organismo e (b) a propriedade de auto-replicação, isto é, a capacidade que têm de produzirem cópias idênticas de si mesmas. Todavia, tais características não se manifestam com a mesma intensidade em todas as células-tronco. Estas podem ser classificadas em: (a) totipotentes, as quais possuem a capacidade de se diferenciar em qualquer dos 216 tecidos que compõem o corpo humano; (b) pluripotentes ou multipotentes, que podem se diferenciar em quase todos os tecidos, menos na placenta e nos anexos embrionários; (c) oligopotentes, que são capazes de se diferenciar em poucos tecidos; ou (d) unipotentes, que só conseguem se diferenciar em um único tecido.

16. As totipotentes e as pluripotentes somente são encontradas nos embriões (por isso são chamadas de embrionárias). Tais células podem ser extraídas até três semanas após a fecundação (aproximadamente 14 dias)[15]. É essa capacidade de se diferenciar em todas as células do organismo humano que faz com que as células-tronco embrionárias se tornem necessárias para a pesquisa médica[16]. Como as células-tronco adultas são apenas oligopotentes[17] ou unipotentes[18], o seu potencial para a pesquisa é significativamente menor, embora também sejam dotadas de importância[19].

17. Dentre as patologias cuja cura pode resultar das pesquisas com células embrionárias, podem ser citadas, por exemplo, as atrofias espinhais progressivas, as distrofias musculares, as ataxias, a esclerose lateral amiotrófica, a esclerose múltipla, as neuropatias e as doenças de neurônio motor, a diabetes, o mal de Parkinson, síndromes diversas (como as mucopolisacaridoses ou outros erros inatos do metabolismo etc.). Todas elas constituem doenças graves, que causam grande sofrimento a seus portadores. Tragicamente, estas patologias atingem parte considerável da população mundial. No Brasil, entre 10 a 15 milhões de pessoas têm diabetes[20]; 3%-5% da população têm doenças genéticas que podem ser congênitas ou ter inicio na infância ou na idade adulta[21]; surgem entre 8.000 e 10.000 novos casos de lesão medular por ano (paraplegia ou tetraplegia)[22].


18. O debate de idéias nessa matéria pode se travar em diferentes níveis de abstração e complexidade, indo da fé à filosofia metafísica. Mas não pode desconsiderar o sofrimento real e concreto das pessoas portadoras dessas e de outras doenças, que precisam de solidariedade e empenho por parte do Estado, da sociedade e da comunidade científica.

III. Bioética, biodireito e Constituição

19. O Direito e a Ética desenvolveram, nas últimas décadas, uma trajetória de aproximação. Superando a separação ideológica que fora imposta pelo positivismo jurídico, renovou-se a relação entre o sistema de normas e o sistema de valores da sociedade. Esta virada kantiana[23] abriu caminho para a filosofia do direito da quadra atual, identificada como pós-positivismo[24]. Direito e Ética enfrentam os desafios dos avanços tecnológicos e das ciências biológicas, que deram ao homem o poder de interferir em processos antes privativos da natureza.

20. O biodireito é um subsistema jurídico em desenvolvimento acelerado, voltado para o estudo e disciplina dos fenômenos resultantes da biotecnologia e da biomedicina, como a reprodução assistida, a clonagem terapêutica e reprodutiva, a mudança de sexo, as pesquisas com células-tronco embrionárias. A Lei nº 11.105/2005 representa um esforço meritório de trazer a justiça, a segurança jurídica e a busca pelo bem-estar social para este domínio. A bioética, por sua vez, tem por objeto a demarcação das possibilidades e limites dos progressos científicos nesses domínios, à luz da filosofia moral, dos valores a serem preservados por cada sociedade e pela humanidade em geral[25]. Os princípios éticos básicos da pesquisa científica são (i) a autonomia, (ii) a beneficência e (iii) a justiça[26].

21. O encontro entre o Direito e a Ética se dá, em primeiro lugar, na Constituição, onde os valores morais se convertem em princípios jurídicos. A partir daí se irradiam pelo sistema normativo, condicionando a interpretação e a aplicação de todo o direito infraconstitucional[27]. As leis editadas pelo Congresso Nacional, por sua vez, expressam a vontade majoritária da sociedade em relação à disciplina da matéria que contêm. Cabe ao Supremo Tribunal Federal o papel relevante e delicado de encontrar o ponto de equilíbrio entre (i) a determinação de sentido dos valores inscritos na Constituição e o (ii) respeito ao processo político majoritário.


22. Expostos os conceitos técnicos e doutrinários subjacentes à discussão aqui empreendida, passa a requerente à demonstração de suas duas teses: a inexistência de violação do direito à vida e a inexistência de violação ao princípio da dignidade humana.

Parte III

A questão do ponto de vista ético

I. O debate sobre o início da vida

23. Como se pretende demonstrar mais à frente, o art. 5º da Lei nº 11.105/2005 não viola o direito à vida e nem a dignidade humana, por diversas razões. É preciso admitir, no entanto, que inexiste consenso científico ou filosófico acerca do momento em que tem início a vida. O reconhecimento de uma linha divisória moralmente significativa entre óvulo fertilizado e pessoa humana é uma das grandes questões do debate ético contemporâneo. Há inúmeras concepções acerca do tema[28].

24. Sem nenhuma pretensão de exaustividade, é possível enunciar algumas posições que têm sido defendidas no plano teórico, segundo as quais a vida humana se inicia: (i) com a fecundação; (ii) com a nidação[29]; (iii) quando o feto passa a ter capacidade de existir sem a mãe (entre a 24a e a 26a semanas da gestação)[30]; (iv) quando da formação do sistema nervoso central (SNC)[31]. Há até mesmo quem defenda que a vida humana se inicia quando passam a existir indicadores morais[32]. Não há necessidade nem conveniência de se prosseguir na enumeração das diferentes perspectivas debatidas no campo da bioética[33]. O ponto que se pretende aqui demonstrar é o da existência do que a filosofia moderna denomina de desacordo moral razoável[34].

25. Cumpre especular acerca da postura ética ideal em situações como esta. O senso moral de cada um envolve elementos diversos[35], que incluem: a) a consciência de si, a definição dos próprios valores e da própria conduta; e b) a percepção do outro, o respeito pelos valores do próximo e a tolerância com sua conduta. Não se trata de pregar, naturalmente, um relativismo moral, mas de reconhecer a inadequação do dogmatismo onde a vida democrática exige pluralismo e diversidade. Em situações como essa, o papel do Estado deve ser o de assegurar o exercício da autonomia privada, de respeitar a valoração ética de cada um, sem a imposição externa de condutas imperativas.


26. Foi exatamente isso o que fez a Lei nº 11.105/2005 ao exigir, em qualquer caso de pesquisa com células tronco, o “consentimento dos genitores”[36]. Após amplo debate, por deliberação majoritária expressiva, o Congresso Nacional assegurou o direito de cada um decidir, de acordo com seus valores pessoais. Como natural, também os médicos e pesquisadores irão decidir de maneira autônoma, de acordo com sua consciência.

II. Outras indagações

27. A Lei de Biossegurança, do mesmo passo que permitiu as pesquisas com células-tronco embrionárias, vedou de maneira inequívoca linhas de atuação eticamente condenadas pela comunidade científica internacional. De fato, nela se proibiu, expressamente, a clonagem humana, punida com pena de reclusão e multa[37]. Também o risco da prática de eugenia é afastado, pela interdição e tipificação como crime da engenharia genética em seres humanos[38]. E, por fim, a lei neutralizou o temor de se criar um mercado de embriões e tecidos humanos – a “industrialização da vida” –, ao proibir e criminalizar a comercialização de material biológico[39]. O risco de transgressão existirá com ou sem regulamentação da matéria, mas a existência de lei tem a virtude de demarcar adequadamente a fronteira entre o lícito e o ilícito.

