Falta de idoneidade

Ministério Público pede afastamento de ministro do TCU

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5 de outubro de 2005, 19h36

O Ministério Público Federal quer o afastamento temporário do ministro João Augusto Ribeiro Nardes, do Tribunal de Contas da União, até que seja julgado o mérito da Ação Civil Pública em curso na 6ª Vara Cível de Brasília que trata de sua nomeação, posse e exercício. O MPF apresentou nesta terça-feira (4/10), pedido de antecipação de tutela na mesma Vara em que corre a ação.

Para a Procuradoria da República no DF, o ministro não reúne os requisitos constitucionais necessários de idoneidade moral e reputação ilibada, previstos como condição para investidura no cargo. Mesmo assim, foi investido no cargo de Ministro do TCU no último dia 20 de setembro.

Em 2003, o então procurador-geral da República, Claudio Fonteles, ofereceu denúncia ao Supremo Tribunal Federal contra Nardes porque ele omitiu de sua prestação de contas eleitorais R$ 20 mil, obtidos mediante doação simulada de uma empresa privada para uma entidade sem fins lucrativos. Tal entidade, por sua vez, teria repassado os valores à campanha de Nardes, candidato a Deputado Federal, nas eleições de 1998. A denúncia foi acatada pelo Supremo. Em 2004, o STF decretou a suspensão condicional do processo.

Leia a íntegra do pedido de antecipação de tutela

EXCELENTÍSSIMA SENHORA JUÍZA FEDERAL DA 6a VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL.

COTA N° /2005 – MPF/PRDF/MB

AUTOS Nº 2005.34.00.023166-7

AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

RÉUS: UNIÃO E OUTRO.

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, presentado pelos Procuradores da República que esta subscrevem, no uso de suas atribuições legais e constitucionais, vem, mui respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, requerer ANTECIPAÇÃO PARCIAL DOS EFEITOS DA TUTELA PRETENDIDA, com fulcro nos fatos e fundamentos a seguir declinados:

Trata-se de pedido de antecipação parcial dos efeitos da tutela pretendida nos autos da ação civil pública epigrafada em que se almeja impugnar o procedimento tendente à indicação, nomeação, posse e exercício no cargo de Ministro do Tribunal de Contas da União do então Deputado Federal João Augusto Ribeiro Nardes, o qual não reúne os necessários requisitos constitucionais de investidura, pertinentes à idoneidade moral e à reputação ilibada.

BREVE RELATO DOS FATOS OBJETO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA E DO ANDAMENTO PROCESSUAL

Mediante expediente instaurado no âmbito da Procuradoria da República no Distrito Federal (PA n° 1.16.000.001330/2005-10), em 22 de julho de 2005, restou constatado que encontrava-se em curso procedimento tendente à investidura no cargo de Ministro do Tribunal de Contas da União do então Deputado Federal João Augusto Ribeiro Nardes, a despeito de não preencher os requisitos de reputação ilibada e idoneidade moral, previstos no art. 73, § 1º, inciso II, da Constituição Federal/1998.

Com efeito, contra o então Deputado Federal João Augusto Ribeiro Nardes foi oferecida denúncia pelo Procurador-Geral da República no dia 04 de setembro de 2003.

Narra a denúncia que o réu cometeu o crime plasmado no art. 350 do Código Eleitoral, apenado com reclusão de até cinco anos, se o documento é publico, e de até três anos e pagamento de três a dez dias-multa, se o documento é particular.

A conduta imputada ao acusado, tipificada no referido delito, consiste na omissão em sua prestação de contas eleitoral da importância de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) obtida mediante doação simulada de uma empresa privada para uma entidade sem fins lucrativos. Tal entidade, por sua vez, teria repassado tais valores à campanha do réu, então candidato a Deputado Federal, nas eleições de 1998.

Apreciando a denúncia, o Supremo Tribunal Federal, por meio de seu Plenário, em 09 de dezembro de 2004, recebeu-a contra o então Deputado, no que se refere ao artigo 350 do Código Eleitoral. Por se tratar de infração de médio potencial ofensivo, foi decretada a suspensão condicional do processo nos termos da proposta oferecida pelo Procurador-Geral da República. Confira-se a certidão do resultado do julgamento, e trechos do voto do Min. Marco Aurélio, Relator do feito, acatado de forma unânime pelo Plenário, que seguem anexados à exordial:

“Decisão: O Tribunal, por unanimidade, recebeu a denúncia e suspendeu o andamento do processo, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro Celso de Mello. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Nelson Jobim. Plenário, 09.12.2004.” (destaques nossos)

Acrescente-se que a acusação contra o então Deputado Federal tem sido amplamente divulgada. É público e notório que diversas publicações têm conferido à matéria grande destaque.

