Pedido de liberdade

Flávio Maluf entra com pedido de Habeas Corpus no STF

Autor

5 de outubro de 2005, 23h10

Flávio Maluf entrou nesta quarta-feira (5/10) com pedido de Habeas Corpus no Supremo Tribunal Federal. O filho do ex-prefeito paulistano Paulo Maluf pede para responder o processo em liberdade. Os dois estão presos preventivamente na sede da Polícia Federal em São Paulo.

A defesa de Flávio — feita pelos advogados José Roberto Batochio, Guilherme Octávio Batochio e Ricardo Toledo Santos Filho — aponta nulidade da decisão do Superior Tribunal de Justiça, que negou o mesmo pedido. Flávio Maluf é acusado de corrupção passiva, formação de quadrilha, evasão de divisas e lavagem de dinheiro.

Na ação, os advogados afirmam que “não se concebe uma prisão preventiva decretada pelo fundamento exclusivo da conveniência da instrução criminal”, conforme sustenta o decreto de prisão. Eles alegam que Flávio Maluf não tentou aliciar uma testemunha, já que o doleiro Vivaldo Alves é réu no processo.

Além disso, a defesa diz que Flávio foi acusado de formação de quadrilha de forma incorreta pois, de acordo com o Código Penal, esse crime pressupõe a concorrência de, no mínimo, três pessoas. No entanto, apenas Flávio e seu pai, Paulo Maluf, estão presos.

A defesa sustenta que o pedido feito junto ao STJ foi distribuído por prevenção ao ministro Gilson Dipp e não por livre distribuição, o que teria contrariado o regimento daquela Corte.

Os advogados esclarecem que o pedido de liminar em HC no Supremo não se enquadra como pedido de liminar contra indeferimento de liminar. Trata-se, segundo apontam, de “flagrante nulidade por violação ao princípio constitucional do juiz natural”.

Além disso, o pedido se baseia em argumentos de ausência de justa causa da prisão preventiva e nulidade de provas, inclusive gravações telefônicas feitas por autoridade policial de fora da circunscrição estabelecida em lei. O relator do Habeas Corpus é o ministro Celso de Mello.

HC 86.864

Leia a íntegra do pedido de Habeas Corpus:

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO EXCELSO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

LIVRE DISTRIBUIÇÃO.

Os advogados JOSÉ ROBERTO BATOCHIO, GUILHERME OCTÁVIO BATOCHIO e RICARDO TOLEDO SANTOS FILHO, brasileiros, casados, devidamente inscritos nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo, sob nos 20.685, 123.000 e 130.856, respectivamente, todos com escritório na Capital de São Paulo, na Avenida Paulista, no 1471, 16o andar, vêm, com o respeito devido, a Vossa Excelência para, com fundamento no artigo 5o, inciso LXVIII, da Constituição da República Federativa do Brasil, nos artigos 647 e seguintes do Código de Processo Penal, nos artigos 188 usque 199 do Regimento Interno dessa Excelsa Corte de Justiça, e nos demais dispositivos que regulamentam a matéria, impetrar, em favor de FLÁVIO MALUF, brasileiro, casado, empresário, inscrito no CPF/MF sob no 064.335.778-57, residente e domiciliado em São Paulo, Capital, na Rua dos Goivos, no 111, Cidade Jardim, com endereço profissional na Av. Pres. Juscelino Kubitschek, no 1830, Torre I, 11o andar (sede da EUCATEX S/A), a presente ORDEM DE HABEAS CORPUS COM PLEITO DE MEDIDA LIMINAR, pelos motivos fáticos e jurídicos fundamentos articulados às folhas 3 e seguintes desta impetração.Apontando como autoridade coatora o Ministro GILSON DIPP (que conheceu de ordem de habeas corpus impetrado em favor do ora Paciente perante o STJ em violação ao princípio constitucional do juiz natural – HC nº 47.829/SP), requerem digne-se Vossa Excelência receber o presente mandamus e ordenar o seu processamento nas formas da lei.Nestes termos,P.P.Deferimento.SP/Brasília, 3 de outubro, 2005.

José Roberto Batochio, advogado.

OAB/SP no 20.685

Guilherme Octávio Batochio, advogado.

OAB/SP no 123.000

Ricardo Toledo Santos Filho, advogado.


OAB/SP no 130.856

I – DA IMPERIOSA LIVRE DISTRIBUIÇÃO DESTA ORDEM DE HABEAS CORPUS E DO ERRO QUE SE VERIFICA NO SISTEMA DE DISTRIBUIÇÃO ELETRÔNICA DO STF.

Preceituam os artigos 13, 66 e 69 do Regimento Interno dessa Excelsa Corte que:

Art. 13. São atribuições do Presidente:

IV – presidir as audiências de distribuição.

Art. 66. O Presidente fará a distribuição em audiência pública, mediante sorteio, obrigatória e alternada, em cada classe de processo, ressalvadas as exceções previstas neste Regimento.

Art. 69. O conhecimento do mandado de segurança, do habeas corpus e do recurso civil ou criminal torna preventa a competência do Relator, para todos os recursos posteriores, tanto na ação quanto na execução, referentes ao mesmo processo.

Por expressa disposição regimental, pois, é a Egrégia Presidência desse Pretório Excelso a responsável pela distribuição dos feitos na Corte, bem assim por dirimir quaisquer incidentes a ela relativos.

Certo é, de outro lado, que a prevenção de Relator se dá, naquilo em que aqui interessa, na hipótese de conhecimento de habeas corpus ou de recurso criminal, “tanto na ação quanto na execução, relativas ao mesmo processo”.

Aliás, nem poderia ser diferente, na medida em que o Código de Processo Penal, ao estabelecer as regras da competência por prevenção, dispõe que:

Art. 83. Verificar-se-á a competência por prevenção toda vez que, concorrendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa. (arts. 70, § 3o, 71, 72, § 2o, e 78, n. II, letra c)

Na espécie, bem se vê, a única distribuição que consta em nome do Paciente nesse Augusto Supremo Tribunal Federal é a relativa à Reclamação no 2.980/SP, (distribuída ao Ministro CELSO DE MELLO), que diz respeito à Ação de Responsabilidade Civil por Atos de Improbidade Administrativa em curso pela 4a Vara da Fazenda Pública Estadual de São Paulo (cf. documentação inclusa).

Claro que, por não dizer respeito à ação penal de que se origina este mandamus (trata de assunto concernente à ação civil pública, repita-se), não pode gerar a aludida Reclamação qualquer efeito jurídico tocante à competência por prevenção. Trata-se de processo distinto, de jurisdição extrapenal e que, por isso, não tem nenhum vínculo, material ou instrumental, com o feito criminal que é objeto desta impetração.

O writ presente é, pois, indiscutivelmente, de livre distribuição.

Não se desconhece, por outro lado, que foi aforada em favor de Flávio Salim Maluf (que não é o Paciente), perante esse STF, a ordem de habeas corpus no 86.579/SP, distribuída ao insigne Ministro CARLOS VELLOSO, também por equivocada e inexistente prevenção.

A despeito de Flávio Salim Maluf, como dito, não ser a pessoa do Paciente (cujo nome é FLÁVIO MALUF), a mencionada impetração não foi sequer conhecida pelo Relator, que nela proferiu o seguinte despacho:


Vistos. A petição inicial não está assinada. Arquivem-se os autos. Publique-se.

Por não ter sido conhecida, a impetração não pode, para efeitos regimentais e legais, tornar preventa aquela ilustre Relatoria, mesmo porque o citado artigo 69 do Regimento Interno desse Pretório impõe “o conhecimento do habeas corpus e do recurso civil ou criminal” para gerar prevenção.

Não fora isso bastante, acresça-se, de outro bordo, que esse writ (impetrado por pessoa a quem o Paciente desconhece) foi distribuído erroneamente, por prevenção, ao eminente Ministro CARLOS VELLOSO, em razão de registro eletrônico anterior da distribuição do habeas corpus no 72.731/SP (cf. documentação inclusa), o qual, igualmente, não tem qualquer relação ou pertinência com a causa de aqui se trata.

De fato, cuida-se de mandamus impetrado em favor do genitor do Paciente – e tão-somente dele –, que diz respeito a acusação por prática de delitos contra a honra através da imprensa (artigos 21 e 22 da Lei no 5.250/67 – cf. documentação inclusa).

Ora, não parece razoável, lógico, legal ou regimental que, pela singela circunstância de Sua Excelência o eminente Ministro CARLOS VELLOSO ter sido o Relator daquele feito (que versava, repita-se, sobre delito de imprensa), esteja prevento para, doravante, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, julgar quaisquer feitos ou incidentes em que figure ou possa figurar como parte o nome do Sr. Paulo Salim Maluf…

Como se vê, a espécie reclama, em estrita observância ao princípio constitucional do juiz natural, ao artigo 83 do Código de Processo Penal e ao artigo 69 do Regimento Interno dessa Augusta Corte, livre distribuição. Não é possível que um equívoco inicial do sistema eletrônico continue a gerar outros, indefinidamente, contra a letra da lei!

Diz o aforismo popular que errar é humano, mas no erro persistir significa…

Ademais, ainda que assim não fora, acha-se distribuída, nesse Pretório, ao Ministro GILMAR MENDES, a Reclamação no 2.984/SP, em que é reclamante Paulo Salim Maluf e reclamado o Juízo Federal da 2a Vara Criminal de São Paulo, na qual há expressa referência à ação penal de que se origina esta impetração (processo no 2002.61.81.006073-3 – cf. documentação anexa).

Reclamação recurso não é – vide infra –, de modo que prevenção não pode gerar (reitere-se que o Regimento Interno dessa Corte fala em “recurso criminal).

O caso, por isso mesmo, é de livre distribuição por sorteio, mas, se prevenção se houvesse de falar, e tocaria ela ao Ministro GILMAR MENDES. Esta, a única verdade processual, e não outra.

II – HISTÓRICO DOS FATOS.


Em 21 de agosto de 2002, instaurou-se inquérito policial na Superintendência Regional em São Paulo do Departamento de Polícia Federal (DELEFIN/SR/DPF/SP), por requisição do Ministério Público Federal, com a finalidade de apurar delitos de evasão de divisas, sonegação fiscal, corrupção e de lavagem de capitais, que, supostamente, se originariam em desvio de recursos públicos da municipalidade de São Paulo, ao tempo em que o genitor do Paciente fora Prefeito.

Ao longo dos mais de três anos que consumiram as investigações, depoimentos foram colhidos e milhares de documentos foram acostados aos autos, tendo elas culminado com o relatório da Autoridade Policial em que se representou pela decretação da prisão preventiva do Paciente, de seu pai, PAULO SALIM MALUF, e de CELSO ROBERTO PITTA DO NASCIMENTO (que o sucedeu na Prefeitura do Município de São Paulo).

O Ministério Público Federal, ao tempo em que endossou o pleito de supressão da liberdade do Paciente, contra ele ofereceu acusação formal, dando-o como incurso nas penas dos artigos 317, em referência ao artigo 30, e 288 do Código Penal, artigo 22, parágrafo único, da Lei no 7.492/86 (por duas vezes), e artigo 1o, incisos V, VI e VII, da Lei no 9.613/98.

Também foram denunciadas as pessoas de SIMEÃO DAMASCENO DE OLIVEIRA e VIVALDO ALVES, estes apenas apontados como realizadores da conduta enunciada no preceito primário dos artigos 22, parágrafo único, da Lei no 7.492/86 (o primeiro) e 22, parágrafo único, da Lei no 7.492/86 e 1o, § 1o, inciso II, da Lei no 9.613/98 (o segundo).

Ponha-se em destaque, para logo, que não se compreende como possa o Paciente se ver acusado de formação de quadrilha (artigo 288 do CP) eis que, como é curial, se trata de crime plurissubjetivo que pressupõe a concorrência de, no mínimo, quatro (a lei fala em mais de três) pessoas (enfatize-se que no caso presente não há essa acusação contra os co-denunciados SIMEÃO DAMASCENO e VIVALDO ALVES, mas somente contra pai e filho, falecendo o quorum legal – elemento objetivo da fattispecie criminale em exame – para a teórica caracterização dessa infração)… In casu, como se vê, estar-se-ia diante de uma insólita e novel figura jurídica: quadrilha de dois

Nada mais surpreende na jurisdição criminal no Brasil destes tempos…

Aliás, o que se tem visto ultimamente no cenário exegético nacional é que o instituto jurídico da co-participação e da co-autoria (artigo 29 do CP) veio mesmo de ser “revogado” pela figura típica desenhada no preceito primário do artigo 288 da Lei Penal. Basta a concorrência de mais de três acusados (ou de dois, como no caso), para que se viabilize, em qualquer circunstância e independentemente do requisito da estabilidade, da hierarquia e da habitualidade, uma acusação por formação de quadrilha. É o que tem ocorrido em acusações que envolvem pais e mais de um filho: maus tempos estes em que, na justiça criminal, família passou a ser quadrilha!

A que ponto se chegou!

É verdadeiramente incompreensível que excessos acusatórios desse jaez, que só servem ao propósito de agravar indevidamente a situação processual do acusado e de justificar medidas constritivas no curso da ação penal, passem incólumes e tresmalhem o crivo do controle jurisdicional. O compromisso primeiro do Judiciário tem de ser com a ordem constitucional e com a estrita legalidade, máxime quando está em jogo o excepcionamento da presunção de inocência e a supressão da liberdade antes do julgamento final.


Estranha e curiosamente, no caso presente, ficaram excluídos da acusação não só Celso Roberto Pitta do Nascimento (por cuja custódia a Autoridade Policial representara), mas também outras pessoas que a investigação apontou como sendo mantenedoras de valores movimentados pelo “doleiro” VIVALDO ALVES, titular confesso da “conta-mãe” denominada CHANANI, mantida no Safra National Bank de Nova York… É preciso que se explique, cumpridamente, essa “opção processual” por um ou dois suspeitos secundários (o titular da conta inquinada de criminosa é VIVALDO ALVES, não se deslembre), eis que a legislação processual penal do País impõe a indisponibilidade e a obrigatoriedade da ação penal pública, a unidade de processo e julgamento, simultaneus processus, em casos de conexão ou continência (cf. artigos 76 e seguintes do Código de Processo Penal).

Alguma razão há de haver, até porque a facultativa separação a que alude o artigo 80 da Lei Penal Adjetiva é atribuível ao órgão jurisdicional (não à polícia ou ao MP), e tão-somente a ele, nos casos especificados, e exclusivamente nessas hipóteses.

“Opções preferenciais” a certos investigados importam aberta violação ao princípio da indisponibilidade, da indivisibilidade e da obrigatoriedade da ação penal pública, isso para se dizer o mínimo…

Ao órgão oficial da persecução penal pública não é dado escolher acusados, mesmo porque, segundo suas próprias palavras, “a lei deste País […] é republicana […] todos estão submetidos aos mesmos princípios legais, ao menos é o que diz a Constituição” (cf. fls. 1264/1265), não é mesmo?

Como quer que seja, a exordial foi recebida e a custódia do Paciente – e tão-somente dele e de seu pai – decretada. Apresentaram-se ambos, espontaneamente, à Autoridade.

Soube-se, através da imprensa (eis que os autos sempre tramitaram sob um esotérico e ilegal “sigilo” que sempre foi imposto aos acusados e a seus advogados constituídos, mas que nunca tivera sido decretado por despacho judicial nos autos, senão há pouco tempo), que a medida constritiva teria se justificado “por conveniência da instrução criminal”, eis que o Paciente teria cometido o “inominável crime” de, em conversa entre indiciados no mesmo inquérito, dito ao citado VIVALDO ALVES – então co-indiciado e agora co-réu – que lhe parecia melhor a conduta de “só falar em juízo”, uma vez que até então nada se lograra saber sobre o conteúdo do inquérito. Acaso a lei considera ilícito o exercício desse direito constitucional? A Polícia e o MPF entendem que sim…! Aliás, consideram a advocacia criminal algo marginal, quase criminoso, linha auxiliar dos que são acusados da prática de delito, como deixaram insinuado nos autos, em algumas passagens… Fundamentalismo persecutório, audaciosa e atrevida tirania, a merecer pronta e enérgica repressão!

Não se compreende, diga-se para logo, como é que aquele que não é testemunha no processo (VIVALDO é RÉU, DENUNCIADO, no mesmo feito em que a prisão preventiva do Paciente foi decretada) possa ter sido aliciado como testemunha para… EXERCER UM DIREITO…, aliás garantido constitucionalmente, que é o de permanecer em silêncio na fase policial (nenhum acesso ao inquérito foi permitido) e somente se explicar perante o juiz da causa. O exercício desse direito constitucional agora virou crime? Não se sabia…

Parece que a douta Acusação anda legislando, em substituição ao Congresso Nacional… Pior mesmo é que setores do Judiciário – como ocorreu no Tribunal Regional Federal da 3a Região e no Superior Tribunal de Justiça – se mostram dispostos a chancelar tamanha teratologia.