28. Acrescente-se, em desfecho, que as opções éticas e normativas feitas pela legislação brasileira correspondem àquelas que têm recebido o apoio expressivo da comunidade internacional. Em setembro de 2003, as academias de ciências de 63 paises, inclusive a do Brasil, firmaram documento no qual assumem posição contrária à clonagem reprodutiva, mas favorável às pesquisas com células-tronco embrionárias[40]. O documento é representativo do pensamento dominante nos meios acadêmicos e científicos da maior parte do mundo.

Parte IV

A questão do ponto de vista jurídico

I. Inexistência de violação do direito à vida


29. O argumento contrário à utilização de células-tronco em pesquisas e tratamentos médicos é alimentado, no mais das vezes, por um sentimento religioso. Funda-se ele no pressuposto de que a vida teria início com a fecundação, fazendo a equiparação entre embrião e pessoa humana[41]. Como conseqüência, sua destruição para a realização de pesquisas e para o tratamento de outras pessoas representaria uma violação da vida. Não se deve, em nenhuma hipótese, desmerecer a crença sincera de qualquer pessoa ou doutrina[42]. Mas no espaço público de um Estado laico, hão de prevalecer as razões do Direito e da Ciência.

30. A Constituição da República assegura a inviolabilidade do direito à vida (art. 5º, caput). O Código Civil de 2002, reproduzindo normas do Código de 1916, assim dispôs:

“Art. 1º. Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”.

“Art. 2º. A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

31. Portanto, é a partir do nascimento com vida que surge a pessoa humana, com aptidão para tornar-se sujeito de direitos e deveres. Nada obstante, a lei resguarda, desde a concepção, os direitos do nascituro. Semanticamente, nascituro é o ser humano já concebido, cujo nascimento se espera como fato certo[43]. Os civilistas chamam a atenção, no entanto, para o fato de que este ser deverá estar em desenvolvimento no útero da mãe[44]. Note-se que o novo Código Civil, embora tenha sido promulgado em 2002, resultou de projeto de lei que foi discutido em um período no qual não era possível separar o embrião do corpo da mulher. Esta possibilidade só surgiu quando do advento da técnica da fertilização in vitro. Aparentemente, circunstâncias da tramitação legislativa do projeto já não permitiram reabrir o texto para tratamento específico do ponto.

32. Como conseqüência das premissas assentadas acima, o embrião resultante da fertilização in vitro, conservado em laboratório: a) não é uma pessoa, haja vista não ter nascido; b) não é tampouco um nascituro, em razão de não haver sido transferido para o útero materno. As normas e categorias tradicionais do direito civil não se aplicam à fecundação extracorporal. Vale dizer: até o advento da Lei nº 11.105/2005, não havia qualquer disciplina jurídica específica para esta entidade: embrião produzido em laboratório, mediante processo de reprodução assistida[45]. Foi precisamente a lei aqui impugnada que instituiu normas limitadoras das pesquisas genéticas e protetivas do embrião.


33. Em suma: embrião resultante de fertilização in vitro, sem haver sido transferido para o útero materno, não é nem pessoa nem nascituro.

34. O argumento que se vem de expor decorre natural e logicamente do Direito vigente no país, pelo menos desde o Código Civil de 1916. E, no plano filosófico, ele só é incompatível com uma única das posições expostas anteriormente a propósito do início da vida: a que crê que ela exista desde o primeiro momento da fecundação. E, no caso presente, com um elemento a mais: o de considerar indiferente que a fecundação tenha sido extra-corporal e que o embrião não tenha sido sequer transferido para o útero materno. Com as demais concepções acerca do início da vida, a tese aqui desenvolvida convive em plena harmonia.

35. De fato, os embriões só podem ser congelados (i) no estágio do zigoto unicelular, (ii) clivados (2 a 8 células) ou (iii) em blastocisto (a partir do 5º dia do desenvolvimento in vitro)[46] e nunca depois do 14º dia[47]. Vale dizer: a extração das células-tronco ocorre (i) antes do início da formação do sistema nervoso, quando o embrião é apenas um conjunto de células não diferenciadas; (ii) antes da nidação, i.e., da fixação do embrião no útero; (iii) antes de qualquer viabilidade de vida extra-uterina e, até mesmo, antes que se possa considerá-lo um ser individualizado[48].

36. A equiparação do embrião a um ser humano, em sua totalidade corporal e espiritual, não é compatível com o direito brasileiro que já se encontrava em vigor antes mesmo da Lei de Biossegurança. A Lei de Transplante de Órgãos, por exemplo, somente autoriza o procedimento respectivo após o diagnóstico de morte encefálica, momento a partir do qual cessa a atividade nervosa[49]. Se a vida humana se extingue, para a legislação vigente, quando o sistema nervoso pára de funcionar, o início da vida teria lugar apenas quando este se formasse, ou, pelo menos, começasse a se formar. E isso ocorre por volta do 14º dia após a fecundação, com a formação da chamada “placa neural”[50]. Essa foi, também, a posição adotada pelo Tribunal Constitucional Federal alemão[51].

II. Inexistência de violação à dignidade da pessoa humana


37. Não sendo o embrião uma pessoa, não há que se falar, a rigor, em dignidade humana (CF, art. 1º, III). Não se deve desprezar, todavia, o fato de se tratar de um ser humano em potencial. E muito embora possa permanecer indefinidamente como uma mera potencialidade, não deve ser instrumentalizado[52]. O tratamento dado à matéria pela Lei nº 11.105/2005 supera, sem margem de controvérsia, esta objeção, haja vista que somente permite a utilização de embriões fecundados in vitro para fins reprodutivos e que não têm a possibilidade de se tornarem seres humanos, porque inviáveis ou não utilizados no processo de fertilização.

38. De fato, a noção de potencialidade se traduz como a qualidade do que ainda não é, mas que pode vir a ser, dadas determinadas condições. Tais condições podem ser internas ou externas. No caso, as condições internas são as características próprias do embrião, a sua constituição genética; as externas são as relativas à implantação em um útero preparado para recebê-lo[53]. A lei brasileira garante que apenas os embriões que não exibam esse potencial sejam utilizados em pesquisas. De fato, de acordo com o inciso I do art. 5º, podem ser utilizadas as células oriundas de “embriões inviáveis”, ou seja, de embriões que não poderiam ser implantados no útero por não apresentarem as condições internas necessárias ao seu desenvolvimento posterior.

39. Já de acordo com o inciso II, poderão ainda ser usados embriões com três anos ou mais de congelamento. Observe-se que os embriões congelados são aqueles que não foram implantados no útero materno[54]. São embriões que não puderam ser utilizados no tratamento reprodutivo; que foram congelados para garantir que, tendo o tratamento anterior falhado, pudessem vir a ser implantados; e que foram doados para a pesquisa por seus genitores. Não possuem, portanto, as condições externas: são embriões que nunca serão implantados, que não chegarão à nidação e ao desenvolvimento posterior.

40. A Lei de Biossegurança permite, “para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro”. Observe-se que as células-tronco devem ser extraídas de embriões oriundos de tratamento reprodutivo (art. 5º, caput, da Lei n. 11.105/2005). A lei brasileira não permite que sejam utilizadas células-tronco extraídas de embriões produzidos exclusivamente para pesquisas[55].

41. Esse requisito tem uma conseqüência ético-jurídica importante: afastar a objeção antiutilitarista, apoiada no núcleo essencial do princípio da dignidade humana, segundo a qual a utilização de embriões em pesquisas significaria tratá-los como meios para a realização das finalidades de outrem[56]. De fato, somente podem ser utilizados em pesquisas os embriões que foram produzidos com o objetivo de serem implantados em um útero materno e de se tornarem, no futuro, seres humanos[57]. Originalmente, a finalidade perseguida era a reprodução. Contudo, como a implantação não ocorreu, não há razões para que suas células não sejam utilizadas para promover a vida e a saúde de pessoas que sofrem de graves patologias[58].


