Seminário do IBCCrim

Delação premiada é volta à Inquisição, diz especialista

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8 de outubro de 2005, 13h19

Há um ano, quando se montou o temário do 11º Seminário Internacional de Ciências Criminais, promovido pelo IBCCrim em São Paulo nesta semana (4 a 7 de outubro), delação premiada era uma coisa estranha à prática do direito no Brasil. Mensalões, malufadas, CPIs, deputados, procuradores e promotores trataram em um ano, numa sucessão vertiginosa de fatos e escândalos que ganhou intensidade nos últimos dias, acabaram colocando o tema na pauta.

Já na solenidade de abertura do seminário, o convidado de honra, o ministro da Justiça Marcio Thomaz Bastos, chamara a atenção , em seu discurso, para os abusos que se podem cometer em nome da boa e temerária intenção de conseguir informação em troca de vantagens penais. E aos organizadores do seminário não restou outra alternativa que não improvisar um painel extra para tratar da novidade. “Quando montamos o seminário não podíamos imaginar a delação premiada, que estava tão em desuso, pudesse vir à tona.” explica Maurício Zanoide, o presidente do IBCCrim Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.

Mesmo prevista em diversas leis brasileiras, como na Lei de crimes hediondos, crime contra a ordem tributária, lavagem de dinheiro, lei de proteção de vítimas e testemunhas, acusados e condenados, o instituto jurídico não tem ainda uma regulamentação adequada. “Não se diz nem como, nem quando, nem onde seria aplicada a delação para atingir o mínimo de constitucionalidade.” afirma Zanoide.

“Sem regulamentação, a delação premiada sofre dos mesmos males que o interrogatório na época da Inquisição, com coação, ameaça e tortura, mesmo que psicológica.” O presidente do IBCCrim defende que a delação pode contrariar direitos básicos do cidadão.

Contraria, por exemplo, o direito de todo cidadão de não produzir provas contra si mesmo. “A prerrogativa ficar em silêncio deixa de ser um direito garantido pela constituição e a confissão passa a ser o objetivo a ser alcançado a qualquer custo”. É a reedição dos autos de fé da inquisição, quando os acusados admitiam em público seus próprios pecados.

Outro direito fundamental ofendido pela delação premiada é a presunção de inocência. O delator escolheu, após negociação com a autoridade investigadora, abrir mão de sua presunção de inocência. Mas os delatados não escolheram. “Automaticamente os que foram delatados passam a ter seu nome envolvido e não tem mais a presunção da inocência. A pessoa delatada carrega uma cruz de uma ação penal para sempre. Como à época da inquisição assume-se a presunção de culpa”.

Zanoide também acredita que está ocorrendo uma “alquimia entre prisão preventiva e delação premiada.” Na sua opinião, a prisão temporária virou uma ante-sala da delação premiada, e novamente voltamos à época da Inquisição . “Após a prisão, a pessoa é convencida a confessar e a entregar os cúmplices com a garantia de não renovação da prisão. Não precisa mais tortura física. Sob tortura psicológica, as pessoas delatam e não tem a prisão temporária renovada.” Nesse caso, o pior de tudo para ele, é que os inocentes que não confessam continuam presos.

Segundo Zanoide, as notícias de jornal dão uma pista do que está ocorrendo, e relata um caso recente. “Noticiaram que um árbitro de futebol que foi preso temporariamente na sexta-feira, teve uma conversa informal com promotores e advogados e que ele só seria ouvido oficialmente na segunda-feira. Porque ele foi preso na sexta-feira? Na segunda ele já estava com sua integridade moral e psicológica abalada. Mas como não houve confissão na segunda e nem na terça, sua prisão foi renovada, porque ele não quis ‘colaborar’.”

A delação tem se tornado “um produto”, na opinião de Zanoide, muitas vezes buscado pelo operadores do direito, “seguramente desavisados” afirma. “Já ouvi advogados falando que vão fazer um acordo entre seu cliente e o promotor para obter a delação, já ouvi acusado dando depoimento para a imprensa dizendo que fez acordo para obter a delação. Esse instituto jurídico só pode ser obtido através da decisão do juiz, em fase de condenação.” explica.

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