Insista-se que a decisão que aqui se profliga é patente e manifestamente monstruosa, na exata medida em que não se concebe uma prisão preventiva decretada pelo fundamento exclusivo da conveniência da instrução criminal, quando é certo que aquele a quem o Paciente é acusado de “tentar aliciar” testemunha não é nem nunca foi, mas sim réu, cujo interrogatório judicial, ademais, já aconteceu.


De quebra, a prisão foi decretada em processo manifestamente nulo eis que nele se veicula acusação de, repita-se, formação de quadrilha de dois

Se isso não for teratologia, o que o será?

Não fossem suficientes todas essas excrescências e ilegalidades, o que revelam as interceptações telefônicas que embasaram a prisão preventiva é que o Paciente teria apenas cogitado com o tal VIVALDO sobre ambos só falarem em Juízo…[2]

Onde o crime ou a obstrução processual?

E o quanto VIVALDO dialogou com o órgão do MPF ou com o audacioso Delegado Federal, não interessaria saber? Por que não se gravaram essas negociações? Por que não vieram para os autos esses diálogos? Tem-se que seria esclarecedor e necessário ter essas “degravações” (ou filmagens) na dita “negociação” para que o “serviço de inteligência“ da Defesa também as interpretasse… Fora de dúvida que seriam surpreendentes, estarrecedoras mesmo! Apenas uma parte das gravações que a PF se “esqueceu” de apagar já é suficiente para se ter uma pálida idéia da inqualificável trama que algumas autoridades armaram, como abaixo se verá.

As partes não são iguais em direitos e armas processuais sob o pálio do processo legal? Ou, como na concepção da fábula orweliana, uma parte é mais igual do que a outra? Não domina o nosso processo penal a par conditio? A Constituição diz que sim, mas o Estado Policial que se está instalando quer afirmar que não!

Conversa do suspeito com a Acusação é “negociação”; já entre indiciados, co-réus ou com a Defesa é coação”! Não é formidável? Parece que uma parte é mais parte que a outra na surrealista e autoritária dialética processual de alguns…

Mas o que as interceptações telefônicas a que a defesa teve acesso somente no dia 21/9/2005[3], acabaram por colocar à calva foram as circunstâncias em que o depoimento de VIVALDO ALVES foi prestado à Autoridade Policial que presidia o inquérito, na presença de um Procurador da República e de um Promotor de Justiça. O que já se podia imaginar como surpreende e nada ortodoxo foi mesmo revelador. Para a avaliação dessa Excelsa Corte, eis o teor de parte da conversa mantida pelo citado VIVALDO ALVES com outro “doleiro” de São Paulo (que a Policia Federal curiosamente não identifica, nada obstante pudesse facilmente fazê-lo a exemplo do ocorrido com outras conversas interceptadas [4], mas que a Imprensa publicou como sendo o condenado RICHARD OTERLOO) aos 11/7/2005, às 13:35:23 horas:

HNI – E eles queriam saber se você fez as operações, eles te perguntaram isso, se a operação foi fechada ou você foi naquela de que você só tava seguindo ordens?

Vivaldo – Eu só tava seguindo ordens, entendeu? Mandava ahn, ia receber recebia, mandava pagar pagava, entendeu?

HNI – Uhuh…

Vivaldo – Ai como a história não fechava, no fundo, no fim no fim o cara falou a história que não fecha, alguns pagamentos você tem que falar que fez aqui, entendeu? ai o que eu falei que eu havia recebido alguns pagamentos, alguns recebimentos aqui em vivo e paguei em vivo, entendeu?

HNI – Entendi.

Vivaldo – Pra sair fora de evasão, tá?

HNI – Entendi.

Vivaldo – E aqueles pagamentos que foram feitos lá atrás que saiu no jornal que o Simeão fala…daquele negócio, não se você se lembra, ai eles falaram aqui você fez evasão, ai eu falei eu não fiz evasão nenhuma, eu só recebi lá fora, quem fez evasão foi a construtora, né? O dinheiro saiu do caixa dela, foi ela que fez não fui eu. Entendeu?


HNI – É.

Vivaldo – Não perguntaram, não perguntaram de bebida, não perguntaram da Europa, não perguntaram do Trombone… ahn, isso não tava interessando, entendeu?

HNI – Sei, sei

V: Entendeu, então. Do delegado, ele terminou dizendo pra mim no final, o seguinte: olha, no final disso tudo eu vou te dar um presente, entendeu. Mas eu falei, mas é material. Ele falou lógico: que não, entendeu.

HNI: Ahan.

V: Então, eu entendi que ele vai me aliviar no inquérito dele, entendeu. Foi isso o que eu entendi. Não sei.

HNI: É, me diz uma coisa. E ele te deixou o telefone dele pra contato se fosse quisesse fazer um contato com ele, alguma coisa.

V: Deixou.

HNI: É, isso é bom, é importante você guardar isso porque um dia pode ser um cara que pode te ajudar.

..

Vivaldo: Dentro daquela linha que o filho me falou, e os advogados também falaram dele, para ir lá e só fala em juízo, só falo em juízo, só falo em juízo.

HNI: Você não ia sair dela?

Vivaldo: Não eu não ia, isso o cara me falou claramente, entendeu?

HNI: Mas esse filho e o pai são bem mau caráter. Eles são…eles não se preocuparam em momento nenhum, pelo visto, em se colocarem à disposição para ajudar, ah, para pagar as despesas, pra dar qualquer tipo de auxílio, por que na verdade o auxílio não era para você, era para eles. Esses caras são muito burros. Eles ficam regulando 50, 100 mil dólares, pra botar um advogado à disposição pra acompanhar o caso, e defender eles mesmos.

Vivaldo: Mas foi exatamente isso que foi feito.

HNI – Ou acho que é uma coisa pessoal dos caras…desse Silvio Marques, desse Protógenes virou uma coisa pessoal, né? Os caras devem ta engasgados até o talo com essa família, né?…

Vivaldo – Porra, se tão…

Vivaldo – Entendeu? Ainda teve mais um fato, teve mais um fato importante pra mim te falar: à determinada altura eu falei ó… em relação a esse negócio, eles acabaram com meu negócio, né lá no shopping? Porque eles sabiam tudo, porque o Laércio havia falado, né?

HNI – Sei.

Vivaldo – Sabe o que o Protógenes falou pra mim?

HNI -Certo.

Vivaldo – Pode desfazer o acordo que cê fez, e pode fazer o teu negócio, porque ninguém vai te incomodar não.

HNI – Ele falou isso?!


Vivaldo – Falou isso pra mim.

HNI – Cê tá brincando?

Vivaldo – Tô te falando sério. Juro pelas minhas filhas.

(risadas)

Vivaldo – Juro pelas minhas filhas. Falou: ó, ninguém vai te incomodar, nós abrimos e fechamos quem nós queremos, porque nós sabemos de tudo. Agora nesse seguimento que cê tá, ninguém tá preocupado não tá?

HNI – Certo.

Vivaldo – Entendeu?

(cf. áudio acostado à presente impetração)

Essas “tratativas” e alegadas “ofertas de proteção para continuar agindo no mercado paralelo de moeda estrangeira” entre Autoridades e VIVALDO ALVES, assim como levadas a efeito segundo seu próprio relato, seriam perfeitamente “regulares e lícitas?”; já a troca de opiniões entre um co-réu e outro sobre se a melhor postura de defesa seria somente se manifestar em Juízo (não se perca de vista que o conteúdo dos autos era secreto) agora virou causa de decretação de custódia cautelar?…

Como quer que seja, e ao arrepio da lei foi decretada a abusiva medida supressiva da liberdade, ao exclusivo fundamento de que teria ocorrido aliciamento de testemunha…[5]

Eis a íntegra daquele decisum:

Acolho a manifestação formulada pelo Ministério Público Federal acerca da prisão preventiva de PAULO SALIM MALUF e FLÁVIO MALUF.

Com efeito, forçoso reconhecer-se a presença dos requisitos autorizadores da custódia cautelar desses dois acusados.

Há nos autos prova da existência de crime e indícios de autoria, indicando a movimentação internacional de montante expressivo de dinheiro, através de diversos países e instituições financeiras, de acordo com o que, pelo menos até o momento, revelam os documentos acostados aos autos.

Verifica-se, também, que nos diálogos gravados no monitoramento telefônico autorizado por este Juízo houve, inegavelmente, uma série de manobras por parte de Paulo Salim Maluf e Flávio Maluf para interferir na colheita, produção e resultado da prova que buscava se produzir no inquérito policial. Essa interferência está sobejamente demonstrada, revelando, de forma inequívoca, que ambos, se em liberdade, comprometerão a instrução processual podendo, concretamente, tumultuá-la a ponto de torná-la completamente inviável e inútil.

Anoto que a prisão cautelar em situações como a dos autos encontra total amparo na jurisprudência de nossos Tribunais Superiores, conforme se verifica das ementas dos v. acórdãos abaixo colacionados:

omissis

Assim, quer pela absoluta necessidade de preservar-se a higidez da instrução processual, quer pela magnitude da lesão causada, nos exatos termos do artigo 30 da Lei no 7.492/86, reputo indispensável o decreto de prisão de PAULO SALIM MALUF e FLÁVIO MALUF, com fundamento no art. 312 do Código de Processo Penal. Expeçam-se mandados de prisão.

(cf. documentação anexa)

Ao tomar conhecimento dessa decisão, sempre pela imprensa, apresentou-se espontaneamente o Paciente à Polícia Federal, onde se acha recolhido há mais de vinte dias.

Ponha-se em relevo, por necessário, que foi ele filmado enquanto era algemado – no ato da espontânea apresentação –, desnecessária, intolerável e abusivamente por Policiais Federais (precisamente os quais contra quem anteriormente representara administrativamente, por abuso ocorrido no Aeroporto de São Paulo; foram especialmente designados para ir à forra, está claro) e exposto à degradação pública em rede nacional de televisão, o que está sendo objeto de apurações oficiais em sede adequada. E, ao contrário do que se pretendeu fazer crer – alguns órgãos de comunicação social veicularam que ele fora preso – reafirme-se, ainda uma vez, que ele se apresentou sponte sua às Autoridades, consoante adredemente ajustado com a Autoridade que conduzia o inquérito, tanto que rumou do interior do Estado de São Paulo para a Capital em veículo próprio para se submeter à decisão judicial aqui hostilizada. Segue preso, como dito, na Superintendência da Polícia Federal em São Paulo.


Visando a conjurar a violência que se abatia – e ainda se abate – sobre a pessoa do Paciente, impetrou-se em seu favor ordem de habeas corpus com pleito de medida liminar perante o Tribunal Regional Federal da 3a Região (HC no 2005.03.00.072310-8), que foi distribuído – irregularmente, como se verá –, à 1a Turma, Relatora, por prevenção que inexiste, a Desembargadora Vesna Kolmar, fato que vulnera a regra constitucional do juiz natural.

Encaminhados os autos ao seu substituto regimental (consta que a eminente Relatora estava em gozo de férias), Juiz Federal de primeiro grau Luciano Godoy (convocado para exercer as funções de Desembargador Federal), o qual, embora alertado, através de petição dos Impetrantes, para o fato de que era incompetente para a cognição do feito, posto que o caso era de livre distribuição, conheceu da impetração e denegou a provisão jurisdicional de urgência requerida, nos seguintes termos:

Decido.

De início, rejeito a preliminar de nulidade dos atos investigatórios praticados pela Polícia Federal em Brasília. A atividade policial, nos termos do artigo 144 da Constituição, possui uma unidade de concepção, havendo distribuição de atribuições segundo o órgão policial.

Ressalte-se, por fim, que é pacífica a jurisprudência, inclusive no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, de que o inquérito policial é considerado fase administrativa, não gerando nulidade qualquer deficiência que ali exista. Aliás, havendo possibilidade, o Ministério Público pode até mesmo ingressar com a ação penal independentemente de inquérito policial. Observada a competência jurisdicional fixada na Constituição, não há nulidade a ser apontada. Cito dois precendentes [sic] – Habeas Corpus no 10.725/PB, relatado pelo Min. Gilson Dipp e julgado em 03/02/2000; e Habeas Corpus no 6.418/PR, relatado pelo Min. Anselmo Santiago, julgado em 17/02/1998.

Em análise do mérito liminar, não verifico a existência de plausibilidade jurídica para reformar a decisão recorrida, mantendo-a nos termos em que foi proferida. Passo ao exame dos pontos levantados pelos impetrantes.

Aprecio a decisão impugnada quanto à existência ou não dos requisitos para a decretação da prisão preventiva do paciente Flávio Maluf. Os fatos narrados na denúncia revelam a presença dos pressupostos para a decretação da prisão preventiva do paciente, previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal, quais sejam, prova de existência de crime e indício suficiente de autoria, bem como garantia da ordem pública, da ordem econômica, conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal.

Como expressa a decisão que recebeu a denúncia:

Há nos autos prova da existência de crime e indícios de autoria, indicando a movimentação internacional de montante expressivo de dinheiro, através de diversos países e instituições financeiras, de acordo com o que, pelo menos até o momento, revelam os documentos acostados aos autos.

E mais. Afirma a decisão ora impugnada que se constatou em diálogos telefônicos monitorados "uma série de manobras por parte de Paulo Salim Maluf e Flávio Maluf para interferir na colheita, produção e resultado da prova que buscava se produzir no inquérito policial". E acrescenta que a liberdade do paciente poderá comprometer a instrução do processo ou, ao menos, tumultuá-la.

Diferentemente do alegado na peça inicial, a decisão que recebeu a denúncia e decretou a prisão preventiva se mostra fundamentada, destaca fatos e os relaciona aos documentos juntados aos autos.

Em conseqüência, penso que os fatos apresentados neste habeas corpus não preponderam em favor do paciente Flávio Maluf, pelo contrário, demonstram, em princípio, a personalidade voltada para a prática delitiva e a manifesta possibilidade de perseverança no comportamento delituoso, circunstâncias que autorizam a sua manutenção em cárcere, para a garantia da ordem pública.


Nesse sentido a orientação da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, adotada no julgamento do Habeas Corpus n. 3169/R,J relator Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, julgado em 07 de março de 1995. Transcreve-se a ementa:

As condições favoráveis do paciente (residência fixa, ausência de maus antecedentes e primariedade) não constituem circunstâncias garantidoras da concessão de liberdade provisória, quando demonstrada a presença de outros elementos que justifiquem a medida constritiva excepcional, quais sejam: a persistência na atividade criminosa e a preservação da ordem pública na instrução.

Neste ponto também há precedente do Superior Tribunal de Justiça, Recurso em Habeas Corpus no 9.888/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, julgado em 19 de setembro de 2000. Confira-se a ementa:

A alegação dos impetrantes de que não houve constrangimento ao réu Vivaldo Alves, ou ainda o fato deste ser réu, e não testemunha, o que descaracterizaria a ameaça à colheita da prova (requisito da decretação da prisão preventiva), não se mostra comprovada nesta ação. A decisão impugnada nada menciona que seja este o fundamento da decretação da prisão preventiva. Não foram apresentados outros documentos, ao menos as transcrições do monitoramento das conversas telefônicas.

Ademais, como descrito na decisão, a apreciação do Magistrado pode ocorrer em avaliação genérica (desde que fundamentada) de que a personalidade do acusado, suas ações e suas intenções, levariam a criar obstáculos à instrução do processo e a colheita da prova na ação penal.

No caso, não houve especificação de que unicamente a conversa entre Flávio Maluf, Paulo Salim Maluf e Vivaldo Alves tenha embasado a decisão de decretação da prisão preventiva.

Também não procede a alegação de impossibilidade de imputação ao paciente Flávio Maluf do crime de corrupção passiva, previsto no artigo 317 do Código Penal. Nos termos do artigo 30 do mesmo diploma legal, as circunstâncias elementares do crime se comunicam entre os agentes, razão pela qual se aplica ao ora paciente a referida imputação penal. Nesse sentido cito precedente do Superior Tribunal de Justiça, Recurso Ordinário em Habeas Corpus no 7.717/SP, relator Min. Gilson Dipp, julgado em 17 de setembro de 1998, com a seguinte ementa:

Desta forma, afasto também esta alegação.

Do mesmo modo não merece acolhida a alegação dos impetrantes de atipicidade do crime de formação de quadrilha, existindo tão somente dois partícipes, uma vez que tal crime não foi imputado aos denunciados Simão Damasceno e Vivaldo Alves.

Realmente tal fato desprestigia a denúncia e a decisão de recebimento desta, uma vez que não foi constatado. Entretanto, a decretação da prisão preventiva, acima referida, não será afastada por esta constatação. Mantém-se a prisão e, no julgamento do mérito desta ação de habeas corpus, após a colheita de informações e manifestação do Ministério Público Federal, este ponto poderá ser devidamente analisado.

Como último argumento, destacam os impetrantes a insustentabilidade da alegação de base da prisão cautelar no artigo 30 da Lei 7492/1986, que dispõe:

Art. 30 – Sem prejuízo do disposto no art. 312 do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-lei no 3689, de 3 de outubro de 1941, a prisão preventiva do acusado da prática de crime previsto nesta Lei poderá ser decretada em razão da magnitude da lesão causada (vetado).