42. Além disso, de acordo com o §2º, as “Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa. Trata-se de dispositivo que garante que as células não sejam utilizadas de forma irresponsável ou caprichosa. Ainda que sejam cumpridos todos os requisitos legais acima enumerados, ou seja, ainda que se trate de embrião inviável ou congelado há mais de três anos, e ainda que os genitores tenham proferido a autorização, a aprovação do comitê de ética da respectiva instituição será exigida, para zelar por uma prática de pesquisa ética e conseqüente[59].

43. Note-se, por fim, que uma adesão estrita à tese da inconstitucionalidade da pesquisa com células-tronco implicaria também negar a possibilidade da própria fertilização in vitro, a não ser que se sustentasse a necessidade de que todos os embriões fecundados fossem implantados, o que não é possível[60]. Contudo, mesmo aqueles que são contra a própria fecundação in vitro ainda têm boas razões para apoiar a possibilidade das pesquisas com células-tronco dos embriões já produzidos: se os embriões não virão, de qualquer forma, a se tornar seres humanos, não haveria por que deixar de atribuir à sua curta existência um sentido nobre, que é o de promover a vida e a saúde de outras pessoas[61].

III. Notícia sobre o direito comparado

44. As pesquisas com células-tronco são admitidas em grande número de países. Nos Estados Unidos, permite-se a produção de novas linhagens – i.e., a replicação em outras células – a partir de uma célula-tronco embrionária. Já a possibilidade de clonagem terapêutica varia entre os Estados[62]. No Reino Unido, permite-se a produção de novas linhagens, assim como a clonagem terapêutica. Permite-se, ainda, a própria fecundação in vitro com o propósito direto de utilizar os embriões em pesquisas[63]. Na União Européia, permite-se a produção de novas linhagens a partir de embriões remanescentes de FIV, nos países em que a prática for legal[64].

45. Na Suécia, na China e em Israel permite-se a produção de novas linhagens, assim como a clonagem terapêutica. Em Cingapura, permite-se a produção de novas linhagens, assim como a clonagem terapêutica, desde que os embriões sejam destruídos em até 14 dias. Na Austrália, permite-se a produção de novas linhagens, sob certas condições, mas a clonagem terapêutica é proibida. Na Espanha, permite-se a pesquisa. Contudo, a produção de embriões especificamente com essa finalidade não é permitida[65]. Como se vê, a legislação brasileira se harmoniza com a tendência legislativa internacional, exibindo, inclusive, em relação a ela, um viés mais moderado[66].


Parte IV

A questão do ponto de vista institucional

I. Princípio majoritário, jurisdição constitucional e razão pública

46. A Constituição de um Estado democrático tem duas funções principais. Em primeiro lugar, compete a ela veicular consensos mínimos, essenciais para a dignidade das pessoas e para o funcionamento do regime democrático, e que não podem ser afetados por maiorias políticas ocasionais (ou exigem para isso um procedimento especialmente complexo). Esses consensos elementares, embora possam variar em função das circunstâncias políticas, sociais e históricas de cada país[67], envolvem a garantia de direitos fundamentais, a separação e a organização dos poderes constituídos e a fixação de determinados fins de natureza política ou valorativa.

47. Em segundo lugar, cabe à Constituição garantir o espaço próprio do pluralismo político, assegurando o funcionamento adequado dos mecanismos democráticos. A participação popular, os meios de comunicação social, a opinião pública, as demandas dos grupos de pressão e dos movimentos sociais imprimem à política e à legislação uma dinâmica própria e exigem representatividade e legitimidade corrente do poder. Há um conjunto de decisões que não podem ser subtraídas dos órgãos eleitos pelo povo a cada momento histórico. A Constituição não pode, não deve, nem tem a pretensão de suprimir a deliberação legislativa majoritária[68].

48. A jurisdição constitucional envolve a interpretação e a aplicação da Constituição por juízes e tribunais, tendo como uma de suas principais manifestações o controle de constitucionalidade. No desempenho desse papel relevante e delicado – inclusive por seu caráter contra-majoritário[69] –, o tribunal constitucional, o Supremo Tribunal Federal, pode declarar a invalidade e paralisar a eficácia de atos normativos que atentem contra a Constituição. Sua missão é a de resguardar o processo democrático e promover os valores constitucionais. No entanto, em nome da legitimidade democrática, tal atuação não pode desbordar para o exercício de preferências políticas, devendo conter-se nos limites da realização dos princípios constitucionais.

49. A suprema corte atua como intérprete da razão pública, impondo o respeito aos consensos mínimos consubstanciados na Constituição, mas respeitando a deliberação política majoritária legítima[70]. Pois bem: no caso específico, a manifestação do Congresso Nacional foi inequívoca, mediante votação expressiva na Câmara dos Deputados (85% dos parlamentares presentes votaram favoravelmente) e no Senado Federal (53 votos favoráveis contra 2) [71]. O debate na sociedade e nos meios de comunicação tem sido amplo e signficativo[72].


50. A conclusão que se extrai de todos esses elementos afigura-se simples. A questão em discussão, sobretudo se levada para o plano do momento de início da vida, envolve um profundo desacordo moral na sociedade. Logo, não se está diante de matéria que possa figurar na categoria dos consensos mínimos. Nesse ambiente, o Congresso Nacional, expressando a vontade política majoritária da sociedade, regulou o tema, de uma maneira que respeita o pluralismo político, isto é, a autonomia de cada um. De fato, ao exigir o prévio consentimento dos genitores para a realização de pesquisas com células-tronco, a lei assegurou o direito de cada um agir de acordo com sua ética pessoal.

51. Por todas as razões expostas, não se justifica nem se legitima a atuação contra-majoritária do Supremo Tribunal Federal, que deverá julgar o pedido improcedente, declarando a constitucionalidade da lei impugnada.

Conclusão

Constitucionalidade do art. 5º da Lei n. 11.105/2005

A. A pesquisa com células-tronco embrionárias representa uma perspectiva de tratamento eficaz para inúmeras doenças que causam sofrimento e morte de milhões de pessoas. A legislação impugnada trata da matéria com moderação e prudência, somente permitindo a utilização de embriões remanescentes dos procedimentos de fertilização in vitro.

B. As células-tronco embrionárias somente podem ser extraídas até o 14º dia após a fertilização, antes do início da formação do sistema nervoso central ou da existência de qualquer atividade cerebral. De acordo com a maior parte das concepções existentes, ainda não existe vida humana nesse momento. A Lei nº 11.105/2005, ademais, veda expressamente a clonagem humana, a engenharia genética e a comercialização de embriões.

C. Não há violação do direito à vida, nem tampouco da dignidade humana, porque embrião não se equipara a pessoa e, antes de ser transferido para o útero materno, não é sequer nascituro. A Lei nº 11.105/2005 protege, todavia, a dignidade do embrião, impedindo sua instrumentalização, ao determinar que só possam ser utilizados em pesquisas embriões inviáveis ou não utilizados no procedimento de fertilização.

D. A questão acerca das pesquisas com células-tronco tem sido debatida em todo o mundo, ensejando visões contrapostas. No Brasil, o Poder Legislativo, por votação expressiva, tomou posição na matéria, produzindo disciplina que se harmoniza com o tratamento dado na maior parte dos países ocidentais. O tema não se situa no espectro dos consensos mínimos protegidos pela Constituição, devendo prevalecer a deliberação realizada no âmbito do processo político majoritário.


Pelas razões desenvolvidas, pede e espera o MOVITAE que o Supremo Tribunal Federal julgue improcedente o pedido formulado.

Do Rio de Janeiro para Brasília, 30 setembro de 2005

Luís Roberto Barroso

Adv. insc. 37.769

[1] A peça que se segue foi elaborada com a consultoria técnica de Mayana Zatz, Diretora do Centro de Estudos do Genoma Humano e Professora Titular de Genética Humana e Médica do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. O trabalho contou, igualmente, com o apoio e a colaboração de José Carlos Dias, advogado criminal, ex-Ministro da Justiça, Secretário de Estado de Justiça de São Paulo e Presidente da Comissão de Justiça e Paz de São Paulo.

[2] V. Inf. STF, 215, ADInMC 2130-SC, Rel. Min. Celso de Mello; Inf. STF, 384, ADIn 3311-DF, rel. Min. Joaquim Barbosa.