Não obstante a publicidade que os fatos em questão receberam, restou aprovado, pelo plenário da Câmara dos Deputados, no dia 17 de maio de 2005, o envio ao Senado Federal do Projeto de Decreto Legislativo nº 1.682, de 2005, que “escolhe o Senhor João Augusto Ribeiro Nardes para o cargo de Ministro do Tribunal de Contas da União, nos termos do art. 73, § 2º, inciso II, da Constituição Federal”.


Novamente o tema obteve ampla divulgação na imprensa pátria, como ressai da inicial da ação civil pública em comento e da documentação acostada, sugerindo-se a sua aparente e exclusiva motivação político-partidária.

Impera destacar que, apesar das persistentes informações sobre a existência de processo criminal no Supremo Tribunal Federal relativo à falsidade ideológica em prestação de contas contra o réu Augusto Nardes, bem como, sobre o contexto político que permeou o procedimento de preenchimento da vaga de Ministro do Tribunal de Contas da União, maculando a exigência constitucional de reputação ilibada e idoneidade moral, foi aprovada a sua indicação ao cargo almejado, por meio do Decreto Legislativo do Congresso Nacional, de no 775, publicado no Diário Oficial da União de 06 de julho de 2005.

Entretanto, Vossa Excelência, ao despachar a inicial, postergou o exame do pedido de liminar, nos seguintes termos: “Reservo-me para apreciar o pedido de liminar após a contestação. Citem-se”.

Contra tal despacho, foram opostos Embargos de Declaração, apontando-se a sua falta de fundamentação e a omissão deste M.M. juízo quanto à existência do aguçado periculum in mora, uma vez que se fosse aguardado o provimento jurisdicional definitivo, e com a demora na concessão da liminar postulada, a investidura do réu poderia se ultimar, perpetrando-se desse modo graves danos à respeitabilidade das instituições, em especial a do próprio Tribunal de Contas da União.

Demonstrou-se, outrossim, que a liminar pleiteada possuía caráter preventivo. Albergava a finalidade de coibir a produção de efeitos do dano decorrente da indicação levada a cabo pelo Congresso Nacional.

Todavia, Vossa Excelência houve por bem não conhecer dos Embargos de Declaração opostos, aduzindo a suposta falta de conteúdo decisório do ato atacado.

Assevere-se, ainda, a notícia de que o réu José Augusto Ribeiro Nardes foi nomeado pelo Presidente da República para exercer o cargo de Ministro do Tribunal de Contas da União, mediante o Decreto de 30 de agosto de 2005, publicado no DOU, de 31 de agosto do corrente ano.

Tal fato foi expressamente comunicado à Vossa Excelência, nos autos em epígrafe, por meio de manifestação ministerial de 1º de setembro de 2005, na qual se reiterou o pedido de liminar formulado ab initio, diante do evidente agravamento da situação e de sua crescente urgência, requerendo-se a sua IMEDIATA ANÁLISE e CONCESSÃO após APENAS a necessária oitiva da UNIÃO, em 72 horas, nos termos do art. 2º, da Lei nº 8.437/1992, determinando-se a suspensão do procedimento de investidura do então Deputado no cargo em questão, impedindo-se que a União, por meio de seu Tribunal de Contas, lhe desse posse e exercício.

Malgrado, a indigitada manifestação do Parquet Federal ainda não foi examinada por este M.M. juízo.

Por fim, teve-se conhecimento, por meio da Imprensa, que a posse do réu no cargo de Ministro, estaria designada para o dia 20 de setembro último, ato que, se verificado, tornaria ineficaz a liminar perseguida, comprometendo-se, inclusive, em grande parte, a utilidade do provimento judicial final.

Nesse contexto, foi interposto o Agravo de Instrumento nº 2005.01.00.062745-4/DF, visando a concessão da liminar postergada, ainda em curso perante a 1ª Turma do Eg. TRF da 1ª Região.

Não obstante, o réu Augusto Nardes de fato tomou posse no cargo de Ministro do Tribunal da Contas da União, no anunciado dia 20 de setembro de 2005, conforme consta do doc. em anexo, o que implica a perda do objeto do pedido de liminar efetivado na peça inaugural.