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus no 80.717/SP, relatora Ministro Ellen Gracìe, julgado em 13 de junho 2001, decidiu pela plena aplicabilidade deste dispositivo, mesmo se considerando a primariedade do réu e a existência de bons antecedentes. Transcrevo a ementa na parte que interessa:


No caso em exame, não há que se discutir se a lesão ao erário público é de grande monta, uma vez que os números envolvidos nas operações financeiras demonstram em abundância que assim podem ser considerados – alguns milhões de dólares norte-americanos. Os demais aspectos, como acima já mencionados, demandarão a realização de provas durante a instrução criminal e não poderiam ser examinados neste momento, em sede de habeas corpus.

Por fim, dada a larga exposição que este caso obteve na mídia, recomendo cautela e sensatez aos agentes públicos envolvidos na persecução e no julgamento do processo. A manutenção da prisão preventiva decretada pelo juízo de primeiro grau e mantida nesta decisão, não significa que cidadãos brasileiros possam sofrer quaisquer tipos de humilhações. Mas por outro lado, a notoriedade e a situação econômica privilegiada dos pacientes também não lhes pode gerar benefícios ou regalias na prisão. Há que receberem tratamento igual àquele destinado aos demais encarcerados. Nem melhor, nem pior.

Por estas razões, indefiro a liminar, mantendo a decisão de prisão preventiva proferida.

Requisitem-se as informações à autoridade impetrada, que deverão ser prestadas em 5 dias.

Dê-se vista ao Ministério Público Federal.

Intimem-se.

São Paulo, 15 de setembro de 2.005.

LUCIANO GODOY

Juiz Federal Convocado em substituição regimental

(cf. documentação inclusa)

Contra esse decisum, que conheceu –quando não podia – do mandamus e que, por isso, é manifesta e irreprochavelmente nulo (posto que proferido por autoridade judiciária manifestamente incompetente), impetrou-se perante o Egrégio Superior Tribunal de Justiça nova ordem de habeas corpus com pleito de medida liminar

Tombado sob no 47.829/SP, veio o writ de ser distribuído, mais uma vez erroneamente, por prevenção inexistente, ao Ministro GILSON DIPP, da Egrégia 5a Turma daquele Sodalício. Anote-se que a livre distribuição – matéria afeta à cognição da Vice-Presidência daquela Corte nos termos regimentais – fora argüida no corpo da impetração como um de seus fundamentos.

A digna Autoridade agora apontada como coatora, todavia, debruçou-se sobre a matéria e, ela própria, firmou sua competência (julgando in causam suam) e houve por bem denegar a liminar buscada, nos seguintes termos:

Decido.

Em primeiro lugar, cumpre ressaltar que a análise do pedido de liminar limita-se à estreita verificação de eventual presença dos requisitos indispensáveis ao atendimento do pleito de urgência, quais sejam, fumus boni iuris e perieulum in mora, sendo incabível, portanto, a apreciação de alegações que dependam de profunda incursão nas questões de fundo ora apresentadas.

Outrossim, saliente-se que o presente habeas corpus foi distribuído por prevenção do processo Rcl 1.462/SP, o qual foi considerado para fins de aplicação do art. 71 do Regimento Interno desta Corte, conforme se depreende do termo de distribuição e encaminhamento de fl. 303.

A respeito da prevenção de feitos posteriores ao manejo de Reclamação, as seguintes decisôes monocráticas deste Superior Tribunal de Justiça: HC 45.827IRJ, Min. Paulo Medina, DJ de 13/09/2005 e Pet 2.671/RJ, Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 25/03/2004.


As alegações concernentes a supostas irregularidades na distribuição do habeas corpus originário, bem como na substituição da Desembargadora Federal Relatora, não merecem prosperar.

No restrito contorno do exame da liminar, não se pode depreender a ocorrência, ou não, de conexão entre ações penais instauradas em desfavor do paciente, a fim de incidir, ou afastar, as regras de prevenção de feitos.

Ademais, os autos trazem cópia de despacho em que o Magistrado singular determina a reunião, por "dependência", dos feitos ora referidos (fl. 226) e o Tribunal a quo, por sua vez, quando provocado por petição avulsa sobre a questão, afirmou estar comprovado o reconhecimento de conexão, conforme se, depreende do despacho de fls. 173/176.

Assim, em observância a extensão do exame urgente e Não se podendo desconsiderar a fundamentação da Corte de 2o grau de jurisdição, não obstante o Julgador singular ter feito referência à palavra "dependência", afasta-se o argumento referente à distribuição por prevenção da impetração originária.

De outra banda, quanto à substituição da Desembargadora VESNA KOLMAR pelo Juiz Federal convocado Luciano Godoy, não se vislumbra, de pronto, constrangimento ilegal.

É que, segundo o despacho de fls. 173/176, o Magistrado Federal convocado é o revisor da Desembargadora VESNA KOLMAR e, segundo o art. 49, inciso I, do Regimento Interno do Tribunal de origem, em caso de medidas urgentes, o Relator é substituído pelo Revisor, se houver.

Na situação dos autos, reputou-se substituto regimental da Desembargadora que estava em gozo de férias o Juiz Federal convocado, Revisor da referida Julgadora, não tendo sido considerado relevante para efeito de afastar do processo o referido Magistrado o fato de que o processo de habeas corpus não admite revisão.

Sendo esta a interpretação do art. 49, inciso I, do Regimento Interno da Corte a quo, não cabe, em sede de exame de liminar contra indeferimento de liminar, discutir se é correto, ou não, o sentido empregado.

Quanto aos demais argumentos da inicial, nos termos do entendimento reiteradamente firmado por esta Corte, assim como pelo Supremo Tribunal Federal, não cabe habeas corpus contra indeferimento de liminar, a não ser em casos de evidente e flagrante ilegalidade, sob pena de indevida supressão de instância.

Tal entendimento, inclusive, encontra-se consolidado no verbete no 691 da Súmula da Suprema Corte:

“Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus imperado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar".

Faz-se mister destacar que, não obstante a discussão, pelo Plenário do STF, a respeito, do eventual cancelamento do mencionado verbete da Súmula do Pretório Excelso, nos autos do HC no 85.185-1, da relatoria do Ministro Cezar Peluso, tal proposta foi rejeitada, mantendo-se, por conseguinte, a aplícação de seu conteúdo (Informativo no 396, 08 a 12/08/2005).

A conclusão da Suprema Corte foi de que o enunciado 691 não impede que o conhecimento de habeas corpus, se evidenciado flagrante constrangimento ilegal.

Entretanto, se não sobressai ilegalidade flagrante, o exame da controvérsia caracteriza supressão de instância, conforme se depreende dos seguintes julgados da Suprema Corte embasadores do verbete 691:

Resta verificar, portanto, se, na hipótese dos autos, resta evidenciada a referida estreita exceptio, a fim de autorizar a pronta outorga da medida pretendida.

Eis a fundamentação de trecho do decisum monocrático ora impugnado:


A argumentação, referente ao deslocamento do inquérito policial de São Paulo não merece acolhida, pois, como é cediço, eventuais vícios do inquérito policial não contaminam a ação penal, por se tratar de procedimento informativo, do qual se prescinde para a instauração do processo-crime.

O decreto constritor, mantido pela decisão ora impugnada, refere que o paciente teria empreendido manobras para interferir na colheita de provas no inquérito policial.

Tal motivação, não obstante não fazer referência especifica à conversa do paciente com o co-réu VIVALDO ALVES, é idônea para manter a custódia do paciente em sede de liminar contra indeferimento de liminar, até porque durante a instrução probatória serão ouvidas as testemunhas.

Dessa maneira, não se pode, neste momento e com base no que sustenta a inicial do writ, apartar o fundamento de necessidade da custódia para conveniência da instrução criminal, no âmbito da ponderação do pleito de urgência contra outro exame sumário realizado em 2o grau de jurisdição.

No que se prefere à documentação juntada pela defesa, no dia de hoje, às 12h21, não traz elementos hábeis a desconstituir a decisão monocrática, indigitada como ato coator.

Outrossim, pelo que indicam os autos, o novo material não foi submetido ao Tribunal de 2o grau de jurisdição, além de que revela conteúdo de degravação de conversa telefônica não submetida ao crivo dos órgãos oficiais.

Quanto à apontada ilegalidade da denúncia quanto ao suposto cometimento do crime de quadrilha, ainda que incorreta a imputação atribuída ao paciente, tal aspecto não afasta a segregação cautelar, como bem destacou o Magistrado a quo, pois a acusação está fulcrada, também, em outras práticas, em tese, criminosas.

O réu se defende dos fatos que lhe são imputados pelo acusador, e não dos dispositivos legais eventualmente indicados, nada impedindo que ao final da instrução seja a classificação jurídica alterada para atribuir aos co-réus o crime de formação de quadrilha ou para excluir da imputação atribuída ao paciente o referido delito, ou outros.

No tocante ao crime de corrupção passiva, é possível a participação de particular no referido delito, face a comunicabilidade das condições de caráter pessoal elementares do crime, motivo pelo qual não se vislumbra, em princípio, ilegalidade na decisão indeferitória de liminar, que manteve a segregação do paciente, por este motivo.

Por fim, se há imputação pela prática de crime contra o sistema financeiro e evidenciado que o montante das operações financeiras, caracterizadoras, em tese, dos crimes imputados ao paciente é de "alguns milhões de dólares", não se pode desconsiderar o requisito autorizador da decretação da prisão preventiva elencado no art. 30 da Lei no 7.492/86.

A partir de toda a análise da decisão impugnada acima procedida, conclui-se que a excepcionalidade indispensável ao deferimento da medida urgente não se vislumbra no caso, pois se mostra plausível a fundamentação explicitada pela Autoridade coatora para indeferir a liminar nos autos da impetração originária.

Por conseguinte, não se verificando, de plano e livre de controvérsias, no âmbito dos estreitos limites da análise do pleito de urgência, abuso de poder ou teratologia na decisão atacada, não se caracteriza a apontada manifesta ilegalidade na manutenção da custódia cautelar do paciente.

Maiores incursões a respeito da matéria argüida pela impetração, quanto à legalidade, ou não, do despacho indeferitório da pretensão iminente, devem ser oportunamente submetidas a. exame do órgão colegiado competente desta Corte.

Diante de todo o exposto, ressalvado melhor apreciação da matéria quando do julgamento do mérito pela Quinta Turma deste STJ, indefiro a liminar.


Solicitem-se as informações ao Tribunal Regional Federal da 3a Região.

Após prestadas, dê-se vista à Subprocuradoria-Geral da República

Brasília (DF), 21 de setembro de 2005.

MINISTRO GILSON DIPP

Relator

Mais uma vez distribuiu-se o writ em aberta violação ao princípio do juiz natural, eis que não se há que falar em prevenção do ilustre Ministro GILSON DIPP na espécie, como se verá. O caso seria, inquestionavelmente, de livre distribuição. Violou-se, por mais uma vez (e neste aspecto o que se verifica é uma sucessão recorrente de equívocos que nunca são corrigidos, mas que a burocracia judiciária insiste em perpetuar, na sua essência e nos seus desdobramentos) o aludido princípio constitucional, o que torna írrita a decisão aqui hostilizada.

Prestigiaram essas duas decisões produção de prova indiciária írrita – através do “grampeamento” telefônico –recolhida por quem não tinha competência para tal e em violação à isonomia constitucional, fragmentos estes que foram determinantes do decreto da custódia processual aqui vergastada… Fruit of poisoned tree.

Referendaram, ainda, acusação manifestamente teratológica e que inquina de nulidade a denúncia, tornando-a imprestável, qual seja, a de formação de quadrilha por apenas duas pessoas… Além disso, encamparam o decreto de prisão preventiva proferido em primeiro grau que se suporta no argumento exclusivo da conveniência da instrução criminal (e instrução diz respeito à prova testemunhal), quando a figura de VIVALDO ALVES foi formalmente denunciado pelo Ministério Público Federal nos autos da ação penal em que a custódia foi determinada…Demais disso, foi este interrogado em juízo, restando vencido o alegado periculum in mora

Mais que isso, endossam decreto de prisão absolutamente despido de qualquer fundamentação, proferido em escancarada afronta ao disposto nos artigos 5o, inciso LXI, e 93, IX, da Constituição Federal.

Se isso não for teratologia auferível ictu oculi, então teratologia não haverá de existir…

Como se vê, não se cuida, no caso, de mero pleito de liminar contra indeferimento de liminar. Aqui se trata, inclusive, de conjurar flagrante nulidade por violação ao princípio constitucional do juiz natural decorrente de decisão denegatória de liminar proferida por Autoridade Judiciária manifestamente incompetente que, por sua vez, ratifica prisão manifestamente ilegal. Reclama-se do Judiciário o compromisso com a ordem constitucional!

Do necessário, esta é a síntese.

III – DO CONSTRANGIMENTO ILEGAL.

Acha-se o Paciente sob inequívoco constrangimento ilegal, consubstanciado na decretação da sua prisão preventiva em processo nulo, à absoluta míngua de fundamentação, de justa causa e ao arrepio da lei. Tal ilegalidade foi encampada pelo Impetrado, aliás, Autoridade manifestamente incompetente para a cognição da ordem impetrada no Pretório a quo.


A situação fática aqui versada configura típica coação ilegal, a teor do que dispõe o artigo 648, incisos I e IV, do Código de Processo Penal:

Art. 648: A coação considerar-se-á ilegal:

I – quando não houver justa causa.

VI – quando o processo for manifestamente nulo.

Demonstremos a ilegalidade.

IV – DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL: DA AUSÊNCIA DE PREVENÇÃO E DA INCOMPETÊNCIA DA AUTORIDADE COATORA PARA A COGNIÇÃO DO MANDAMUS IMPETRADO PERANTE O EGRÉGIO STJ.

Preconiza o artigo 71 do Regimento Interno do Colendo Superior Tribunal de Justiça que:

Art. 71 – A distribuição do mandado de segurança, do habeas corpus e do recurso torna preventa a competência do relator para todos os recursos posteriores, tanto na ação quanto na execução referentes ao mesmo processo; e a distribuição do inquérito e da notícia-crime, bem como a realizada para efeito da concessão de fiança ou de decretação de prisão preventiva ou de qualquer diligência anterior à denúncia ou queixa, prevenirá a da ação penal.

§ 1º Se o relator deixar o Tribunal ou transferir-se de Seção, a prevenção será do órgão julgador.

§ 2º Vencido o relator, a prevenção referir-se-á ao Ministro designado para lavrar o acórdão.

§ 3º Se o recurso tiver subido por decisão do relator no agravo de instrumento, ser-lhe-á distribuído ou ao seu sucessor.

§ 4º A prevenção, se não for reconhecida, de ofício, poderá ser argüida por qualquer das partes ou pelo órgão do Ministério Público, até o início do julgamento.

Por expressa disposição regimental, pois, a precedente distribuição do mandado de segurança, do habeas corpus e do recurso, é que torna preventa a competência do relator para todos os recursos posteriores, tanto na ação quanto na execução, desde que referentes ao mesmo processo.

Na espécie, o que se vê é que não há qualquer recurso ou ação mandamental interposta do processo de que é originário este writ (processo no 2002.61.81.006073-3 da 2ª Vara Federal Criminal de São Paulo), a determinar sua distribuição por prevenção no STJ.

Existe, é certo, uma Reclamação (Rcl 1.462/SP), autuada em 2/9/2003, em que é reclamante Paulo Salim Maluf e reclamado o Juiz Federal da 6a Vara Federal Criminal da Subseção Judiciária de São Paulo, com o fim de garantir a autoridade de decisões proferidas por aquele Sodalício em outros feitos, que não o contemplado no writ impetrado perante aquela Corte. É o que se dessume da r. decisão da lavra do eminente GILSON DIPP proferida em sede de cognição sumária, aos 3 de setembro de 2003:

Trata-se de reclamação interposta em favor de Paulo Salim Maluf, sob a alegação de descumprimento de decisões desta Corte por parte do Juiz Federal da 6a Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado de São Paulo, que teria deixado de encaminhar os autos do Inquérito Policial no 2001.61.81.006073-3 ao Juízo Federal da 8a Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado de São Paulo, como solicitado pela defesa. Ao contrário, o MM. Julgador da 6a Vara proferiu despacho nos seguintes termos:

"Para verificação de conexão destes autos com aquele que tramitou perante a 8a Vara Criminal (Processo no 1999.61.81.000262-8), encaminhe-se o presente ao Eg. Tribunal Regional Federal da 3a Região, conforme extrato em anexo" (fl. 75).


Tal decisão foi mantida, posteriormente, pelo Magistrado.

A defesa entende que o Reclamado, agindo desta forma, estaria descumprindo os acórdãos proferidos por esta Corte no Conflito de Competência nº 32.861-SP e nas Reclamações de nº 1.073-SP e 1.077-SP. Assim, pugna, em sede de liminar, pela suspensão do andamento do feito, conforme prevê o art. 14, inc. II, da Lei no 8.038/90, e, no mérito, pretende a cassação da decisão que decidiu pela realização da inusitada consulta de determinação da remessa dos autos para o Juízo da 8a Vara Criminal Federal da Secção Judiciária de São Paulo, como forma de garantir a autoridade das decisões deste Egrégio Superior Tribunal de Justiça (fl. 10).