[3] Lei nº 9.868/99, art. 7º, § 2º: “O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades”.

[4] Sobre o ponto, v. STF, DJU, 23 jun.2005, ADIn 3355/RJ, Rel. Min. Joaquim Barbosa.

[5] Entidades análogas têm sido regularmente admitidas em ADIns e outros processos objetivos, como se observa, por exemplo, nas seguintes decisões: “(…) A Conectas Direitos Humanos requer sua admissão na presente ADPF, na condição de amicus curiae (§ 2º do artigo 6º da Lei n. 9.882/99). 3. Em face da relevância da questão, e com o objetivo de pluralizar o debate constitucional, aplico analogicamente a norma inscrita no § 2º do artigo 7º da Lei n. 9.868/99, admitindo o ingresso da peticionária, na qualidade de amicus curiae (…)” (DJU 8 ago. 2005, ADPF 73/DF, Rel. Min. Eros Grau,); “Admito, na condição de ‘amicus curiae’, o Instituto Brasileiro de Advocacia Pública – IBAP (fls. 386/394), eis que se acham atendidas, na espécie, as condições fixadas no art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99. (…)” (DJU 06/06/2005, ADI 3056/RN, Rel. Min. Celso de Mello).


[6] Esta a ementa da Lei nº 11.105, de 24.03.2005: “Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1o do art. 225 da Constituição Federal, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança – PNB, revoga a Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts. 5o, 6o, 7o, 8o, 9o, 10 e 16 da Lei no 10.814, de 15 de dezembro de 2003, e dá outras providências”.

[7] Lei no 9.434/97: “Art. 15. Comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes do corpo humano:

Pena – reclusão, de três a oito anos, e multa, de 200 a 360 dias-multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem promove, intermedeia, facilita ou aufere qualquer vantagem com a transação”.

[8] Lei nº 11.105/2005: “Art. 6º. Fica proibido: (…) IV – clonagem humana”. A clonagem humana pode ser reprodutiva ou terapêutica. Na clonagem reprodutiva, transfere-se o núcleo de uma célula adulta para um óvulo, do qual se retirou o núcleo. Esta célula começa a se replicar dando origem a um embrião, o qual, implantado em um útero, pode se desenvolver gerando um ser geneticamente idêntico ao doador. Na clonagem terapêutica, o processo é o mesmo até a formação do embrião. Quando este se forma, são extraídas células-tronco, que, cultivadas, podem constituir um tecido capaz de ser transplantado para o doador. A grande vantagem dessa técnica é evitar a rejeição, se as células-tronco forem reintroduzidas na mesma pessoa que doou o núcleo da célula adulta. Sobre o tema, v. Mayana Zatz, Clonagem humana: contras e prós, Parcerias Estratégicas 16:133, 2002.

[9] Lei nº 11.105/2005: “Art. 6º. Fica proibido: (…) III – engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano e embrião humano”.

[10] Em 9.06.2004 foi encaminhado à Comissão de Educação do Senado, passando a tramitar em conjunto com o PLS 188/99 e com o PLS 422/99. Na comissão foi anexado ofício do Senhor Ministro da Ciência e Técnologia, encaminhando manifestação da CTNBio e demais manifestações sobre o projeto. Em 10.08.2004 foi aprovado parecer, na forma do substitutivo oferecido pelo relator, Senador Osmar Dias, que incorpora a emenda de autoria dos Senadores Tasso Jereissati e Lúcia Vânia, os quais reinserem no projeto a possibilidade de pesquisas com células-tronco. Encaminhado à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, o projeto foi aprovado em 14.09.2004. São realizadas, então, seções conjuntas da Comissão de Assuntos Econômicos, da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, e da Comissão de Assuntos Sociais, relatando o projeto o Senador Ney Suassuna.

[11] Nas diferentes comissões foram ouvidos incontáveis especialistas, no período que vai de dezembro de 2003 até junho de 2004, dentre os quais: os Drs. Luiz Eduardo Carvalho, Ernesto Paterniani, Francisco Aragão, Robinson Pitelli, David Hathaway, Rubens Onofre Nodari, Luiz Manuel Rebelo Fernandes, João Paulo Ribeiro Capobianco, Leila Macedo Oda, Getúlio Pernambuco, José Silvino da Silva Filho, Aurélio Virgílio Veiga Rios, Jean Marc Von Der Weid, Jorge Almeida Guimarães, Hernan Chaimovich Guralnik, Glaci T. Zancan, Luiz Roberto Baggio, Mayana Zatz, Patrícia Pranke, André Marcelo Suarez, Dráuzio Varela, Marco Antônio Zago, Márcio C. Silva Filho, Aluízio Borém, Elíbio Rech, Francisco J. Lima Aragão, Eduardo Romano, Mariza Marilena Luz Barbosa e Rubens Onofre Nodari.


[12] Aloizio Mercadante, Jonas Pinheiro, José Jorge, Antonio Carlos Valadares, Tasso Jereissati, Lúcia Vânia, Flávio Arns, Marco Maciel, Sérgio Cabral, Osmar Dias, Mozarildo Cavalcanti, Tião Viana, Juvêncio da Fonseca, Heloísa Helena, Sibá Machado, Alvaro Dias, Hélio Costa, João Capiberibe, Pedro Simon, Eduardo Azeredo, Eduardo Suplicy, Leomar Quintanilha, Aelton Freitas e Ney Suassuna.

[13] O primeiro “bebê de proveta” do mundo, nascido em 05.07.98, foi Louise Joy Brown, que concretizou a possibilidade da concepção de um ser humano in vitro. V. Heloisa Helena Barboza, Proteção jurídica do embrião humano. In: Carlos Maria Romeo Casabona e Juliane Fernandes Queiroz, Biotecnologia e suas implicações ético-jurídicas, 2005, p. 248.

[14] Raquel de Lima Leite Soares Alvarenga, Considerações sobre o congelamento de embriões. In: Carlos Maria Romeo Casabona e Juliane Fernandes Queiroz, Biotecnologia e suas implicações ético-jurídicas, 2005, p. 232 e ss.

[15] Com a fecundação, tem origem um zigoto, formado por uma única célula. Esta se divide em duas, que se dividem em quatro, e assim ocorre sucessivamente até que se forme o feto. As células totipotentes são as que têm lugar nas primeiras fases desse processo contínuo de divisão celular (até o momento em que 16 células se dividem em 32), enquanto as pluripotentes somente surgem na fase de blastocisto (que se inicia quando as 32 células se dividem em 64). No blastocisto, as células internas são pluripotentes, enquanto as externas se destinam a produzir a placenta e as membranas embrionárias.

[16] As outras duas características das células-tronco embrionárias que as tornam especialmente importantes para a pesquisa são a maior facilidade para isolá-las e a maior possibilidade de induzir o processo de diferenciação celular em laboratório. Sobre a importância das pesquisas com células-tronco embrionárias, v. Sell S. (editor), Stem Cells Handbook, 2004

[17] Esse é o caso, por exemplo, das células do trato intestinal.

[18] Esse é o caso, por exemplo, das células do tecido cerebral adulto e da próstata.

[19] Sell S. (editor), Stem Cells Handbook, 2004.

[20] Fonte: Ministério da Saúde e Assoc. de Diabetes Juvenil.

[21] Nardi, Doenças Genéticas: gênicas, cromossômicas, complexas, p. 209-226.


[22] Fonte: Organização Mundial de Saúde.

[23] A expressão se deve à influência do pensamento de Kant e às duas formulações do imperativo categórico, proposições éticas superadoras do utilitarismo: a) uma pessoa deve agir como se a máxima da sua conduta pudesse se transformar em uma lei universal; b) cada indivíduo deve ser tratado como um fim em si mesmo, e não como um meio para realização de metas coletivas ou de outras metas individuais. V. Immanuel Kant, Fundamentación de la metafísica de las costumbres, 1951. V. tb. Ted Honderich (editor), The Oxford companion to Philosophy, 1995, p. 589; Ricardo Lobo Torres, Tratado de direito constitucional financeiro e tributário: Valores e princípios constitucionais tributários, 2005; e Ricardo Terra, Kant e o direito, 2005.