DO CABIMENTO DE NOVO PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO PARCIAL DOS EFEITOS DA TUTELA NO CURSO DA LIDE

A Lei n.º 8.952, de 13 de dezembro de 1994, conferiu nova redação ao artigo 273 do Código de Processo Civil, no sentido de possibilitar a antecipação, total ou parcial, dos efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, verbis:

“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou

II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.”

Como se vê, o dispositivo legal não estabelece em que momento processual tal pedido poderá ser formulado, se juntamente com a petição inicial, ou em qualquer outra fase do procedimento, desde que se deflagre até a sentença de mérito1 , ato em que resta apreciada definitivamente a pretensão autoral.

Nesse passo, vale colacionar excertos doutrinários e jurisprudenciais a confirmar nossa assertiva, litteratim:


“A tutela antecipada deve ser pleiteada nos próprios autos do processo de conhecimento (RSTJ 102/145, 142/272). Na hipótese do inciso I, pode ser requerida na inicial ou no curso da lide, independentemente da audiência do réu (Lex-JTA 163/52). Na do inciso II, só depois da contestação.”2

“e a todo tempo, inclusive durante a suspensão do processo (JTJ 196/231”.3

“Época da concessão. Esta medida de tutela antecipada pode ser concedida in limine litis ou em qualquer outra fase do processo, inaudita altera parte ou depois da citação do réu. Pode ser concedida na sentença ou depois dela.”4

Curso do processo. A medida pode ser concedida, tanto no início da lide quanto no curso do processo. Normalmente, no caso do inciso II, deverá ser concedida no curso do processo, pois é depois da contestação que se pode mais facilmente aferir a existência de abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu.”5

Ademais, in casu torna-se necessária a formulação de novo pedido de liminar, e a sua consequente concessão por este M.M. juízo, por se fazerem novamente presentes os seus pressupostos, em especial, o periculum in mora, a ser abordado no item posterior da presente manifestação.

Com efeito, a doutrina e a jurisprudência mais autorizadas são categóricas em afirmar que, em sede de antecipação de tutela, quando presentes os requisitos fundamentais para a sua concessão, a mesma deve ser efetivamente concedida, com o escopo de adiantar os efeitos da sentença de mérito, propiciando a sua pronta execução, e evitar lesão irreparável aos interesses legitimamente defendidos pelo autor. Vale colacionar a lição de Nelson Nery Junior, et al.6 :

“Embora a expressão “poderá”, constante do art. 273 caput, possa indicar faculdade e discricionariedade do juiz, na verdade constitui obrigação, sendo dever do magistrado conceder a tutela antecipatória, desde que preenchidos os pressupostos legais para tanto, não sendo lícito concedê-la ou negá-la pura e simplesmente.”

“Desde que preenchidos os requisitos do CPC 273, é dever imposto ao juiz a concessão da tutela antecipada, não havendo, portanto, discricionariedade.” (1º TACivSP, Ag 824085-1, rel. Juiz Rizzato Nunes, v.u., j. 4.11.1998).

Releva destacar, em adição, que sendo a tutela antecipatória uma medida de natureza provisória e revogável, não estando sujeita à coisa julgada material, conforme se depreende do disposto no art. 273, parágrafo 4o, do Código de Processo Civil, é pacífico que pode ser revogada se verificada a sua desnecessidade, ou restabelecida a qualquer momento se fatos supervenientes indicarem a necessidade da execução imediata dos efeitos da sentença de mérito.

DAS RAZÕES DO PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA PARCIAL

No caso ora posto sub judice, todos os requisitos exigidos pelo art. 273 da lei processual para o deferimento da tutela antecipada encontram-se reunidos.

Quanto à prova inequívoca da alegação, não há que se questionar sobre a efetiva realidade dos fatos narrados, pois são incontroversos, como demonstram os documentos juntados à inicial. Assim, a prova carreada aos autos é suficiente e inequívoca para conferir certeza aos fatos.

O fumus boni iuris ou a verossimilhança do direito alegado restou devidamente realçado na fundamentação jurídica apresentada na peça inaugural, pelo que desnecessários maiores esclarecimentos.

O periculum in mora também se encontra presente, porquanto a investidura e o exercício do cargo de Ministro de nossa Corte de Contas por pessoa desprovida dos necessários requisitos constitucionais de reputação ilibada e idoneidade moral estão a configurar lesão grave e repetida à respeitabilidade do Tribunal de Contas da União, à moralidade administrativa e à ordem constitucional.