Não vislumbrando, em um primeiro juízo, evidente descumprimento das aludidas decisões proferidas por esta Corte por parte do Reclamado, até porque a questão passou à competência do e. Tribunal a quo, que a respeito dela ainda não se manifestou, indefiro a liminar.

Solicitem-se informações ao Reclamado e ao Tribunal Regional Federal da 3a Região.

(cf. documentação anexa)

Ocorre que, além de o Paciente não ter integrado quer o pólo ativo, quer o pólo passivo, do conflito de competência e das reclamações mencionadas (que não se confundem com recursos de decisões proferidas na ação penal de origem), e de ter ocorrido desistência expressa de parte do Reclamante naquele feito – que veio de ser homologada –, a verdade é que Reclamação não está prevista na legislação como recurso, tratando-se apenas de medida regimental, que visa a garantir a autoridade de decisão proferida por Tribunal em outra causa.

Mais do que isso, na hipótese de reclamação:

Não se trata de cassar o ato e substituí-lo por outro, em virtude de algum error in judicando, ou de cassá-lo simplesmente para que outro seja proferido pelo órgão inferior, o que ordinariamente acontece quando o ato contém algum vício de ordem processual. A referência ao binômio cassação-substituição, que é moeda corrente na teoria dos recursos, apoia-se sempre no pressuposto de que estes se voltam contra atos portadores de algum erro substancial ou processual, mas sempre atos suscetíveis de serem realizados pelo juiz prolator ou por outro – ao contrário dos atos sujeitos à reclamação, que não poderiam ter sido realizados (a) porque a matéria já estava superiormente decidida pelo tribunal, ou (b) porque a competência para o ato era deste e não do órgão que o proferiu, nem de outro de seu mesmo grau, ou de grau superior no âmbito da mesma Justiça, ou ainda de outra Justiça.

(cf. CANDIDO RANGEL DINAMARCO, in “Teoria Geral do Processo”, 10a ed., São Paulo, Ed. Malheiros, 1993)

Até porque, no caso de que se trata, a Reclamação foi aforada diretamente naquela Corte Superior – como, aliás, não poderia deixar de ser – contra Juízo Federal de primeiro grau, de sorte que soaria canhestro se falar de recurso na hipótese (salto de uma instância?). Recurso não é, definitivamente. Logo, não gera prevenção, nos termos literais do dispositivo regimental supra transcrito.

Estabelecido que a Reclamação no 1.462/SP daquele Tribunal não é recurso que possa gerar prevenção, a ordem de habeas corpus ali impetrada (HC no 47.829/SP) deveria ter sido distribuída livremente, em observância ao princípio constitucional do juiz natural. Como não o foi, nula é a decisão nele proferida, eis que violadora de preceito da Carta Constitucional.

Note-se que a citada Reclamação no 1.462/SP (e não qualquer outro feito) como determinante da prevenção firmada ilegalmente pelo STJ vem expressamente reconhecida na decisão aqui hostilizada, a qual “foi considerada para fins de aplicação do art. 71 do Regimento Interno desta Corte” (cf. fls. 3 daquela decisão – documentação anexa).


Ora, se o artigo 71 do Regimento Interno daquela Corte fala em “distribuição do mandado de segurança, do habeas corpus e do recurso” para tornar “preventa a competência do relator para todos os recursos posteriores, tanto na ação quanto na execução, referentes ao mesmo processo”, como, simplesmente, se “considerar” Reclamação para determinação de competência por prevenção, se o Regimento Interno é expresso e literal no sentido de que somente recurso, e referente ao mesmo processo, se presta a tanto?

E o princípio da legalidade, onde fica?

E as garantias constitucionais do acusado?

Sem dúvida que, à vista dos argumentos aqui expendidos, emerge patente, palmar, vítrea, a nulidade da decisão do STJ que encampou a prisão preventiva do Paciente. Reclamação recurso não é, repita-se, seja qual for a idiossincrasia exegética.

A ilegalidade que se abate sobre a pessoa do Paciente é, pois, manifesta. Cabe conjurá-la, até mesmo ex officio!

Que se conceda esta ordem de habeas corpus, pois, para o efeito de se declarar nula a decisão aqui profligada e se liberar o Paciente, é, pois, quanto se deixa requerido, como primeiro fundamento desta impetração.

V – DA NULIDADE DA DECISÃO DE FLS. 177/180 DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3a REGIÃO QUE AFIRMOU A PREVENÇÃO DA 1a TURMA DAQUELE TRIBUNAL PARA CONHECER DA IMPETRAÇÃO ALI AJUIZADA E DA INCOMPETÊNCIA DE SEU PROLATOR: ILEGALIDADE ENCAMPADA PELA AUTORIDADE COATORA.

Antes mesmo que fosse apreciada a medida liminar pleiteada na impetração que se aforou perante o Egrégio Tribunal Regional Federal da 3a Região, o Paciente formulou petição em que questionou a prevenção da 1a Turma para a cognição da causa, requerendo fosse o feito distribuído livremente, como manda a lei e em atenção à regra constitucional do juiz natural, aduzindo que essa matéria deveria ser dirimida pela Egrégia Vice-Presidência do Colendo Tribunal Regional Federal da 3a Região, órgão para tal competente (cf. doc. anexa).

De fato, dispõe o artigo 21, inciso XII, do Regimento Interno daquela Corte que:

Art. 21 – São atribuições do Presidente:

XII – presidir e supervisionar a distribuição dos feitos aos Juízes do Tribunal, assinando a ata respectiva, ainda quando realizada eletronicamente.

De outro lado, preceitua o artigo 22, § 2o, inciso I, alínea “c”, do referido Diploma Legal que:

Art. 22. Compete ao Vice-Presidente:

§ 2o – Ao Vice-Presidente incumbe ainda:

I – por delegação do Presidente:

c) presidir a distribuição dos feitos de competência das Seções e Turmas, assinando suas atas.

Por expressa determinação regimental, portanto, toda e qualquer questão relativa à distribuição dos feitos no Tribunal Regional Federal da 3a Região deve ser presidida e supervisionada pela Colenda Vice-Presidência daquela Corte, a quem cabe, por conseguinte, decidir sobre as questões incidentais dela (distribuição) decorrentes. Sendo inequívoca sua competência nesse tema, não poderia esta ter sido invadida – como foi – por quem seria o possível Relator em razão da equivocada prevenção (no caso, o Juiz convocado LUCIANO GODOY), inclusive para o efeito de se poder orientar eventual recurso a ser interposto da decisão que viesse a ser proferida nesse âmbito.


A despeito dos argumentos ali expendidos pelo Paciente, Sua Excelência decidiu sobre a própria prevenção, em flagrante inobservância ao Regimento Interno do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3a Região, ignorando por completo as ponderações trazidas pela defesa sobre a matéria, sobre as quais, aliás, não dedicou uma palavra sequer (cf. documentação inclusa).

Nula, em conseqüência, a r. decisão de fls. 177/180 eis que, além de tomada por autoridade judiciária manifestamente incompetente, foi proferida em aberta violação ao artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, que impõe a fundamentação de todas as decisões judiciais. Imperioso declará-la írrita.

VI – DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO JUIZ NATURAL: DA INCOMPETÊNCIA DA DIGNA RELATORIA (SUBSTITUTA E SUBSTITUÍDA), PARA O JULGAMENTO DO MANDAMUS IMPETRADO PERANTE O TRF3 E DA NÃO OCORRÊNCIA DA PREVENÇÃO: COAÇÃO ILEGAL ENCAMPADA PELA AUTORIDADE IMPETRADA.

Írrita se exibe a r. decisão de fls. 187 usque 193, que indeferiu a provisão jurisdicional de urgência pleiteada na impetração aforada perante o Egrégio Tribunal Regional Federal da 3a Região, porquanto prolatada em afronta ao princípio constitucional do juiz natural e em desrespeito ao devido processo legal .

Com efeito, preceitua o artigo 5o, inciso LIII, da Constituição Federal, que:

LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente.

Ora, em se tratando de violação à garantia constitucional do acusado, consubstanciada no descumprimento ao princípio do juiz natural, o ato emanado deixa de ser simplesmente nulo para se tornar juridicamente inexistente. Eis a doutrina de ADA PELLEGRINI GRINOVER:

A expressão constitucional do art. 5o, LIII (“Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente“), deve ser lida, portanto, como garantia do juiz constitucionalmente competente para processar e julgar. Não será juiz natural, por isso, o juiz constitucionalmente incompetente, e o processo por ele instruído e julgado deverá ser tido como inexistente.

(As Nulidades do Processo Penal, pág. 47)

No mesmo diapasão, o então Juiz do TRF da 3a Região, EDGARD SILVEIRA BUENO FILHO, deixou assente que:

É, portanto, uma garantia do cidadão individualmente considerado de que não será perseguido, e da sociedade, que não assistirá à designação de uma autoridade ou órgão judiciário com a finalidade de proteger ou encobertar um delinqüente. Lúcia Valle Figueiredo, com propriedade, anotou em palestra sobre os Princípios Constitucionais do Processo, proferida em 28 de agosto de 1991, no Tribunal Regional Federal da 3a Região: “O primeiro princípio que podemos inferir – e este é constitucional – é o do juiz natural. O que é o juiz natural? É o juiz competente, o juiz designado para determinada controvérsia. Então, juiz natural é o juiz competente para o feito. Isto traz exatamente a segurança judiciária: o juiz natural, o juiz competente deve ser aquele designado.

(O Direito à Defesa na Constituição, Ed. Saraiva, 1994, págs. 34)

Em minucioso trabalho sobre o tema, o jurista e ex-magistrado paulista, LUIZ FLÁVIO GOMES, ressalta, com precisão, que:


Uma das mais salientes garantias do cidadão no atual Estado Democrático de Direito apoia-se no princípio do juiz natural.

(RT 703/418)

Nossa fonte pretoriana tem proclamado, sem distonias, que:

O princípio da naturalidade do Juízo – que reflete noção vinculada às matrizes político-ideológicas que informam a concepção do Estado Democrático de Direito – constitui elemento determinante que conforma a própria atividade legislativa do Estado e que condiciona o desempenho, pelo Poder Público, das funções de caráter persecutório em Juízo.

(STF – RT 732/532, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

SENTENÇA CRIMINAL – Nulidade – Prolação por juiz que não tinha jurisdição na comarca – Concessão de “habeas corpus”.

Onde não há jurisdição, não pode haver julgamento e o ato, quaisquer que sejam seus característicos e finalidade, é considerado não existente.

(RT 370/273)

Visto que, por força de regra constitucional, ninguém poderá ser subtraído ao seu juiz natural, denota-se que, na espécie, o feito foi incorretamente distribuído à Desembargadora Federal Vesna Kolmar (1a Turma), substituída pelo Juiz Federal convocado Luciano Godoy.

A prevenção se justificaria em razão de anterior distribuição à ilustre Desembargadora Federal Suzana Camargo (então integrante da 1a Turma), de processo incidente (mandado de segurança) aos autos do processo no 2001.61.81.005327-0, da 2a Vara Federal Criminal da Subseção Judiciária de São Paulo, em que o Paciente se vê acusado por outro ilícito, ao lado de outras pessoas, consoante se vê da denúncia anexa (cf. documentação anexa).

Sucede, todavia, que a prevenção em causa não se caracteriza, eis que a supra referida ação penal e aquela que rendeu ensejo à impetração aforada perante aquela Corte não são conexas, nem tramitam simultaneus processus.

Regrando a matéria, preceitua o artigo 15 do Regimento Interno daquele Tribunal que:

Art. 15 – Ressalvada a competência do Plenário ou da Seção, dentro de cada área de especialização, a Turma que primeiro conhecer de um processo, incidente ou recurso, terá seu Relator prevento para o feito, para novos incidentes ou para recursos, mesmo relativos à execução das respectivas decisões.

§ 1oA prevenção de que trata este artigo também se refere às ações penais reunidas por conexão e aos feitos originários conexos.

Ora, as ações penais em foco, repita-se, não são conexas, não estão reunidas, tanto assim que tramitam separadamente, versam sobre fatos diferentes e se acham em fases processuais absolutamente distintas, nada obstante ambas pela douta 2a Vara Federal Criminal da Subseção Judiciária de São Paulo (que é Vara especializada), em razão da redistribuição determinada tão somente pela aludida especialização ratione materiae

A conexão, segundo a lei, se verifica nas seguintes hipóteses:

Art. 76. A competência será determinada pela conexão:

I – se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo o e lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras;

II – se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;


III – quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.

Ora, pois: nenhuma dessas hipóteses se cristaliza em relação às duas ações penais a que responde o Paciente. Reitere-se que são elas absolutamente distintas e autônomas entre si. E, ressabido é, de outro lado, que conexão importa simultaneus processus, nos precisos termos do quanto dispõe o artigo 79 da Lei Penal, verbis:

Art. 79. A conexão e continência importarão unidade de processo e julgamento, salvo:

I – no concurso entre a jurisdição comum e militar;

II – no concurso entre a jurisdição comum e a do juízo de menores.

Como se trata de ações penais absolutamente distintas, insista-se ainda uma vez (embora o Paciente se veja acusado formalmente em ambas), não se há que falar em conexão, até porque, fossem elas conexas, e a denúncia seria única e importaria unidade processual, ou, no mínimo, apensados estariam os respectivos autos.

Dito isso, o que se vê do caso presente é que o mandamus foi distribuído equivocadamente por prevenção à Egrégia 1a Turma, eis que o processo precedente, que teria orientado essa errônea “distribuição por prevenção”, não apresenta qualquer conexão com aquele que rendeu ensejo a esta impetração.

Nada obstante, assim se decidiu:

Primeiramente sustenta-se não existir conexão entre as ações penais no 2001.61.81.005327-0 e no 2002.61.81.006073-3 (ação originária deste caso). A questão não foi devidamente analisada na peça processual apresentada pelo impetrante. Não se trata de análise de conteúdo, isto é, material da existência ou não de conexão entre as ações penais; isso cabe ao juízo de primeiro grau. Trata-se de análise formal, ou melhor, se houve decretação pelo juízo de primeira instância da conexão entre as ações, o que de fato ocorreu. Em consulta ao sistema informatizado da Justiça Federal, verifica-se que em 02 de março de 2004 foi deferido o pedido formulado pelo Ministério Público Federal de reunião dos referidos processos por dependência, em razão da conexão, e em 17 de setembro de 2004, por força do provimento no 238/2004, o feito n. 2002.61.81.006073-3 foi encaminhado ao MM. Juízo Federal da 2a Vara Criminal de São Paulo, face a distribuição por dependência ao processo no 2001.61.81.005327-0, anteriormente declarada.

Desta forma, nos termos do precedente jurisprudencial citado na decisão de fls. 138/140, mostra-se perfeitamente adequada e conforme o regimento Interno deste Tribunal a distribuição por prevenção deste Habeas Corpus à MM. Desembargadora federal Vesna Kolmar.

Ademais, em consulta aos autos originários, verifico que às fls. 206/209 e 210/212, o réu Paulo Salim Maluf, pai do paciente, requereu a declaração de existência de conexão entre as ações 2001.61.81.005327-0 e 2002.61.81.006073-3.

(cf. documentação anexa)

Dessarte, não é porque o pai do Paciente (e o Paciente é o Paciente, seu pai é seu pai) requereu “a declaração de existência de conexão” entre os feitos que essa conexão tenha efetivamente se verificado.

Depois, não se trata simplesmente de “análise formal, ou melhor, se houve decretação pelo juízo de primeira instância da conexão entre as ações, o que de fato ocorreu”, mesmo porque não seria admissível que, tendo havido equívoco na decisão de primeiro grau, se persevere no erro, que tem conseqüências jurídicas relevantes e que dizem respeito à violação de franquia constitucional do Paciente.

Como, então, falar-se que “não se trata de análise de conteúdo?”.

Significa dizer, então, que pouco importa seja a decisão de primeiro grau ilegal, antijurídica, ilegítima, incorreta? O que importa é simplesmente a forma burocrática do registro? O carimbo, a anotação incorreta?


Burocracia em tema de garantias constitucionais e de liberdades individuais?

Ademais, a decisão de 2 de março de 2004 não reconheceu a conexão entre os feitos, ao contrário do que se afirmou na r. decisão aqui hostilizada, tendo se limitado determinar a distribuição dos autos no 2002.61.81.006073-0 (de que se originou este mandamus) à 8a Vara Federal Criminal da Subseção Judiciária de São Paulo por dependência, sem qualquer causa ou fundamento que a justificasse, aos de no 2001.61.81.005327-0 que por lá tramitavam:

Após a expedição do ofício, encaminhem-se os presentes autos à 6a Vara Federal Criminal, solicitando que os mesmos sejam remetidos ao SEDI para a distribuição por dependência aos autos do inquérito policial no 2001.61.81.005327-0, pertencente a esta 8a Vara federal Criminal, competente para processar o presente feito.

(cf. documentação anexa)

Onde, pois, referência à conexão entre os feitos?