[24] A expressão pós-positivismo abriga um conjunto difuso de idéias, que incluem a volta dos valores ao Direito, a formulação de uma teoria da justiça e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais, edificada sobre o fundamento da dignidade humana. Autores pioneiros nesse debate foram: John Rawls, A theory of justice, 1971; Ronald Dworkin, Taking rights seriously, 1977; Robert Alexy, Teoria de los derechos fundamentales, 1993; Paulo Bonavides, Curso de direito constitucional, 2004. V. Albert Calsamiglia, Postpositivismo, Doxa 21:209, 1998, p. 209: “Denominaré postpositivistas a las teorías contemporáneas que ponen el acento en los problemas de la indeterminación del derecho y las relaciones entre el derecho, la moral y la política”.

[25] Sobre esta temática, v. Heloisa Helena Barbosa e Vicente de Paulo Barreto (orgs.), Temas de biodireito e bioética, 2001 e, dos mesmos autores e também Jussara M.L. de Meirelles, Novos temas de biodireito e bioética, 2003.

[26] Na seqüência do Tribunal de Nuremberg foi elaborado o Código de Nuremberg (1947), estabelecendo padrões éticos para a experimentação com seres humanos. Sucedeu-o a Declaração de Helsinki, aprovada pela Assembléia Médica Mundial em 1964, contendo “recomendações para orientar os médicos na investigação biomédica em seres humanos”. E, por fim, foi elaborado o Relatório Belmont, de 1978, redigido por uma comissão do Congresso norte-americano. Nele foram lançados os princípios da bioética. O princípio da autonomia ou do respeito pelas pessoas envolve dois requisitos morais distintos: o de reconhecer a livre-determinação de cada pessoa e o de proteger aqueles que possuem autonomia reduzida. O princípio da beneficência se expressa em duas regras complementares: a) não causar dano e b) maximizar benefícios. O princípio da justiça envolve a questão complexa de se determinar quem deve receber os benefícios da pesquisa e quem deve financiar seus custos. Sobre o tema, inclusive com a versão traduzida para o português do Relatório Belmont, v. Darlei Dall’Agnol, Bioética, 2005.

[27] Sobre o tema, v. Luís Roberto Barroso, Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito, Revista de Direito Administrativo 240, 2005.

[28] Para um inventário das diversas propostas, v. Tania Salem, As novas tecnologias reprodutivas: O estatuto do embrião e a noção de pessoa, Mana 3(1), 1997, p. 80. V. tb. Paul Singer, Vida ética, p. 186 e ss.


[29] Essa posição lança mão do argumento de que só há potencial de vida quando o embrião se fixa no útero materno, já que o embrião não pode se desenvolver fora dele.

[30] Deste critério se utilizam a Suprema Corte norte-americana, quando dispõe sobre o aborto, e o Comitê Nacional de Ética Francês, quando distingue entre “pessoa humana potencial” e “pessoa humana tout court”.

[31] O dado fundamental, para essa perspectiva, é a capacidade neurológica de sentir dor ou prazer.

[32] Para os que depositam confiança nesta linha de pensamento, o que distingue a pessoa de todo o restante do mundo natural é a razão, a capacidade de fazer escolhas e a moral.

[33] Aqui é pertinente a advertência de José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, 2001, p. 200: “Não intentaremos dar uma definição disto que se chama vida, porque é aqui que se corre o grave risco de ingressar no campo da metafísica supra-real, que não nos levará a nada.”

[34] O desacordo moral razoável é aquele que tem lugar diante da ausência de consenso entre posições racionalmente defensáveis. Sobre o tema, v. Amy Gutmann e Dennis Thompson, Democracy and disagreement, 1997; Jeremy Waldron, Law and disagreement, 1999; John Rawls, Liberalismo político, 2000.

[35] Sobre as condições a serem preenchidas pelo sujeito ético ou moral, v. Marilena Chauí, Convite à filosofia, 1999, p. 337 e ss.

[36] Rememore-se a letra expressa do § 1º do art. 5º da Lei: “Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores”

[37] Lei nº 11.105/2005: Art. 6o: “Fica proibido: (…) IV – clonagem humana;”. Art. 26: “Realizar clonagem humana: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa”.

[38] Lei nº 11.105/2005: “Art. 6o. Fica proibido: (…) III – engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano e embrião humano”. “Art. 25. Praticar engenharia genética em célula germinal humana ou embrião humano: Pena – reclusão, de 1(um) a 4 (quatro) anos, e multa”.

[39] Lei nº 11.105/05, art. 5º, § 3º: É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997”. Lei 9.434/97, art. 15: “Comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes do corpo humano: Pena – reclusão, de três a oito anos, e multa, de 200 a 360 dias-multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem promove, intermedeia, facilita ou aufere qualquer vantagem com a transação”. A comercialização de embriões já era vedada pela Resolução n. 1.358/92, do Conselho Federal de Medicina, que determinava em IV(1): “A doação [de gametas ou de pré-embriões] nunca terá caráter lucrativo ou comercial.”


[40] As academias de ciências que firmaram o documento são as seguintes: Academia Africana de Ciências, Academia Caribenha de Ciências, Academia de Ciências da América Latina, Academia de Ciências do Terceiro Mundo, Academia de Ciências da Albânia, Academia Nacional de Ciências Exatas, Físicas e Naturais da Argentina, Academia Australiana de Ciências, Academia de Ciências do Bangladesh, Academia Nacional de Ciências da Bielo-Rússia, Academia Nacional de Ciências da Bolívia, Academia Brasileira de Ciências, Academia de Ciências Búlgara, Academia de Ciências de Camarões, Academia Chinesa de Ciências, Academia Sínica, Taiwan, Academia Croata de Artes e Ciências, Academia Cubana de Ciências, Academia de Ciências da República Tcheca, Academia Real de Ciências da Dinamarca, Academia de Ciências da República Dominicana, Academia de Pesquisas Científicas do Egito, Academia Estoniana de Ciências, Delegação das Academias de Ciências e Letras da Finlândia, Academia de Ciências da França, Academia Georgiana de Ciências, Academia de Atenas, Grécia, Academia Húngara de Ciências, Academia Nacional de Ciências da Índia, Academia de Ciências da Indonésia, Academia de Ciências e Humanidades de Israel, Conselho de Ciências do Japão, Real Sociedade Científica da Jordânia, Academia Nacional de Ciências do Quênia, Academia Nacional de Ciências da República do Quirguistão, Academia de Ciências da Letônia, Academia de Ciências da Lituânia, Academia Macedônia de Ciências e Artes, Academia Mexicana de Ciências, Academia de Ciências da Moldávia, Academia de Ciências da Mongólia, Academia do Reino de Marrocos, Academia Real de Artes e Ciências da Holanda, Conselho da Academia da Sociedade Real da Nova Zelândia, Academia Nigeriana de Ciências, Academia Norueguesa de Ciências e Letras, Academia Paquistanesa de Ciências, Academia de Ciência e Tecnologia da Palestina, Academia Nacional de Ciências do Peru, Academia Nacional de Ciência e Tecnologia das Filipinas, Academia Romena, Academia Russa de Ciências, Academia de Ciências e Técnicas do Senegal, Academia Nacional de Ciências da Cingapura, Academia de Ciências da África do Sul, Academia Nacional de Ciências do Sri Lanka, Academia Real de Ciências da Suécia, Academia de Ciências da República do Tadjiquistão, Academia de Ciência e Tecnologia da Tailândia, Academia Turca de Ciências, Academia Nacional de Ciências de Uganda, Sociedade Real, Reino Unido, Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, Academia de Ciências Físicas, Matemáticas e Naturais da Venezuela.