Ora, se for aguardado o provimento jurisdicional final, a grave lesão antes mencionada poderá assumir proporções imprevisíveis, com consequências incalculáveis.

Inelutável, por exemplo, que, nas condições em que o réu fora investido no cargo, a legitimidade dos atos praticados em seu exercício já se mostra no mínimo duvidosa e questionável, o que afeta a estabilidade do Tribunal e de suas decisões.

Ademais, devem-se ter em conta, os transtornos de diversas ordens, quiçá irreversíveis, que podem advir do questionamento judicial dos atos praticados pelo réu como Ministro do Tribunal de Contas da União.

Nesse diapasão, impõe-se a antecipação parcial dos efeitos da tutela pretendida, de sorte a propiciar a sua imediata execução, especificamente, com o afastamento do réu do exercício do cargo que atualmente ocupa, até o advento da sentença de mérito.

Note-se que, em um dos pedidos principais deduzidos na peça vestibular, almeja-se a desconstituição dos atos de indicação, nomeação, posse e consequente exercício no cargo em comento, eis que contrários às exigências previstas no art. 73, parágrafo 1o, inciso II, da Carta Política de 1988.


Trata-se de pedido constitutivo negativo, de decretação da nulidade dos atos de investidura no referido cargo de Ministro, o que alberga como efeito o afastamento do réu do exercício das respectivas funções.

Assim, antecipadamente, se pleiteia não a decretação de nulidade dos atos que compõem o procedimento de investidura ora vergastado, muito menos a decretação da perda do cargo, o que nos termos do art. 73, parágrafo 3o, combinado com o art. 95, caput, e inciso I, de nossa Lei Fundamental, só poderia se dar mediante sentença judicial transitada em julgado, mas sim, de um dos efeitos da sentença de mérito alvejada, qual seja, o afastamento provisório do cargo ora ocupado pelo réu.

Acrescente-se que a presente pretensão mostra-se plenamente viável, na medida em que não somente já foram concretizados os atos de indicação pelo Congresso Nacional e de nomeação pelo Presidente da República, como no dia 20 DE SETEMBRO ÚLTIMO, O RÉU FOI NOMEADO NO CARGO EM APREÇO. Nesse sentido, cumpre mencionar decisão que frustrou liminar concedida em ação popular com escopo assemelhado ao presente, na qual Sua Excelência, o Juiz Tourinho Neto, afirmou expressamente que “se o Senado Federal, pelo seu Plenário, não obedecer os requisitos estabelecidos no § 1º do art. 73 da Constituição, o Poder Judiciário poderá vir a ser provocado para examinar a questão. A meu pensar, nessa hipótese, o ato não escapa ao controle do Judiciário.” (destaques nossos – doc. devidamente adunado aos presentes autos com a inicial).

DO PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO PARCIAL DOS EFEITOS DA TUTELA PRETENDIDA

Ante o exposto requer o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL a concessão de tutela antecipada parcial, para determinar o afastamento imediato do réu do exercício do cargo de Ministro do Tribunal de Contas da União, até que seja proferida sentença de mérito.

Em caso de desrespeito à determinação judicial em sede de liminar de antecipação parcial de tutela, requer seja fixada, a partir da data do seu descumprimento, a multa diária de R$ 10.000,00 (um mil reais), corrigida no momento do pagamento , que deverá ser revertida ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos – FDD (depósito identificado 200107.20905.001-3 – Banco do Brasil (001), agência n° 3602-1, conta-corrente n° 170.500-8).

Neste Termos,

Pede e espera deferimento.

Brasília, 04 de outubro de 2005.

MICHELE RANGEL DE BARROS

PROCURADORA DA REPÚBLICA

FRANCISCO GUILHERME VOLLSTEDT BASTOS

PROCURADOR DA REPÚBLICA

Notas de rodapé

(1) Ressalte-se que a doutrina, excepcionalmente, tem admitido a sua concessão até mesmo após a sentença de mérito, diante de eventual necessidade de obter a execução dos efeitos da mesma sentença, caso em que é possível requerer a própria tutela concedida no decisum.

(2) In THEODORO JÚNIOR. Humberto. Código de processo civil e legislação processual em vigor. 35ª ed. Editora Saraiva: São Paulo. 2003, p. 354.

(3) Idem.

(4) In NERY JÚNIOR. NELSON ET ANDRADE NERY. ROSA MARIA. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 7ª ed. Editora Revista dos Tribunais. 2003, p. 649.

(5) Idem.

(6) Idem, p. 648.

(7) LACP, art. 11.

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