Não se reconhece essa figura jurídica anômala que seria a tal “distribuição por dependência” como causa e não instrumento de prorrogação de competência. A legislação pátria fala em competência por conexão, continência ou prevenção, não em “dependência”… Dependência pela pessoa do acusado? Ou do juiz?

Não é verdade, por isso, que o Juízo de primeiro grau tenha determinado a “reunião dos referidos processos por dependência”, até porque os processos jamais foram reunidos, tanto assim que há uma denúncia para cada um, veiculando cada qual uma acusação distinta, e, tramitando separadamente, se acham em fases processuais absolutamente diversas

Onde, pois, a conexão, que poderia gerar a distribuição do habeas corpus por prevenção à 1a Turma do TRF da 3a Região? Inexiste.

Não bastasse isso, a decisão de 17 de setembro de 2004, a que se faz referência às fls. 178, determinou a remessa dos autos no 2002.61.81.006073-3 à 2a Vara Criminal, em razão do Provimento no 238/2004, que também houvera determinado a redistribuição do processo no 2001.61.81.005327-0, por essas mesmas razões:

Inquérito Policial no 2002.61.81.006073-3:

Considerando-se que a instalação das Varas Especializada [sic] na matéria apurada nestes autos, conforme Provimento no 238/2004, bem como a redistribuição à 2a Vara federal Criminal dos autos no 2001.61.81.005327-0, determino a redistribuição do presente feito àquela vara.

São Paulo, 17 de setembro de 2004.

PETER DE PAULA PIRES

Juiz Federal

(cf. documentação inclusa)

Não há, como se demonstra, qualquer decisão judicial onde se leia que foi determinada a reunião de ambos os processos, quer por conexão, quer por continência. Tal jamais ocorreu!

Não pode prevalecer, portanto, a prevenção atacada, que não tem qualquer fundamento ou causa legítima.

A ordem de habeas corpus no 2005.03.00.072310-8, impetrada em favor do Paciente perante o Egrégio Tribunal Regional Federal da 3a Região, pois, deveria ter sido distribuída livremente, nos termos regimentais.

Adicione-se, ainda, que a incompetência da Autoridade coatora para conhecer da impetração se dá também por outra razão.


Tendo estado a eminente Desembargadora Federal Vesna Kolmar “no gozo de férias pelo período de 05 a 27 de setembro de 2005, portanto por 23 dias” (cf. fls. 179), nos termos do artigo 49, inciso I, do Regimento Interno daquela Corte, o mandamus deveria ter sido distribuído ao Desembargador Federal imediato em antigüidade na Turma, que não é o Desembargador Federal Luciano Godoy (Juiz Federal convocado), na exata medida em que em ordem de habeas corpus não há revisor (cf. arts. 178/188 do regimento Interno do Colendo TRF da 3a Região):

Art. 49. O Relator é substituído:

I – no caso de impedimento, ausência ou obstáculos eventuais, em se cogitando da adoção de medidas urgentes, pelo Revisor, se houver, ou pelo Desembargador Federal imediato em antigüidade, no Plenário, na Seção ou na Turma, conforme a competência.

Como se vê, o writ foi distribuído de forma equivocada, data maxima venia, ao culto Juiz Federal Convocado Luciano Godoy, em declarada violação ao princípio constitucional do juiz natural.

Nem se afirme, como fez a r. decisão aqui combatida, que “na situação dos autos, reputou-se substituto regimental da desembargadora que estava em gozo de férias o Juiz Federal convocado, Revisor da referida Julgadora, não tendo sido considerado relevante para efeito de afastar do processo o referido Magistrado o fato de que o processo de habeas corpus não admite revisão”.

Ora, cuida-se aqui de observância estrita aos princípios constitucionais do due process of law e do juiz natural, franquias constitucionais do acusado no processo penal. A Constituição é para ser cumprida! Ou será que não, que vale tudo nesses tempos bicudos em que vivemos?

A decisão do Superior Tribunal de Justiça que aqui se enfrenta é, pois, manifestamente ilegal, violadora da Carta Constitucional, e impõe ao Paciente inequívoco constrangimento ilegal.

Uma coisa tem de ser repetida, à exaustão: se ficasse reconhecida a conexão entre os feitos que tramitam em primeiro grau, teriam eles que, necessariamente, ser reunidos por apensamento, num único processo, nos termos do artigo 79 do Código Penal, coisa que inocorre.

Então, de duas uma: ou se nulifica a decisão que foi proferida em aberta violação ao princípio constitucional do juiz natural ou, se reconhece a conexão entre ambas as ações penais que tramitam em primeiro grau, determinando-se sejam elas apensadas.

O que não se pode admitir é que a Constituição e as leis sejam assim ignoradas, maltratadas, como se existissem para não serem mesmo observadas…

VII – DO CABIMENTO DO PRESENTE WRIT E DA PLENA POSSIBILIDADE DE SUA COGNIÇÃO EM RELAÇÃO AOS FUNDAMENTOS DA IMPETRAÇÃO ORIGINÁRIA. DA FLAGRANTE ILEGALIDADE QUE SE ABATE SOBRE O PACIENTE. DO COMPROMISSO DO STF COM A ORDEM CONSTITUCIONAL E DA POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE HC EX OFFICIO.

Inicie-se por esclarecer que não se desconhece o enunciado da Súmula no 691 desse Excelso Supremo Tribunal Federal, aliás recentemente não aplicada à vista de caso de flagrante e manifesta ilegalidade da liminar indeferida e atacada em habeas corpus, como sucede, aliás, no caso presente (cf. HC 85.185-1, CEZAR PELUSO).

Essa Suprema Corte vem decidindo, assim como o próprio STJ, que, em casos de flagrante ilegalidade, é de ser conhecida ordem de habeas corpus impetrada contra decisão que indeferiu liminar pleiteada em outro mandamus em instância inferior:

Assim, nos termos do que já decidido no AgRg no HC no 84.014 (Rel. Min. MARCO AURÉLIO), admite-se exceção ao enunciado da súmula 691, quando se trate de flagrante constrangimento ilegal, que é o caso.


(cf. Medida Liminar concedida nos autos do Habeas Corpus no 85.185-1/SP, Relator o Ministro CEZAR PELUSO)

E no precedente mencionado decidiu-se que:

A Súmula do Supremo Tribunal Federal revela, como regra, o não-cabimento do habeas contra ato de relator que, em idêntica medida, haja implicado o indeferimento de liminar. A exceção corre à conta de flagrante constrangimento ilegal que, uma vez não verificado, impede a seqüência do habeas corpus.

(Ag.Reg. no Habeas Corpus no 84.014, Rel. Min. MARCO AURÉLIO)

No mesmo sentido vem decidindo reiteradamente o Colendo STJ:

“HABEAS CORPUS” – Decreto de prisão – Pedido visando liminar negada em outro “habeas corpus” – Possibilidade, em caráter excepcional – Ilegalidade manifesta do ato coator – Medida concedida.

Ementa oficial: Pedido objetivando obtenção de liminar negada em outro habeas corpus. Possibilidade, em caráter excepcional, quando o ato coator apresenta manifesta ilegalidade, com efeitos danosos irreparáveis.

(HC 3.215-2 – 5a Turma – J. 5.4.95 – Rel. Min. ASSIS TOLEDO – DJU 29.5.95)

Somente em situações excepcionais, demonstrativas de patente constrangimento ilegal, admite-se a concessão de habeas corpus contra decisão monocrática de relator que indefere liminar em outro habeas corpus.

(STJ – HC no 7.386/GO, DJ 22/2/99, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO)

Na via da excepcionalidade, admite-se habeas corpus contra decisão que indeferiu pedido liminar em writ impetrado perante o e. tribunal a quo, ainda não julgado. Em tais casos, o ato coator deve apresentar manifesta ilegalidade, com efeitos danosos irreparáveis (…)

(STJ – HC no 26.659/CE, Rel. Min. JORGE SCARTEZZINI)

No mesmo sentido (HC no 11.639-BA, Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA).

O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça têm compreensão assentada no sentido de não caber habeas corpus contra decisão que denega liminar, a não ser que reste demonstrada flagrante ilegalidade, o que não ocorre na espécie. (enunciado 691 da Súmula do STF);

(STJ – HC no 43606/PB, Rel. Min. HÉLIO QUAGLIA BARBOSA)


Em idêntico sentido: AgRg no HC no 35.049/SP, Rel. Min. PAULO GALLOTTI.

Não cabe habeas corpus contra indeferimento de liminar, a não ser que reste demonstrada flagrante ilegalidade no ato atacado, hipótese não verificada in casu, sob pena de indevida supressão de instância.

(STJ – HC no 34.386/SP, Rel. Min. GILSON DIPP)

Não cabe habeas corpus para obter a concessão de liminar, negada em outra impetração, salvo flagrante ilegalidade ou decisão teratológica.

(STJ – AgRg no HC no 37.229/DF, Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES)

Em princípio, ressalvando manifesta ilegalidade, descabe o uso de habeas corpus para cassar indeferimento de liminar.

(STJ – HC no 34.509/RN, Rel. Min. FÉLIX FISCHER)

Ressalvadas as hipóteses de flagrante ilegalidade, a jurisprudência desta Corte não conhece de Habeas Corpus manejado contra decisão denegatória de liminar em writ impetrado perante Tribunal a quo, sob pena de supressão de instância.

(STJ – HC no 26705/GO, Rel. Min. CÉSAR ASFOR ROCHA)

Não cabe habeas corpus contra indeferimento de liminar, a não ser que reste demonstrada flagrante ilegalidade no ato atacado, hipótese não verificada in casu, sob pena de indevida supressão de instância.

(STJ – HC no 34.817/SP, Rel. Min. GILSON DIPP)

Sobre a Súmula 691 do STF, a precisa doutrina de LUIZ FLÁVIO GOMES:

Em termos práticos ela significa o seguinte: se o relator, em algum tribunal superior (STJ ou STM), indefere liminar, ainda que se trate de uma flagrante ilegalidade, deveria o STF abster-se de conhecer eventual HC impetrado contra o indeferimento da liminar e, em conseqüência, da própria ilegalidade. Isso, em poucas palavras, significa evidente denegação de justiça. Convenhamos, o STF, como máximo intérprete da Constituição e última esperança do injustiçado, não pode prestar-se a tamanha insensibilidade. Parece, destarte, não haver dúvida que ele deve cancelar o enunciado da referida súmula, que não honra a sua história em matéria de tutela das liberdades fundamentais.


Sintetizando o que Alberto Z. Toron já escreveu sobre o assunto (cf. site Consultor Jurídico – www.conjur.com.br), se o STF, bem como qualquer juiz, pode conhecer de qualquer ilegalidade e conceder de ofício habeas corpus, parece não haver nenhuma dúvida de que o enunciado da Súmula 691 é flagrantemente inconstitucional, porque contraria o princípio da inafastabilidade da jurisdição. A jurisdição é indeclinável, isto é, não pode ser negada. Havendo patente ilegalidade, como no caso acima descrito, cabe à Suprema Corte conhecer de eventual habeas corpus e corrigir a ilegalidade. O contrário disso significa negar a própria condição de juiz, assim como a missão constitucional da jurisdição, de corrigir desmandos e abusos.

Não pode nossa Suprema Corte ignorar que a garantia da jurisdição é a garantia das garantias (ou garantia de fechamento, como sublinha a doutrina espanhola – cf. PEÑA FREIRE, Antonio Manuel, La garantia en el Estado constitucional de derecho, Madrid: Trotta, 1997, p. 227 e ss.). A missão central do Poder Judiciário, nos dias atuais, já não é só a de resolver conflitos intersubjetivos, aplicando o direito ao caso concreto. Sua orientação principal está voltada para a tutela dos direitos e garantias fundamentais. Enquanto o legislativo está subordinado ao interesse da maioria, o Judiciário vive em função do direito, competindo-lhe precipuamente a correção dos desvios e ilegitimidades dos outros poderes ou dos demais órgãos do próprio Poder Judiciário. Deparando-se com flagrante ilegalidade, ainda que gerada a partir da negação de uma liminar por tribunal superior, não há dúvida que ele deve intervir, para afastar o constrangimento ilegal.

A garantia da jurisdição, por isso mesmo, tem que ser efetiva. Não pode o STF, destarte, dentro do seu âmbito de competência, interpretar o ordenamento jurídico de modo restritivo em termos de tutela das liberdades. O juiz do terceiro milênio já não se submete a uma vinculação inarredável com o texto legal. Seu compromisso é com a Constituição e seus valores superiores. Se a justiça é o valor-meta de todo Estado Constitucional e Democrático de Direito, não pode o Judiciário inibir-se e anular-se diante de uma injustiça. O modelo liberal de jurisdição está ultrapassado. Do império da lei passamos para o império do direito. Da função corretiva dos abusos de outros poderes ou de outros órgãos jurisdicionais o STF não pode jamais abrir mão, sob pena de não cumprir sua missão constitucional.

(in “Quando há flagrante ilegalidade cabe HC contra o STJ que indeferira liminar em outro HC?”)

Luiz Flávio

Nem se diga que a concessão de medida liminar neste mandamus importaria “supressão de instância” eis que, como bem observado por Alberto Zacharias Toron em oportuno artigo específico sobre o tema:

Haveria, em qualquer caso, ofensa à hierarquia dos tribunais ou as suas competências? A resposta, uma vez mais, veementemente, é negativa e pelo simples fato de que uma coisa é o julgamento da liminar e outra, como é cediço, o do processo devidamente instruído. Em ambos os casos, julgada e denegada a impetração pelo tribunal local ou regional, o de grau superior deverá julgar prejudicado o writ que recebera, pois agora a coação por ventura existente decorrerá da denegação da ordem e não mais do indeferimento da liminar. O raciocínio não muda se, por exemplo, o Tribunal Superior chegar até mesmo a conceder a ordem ratificando a liminar. É que a decisão colegiada está cingida aos termos de uma cognição provisória e mais limitada jungida à questão da liminar.

(“A súmula 691 do Supremo Tribunal Federal e o amesquinhamento da garantia do Habeas Corpus”)


Mesmo porque, na hipótese de impetração de ordem de habeas corpus substitutiva de recurso ordinário,

…o STF vai apreciar, sem nenhum salto, tema que não decorre diretamente da decisão do juiz de primeiro grau, mas de ministro de Tribunal Superior que julga em nome do tribunal, como órgão fracionário, e que tem, em matéria de habeas corpus, por expressa disposição constitucional, seus atos diretamente debaixo da jurisdição da Suprema Corte (art. 102, I, letra i).

A Súmula neste último caso, pesa dizê-lo, não poderia ir contra a expressa previsão constitucional e vedar a impetração de habeas contra a denegação da liminar. E, tampouco, se a impetração fosse decorrente de uma sucessão de negativas de liminares iniciada pelo relator no tribunal local ou regional. É que, primeiramente, não está em jogo diretamente a decisão do juiz de primeiro grau, mas a do relator no tribunal. Depois, não vedando a Constituição o manejo do habeas corpus contra o indeferimento da liminar, soa especioso que, pela via exegética, se queira restringir o alcance da tutela da liberdade do cidadão. Ainda mais quando está em foco o acerto ou desacerto da concessão da liminar que, pode, embora raro, encontrar no Pretório Excelso guarida sem que, como visto, se atinja ou se restrinja a competência do tribunal inferior quanto ao julgamento do mérito da ação constitucional ou, por outra, se fira a autoridade da decisão do Supremo Tribunal Federal nos limites do que decidiu.

(idem)

Não se olvide, ademais, neste passo, que o tema aqui discutido é, igualmente, a regra constitucional do juiz natural e a incompetência do Ministro GILSON DIPP e do Juiz LUCIANO GODOY para conhecer de mandamus impetrados no TRF3 e na Corte de Origem, fato de que deflui coação ilegal, hipótese bem diferente da vetada pela Súmula 691 desse STF, sem embargo da ilegalidade manifesta contida na decisão inquinada de inconstitucional, que precisa ser integralmente corrigida nessa Suprema Corte.

VIII – DA NULIDADE DOS ELEMENTOS INDICIÁRIOS COLHIDOS NOS AUTOS.

Como se vê dos autos, a despeito do inquérito policial ter sido instaurado perante a Superintendência Regional em São Paulo do Departamento de Polícia Federal, tem-se que, por razões que se desconhece, a partir de determinado instante passou ele a tramitar por uma tal de DIP (Diretoria de Inteligência Policial) da PF, em Brasília…, por Delegado de Polícia Federal ali lotado…

Tal circunstância é absolutamente insólita, anômala, verdadeiramente inédita no processo penal brasileiro, que se rege segundo os ditames constitucionais e regras próprias que definem os critérios de competência, mesmo na fase da persecução extra-judicium.

Traduz procedimento de exceção, anômalo, anátema pela regra constitucional da isonomia, a sugerir prevalência de interesses outros… Que se pensaria se um Magistrado de outra jurisdição, de outra Unidade da Federação, fosse designado por um Tribunal para julgar um determinado e especial processo em outro Estado?

Dir-se-á que o juiz natural é imperativo constitucional e a autoridade presidente do apuratório extra judicium não tem essa nobre disciplina normativa. É certo, mas e o elemento ético, moral, implícito em princípios constitucionais, da conduta persecutória do Estado? Às urtigas?