[41] Essa é a posição defendida pela Congregazione per la Dottrina della Fede. No documento intitulado Il rispetto della vita umana nascente e la dignità della procreazione, de 1987, tal posição é afirmada: “Assim, o fruto da geração humana, a partir do primeiro momento de sua existência, isto é, a partir do momento em que o zigoto é formado, exige o respeito incondicional que é moralmente devido ao ser humano em sua totalidade corporal e espiritual. O ser humano deve ser respeitado e tratado como uma pessoa a partir do momento da concepção; e então, a partir do mesmo momento, seus direitos como uma pessoa devem ser reconhecidos, dentre os quais, em primeiro lugar, o direito inviolável de todo ser humano inocente à vida. Esta lembrança doutrinária provê o critério fundamental para a solução de vários problemas levantados pelo desenvolvimento das ciências biomédicas neste campo: como o embrião deve ser tratado como uma pessoa, deve também ser defendido em sua integridade, cuidado e protegido, à máxima extensão possível, da mesma forma que qualquer outro ser humano no que se refere à assistência médica”. Após fixar esse critério geral, a Congregação se pronuncia especificamente acerca da impossibilidade da experimentação com embriões: “No que se refere à experimentação, e pressupondo a distinção geral entre aquela com propósitos que não sejam diretamente terapêuticos e aquela que é claramente terapêutica para o próprio sujeito, no caso em tela deve-se distinguir também entre a experimentação realizada em embriões que ainda estão vivos e a experimentação realizada em embriões mortos. Se eles estão vivos, viáveis ou não, devem ser respeitados como todas as pessoas humanas; a experimentação não diretamente terapêutica é ilícita.”


[42] Eça de Queiroz, A correspondência de Fradique Mendes, 1900 (data da 1a. ed.), p. 11: “Todo culto sincero, porém, tem uma beleza essencial, independente dos merecimentos do Deus para quem se evola”.

[43] Dicionário Houaiss, 2001: “diz-se de ou o ser humano já concebido, cujo nascimento é dado como certo”. Novo dicionário Aurélio, 1986: “o ser humano já concebido, cujo nascimento se espera como fato futuro certo”.

[44] Sílvio Rodrigues, Direito civil, 2001, p. 36: “Nascituro é o ser já concebido, mas que ainda se encontra no ventre materno”. V. tb. Maria Helena Diniz, Dicionário jurídico, 1998, p. 334; Plácido e Silva, Vocabulário jurídico, 2004, p. 942 (edição revista e atualizada por Nagib Slaibi Filho).

[45] Heloísa Helena Barboza, Proteção jurídica do embrião humano. In: Carlos Maria Romeo Casabona e Juliane Fernandes Queiroz, Biotecnologia e suas implicações ético-jurídicas, 2005, p. 249 e 257: “Havendo fertilização in vitro, distingue-se, nestes termos, o embrião do nascituro, entendendo-se esse último como o ser já em gestação que, ao que se sabe até a presente data, só pode ocorrer no útero da mulher. (…) Por conseguinte, não há atualmente no Direito brasileiro (este texto é anterior à Lei nº 11.105/2005), disciplina legal quanto ao embrião humano, na medida em que, pelas razões expostas, tanto o Código Civil de 1916, quanto o de 2002, contém dispositivos que parecem aplicáveis apenas ao nascituro, ou seja, ao ser concebido e já em gestação no útero de uma mulher”.

[46] Raquel de Lima Leite Soares Alvarenga, Considerações sobre o congelamento de embriões. In: Carlos Maria Romeo Casabona e Juliane Fernandes Queiroz, Biotecnologia e suas implicações ético-jurídicas, 2005, p. 241.

[47] A partir daí as células, antes multipotentes, começam a se diferenciar e a se converter em oligopotentes, dando causa à formação da placa neural e de outros tecidos.

[48] A embriologia tem, por vezes, caracterizado esse estágio de desenvolvimento com a expressão “pré-embrião”. Cuida-se de termo cunhado em meados dos anos 1980 para designar o período que compreende as etapas estabelecidas entre a fecundação e os 14 (quatorze) primeiros dias de gestação. O que leva a que não se use a palavra “embrião”? Enumeram-se quatro razões para isso: (i) durante esse período, o ser não é capaz de sentir prazer ou dor, devido ao fato de não se ter formado, ainda, o sistema nervoso central; (ii) é altíssimo o número de insucessos no desenvolvimento embrionário, normalmente pela dificuldade de fixação no útero; (iii) até os 14 (quatorze) dias ainda é possível que se dividam as células em dois grupos, formando gêmeos – uma identidade do embrião, portanto, como algo único e singular só poderia ser afirmada depois desse período; (iv) a implantação do embrião no útero somente se completa por volta do 13o dia de gestação, quando, então, passa a possuir o potencial de se tornar uma pessoa. V. Tania Salem, As novas tecnologias reprodutivas: O estatuto do embrião e a noção de pessoa, Mana 3(1):81-3, 1997.


[49] Lei nº 9.434/97, art. 3º: "A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina."

[50] Keith L. Moore, T. V. N. Persaud, Embriologia clínica, 1994, p. 357: “O sistema nervoso desenvolve-se a partir de uma área espessada (…) do ectoderma embrionário, denominada placa neural, que aparece na terceira semana”. No mesmo sentido, de acordo com Conselho Federal de Medicina, “um pré-embrião em estágio de oito células sem desenvolvimento da placa neural não pode ser considerado um ser humano. É uma expectativa potencial de vida. Assim como são expectativas de vida os gametas masculinos e femininos, isoladamente” (CFM, Processo Consulta n.º 1698/96, Rel. Cons. Antônio Henrique Pedrosa Neto, aprovado na Sessão Plenária do dia 11. set.1996).

[51] V. BverGE 39:I, 1995: “Vida, no sentido de existência em desenvolvimento de um indivíduo humano, começa, de acordo com reconhecidas descobertas biológico-fisiológicas, no décimo-quarto dia depois da concepção (implantação, individualização). O processo de desenvolvimento que então tem início é contínuo, não se manifestando uma clara definição, nem se permitindo qualquer delimitação precisa entre as várias fases de desenvolvimento da vida humana” (In: Donald P. Kommers, The constitutional jurisprudence of the Federal Republic of Germany, 1997, p. 337).

[52] Heloísa Helena Barboza, Proteção jurídica do embrião humano. In: Carlos Maria Romeo Casabona e Juliane Fernandes Queiroz, Biotecnologia e suas implicações ético-jurídicas, 2005, pp. 266 e 268: “Por outro lado, se é certo que o concebido não é ‘coisa’, atribuir ao embrião pré-implantatório natureza de pessoa ou personalidade seria uma demasia, visto que poderá permanecer indefinidamente como uma potencialidade. (…) No momento, parece que o mais razoável, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, seja conferir ao embrião humano uma ‘tutela particular’, desvinculada dos conceitos existentes, mas que impeça, de modo eficaz, sua instrumentalização, dando-lhe, enfim, proteção jurídica condizente, se não com a condição de indivíduo pertencente à espécie humana, com o respeito devido a um ser que não pode ser coisificado”. No mesmo sentido, Antonio Junqueira de Azevedo, Caracterização da dignidade da pessoa humana, RT 707: 11, 2002, p. 21: “[D]o embrião pré-implantatório, resultante de processos de fecundação assistida, ou até mesmo de clonagem, constituído artificialmente e que ainda está fora do ventre materno, por não estar integrado no fluxo vital contínuo da natureza humana, é difícil dizer que se trata de ‘pessoa humana’. É verdade que, por se tratar da vida em geral e especialmente da vida humana potencial, nenhuma atividade gratuitamente destruidora é moralmente admissível, mas, no nosso entendimento, aí já não se trata do princípio da intangibilidade da vida humana; trata-se da proteção, menos forte, à vida em geral. Dentro desses parâmetros, isto é, sob o ângulo da intangibilidade da vida humana, a própria clonagem terapêutica, como admitida pelo Parlamento Europeu e pelo governo inglês, não é condenável do ponto de vista ético e jurídico”.

