Consultor Jurídico

ANS deve ter função orientadora e não punitiva

6 de outubro de 2005, 19h59

Por Alexandre Arnaut de Araújo, Júnia Garcia Gíglio, Leonardo de Castro e Silva

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Alguns aspectos jurídicos relevantes decorrem da interpretação das normas aplicáveis às operadoras de planos de saúde no que diz respeito ao reconhecimento de infrações por parte das empresas e imposição de penalidades, normas estas tanto legais quanto infra-legais. Aquelas decorrentes da interpretação da Lei Federal 9.656/98 (a Lei de Planos de Saúde). Estas principalmente da interpretação das resoluções da Agência Nacional de Saúde Suplementar.

A Lei Federal referida delegou à ANS, em seu artigo 1º, parágrafo primeiro, o poder de polícia a ser exercido sobre as operadoras, de forma imparcial, fiscalizando seus atos e posturas contratuais, bem como o seu relacionamento com os usuários dos contratos, sobrevindo no ano de 2000 a Lei Federal 9.961 que regulamentou a atuação da ANS. Assim, infringida uma determinação normativa, legal ou infra-legal, a Agência Nacional de Saúde, com o poder conferido por lei, deve aplicar a sanção, normalmente após procedimento administrativo iniciado com um pedido de esclarecimentos que pode culminar com a aplicação de multas que variam de R$ 50 mil a R$ 1 milhão.

Contudo, diante de duas situação similares, a ANS vem atuando de forma distinta na apuração dos fatos e, pior, na aplicação de penalidades. A Agência Nacional de Saúde Suplementar promove as investigações por meio de denúncias de usuários à autarquia e por meio do projeto denominado “olho vivo” quando, por amostragem, uma empresa é selecionada para que seja averiguado se a mesma cumpre as normas do setor. Tanto um procedimento quanto outro visam, objetivamente, a verificação de eventual infração por parte da operadora distinguindo um procedimento do outro apenas pela sua origem já que um é derivado do próprio consumidor e outro iniciado espontaneamente pela ANS. Contudo, verificada, por qualquer dos meios, a prática de infração, as conseqüências são diversas, e aqui reside a ilegalidade.

Com efeito reconhecendo a ANS a prática de infração por parte da empresa e por meio do projeto “olho vivo” a operadora é convocada para que, em data previamente designada, compareça na sede da autarquia para firmar um termo de compromisso ou ajuste de conduta quando então a empresa se compromete a regularizar a postura tida por irregular sob pena, aí sim, no caso de descumprimento, de aplicação de multa. Este, em nosso entendimento, uma prática correta e justa já que atua a ANS, num primeiro momento, e efetivamente, como órgão imparcial e orientador, como deve ser. Porém, quando a investigação ocorre decorrente de pedido ou denúncia do usuário, de forma direta, a ANS, após a inauguração de procedimento administrativo, e em reconhecendo a ocorrência da infração, aplica as multas previstas na Resolução da Diretoria Colegiada 24/2000, normalmente fixadas em R$ 50 mil.

Os atos levados a efeito pela ANS, tanto decorrente do projeto “olho vivo” como da denúncia de beneficiários dos planos de saúde, visam a uma só finalidade, qual seja a verificação da prática infrativa. Contudo, no primeiro caso a ANS orienta a operadora, concedendo-lhe a oportunidade de adequação o que didaticamente é aconselhável. No segundo caso, sem oportunidade de correção do eventual erro, aplica a multa. Para situação semelhantes, tratamentos diferentes.

A Lei Federal 9.784/99, que regula os procedimentos administrativos da União Federal, da qual a ANS é uma autarquia — aplicável portanto a legislação ao caso em análise — dispõe em seu artigo 2º que “A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência” prevendo ainda em seu parágrafo único que deverá a Administração atuar “conforme a Lei e o Direito”.

A Constituição Federal da República Federativa do Brasil prevê, em seu artigo 150, inciso II, ao tratar das garantias tributárias dos contribuintes, aqui aplicado por analogia, a proibição de que haja tratamento “desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente”, princípio este decorrente das garantias também constitucionais insculpidas no artigo 5º da mesma CF. Aliás todo o ordenamento jurídico pátrio tem como um de seus pilares o princípio da isonomia.

No último dia 21, na sede da Amcham — Câmara Americana de Comércio da cidade de Campinas, em exemplar palestra proferida pela atual diretora de fiscalização da Agência Nacional de Saúde Suplementar, Maria Stella Gregori, ficou claro que a ANS, como meta futura, pretende rever a política de aplicação de penalidades às empresas operadoras de planos de saúde havendo sinalização para que a atuação da agência reguladora, num primeiro momento, seja orientadora e não punitiva, o que, em nosso entendimento, viria ao encontro do pretendido pelo constituinte brasileiro.