Ora, é inconcebível, qualquer que seja o pretexto e fora das causas de prorrogatio da competência, que o apuratório possa tramitar em outro local que não aquele onde teriam se verificados os fatos; a não ser que dele se queira alijar o investigado e o seu direito de defesa que, desnecessário sublinhar, tem previsão legal mesmo na fase inquisitorial (cf. art. 14 do CPP)…

Seria razoável – ou melhor, constitucional – obrigar a defesa técnica a se deslocar à Capital Federal cada vez que quisesse examinar os autos, sendo competentes para o caso, segundo a lei, as autoridades policiais e judiciárias da Capital de São Paulo? Parece que não… Então o que explica a anomalia? Por que o Estado gastaria fortunas em passagens aéreas, hospedagens e outras despesas de autoridade para que ela, sendo de outro Estado, presida inquérito que, por força de lei, devera tramitar no local da suposta infração? Quem pode responder o por quê? Quem consegue, sem explicar pela via da perseguição pessoal, ou do “especial” interesse?


Aliás, a defesa do Paciente (que, como garantia, tem assento constitucional, nunca é demais relembrar), quando tencionava consultar os autos, era sempre informada que se achavam eles no Ministério Público Federal. Naquela instituição, assegurava-se que os autos estavam na Polícia Federal. Ali era esclarecido que o apuratório tramitava em Brasília, e que havia “uns quatro ou cinco inquéritos especiais” que eram conduzidos dessa mesma forma… Apuração “especial” em pleno regime republicano? E o Poder Judiciário vai chancelar isso?

É bom que se reafirme para os autoritários de plantão que conduzem investigações subterrâneas, que o Estado Democrático de Direito não se compadece com esse tipo de “apuração especial”, eleição de investigados “especiais”, seletividade investigatória segundo o critério do Poder Central e que a Constituição e as Leis existem e devem ser cumpridas.

Onde já se viu o Estado “escolher” pessoas, selecionar aqueles casos em que tem interesses (os mais variados e muitos deles impublicáveis) e promover investigações direcionadas, sigilosas, clandestinas mesmo, conforme melhor lhe convier, presididas por autoridades lotadas na Capital da República? Seletividade anti-republicana e afronta ao princípio constitucional da isonomia?

Estado Policialesco?

Urge se dar um basta, definitivo, a este inaceitável estado de coisas, nem que se tenha que, mais uma vez, se lutar, de forma incruenta que seja, pelo restabelecimento das liberdades e do verdadeiro Estado Democrático de Direito no Brasil. O pior despotismo é o que vem embalado de falsa legalidade… com o déspota oculto em contrafação de moralidade exacerbada…

Ora, a lei, que é a vontade do povo (e ainda vivemos uma Democracia, embora alguns acreditem tudo poder em nome do Estado), preceitua que a competência para a causa é das autoridades do local em que se verificaram os fatos. Assim dispõem os artigos 4o e 70 do Código de Processo Penal:

Art. 4o A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.

Art. 70. A competência será, se regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.

Se a regra da competência é explícita, é inequívoco, pois, que o inquérito policial deveria tramitar em São Paulo, presidido por autoridade de polícia judiciária local, e não em Brasília, mesmo porque o que nele se apurou, segundo a própria Autoridade Policial, é “desvio de recursos públicos no período de administração pública municipal da cidade de São Paulo”.

Se assim é, segundo os ditames legais e os preceitos constitucionais em vigor (aos quais não se sobrepõe eventual e expressa “autorização do Delegado-Geral”), este inquérito jamais poderia ter deixado a Superintendência Regional em São Paulo da Polícia Federal para ir tramitar, inacessível, na Capital Federal… Mesmo porque, se o princípio do delegado natural não é explícito na Carta Política (como ocorre com o Juízo criminal), certo é que, como no caso do MP, decorre de princípios garantistas constitucionais. Quem pode responder a esta pergunta: por que o inquérito que apurou indícios contra os Maluf foi presidido por Delegado de Brasília e não de São Paulo, como no comum dos casos? Privilégio às avessas? Não, só pode ser explicado por perseguição…

As investigações, portanto, assim como levadas a efeito por autoridade manifestamente incompetente, são nulas e não se prestam ao que quer que seja. A menos que se tenha estabelecido no País uma stalinista “polícia de exceção”, à moda STASI, KGB, GESTAPO ou similar… “O que é legal para Chico, tem de sê-lo para Francisco”, diz o povo, na sua sábia irreverência, para enunciar a isonomia constitucional, que anatematiza atos de exceção…

E não é porque “a atividade policial, nos termos do artigo 144 da Constituição, possui uma unidade de concepção, havendo distribuição de atribuições segundo o órgão policial” (sic), segundo se decidiu, que o inquérito policial não esteja sujeito a regras processuais e ao controle jurisdicional da legalidade. Ou será que regras de competência, contempladas na lei, não são para se cumprirem, meramente retóricas, em “casos especiais?”. Em relação ao inquérito não vale a garantia do due process of law?


Vale tudo? Em nome de quê?

Bem decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo no sentido de que o inquérito policial:

É um procedimento persecutório de caráter administrativo e, como tal, por essa sua feição, não pode estar a salvo do controle de sua legalidade. Por meio dele é que são oferecidos os elementos que servem à formação da opinio delicti. Se ditos elementos não compõem um fato típico, ao menos em tese, não há como manter o constrangimento que dele decorre. Sem o que o procedimento da autoridade deixaria de ser administrativo para ser arbitrário.

(TJSP – RT 409/71, apud Damásio de Jesus, CPP Anotado)

Não se pode tolerar que o Judiciário encampe tamanha ilegalidade nem chancele a audaz afronta à lei.

Também irregular, e mesmo ilícita[6], , a degravação e publicização das interceptações telefônicas de conversas mantidas entre o Paciente, seu pai e seus advogados, que, cobertas pelo manto constitucional da privacidade que integra o direito de defesa e asseguradas em Lei Federal (art. 7o, II, da Lei no 8.906, de 04/07/1994) igualmente serão objeto de providência específica em sede adequada, opportuno tempore. No referente aos advogados dos acusados, a degravação da escuta dos diálogos em confidência profissional configura ilícito penal, nos termos do disposto no artigo 7o, II, da Lei no 8.906, de 04/07/1994, combinado com artigo 3o, alínea “j”, da Lei no 4.898, de 09/12/1965, que define os crimes de abuso de autoridade, perseqüível por ação pública. O artigo 40 do CPP preceitua que as autoridades que desta impetração conhecerem devem adotar providências a respeito.

É mesmo intolerável que, a pretexto de se investigar, tudo se possa, inclusive desrespeitar a lei. Pobre Democracia aquela em que, a pretexto de se punir, se condescende com o desprezo à ordem jurídica…

IX – DA ABSOLUTA CARÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO QUE DECRETOU A PRISÃO PREVENTIVA DO PACIENTE.

Se nula a decisão hostilizada, outra deve ser reposta em seu lugar, tendo em vista o bem jurídico em jogo – a liberdade do Paciente – e, dado o transcurso do lapso de tempo em que vigorou o despacho írrito lesando o seu status libertatis, o que se impõe é a cognição do tema da ilegalidade da coação guerreada nesta via heróica, que é flagrante, manifesta, até mesmo porque o constrangimento espúrio decorre, também, da nulidade dos despachos que convalidaram a prisão, mais que isso, tentaram dar-lhe fundamentação jurídica de que não se revestia (leia-se o despacho atacado). Aliás, por que não, se no nosso sistema o habeas corpus pode ser concedido até mesmo ex officio, em razão do compromisso inquebrantável do juiz criminal com a ordem constitucional e com as liberdades individuais constitucionalmente garantidas…

Aqui, encampar a ilegalidade que consubstancia o decreto da prisão preventiva do Paciente, mantendo-o, significa se convolar em co-responsável processual pela ilegalidade perpetrada. A violência ora combatida é inaceitável, por sua ilegalidade formal, por sua desnecessidade, pela falta de concorrerem os requisitos legais de sua superveniência, em suma, por configurar rematado arbítrio.

Causa preocupação a desfaçatez com que se suprime, sem formação da culpa, o direito de liberdade individual no nosso País. Aliás, esse bem jurídico passou a ser de segunda categoria na axiologia de alguns setores pretorianos, tal a facilidade com que se o arrebata no curso do processo, no varejo e no atacado, por sumários despachos e em confiança ao pleito – nem sempre legítimo – da polícia… Há notícias de despachos de poucas linhas impondo prisão preventiva a dez, vinte, cinqüenta e até setenta pessoas… Convenhamos, isso nunca se viu antes no nosso País! Em breve, o sistema prisional brasileiro se convolará em “progroms”.


Vive-se uma espécie de esquizofrenia persecutório-carcerária, mesclada com a escandalosa publicidade que pretende dar ao povo a sensação de que “algo está sendo feito” por messiânicos setores do aparato estatal, que se entendem os exterminadores do mal, o “látego do Senhor, a azorragar todos os impuros”. Fundamentalismo punitivo em quintessência… Também vulgarização do exercício da autoridade pública pelo rebaixamento do nível no ensino de humanidades…

As sociedades contemporâneas já protagonizaram esse fenômeno de caráter demagógico ou radical antes e, por ele, pagaram, invariavelmente, sangrentos preços. NORBERTO BOBBIO afirmava, contemporaneamente, que o maior de todos os inimigos da democracia e dos regimes de liberdade é o radicalismo, máxime o de convicção moralista extremada ou o messiânico-religioso. E, quem se esquece das lições da história – já se afirmou –, arrisca-se a repetir suas tragédias. Prisão preventiva, a torto e a direito, antes do julgamento? Como retroceder no tempo ao autoritarismo que mais não se justifica?

Quando no nosso sistema se pode recorrer à odiosa restringenda?

Somente em último caso.

Como se tem afirmado, porque encarceram antes do julgamento, as prisões provisórias se mostram odiosas aos olhos dos homens livres, contrárias aos princípios liberais que informam o processo penal moderno e adversas ao princípio universal da presunção de inocência.

A rigor, são elas sempre um pré-conceito, com o qual não se coaduna a idéia de um julgamento sereno, meticuloso e definitivo. Verdadeira amputação social – segregam um mero suspeito –, com muita parcimônia e excepcionalissimamente devem ser utilizadas pelo bisturi judiciário…

O seu largo uso, sem critérios ou comedimento, traduz prática indesejável e mesmo condenável.

Repercute nesse instituto, sem dúvida, a consagração constitucional do princípio humanitário da presunção de inocência, segundo o qual:

LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

(CF artigo 5o, inciso LVII)

A se observar o comando constitucional, é inegável que as prisões provisórias remetem às galés um presumido inocente. Prisões sem culpa, portanto.

Óbvios, pois, a sua excepcionalidade e o seu caráter de medida extrema, a ser utilizada – até com certo escrúpulo pelo aplicador –, em face do disposto na Carta Política.

Nesse rumo de idéias e porque medida heróica, as prisões cautelares deverão ser cumpridamente fundamentadas e explicitamente circunstanciadas no despacho que as impõe a um cidadão, tolhendo-lhe o jus libertatis, sob pena de nulidade.

Ninguém deve ser tão poderoso, nem tão arbitrário no nosso sistema político-jurídico, que tenha o talante de suprimir a liberdade de um indivíduo sem maiores explicações. Se isso foi o apanágio da monarquia absolutista do passado, das teocracias exacerbadas ou das oligarquias arrogantes, não tem lugar no Estado Democrático de Direito.

Exige a lei que, para a prolação do édito constritor e excepcionalíssimo, tudo seja muito bem explicado e fundamentado, sob pena de nulidade. A exigência é constitucional (cf. art. 93, inciso IX, da Constituição Federal).

Prisão antes de julgamento é algo muito sério e reclama minudentes fundamentos, pois nada de maior realce na axiologia humana que o direito de liberdade.

Ensina, com a costumeira e aguda proficiência, HÉLIO TORNAGHI (Manual), referindo-se a uma das espécies do gênero prisão provisória que:

Não basta de maneira alguma, não é fundamentação, frauda a finalidade da lei e ilude as garantias da liberdade o fato de o juiz dizer apenas "considerando que a prisão é necessária para a garantia da ordem pública…" ou então: "as provas dos autos revelam que a prisão é conveniente para a instrução criminal…". Fórmulas como essas são a mais rematada expressão da prepotência, do arbítrio e da opressão. Revelam displicência…


(ob. cit., pág. 619)

No que se refere à justificativa da necessidade da custódia, não pode ser tida por fundamentada, data maxima venia, a decisão que suprimiu a liberdade do Paciente. Sua prisão se justificaria pelo fato de que, em liberdade, comprometeria “a instrução processual, podendo, concretamente, tumultuá-la a ponto de torná-la completamente inviável e inútil”.

Ora, que conduta sua poderia comprometer ou tumultuar a instrução processual, a ponto de torná-la inviável e inútil?

Que “manobras” do Paciente seriam aptas a “interferir na colheita, produção e resultado da prova”, se depoimento de co-réu em processo penal pode ser reservado à fase judiciária dentro da ordem constitucional? Exercício de direito de silêncio na fase policial, apenas, é obstrução? Onde? E o privilege against self incrimination acolhido na Charta Magna? É letra morta, na ótica dos autoritários? Falar em Juízo não serve?

Onde periclitaria a instrução criminal (se é a isso que se refere a decisão aqui profligada)?

Como, de outro lado, se falar em “higidez da instrução processual” se interrogatório não é ato instrutório, mas meio de defesa (vide infra)?

Indagações irrespondíveis…

Talvez essa tenha sido a razão pela qual o Ministério Público Federal não tenha dedicado nenhuma palavra ao assunto no seu petitório de fls. 1264/1265…

Este, todavia, é o fundamento da custódia decretada: as conversas que teriam sido mantidas entre o Paciente e VIVALDO ALVES. Nem se argumente que outro poderia ser o motivo que ditou a medida supressiva de liberdade (até porque aí faleceria ao despacho fundamentação, em aberta afronta ao artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal), eis que o decisum é explícito no sentido de que as “manobras para interferir na colheita, produção e resultado da prova” DIZEM RESPEITO AOS DIÁLOGOS GRAVADOS. Repita-se textualmente a decisão:

Verifica-se, também, que nos diálogos gravados no monitoramento telefônico autorizado por este Juízo houve, inegavelmente, uma série de manobras por parte de Paulo Salim Maluf e Flávio Maluf para interferir na colheita, produção e resultado da prova que buscava se produzir no inquérito policial.

E que os diálogos gravados referidos se referem exclusivamente a VIVALDO ALVES (e não a outras e eventuais pessoas), basta ler o quanto consta das manifestações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal às fls. 1175/1213 e 1218/1223 [7],

Não se venha agora, pois, argumentar que a instrução poderia periclitar por qualquer outra razão! Motivos ocultos ou fundamentos implícitos são anátema em Direito Processual Penal e importam aberta afronta ao Texto Constitucional! Se não há valores permanentes nem direitos estáveis no ordenamento constitucional, dias virão – e Deus nos livre disto – em que, como ocorreu na ditadura militar, alguém também queira “flexibilizar” as garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos, que constituem apanágios constitucionais não da magistratura, mas da cidadania.

Se àquela altura já não se justificava o decreto de prisão, mesmo porque as investigações, naquele passo, já se achavam concluídas, as “provas” produzidas, e o Paciente e VIVALDO denunciados, agora, então, exibe-se ela mais do que nunca ilegal e insustentável, na medida em que VIVALDO ALVES já foi interrogado pelo Juízo. Superado, pois, o fundamento da prisão processual do Paciente. Onde, então, o periculum in mora?

Exibe-se, portanto, a despeito de desfundamentado, inválido, sob o ponto de vista técnico-jurídico, maxima venia concessa, o r. decisum que decidiu pela segregação cautelar do Paciente.


Certo, todavia, que é indelegável a fundamentação de decisão de tal magnitude, e ressabido que simples menção a circunstância genérica abstrata (ou mesmo a referências feitas pelo Ministério Público Federal ou pela Polícia Federal em suas manifestações[8], ) não é bastante para legitimar o injusto – e mais do que isso, ilegal – encarceramento sob foco.

A fundamentação da decisão do Juízo para a decretação ou manutenção da prisão é indeclinável exigência constitucional, mesmo porque aos acusados é garantido constitucionalmente o direito de saber a razão concreta, o motivo, que está a justificar a sua segregação.

Afinal, vivemos, ou não, em um Estado Democrático de Direito?

Repise-se que decisões judiciais de tal natureza devem vir cumpridamente fundamentadas por seu prolator, que é quem exerce a jurisdição, aliás, indelegável.