[53] V. Katrien Devolder, Human embryonic stem cell research: why the discardedcreated-distinction cannot be based on the potentiality argument, Bioethics 19 (2): 167, 2005, p. 176-177: “O único ponto sobre o qual todos concordam no que se refere ao sentido de ‘potencialidade’ é que algo que é potencial não é real, mas pode se tornar real sob certas condições. Essas condições podem depender de fatores internos e externos. Em relação ao ‘embrião como pessoa em potencial’, os fatores internos são as características do próprio embrião (e.g. sua constituição genética, seu potencial de desenvolvimento). Os fatores externos podem estar tanto na gênese do embrião (e.g. aplicação de SCNT) quanto além (e.g. ser escolhido para implantação no útero, ser um embrião excedente, ser abortado). As condições externas, relativas às intenções das pessoas, podem depender de condições internas (selecionamos um embrião porque ele tem características que o colocam como mais ‘saudável’ do que um outro), mas não necessariamente o fazem (podem basear-se em outras intenções, e.g. uma mulher que não quer um filho).”


[54] Relembre-se, como já assinalado, que a técnica de fertilização in vitro produz um número de embriões maior do que o que pode ser efetivamente implantado no útero materno. Feita a fecundação, o médico seleciona, então, os embriões que possuem as características necessárias ao posterior desenvolvimento do feto. Os embriões não implantados são então congelados em condições criogênicas para o caso de a tentativa anterior de implantação não prosperar.

[55] No tocante a esse aspecto, a legislação brasileira segue a tendência internacional. Dos países que permitem pesquisas com células-tronco, o Reino Unido é a exceção que merece nota, por permitir também pesquisas com embriões criados apenas com a finalidade de serem utilizados em pesquisas.

[56] Trata-se de um conceito de dignidade humana inspirado em uma das formulações do imperativo categórico kantiano, pela qual cada indivíduo deve ser tratado como um fim em si mesmo, e não como um meio para realização de metas coletivas ou de outras metas individuais. Sobre o conceito de dignidade da pessoa humana, v. Ana Paula de Barcellos, A eficácia jurídica dos princípios constitucionais. O princípio da dignidade da pessoa humana, 2001; Ingo Wolfgang Sarlet, Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988, 2002; Maria Celina Bodin de Moraes, Danos à pessoa humana, 2002. Sobre a relação do princípio com o debate sobre a possibilidade de pesquisas com células-tronco embrionárias, ver Fuat S. Oduncu, Stem cell research in Germany: Ethics of healing vs. human dignity, Medicine, Health Care and Philosophy 6:12, 2003.

[57] O Conselho Federal de Medicina esclarece, em parecer, como se dá esse processo de reprodução assistida: (a) estimula-se quimicamente a ovulação e, então, colhe-se número indeterminado de óvulos; (b) estes, em contato com espermatozóides, são fertilizados e se desenvolvem in vitro até o momento em que possuem 8 (oito) células; (c) nesta etapa, selecionam-se os pré-embriões que serão levados ao útero; os restantes, são criopreservados (de acordo com a Resolução CFM n. 1.358/92). A criopreservação, conforme salienta o Conselho, tem o objetivo de permitir, “em caso de insucesso ou desejo de nova gravidez, novas tentativas de transferência sem necessidade de novos procedimentos de indução ovulatória, coleta de óvulos e nova fertilização in vitro”. (CFM, Processo Consulta n.º 1698/96, Rel. Cons. Antônio Henrique Pedrosa Neto, aprovado na Sessão Plenária do dia 11.set.1996). Fica patente, portanto, a finalidade a que serve a preservação por processo criogênico: a reprodução.

[58] No entanto, de acordo com o §1º do citado artigo, para que o embrião possa ser utilizado, é ainda necessário o consentimento dos genitores. Se os genitores, por razões de consciência, consideram que o embrião que produziram não deva fornecer células para a realização de pesquisas, podem não autorizar o seu uso. A Lei lhes garante essa possibilidade, demonstrando respeito e consideração pelo credo religioso ou filosófico por eles professado.

[59] Os comitês de ética em pesquisa (CEPs) estão regulados pela Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. De acordo com a Resolução, “Toda pesquisa envolvendo seres humanos deverá ser submetida à apreciação de um Comitê de Ética em Pesquisa” (art. VII, caput), razão pela qual “as instituições nas quais se realizem pesquisas envolvendo seres humanos deverão constituir um ou mais de um Comitê de Ética em Pesquisa (…)”. (VII.1). Cada comitê será formado “por colegiado com número não inferior a 7 (sete) membros”, devendo sua constituição “incluir a participação de profissionais da área de saúde, das ciências exatas, sociais e humanas, incluindo, por exemplo, juristas, teólogos, sociólogos, filósofos, bioeticistas e, pelo menos, um membro da sociedade representando os usuários da instituição”. (VII.4). A Resolução 196/96 (art. VII.13) estabelece ainda quais são as atribuições do CEP.Sobre a constituição, o funcionamento e as atribuições dos comitês de ética em pesquisa no Brasil, ver Corina Bontempo Duca de Freitas, Os comitês de ética em pesquisa: evolução e regulamentação, Bioética 6 (2), 1998; Ellen Hardy; Silvana Ferreira Bento; Maria José Duarte Osis; Eliana Maria Hebling, Comitês de Ética em Pesquisa: adequação à Resolução 196/96, Rev. Assoc. Med. Bras. 50 (4), 2004.


[60] V. Deryck Beyleveld; Shaun D. Pattison, Embryo research in the UK: is harmonization in the EU needed or possible? In: Minou Bernadette Friele (ed.), Embryo experimentation in Europe: bio-medical, legal and philosophical aspects, 2001, p. 67. Há ainda quem seja contrário à fertilização in vitro mesmo se todos os embriões fertilizados fossem implantados. Essa é a posição defendida pela Congregazione per la Dottrina della Fede: “A concepção in vitro é resultado de uma ação técnica que preside a fertilização; esta não é de fato atingida nem é positivamente desejada como a expressão e o fruto de um ato específico de união conjugal. Na FIVET homóloga, então, mesmo que seja considerada no contexto de relações sexuais existentes de fato, a geração de uma pessoa humana é objetivamente privada de sua adequada perfeição: notadamente aquela de ser o resultado e o fruto de um ato conjugal no qual os esposos podem se tornar “colaboradores com Deus em dar vida a uma nova pessoa”. Estas razões permitem-nos compreender por que o ato do amor conjugal é considerado no ensinamento da Igreja como o único lugar digno da procriação humana. Pelas mesmas razões, o assim chamado ‘caso simples’, i.e. um procedimento de FIVET homóloga que é despido de qualquer compromisso com a prática abortiva de destruir embriões e com a masturbação, permanece uma técnica que moralmente ilícita porque priva a procriação humana da dignidade que lhe é adequada e conatural. Certamente, a fertilização por FIVET homóloga não é marcada por toda aquela negatividade ética encontrada na procriação extraconjugal; a família e a o casamento continuam a constituir o lugar para o nascimento e a criação das crianças. Contudo, em conformidade com a tradicional doutrina relacionada às benesses do casamento e da dignidade da pessoa, a Igreja permanece oposta do ponto de vista moral à fertilização in vitro homóloga. Tal fertilização é, em si mesma, ilícita e contrária à dignidade da procriação e da união conjugal, mesmo quanto tudo é feito para evitar a morte do embrião humano. Apesar de a maneira através da qual a concepção humana é conseguida com FIVET não poder ser aprovada, toda criança que vem ao mundo deve, em qualquer caso, ser aceita como um presente vivo da divina Bondade e deve ser criada com amor.(Il rispetto della vita umana nascente e la dignità della procreazione, 1987).

