Povos indígenas

Direito à diferença não significa inferioridade de direitos

Autor

  • Wilson Matos da Silva

    é índio residente na aldeia Jaguapiru advogado com pós-graduação em Direito Constitucional presidente do Comitê de Defesa dos Direitos Indígenas do Mato Grosso do Sul

7 de outubro de 2005, 18h12

O III Seminário Latino-Americano, sobre os direitos dos povos indígenas a luz da Convenção 169 da OIT, realizados nos dias 29 e 30 de setembro de 2005, na cidade de Campo Grande MS, discutiu temas importantes: terra, saúde e trabalho.

Varias mesas compostas por renomados operadores do direito, dentre estas a que participei, sob o tema “O Poder Judiciário e a Convenção 169 da OIT”, juntamente com Dr Roberto Lemos dos Santos Filho, Juiz Titular da 1ª vara federal de Bauru SP. O insigne magistrado em sua palestra fez uma reflexão de muitíssima relevância para os operadores do direito, sobre os direitos dos índios à luz da convenção 169, o que reafirma também em artigo de sua autoria publicado pela revista do Tribunal Regional Federal da 3ª região:

O Direito à Diferença previsto no comando do artigo 231 da constituição de 1988, não significa a existência de uma inferioridade de direitos. Ao contrário, explicita que aos indígenas não pode ser negado direito deferido aos cidadãos brasileiros, assegurando os diversos direito decorrentes de sua peculiar situação.

Atento a isto o constituinte estabeleceu a competência da Justiça Federal, para processo e julgamento de causas envolvendo disputa sobre seus direitos (artigo 119, XI combinado com artigo 109, incisos I, II e IV da CF), interpretando conjuntamente os dispositivos constitucionais mencionados, e considerando o princípio que deve orientar o direito à alteridade de todas as questões envolvendo os indígenas.

Forçosa é conclusão de competir à Justiça Federal o julgamento de todos os casos que envolvam índios, inclusive no caso de crimes por eles praticados. O ilustre magistrado cita ainda posição de Cláudio Lemos Fonteles, que diz: é inquestionável o artigo 231 caput, da CF, que impõe à União o dever de preservar as populações indígenas, preservando, sem ordem de preferência mas na realidade existencial, o conjunto: sua cultura; sua terra; sua vida.

Sua cultura, porque aos índios há reconhecimento constitucional de sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradição; Sua vida, porque quer na expressão do indivíduo considerado de per si; quer na expressão da liderança ou das lideranças do grupo; quer na expressão do próprio grupo, porque a cada índio, em particular, e a todos em particular estende-se o dever de proteção constitucionalmente imposto à bens da União; proteger e fazer respeitar todos os seus bens, por obvio, não só os economicamente mensuráveis, mas os inestimáveis como a vida, e a integridade física.

A Convenção 169 da OIT, constituída por quarenta e quatro artigos, distribuídos em dez seções, estabelece em definitivo, que a diversidade étno-cultural de nós indígenas e de nossos povos tem que ser respeitada em todos seus aspectos e obriga os governos a assumir a responsabilidade da proteção do direito de nos indígenas e nossos povos.

No meu modesto entendimento jurídico,a Convenção 169 da OIT, que foi recepcionada pelo decreto Legislativo 143/2002, e reafirmado pelo Decreto 5.051/2004, entra no ordenamento jurídico brasileiro com força de norma constitucional, e não só muda a competência processual para a Justiça Federal, como põe por terra o famigerado instituto da tutela indígena, usado anos a fio para nos negar nossos direitos mais elementares.

Reafirma nosso direito à alteridade já consignado na Carta Magna de 88, e “obriga” o governo à inserir na grade curricular das universidades, o direito indigenista nos cursos de ciências jurídicas, para que os operadores do direito não continuem o massacre Legal de nossos povos através de interpretações distorcidas da Lei.

Como diz o eminente Professor Dr Carlos Frederico Marés de Souza Filho, apud artigo:

“Os Tribunais Superiores, igualmente, julgam como se a lei dissesse o que não diz e, invariavelmente, analisam o grau de integração do índio, quando o que deveria ser analisado, para a correta aplicação daquela norma penal, seria tão-somente se existe o grupo indígena ao qual aquele indivíduo diz pertencer, e se o grupo o reconhece e o identifica […] Exatamente por isso é tão difícil para comentaristas e juizes entender porque os índios devem ter regalias apenas porque são índios”.

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Autores

  • é índio residente na aldeia Jaguapiru, advogado, com pós-graduação em Direito Constitucional, presidente do Comitê de Defesa dos Direitos Indígenas do Mato Grosso do Sul

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