Certo é que, coadjuvando a decisão de primeiro grau, os despachos inquinados de nulos procuraram suprir, artificiosamente, data venia, a anemia fundamental, quase caquexia, daquela decisão inferior. Triste intento, uma vez que não lhe é dado criar fundamentos para a prisão, não contemplados na decisão de primeiro grau. A conduta jurisdicional, contudo, coloca à calva, sem quebra do respeito devido, certa idiossincrasia judicante…

Doutrina ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO, in Presunção de Inocência e Prisão Cautelar que:

É através da motivação, com efeito, que se expressam os aspectos mais importantes considerados pelo magistrado ao longo do caminho percorrido até a conclusão última, representando, por isso, o ponto de referência para a verificação da imparcialidade, do atendimento às prescrições legais e do efetivo exame das questões suscitadas pelos interessados no provimento.

Mais do que isso, no regime democrático, a obrigatoriedade da motivação, conjugada à publicidade dos pronunciamentos jurisdicionais, adquire relevante função extraprocessual, qual seja a de possibilitar ao povo, fonte exclusiva do poder, o controle generalizado e difuso sobre o modo como se administra a justiça.

Seja como for, o que importa ressaltar é a imperatividade da declaração expressa dos motivos que ensejam a restrição da liberdade individual no caso concreto, tanto nas hipóteses em que há pronunciamento jurisdicional prévio (prisão preventiva, prisão em virtude de pronúncia ou de sentença condenatória recorrível), como na convalidação da prisão em flagrante, em que o juiz deve declarar as razões de sua manutenção e da não concessão da liberdade provisória.

E, finalmente, conclui:

Sendo assim, em face do que expusemos no capítulo anterior, não são suficientes à motivação das decisões sobre prisão as referências à “ordem pública”, à gravidade do delito ou aos antecedentes do acusado, sendo indispensável que se demonstre cabalmente a ocorrência de fatos concretos que indiquem a necessidade da medida por exigências cautelares de tipo instrumental ou final.

(ob. cit., págs. 80/81)

BASILEU GARCIA aduz que:

…não é possível que se mande para uma enxovia antes de regular condenação, em virtude do interesse público, sem se declarar em que consistem as superiores razões que o determinam.

(Comentários, V. 3, pág. 177)

Vazia a fundamentação do decisum, nulificado o ato e, por isso, advindo em aberto desrespeito às garantias processuais do Paciente, data maxima venia.


Alude a decisão monocrática aqui afrontada, a uma “avaliação genérica” para suportar decreto de prisão preventiva. Não é da lei. Generalidades e superficialidades constituem excomunhão em direito repressivo. Nosso processo e a própria Constituição exigem, como se demonstrou, cumprida fundamentação para a supressão da liberdade do acusado no curso do processo.

Quem no-lo assevera é a tão sábia quão freqüente jurisprudência dos Tribunais brasileiros:

O ordenamento jurídico brasileiro, ao tomar a exigência de fundamentação das decisões judiciais um elemento imprescindível e essencial à válida configuração dos atos sentenciais, refletiu, em favor dos indivíduos, uma poderosa garantia contra eventuais excessos do Estado-Juiz, e impôs, como natural derivação desse dever, um fator de clara limitação dos poderes deferidos a magistrados e Tribunais. Os Juízes e Tribunais estão, ainda que se cuide do exercício de mera faculdade processual, sujeitos expressamente, ao dever de motivação dos atos constritivos do status libertatis que pratiquem no desempenho de seu ofício. A conservação de um homem na prisão requer mais do que simples pronunciamento jurisprudencial. A restrição o estado de liberdade impõe ato decisório suficientemente fundamentado, que encontre suporte em fatos concretos.

(STF, HC no 68.530-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

A fundamentação de despacho de prisão preventiva deve ser substancial e convincente, fundando-se em fatos concretos e não em meras conjecturas. Não estando presentes, na espécie, os pressupostos do art. 312 do CPP, é de se conceder a ordem de habeas corpus.

(STF – RTJ 104/111)

Processual Penal. Prisão Preventiva. Decretação: fundamentos insuficientes. Tendo sido adotada como fundamentação do decreto de prisão preventiva a necessidade de garantir a aplicação da lei penal, mas nenhuma fundamentação havendo a respeito, cabe revogar-se tal prisão, sem prejuízo de outra vez ser ela decretada se motivos reais puderem de fato justificá-la.

(STF – RT 612/439)

Não basta ter comprovada a existência do crime e suficientemente indiciada a sua autoria para que se dêem por atendidos os requisitos legais para justificar o decreto de prisão preventiva. Requer-se, igualmente, que o juiz tenha razões fundadas da existência de motivos que aconselhem a medida, dentre aqueles relacionados na lei.

(STF – RT 573/489)

Nulo é o decreto de prisão preventiva em que o juiz indica, abstratamente, as causas legais da medida constritiva, sem o registro das situações concretas que motivem suficientemente a sua adoção.

(STF – RT 603/441)

Em razão do princípio da inocência presumida, somente é admissível a imposição de prisão processual – prisão preventiva ou prisão em razão de sentença de pronúncia – quando suficientemente demonstrada por decisão plenamente motivada a necessidade de cautela, em face da presença de uma das circunstâncias inscritas no art. 312 do Código de Processo Penal. Recurso ordinário provido.

Habeas-corpus concedido.

(STJ, RHC no 6.420/MG, 6a T., Rel. Min. VICENTE LEAL, j. 19.08.97, v.u., DJU 22.09.97, pág. 46.559)

A prisão preventiva, por afetar o status libertatis, obedece o princípio da legalidade. Cumpre, na fundamentação ser indicado o fato que recomende a restrição ao exercício do direito de liberdade.


(STJ, 6a T., RHC 2190-5/PE; Rel. Min. VICENTE CERNICCHIARO, j. 8.3.93, v.u., DJ 10.5.93, p. 8.647)

Prisão preventiva – Fundamentação – “O decreto de prisão preventiva deve ser fundamentado. Cumpre ser especificado o fato que se amolde a um dos pressupostos do art. 312, CPP. Irrelevante realçar apenas a hipótese normativa”.

(STJ, 6a T., HC 1.873-3/PE, Rel. Min. VICENTE CERNICCHIARO, j. 22.6.93, v.u., DJU 27.9.93, p. 19.828)

Ao juiz cabe sempre demonstrar in concreto porque o indiciado ou acusado ou mesmo condenado necessita ficar confinado antes da hora.

(STJ – RHC no 4.261-3, Rel. Min. ADHEMAR MACIEL, j. 13.2.95, v.u., DJU 13.3.95, p. 5.316)

O decreto de prisão deve ser suficientemente fundamentado, não bastando repetir as hipóteses previstas no art. 312 do CPP (garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal ou asseguramento da aplicação da lei penal). A prisão provisória (cautelar) só deve ser decretada quando, realmente, se fizer necessária.

As informações, no habeas corpus, não suprem a falta de fundamentação do decreto de prisão preventiva.

Ordem deferida.

(TRF 1a Reg. HC 92.01.10171-6/MG – Rel. Juiz TOURINHO NETO – j. 27.5.92 – DJU 8.6.92 – p. 16.224)

Carente de fundamentação o decreto de custódia provisória e ausentes razões substanciais que recomendem a imposição da medida excepcional, comprometedora do direito natural à liberdade, é de ser concedida a ordem de habeas corpus, a fim de que o acusado se assegure a possibilidade de defender-se em liberdade.

(RT 604/383)

Por destituída de qualquer fundamentação, e o que aqui se combate é a decisão judicial (e não manifestação de quem é parte ou mesmo de quem presidiu investigação), e também de fundamento fático-jurídico, vê-se contaminada a r. decisão que decretou a prisão do Paciente. Logo, acha-se ele sob manifesto constrangimento ilegal, nos exatos termos do artigo 648, inciso VI, do Código de Processo Penal.

X – DA ABSOLUTA FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A DECRETAÇÃO DA CUSTÓDIA PREVENTIVA DO PACIENTE.

Não bastassem a absoluta incompetência da autoridade policial que presidiu as investigações, do Desembargador Federal substituto e da Autoridade aqui apontada como coatora que conheceram do pleito liminar, encampando a violência e a inequívoca falta de fundamentação da decisão que decretou a custódia, o que se verifica, in casu, é que ela não se justifica sequer em tese.

Com efeito, as custódias cautelares devem subserviência aos rígidos pressupostos que legitimam qualquer encarceramento provisório: o periculum in mora e o fumus boni juris. A estes se acresce, após a Constituição de 1988, que fixou a liberdade como regra em nível de dogma e de franquia constitucional, o parâmetro da absoluta, indeclinável e imperiosa necessidade.

É que a supressão da liberdade antes do julgamento repugna aos povos civilizados, que a reservam – como violência injusta, mas tolerável – para os casos da mais premente e inexorável necessidade.


De fato, todo o nosso ordenamento jurídico subalterno deve ser interpretado à luz da Carta Constitucional de outubro de 1988, vértice da pirâmide legislativa brasileira, de modo que é dispensável mencionar-se que a legislação infraconstitucional deva estar em harmonia com a Lei Fundamental, que lhe é superposta.

Destaque está a merecer, nessa perspectiva, o texto da Lei Máxima, no capítulo em que dispõe sobre os princípios relativos às garantias e direitos fundamentais da pessoa humana.

E, precisamente no artigo 5o, inciso LVII, do Código Político acha-se consagrado o princípio humanitário da presunção de inocência, comum a todos os povos civilizados e livres do mundo contemporâneo, que aqui se faz questão de reprisar:

LVII – ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Em assim sendo, por disposição da Lei das Leis, claro está que as prisões cautelares, que são medidas de exceção, encarceram sempre um presumido inocente. Prisão sem culpa, decorrente de mera suspeita, e, mais que isso, prisão de alguém que a Lei Maior afirma deva ser presumido inocente.

Nenhum acerto se vislumbra, data maxima venia, em posições retrógradas, conservadoras, e por que não dizer, autoritárias que, não obstante o princípio constitucional da não-culpabilidade até final trânsito em julgado da sentença condenatória, insistem em negar a este repercussão no nosso processo penal (que é lei infraconstitucional de hierarquia inferior), e não se cansam de declará-lo sobrepairante à própria Lei Fundamental.

A regra constitucional em causa não pode ser lida de acordo com a lei ordinária, mas esta é que deve ser interpretada a partir do texto da Constituição.

É o que decidiu o STF pela sábia pena do Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE:

As leis é que se devem interpretar conforme a Constituição e não ao contrário.

(RT 680/416)

Se a Constituição, que é o lineamento fundante do sistema penal e processual penal, estabelece que a regra é a liberdade até condenação definitiva, segundo esse parâmetro é que devem ser interpretados os textos infraconstitucionais.

É que, consoante o ensinamento de RENE ARIEL DOTTI:

As opções axiológicas constitucionais devem ser respeitadas pelos textos penais e orientar a sua interpretação.

É inegável que a presunção de inocência constitucional repercute na legislação subalterna, revogando-a, abrogando-a ou derrogando-a, no que lhe for contrária, ou mesmo negando eficácia aos textos com ela colidentes que lhe supervieram.

Somente por aí já se vê que nenhuma razão pode assistir àqueles que tentam negar qualquer reflexo do princípio constitucional na legislação processual penal anterior, que lhe é subalterna.

Inescondível, pois, a excepcionalidade absoluta da aplicação da odiosa restringenda e o fato, óbvio, de que retrata uma agressão do Estado contra o indivíduo, no seu direito de liberdade.

Verdadeiro mal, as prisões provisórias – que são sempre odiosas porque encarceram antes de julgar – só se justificam em circunstâncias violentas, verdadeiramente excepcionais, extraordinárias mesmo, para remediar outro mal, maior ainda.

Ademais, ato discricionário do juiz, hão de concorrer à sua superveniência, de modo insofismável, os pressupostos ou requisitos elencados no texto da lei.

Fora dessa hipótese, é ilegítima a sua decretação.

Sendo, porém, a prisão preventiva uma cautela instrumental, que serve ao processo e não à eventual decisão de fundo, não significando antecipação de pena, não se incompatibilizaria ela, à primeira vista, com o texto constitucional da presunção de inocência, restrita a sua aplicação a casos de absoluta e inexorável necessidade e tendo em vista o utilitarismo do processo. Sublinhe-se aqui, todavia, que o princípio da presunção de inocência atua como sinalizador da extrema e irredutível excepcionalidade da sua utilização, mesmo como garantia do processo.


Sobre a prisão preventiva, bem cabe aqui decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que a conceituou como:

…decisão acautelatória de aplicação corrente apenas em razão da maior gravidade dos delitos, sendo considerada entre os doutrinadores alienígenas como aspereza iníqua (Lucchini) e mal necessário (Garrot), admitindo quase todos, senão todos, sua decretação quando reclamada por necessidade irresistível ou absoluta conveniência de ordem social (Bozzani e R. Casarat).

Francesco Carrara, figura exponencial da Escola Clássica, reputando a prisão anterior à condenação, iniciativa sempre injusta e por vezes cruel, irreparabile rovina, e, ato de verdadeira tirania somente a admitia quando ogni altro mezzo meno duro sarebbe ineficace al suo fine – (Opuscoli di Diritto Criminale – 1889 – Vol. IV, pág. 59).

Conforti afirmava a ilegitimidade de sua aplicação senza inesorabile necessità, observando Vassali que a restrição da liberdade de um imputado, só porque indiciado seriamente de ter cometido um crime, é absurda quando a sua liberdade não seja de modo algum perigosa, nem para as exigências de segurança, nem pela necessidade do processo (Osservazione Sulla Custo di Preventiva, in Scritti in Onore do V. Manzini –1954 – pág. 500). O citado Lucchini dizia que além da aspereza iníqua configurava extrema forma coercitiva e per cose essecionalissimi (Elementi di Procedura Penale – pág. 282).

E, Beaussire chamava-a de a mais cruel das necessidades judiciárias, não só cruel como fatal. Fatal ao indivíduo, fatal à sociedade, fatal à própria Justiça (Principes de Droit – pág. 139).

Charles Martin, comentando a lei francesa de 7 de fevereiro de 1933, sustentou que a prisão preventiva é não somente grave, mas temível: é grave porque atinge o mais inestimável bem do indivíduo, essa liberdade física de ir e vir, de ausentar-se mesmo do país e que tem stricto sensu o nome de liberdade individual.

É sobretudo temível porque acarreta um mal real, verdadeiro a um homem que não só ainda não foi declarado culpado como que pode estar inocente e a quem ela fere em sua reputação, em seus meios de existência, em sua pessoa, sem que uma reparação ulterior seja possível.

Adolph de Chambrum, fazendo sentir que sendo a presunção de inocência le fondement meme de la libertè humaine, defende os ingleses e norte-americanos por agirem em face dos indiciados acusados com as maiores cautelas possíveis, acrescentando que não se trata de uma simples tendência e mostra-se indulgente.

E assim procedem os anglo-saxões e americanos do norte porque somente a prova irrefutável dos fatos criminosos pode vencer e destruir a presunção de inocência.

E o Código de Processo Penal francês diz, expressamente, em seu artigo 137 que la dètention preventive est une mesure excepcionelle.

Entre nós, felizmente também vai ganhando força e se corporificando esse nobre entendimento.

Quando da realização do 1o Congresso Nacional do Ministério Público, em plena compulsoriedade da medida, já se afirmava que nada de fato abate mais o homem de bem que o encarceramento, ainda que não dure muito, ainda quando a vítima da coação legal seja despronunciada ou absolvida, sairá da prisão diminuída. Aos olhos da família, dos amigos. Daqueles com quem convive. Da sociedade, enfim. Sua alma sofrerá sempre, seu conceito dificilmente se lavará dessa mácula, que lhe será lançada ao rosto, amanhã, deturpada, agravada ou à face de seus descendentes por algum perverso caluniador (Anais – VII – páginas 414/415).


(HC no 86.404-3)

E prossegue aquele luminoso Acórdão:

Por isso também é antiga a lição de Direito de que a prisão preventiva somente pode ser imposta como medida indispensável de coerção processual ou de garantia para a execução da pena. Fora dessas situações, a prisão preventiva é inadmissível (Ilegalidade e Abuso de Poder na Denúncia e da Prisão Preventiva – Revista Brasileira de Criminologia e Direito Penal 13-77).

Afectando a liberdade do acusado antes da decisão final do processo, em que poderá ser declarada a sua inocência, a prisão preventiva constitui, sem sombra de dúvida, recurso marcadamente violento e de extremo rigor, somente justificável quando indeclinavelmente necessário, conforme tem enfatizado o Colendo Supremo Tribunal Federal, taxando-o de medida heróica.

Por isso mesmo, a Egrégia Seção Criminal deste Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, também ao tempo em que compulsória a medida, em processos mais gravemente apenados, observou, em Acórdão transcrito na R.R. 294/60, que "a aplicação do artigo 312 da Lei Adjetiva exige larga circunspecção, a fim de evitar que a prisão preventiva venha a marcar de maneira irremissível a liberdade do homem". E acentuou ser "atributo de indeclinável consideração, no exame de qualquer acusação, a pessoa do acusado, porque a todo homem cabe pelo seu anterior "status dignitatis" a oportunidade de demonstrar, sem coação legal, as provas da defesa".

Insiste, pois, a Turma Julgadora em afirmar que a prisão preventiva somente se justifica nos casos absoluta e manifestamente necessários, não a autorizando a existência de outros processos, por igual pendentes de julgamento, a gravidade da incriminação e a possibilidade, mais ou menos remota, de fuga do território da comarca.