[61] Sobre a questão da vedação do desperdício [avoidance of waste], v. Katrien Devolder, Human embryonic stem cell research: why the discardedcreated-distinction cannot be based on the potentiality argument, Bioethics 19 (2): 167, 2005, p. 173, em passagem na qual resume a posição do governo americano relativamente a esse ponto: ”Se estes [embriões excedentes congelados] serão destruídos de qualquer forma, não deveriam ser usados para um bem maior, para pesquisas que têm o potencial de salvar e melhorar outras vidas?’ Muitos argumentam que gerar embriões excedentes é um ‘efeito colateral’ do processo procriativo e que deveríamos permitir que casais os doassem para bons propósitos em vez de jogar fora o seu potencial. Isso não altera a sua disposição final. A idéia subjacente é que, sendo coisas iguais, é melhor fazer algo de bom do que não fazer nada de bom, e que, por conseguinte, deve ser melhor fazer bom uso de algo do que permitir que seja descartado [wasted]”.

[62] Um detalhe particular do sistema norte-americano é proibir o financiamento das pesquisas com recursos federais. V. Alexadre Morgan Capron, Stem cells: ethics, law and politics, Biotechnology Law Report 5: 678, 2001.


[63] Tais possibilidades encontram-se reguladas pelo Human Fertilization and Embryology Act, de 1990. Sobre o sistema inglês, ver Deryck Beyleveld; Shaun D. Pattison, Embryo research in the UK: is harmonization in the EU needed or possible? In: Minou Bernadette Friele (ed.), Embryo experimentation in Europe: bio-medical, legal and philosophical aspects, 2001.

[64] V. Carlos M Romeo-Casabona, Embryonic stem cell research and therapy: the need for a common european legal framework, Bioethics, vol. 16, n. 6, 2002; Minou Bernadette Friele (ed.), Embryo experimentation in Europe: bio-medical, legal and philosophical aspects, 2001; G. de Wert, R.L.P. Berghmans, G.J. Boer, S. Andersen, B. Brambati, A.S. Carvalho, K. Dierickx, S. Elliston, P. Nunez, W. Osswald and M. Vicari, Ethical guidance on human embryonic and fetal tissue transplantation: A European overview, Medicine, Health Care and Philosophy 5: 79, 2002.

[65] Embora minoritários, há também países que proíbem as pesquisas. Na Alemanha, não se permite a produção de linhagens novas a partir de embriões fecundados naquele País. No entanto, estranhamente, permite-se a importação de embriões com essa finalidade. Em Portugal, proibe-se a pesquisa, salvo quando para beneficiar o embrião.

[66] Lembre-se que a adesão estrita à tese de que a vida humana ocorre desde a concepção leva à conclusão de aqueles que pesquisam com células-tronco embrionárias são homicidas, e que aqueles Estados em que tais pesquisas são realizadas praticam genocídio. Ninguém no contexto contemporâneo estaria disposto a aceitar esses corolários. V. Deryck Beyleveld; Shaun D. Pattison, Embryo research in the UK: is harmonization in the EU needed or possible? In Minou Bernadette Friele (ed.), Embryo experimentation in Europe: bio-medical, legal and philosophical aspects, 2001, p 69.

[67] V. J. J. Gomes Canotilho, Rever ou romper com a Constituição dirigente? Defesa de um constitucionalismo moralmente reflexivo, RT-CDCCP 15: 7, 1996.

[68] No sentido do texto, v. Ana Paula de Barcellos, Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional, 2005.

[69] A expressão, cunhada por Alexander Bickel (The least dangerous branch, 1986, p. 16), designa a circunstância de os órgãos do Judiciário, cujos agentes não são eleitos, poderem invalidar atos do Legislativo, cujos agentes são eleitos pelo povo e representam a vontade majoritária.

[70] O uso da razão pública importa em afastar dogmas religiosos ou ideológicos – cuja validade é aceita apenas pelo grupo dos seus seguidores – e utilizar argumentos que sejam reconhecidos como legítimos por todos os grupos sociais dispostos a um debate franco, ainda que não concordem quanto ao resultado obtido em concreto. O contrário seria privilegiar as opções de determinados segmentos sociais em detrimento das de outros, desconsiderando que o pluralismo é não apenas um fato social inegável, mas também um dos fundamentos expressos da República Federativa do Brasil, consagrado no art. 1º, inciso IV, da Constituição. Sobre esta temática, v. especialmente a obra de John Rawls, notadamente: Uma teoria de justiça, Liberalismo político e Direito dos povos. Na literatura nacional, v. Cláudio Pereira de Souza Neto, Teoria constitucional e democracia deliberativa, 2005; e Nythamar de Oliveira, Rawls, 2005.


[71] Registre-se aqui a pertinência do parâmetro proposto por Peter Häberle, Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição, trad. Gilmar Ferreira Mendes, 1997, segundo o qual quanto mais efetiva for a participação na aprovação da lei, menos intenso deve ser o controle de constitucionalidade.

[72] Dentre os inúmeros artigos e reportagens publicados sobre o tema na imprensa nacional de grande circulação, podem ser mencionados, por exemplo, os seguintes: "Embrião clonado não é organismo", diz cientista autorizado a clonar embriões humanos na Grã-Bretanha, O Estado de São Paulo,14.2.2005; ONU negocia para tentar alternativa a tratado sobre clonagem, Reuters, 14.2.2005; O medo do retrocesso, Época, 21.2.2005; Projeto polêmicos serão levados para Severino, O Globo, 27.2.2005; A vida humana segundo a razão, O Estado de São Paulo, 2.3.2005; Severino garante isenção na votação da Biossegurança, Jornal da Câmara, 2.3.2005; Uma batalha da luz, Veja, 2.3.2005; Câmara aprova pesquisa de células tronco, Agora SP, 3.3.2005; Câmara aprova pesquisa de células tronco de embriões, Diário de SP, 3.3.2005; Câmara libera transgênicos e pesquisa com célula tronco, Zero Hora, 3.3.2005; Conseguiremos recuperar o tempo perdido?, Folha de SP, 3.3.2005; Câmara aprova Lei de Biossegurança, Valor Econômico, 3.3.2005; Deputados liberam uso de células tronco, Jornal do Brasil, 3.3.2005; Frutos daqui a 5 anos, Correio Braziliense, 4/3/2005; Resultados de células tronco vão demorar, O Estado de São Paulo, 4.3.2005; Na fila da esperança, Correio Braziliense, 6.3.2005; O triunfo da razão, Época, 7.3.2005; Verdade sobre células tronco embrionárias, Folha de SP, 8.3.2005; Ciência, graças a Deus, Veja, 9.3.2005; Esperança redobrada, Correio Braziliense, 10.3.2005; A revolução a espera de uma política, Valor Econômico, 11.3.2005; Mais Darwin, menos Santo Tomás, O Estado de São Paulo, 3.4.2005; Ministérios liberam R$11 milhões para células tronco, O Estado de São Paulo, 20.4.2005; Cientistas criam óvulos a partir de células tronco, O Estado de São Paulo, 5.5.2005; Célula tronco adulta age como embrionária, O Estado de São Paulo, 8.5.2005; USP recebe células tronco de embriões humanos, O Estado de São Paulo, 22.6.2005; As células tronco e as patentes no Brasil, Valor Econômico, 27.6.2005; Quem tem medo das células tronco?, Folha de São Paulo, 27.6.2005; O caminho das células tronco, Folha de São Paulo, 9.7.2005; Britânicos criam células tronco nervosas, Zero Hora, 17.8.2005; Cientistas criam células tronco do sistema nervoso, O Globo, 17.8.2005; CNBB cobra veto a leis que atentem contra a vida, O Estado de São Paulo, 17.8.2005; Igreja pressiona Lula e Congresso, Correio Braziliense, 17.8.2005; Nova descoberta na saúde, Jornal Nacional, 22.8.2005; Cientistas criam célula pulmonar em laboratório, Folha de São Paulo, 24.8.2005; Feto só atinge dor no 7º mês de gestação, Folha de São Paulo, 24.8.2005; Chave da cura, Discovery Magazine, abril//2005; Células tronco embrionárias: aprovação de projeto traz esperança de reabilitação, Revista Plenário, jun-jul/2005; Raupp quer Lei de Biossegurança aprovada na Câmara, Revista Plenário, jun-jul/2005.

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