Somente in extremis, pois, é que se legitima a aplicação desse mal necessário, mesmo assim quando marcado o seu caráter instrumental de servir à regularidade do processo…

Presumido constitucionalmente inocente o imputado,

Las medidas de coerciòn personal que contra aquél se dicten solo deben tener caracter cautelar y provisional, y estar limitadas a lo estritamente necesario.

(Claria Olmedo – Bases Para Orientar en La Latinoamerica la Unificaciòn Legislativa en Materia Procesal Penal – pág. 45)

Desse sentir, não discrepa VELEZ MARICONDE:

De este principio (presunciòn de inocencia) deriván, también, el fundamiento, la finalidade y la naturaleza de la coerción personal del imputado: se este és inocente hasta que la sentencia firme lo declare culpable, claro esta que su libertad solo puede ser restringida a titulo de cautela, y no de pena antecipada e dicha decisión jurisdicional, siempre y cuando se sospeche o presuma que és culpable para asegurar la efectiva actuación de la ley penal y procesal.

(Derecho Procesal Penal, I, pág. 325)

JÚLIO MAIER é enfático:

Una vez reconocido que el imputado es inocente hasta la sentencia firme de condena que hace nascer el poder sancionatorio penal del Estado, debe reconocerse también que la custodia preventiva y las medidas de coerción ejercidas contra el imputado solo pueden tener como objeto asegurar o hacer posibles los fines del proceso penal – averiguar la verdad y actuar la ley penal – y ser aplicadas en la medida de la más estricta necessidad.


(Cuestiones Fundamentales Sobre La Libertad Del Imputado y Su Situación en el Proceso Penal – pág. 25)

A prisão, antes da sentença condenatória passada em julgado, portanto, qualquer que seja a sua natureza, somente se justifica quando imprescindível para fins instrumentais do processo, mesmo assim somente e enquanto se mostrar necessária e indeclinável.

Na espécie, todavia, não se fazem presentes os requisitos que ditaram sua decretação, que veio assim justificada [9]:

Há nos autos prova da existência de crime e indícios de autoria, indicando a movimentação internacional de montante expressivo de dinheiro, através de diversos países e instituições financeiras, de acordo com o que, pelo menos até o momento, revelam os documentos acostados aos autos.

Verifica-se, também, que nos diálogos gravados no monitoramento telefônico autorizado por este Juízo houve, inegavelmente, uma série de manobras por parte de Paulo Salim Maluf e Flávio Maluf para interferir na colheita, produção e resultado da prova que buscava se produzir no inquérito policial. Essa interferência está sobejamente demonstrada, revelando, de forma inequívoca, que ambos, se em liberdade, comprometerão a instrução processual podendo, concretamente, tumultuá-la a ponto de torná-la completamente inviável e inútil.

Assim, quer pela absoluta necessidade de preservar-se a higidez da instrução processual, quer pela magnitude da lesão causada, nos exatos termos do artigo 30 da Lei no 7.492/86, reputo indispensável o decreto de prisão preventiva de PAULO SALIM MALUF e FLÁVIO MALUF, com fundamento no art. 312 do Código de Processo Penal. Expeçam-se mandados de prisão.

(cf. documentação inclusa)

Ao que se vê, a custódia preventiva do Paciente e de seu genitor – que é medida excepcionalíssima, como aqui já se demonstrou – se justificaria, porque “se em liberdade, comprometerão a instrução processual, podendo, concretamente, tumultuá-la a ponto de torná-la completamente inviável e inútil” (sic).

Este, o “fundamento” da custódia.

Ora, não se sabe – até porque absolutamente vazio o decreto, como já se demonstrou – em quê consubstanciaria esse suposto comprometimento da instrução processual. De fato, não se compreende como a instrução processual possa vir a se tornar “completamente inviável e inútil” com a liberdade do Paciente, mesmo porque as investigações já estão concluídas, as “provas” produzidas, e o Paciente denunciado.

Se o que se está a referir seria a circunstância de o Paciente ter se encontrado, no curso da apuração, com a pessoa de VIVALDO ALVES, conhecido “doleiro” desta Capital, e ainda assim não se justifica a custódia cautelar eis que, como dito, VIVALDO ALVES é DENUNCIADO nos autos, e não mera testemunha, daí porque não se poderia, sequer em tese, cogitar de periclitação da instrução criminal.

Ora, acusado testemunha não é. Nem aqui, nem em parte alguma. Assim, aliás, já decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo: “é inadmissível a inquirição de co-réu como testemunha de outro acusado” (cf. Correição Parcial no 247.297-SP, 2a Câmara, j. 02.03.1999).

Note-se que o tal de Birigüi (alcunha de VIVALDO ALVES) é RÉU CONFESSO, na exata medida em que admite a titularidade de conta corrente e de numerário mantido no exterior sem declaração às autoridades fiscais e monetárias competentes (a prova da titularidade dessa conta é documental). Aliás, a conta corrente CHANANI de que é titular no Banco Safra de Nova York, ao que consta dos autos, seria uma conta-mãe, que teria mais de quarenta filhos (sub-contas de pessoas diversas que, misteriosamente, não vieram à tona nas investigações)…


E aqui se indaga, por oportuno: por que razão seus outros filhos (cerca de quarenta) estariam relegados à orfandade? Ninguém mais, além do Paciente e Paulo Maluf, é processado? O que justificaria a “escolha” de uma só linha de investigação ou de acusação e a “eleição” de apenas duas pessoas como capri espiatori? Por que essa perseguição encarniçada somente contra o Paciente e seu genitor? A lei não é para todos? Decisão simbólica de um Direito Penal simbólico? Ou perseguição diversionista escancarada?

Por outro lado, se o tal encontro teria ocorrido entre Flávio e seu então advogado e o dito Birigüi e seu patrono, que ilicitude há no fato em tese de investigados ou acusados em um mesmo feito se conversarem para traçar estratégias comuns de defesa nos autos de um inquérito policial ou de uma eventual ação penal em que são eles acusados? E as inúmeras conversas que a outra parte, a Acusação, o órgão do MPF e o polêmico Delegado Federal tiveram com esse Birigüi, essas podem? Quem sabe o que nelas se tratou? O direito de defesa virou crime? O contraditório (ciência do ato processual e possibilidade de reação) transmutou-se de direito constitucionalmente assegurado em “vazamento de informações processuais”, irregularidades puníveis? Ter o acusado ciência de atos praticados nos autos ou verificar de que forma serão outros praticados é delito? Conseguir, como defesa formalmente constituída, vistas ou cópias de peças de autos reputados ”secretos” por burocratas autoritários agora é delito? Só para a Defesa? Para a Acusação, não? Processo fascista? Desde quando?

Direito constitucional de defesa agora é crime ou causa justificadora de decreto de constrição de liberdade? E a Constituição, às favas? As liberdades individuais, ao inferno? A privacidade da advocacia e o direito de exercer a função pública de advogar foram proscritos por beleguins ignaros? Em que País estamos?

Em que tempo vivemos?

Será que só se tolera a “defesa consentida” pelo Estado, como na antiga União Soviética? Ultrapassados os limites do que a Acusação entende como aceitáveis para a mera legitimação do empenho acusatório, passa ela (a Defesa) a ser recriminada, ameaçada, marginal, passível de sanção? Ora, senhores burocratas que nunca lutaram pela liberdade (e por isso não lhe dão nenhum valor) em seu País…

Falso depoimento ou privilege against self incrimination? Dizer só em Juízo aquilo que se pergunta na polícia, em inquérito secreto, é alguma infração?

Quer dizer então que é válida a barganha, (na verdade, um escambo jurídico moralmente condenável porque garante impunidade a uns em troca da incriminação delatada de outros a quem se elege para punir…) – eticamente espúria e seriamente questionável sob o ponto de vista deontológico – de parte da Polícia e do Ministério Público e sequer se admite que co-réus possam conversar entre si sobre a postura que melhor convém à sua defesa no inquérito policial? Baixou-se, oficiosamente, uma Lei do Silêncio? Mordaça à Defesa? Breve virão algemas também para a Defesa? Em nome de quem? Qual é a biografia desses senhores autocratas e de preparo duvidoso que operam a ação liberticida nesta quadra da história do País? Não valeria à pena pesquisar? Quem são? De onde vieram? Qual o seu passado? O que fizeram anteriormente? Qual a legitimidade de suas investiduras? Qual a biografia? Quais suas relações institucionais e pessoais? Que métodos utilizam? Qual a ética interna da “arapongagem” praticada? Têm idoneidade, ou são editadas, mutiladas e amputadas, segundo as conveniências? E os seus desvios? Gravitam interesses outros sob o pretexto da alegada investigação sigilosa? De que ordem? Urge revelar, desvendar, perquirir, porque a audácia, a escalada autoritária é progressiva, crescente…e revela comprometimentos…

No plano conceitual e doutrinário, qual é o limite entre o delito previsto no artigo 344 do Código Penal e a questionável delação premiada? Que meios suasórios são autorizados e empregados pelas autoridades que ”escolhem” o alvo seu agrado para a persecução? O insistente “empenho oficial de convencimento” é menos grave que uma simples conversa entre denunciados? Qual a axiologia estabelecida? Tendo em vista os fins colimados, o Estado pode ser aético nessa tarefa? A traição delatora é um bem moral a ser acoroçoado na nossa sociedade e como valor legítimo para as futuras gerações? Em que campo? Em todos? A finalidade nobre “flexibiliza” a regra moral da fidelidade como bem filosófico em abstrato? São questões que se colocam ao debate.


Ignora-se o direito de defesa que, na amplitude constitucional, vai desde o direito ao silêncio até o de apresentar qualquer versão dos fatos? Revogou-se o direito a não auto-incriminação assegurado na Constituição?

A esse propósito, direito constitucional ao silêncio (apenas na fase policial) seria, agora, ocultação de provas?

Onde estamos? Acaso no Terceiro Reich?

Não se há de falar, por todo o exposto, em obstaculização, por qualquer forma, ao normal andamento da instrução criminal, que, aliás, já se acha em fase final, tendo sido ouvidas as testemunhas de acusação (resta uma única da terra tendo o MPF desistido da residente em outro País). Nenhum risco ou ameaça há, pois, à conclusão da fase instrutória.

Mesmo porque, instrução e depoimento, reafirme-se, dizem respeito a testemunhas e não a acusado ou a investigado.

JOSÉ FREDERICO MARQUES, no seu Elementos de Direito Processual Penal, doutrina que:

A fase de instrução, no processo penal condenatório, não tem início com o interrogatório do réu, e sim, com o ato de apresentação de provas por parte do réu (artigos 359 e 399) a que se seguem os de produção desta. Ao depois, vem a fase complementar mencionada no artigo 19 e, por fim, o momento procedimental das alegações finais (artigo 500). Finda-se aí a instrução, a que se sucede a fase decisória.

(ob. cit., Ed. Bookseller, 1997, Vol. II, pág. 251)

Instrução, pois, repita-se ainda uma vez, não diz respeito a interrogatório de acusado ou de co-réus (até porque interrogatório é meio de defesa, não de prova), mas refere-se, conforme se viu, exclusivamente à oitiva das testemunhas e/ou vítimas, no que se refere à produção de prova oral. Claro, por outro lado, que conveniência da instrução criminal diz respeito à produção de prova no processo penal. Nesse sentido a doutrina:

A prisão por conveniência da instrução criminal serve para garantir a prova. São exemplos dessa hipótese a ameaça a testemunhas ou o perigo de que desapareçam importantes elementos de prova.

(ANTONIO SCARANCE FERNANDES, in “Processo Penal Constitucional”, Ed. T. 2a Ed., pág. 290)

Por fim, a custódia pode ser decretada para assegurar a prova processual, obstando-se a ação do criminoso, seja fazendo desaparecer provas do crime, seja apagando vestígios, subornando, aliciando ou ameaçando testemunhas etc.

(MIRABETE, in “Processo Penal”, Ed. Atlas, 4a Ed. Pág. 382)

Conveniência da instrução criminal: trata-se do motivo resultante da garantia da existência do devido processo legal, no seu aspecto procedimental. A conveniência de todo processo é que a instrução criminal seja realizada de maneira lisa, equilibrada e imparcial, na busca da verdade real, interesse maior não somente da acusação, mas sobretudo do réu. Diante disso, abalos provocados pela atuação do acusado, visando à perturbação do desenvolvimento da instrução criminal, que compreende a colheita de provas de um modo geral, é motivo para ensejar a prisão preventiva. Configuram condutas inaceitáveis a ameaça a testemunhas, a investida contra provas buscando desaparecer com evidências, ameaças ao órgão acusatório, à vítima ou ao juiz do feito, a fuga deliberada do local do crime, mudando de residência ou de cidade, para não ser reconhecido, nem fornecer sua qualificação, dentre outras.


(GUILHERME DE SOUZA NUCCI, in “Código de Processo Penal Comentado”, Ed. T. 4a Ed., pág. 584)

Vê-se que a doutrina não faz qualquer referência a diálogo entre acusados, mas tão-somente à testemunha e à prova.

Reafirme-se, por isso, que consubstancia rematado sofisma se falar em periclitação da instrução criminal na espécie, eis que o interrogatório de VIVALDO ALVES não é ato de instrução, mas ato inerente à sua defesa. Ademais, como demonstrado ad satiem, não é ele testemunha nem aqui nem em lugar algum: é acusado, e como tal, tem o direito de manifestar (ou não) na polícia, em juízo, no Ministério Público, aonde quer que seja, a versão que melhor lhe convier sobre os fatos. Pode inclusive, pasmem os que ignoram as letras jurídicas, até se afastar da verdade! Não está ordenado ad veritatem quaerendam.

Ressabido é, por isso mesmo, que chamada de co-réu não é prova nem indício idôneo para sustentar decisão que agrave ou ameace agravar o direito de liberdade da pessoa humana.

Em parecer sobre o tema, a doutrina de ADA PELLEGRINI GRINOVER é definitiva quanto à validade de subsídio de tal natureza:

a-) Da Ineficácia Intrínseca. Com excelentes razões, de ordem doutrinária, já demonstrou a defesa, nas alegações finais, que o chamamento de co-réu não pode embasar a condenação nem a pronúncia. Falta à palavra do agente, que incrimina outro, qualquer lastro de credibilidade.

Malatesta e Mitermayer e, mais recentemente, Massimo Nobile na Itália, e Heleno Cláudio Fragoso no Brasil, manifestaram-se no sentido de ser o chamamento de co-réu prova insuficiente para embasar o convencimento do juiz. Mormente quando a incriminação é extrajudicial e vem retratada em juízo, como é o caso sub examine.

A jurisprudência de nossos tribunais também tem fustigado esse tipo de declarações, retirando-lhes eficácia probatória.

Pelas mesmas razões, o ordenamento processual italiano de há muito proscreve como prova o testemunho do co-réu, cominando-o de insanável nulidade (art. 348, § 2o, do CPP anterior).

E hoje, o Código de Processo Penal italiano de 1988, determina, no artigo 197 (incompatibilidade com o ofício de testemunha):

Art. 197, I: non possono essere assunti come testemoni:

a-) i coimputati del medesimo reato o le persone imputati in un procedimento connesso a norma dell’articolo 12 anche se nei loro confronti sia stata pronunciata sentenza di non luogo a procedere, di proscioglimento o di condanna, salvo che la sentenza di proscioglimento sia devenuta irrevogabile.

Mais uma vez, o novo Código de Processo Penal italiano há de ser tomado como modelo, por configurar manifestação explícita dos mesmos princípios que informam o processo penal brasileiro, assim como delineado na Constituição de 1988…

(textual do parecer)

Não pode a palavra de co-imputado, portanto, servir de elemento de convicção incriminatória, máxime quando prestada exclusivamente perante o órgão acusadorque é parte no processo penal – em aberta afronta ao princípio constitucional do contraditório, em troca de vantagens…

Logo, a autoridade estatal não pode dispor do réu como meio de prova, diversamente do que ocorre com as testemunhas; deve respeitar sua liberdade, no sentido de defender-se como entender melhor, falando ou calando-se, e ainda advertindo-o da existência da faculdade de não responder.


O interrogatório passa assim a ser entendido:

Come mezzo di contestazione dell’accusa e come mezzo per esporre le proprie ragioni.

(Chiavario, Processo e Garanzie, vol. II, ed. 1984, pág. 175)

Ademais, grandes são os perigos da indevida incriminação de outra pessoa pelo imputado, pois conforme assevera MAGALHÃES NORONHA em seu Curso de Direito Processual Penal:

…pode muito bem acontecer que um acusado, vendo-se perdido diante de provas contra ele colhidas, procure arrastar consigo desafetos ou inimigos seus.

(ob. cit., São Paulo, 1976, pág. 102)

MITTERMAYER, de sua parte, sobre o tema, já advertia que:

O depoimento do cúmplice apresenta também graves dificuldades. Tem-se visto criminosos que, desesperados por conhecerem que não podem escapar à pena, se esforçam em arrastar outros cidadãos para o abismo em que caem; outros denunciam cúmplices, aliás inocentes, só para afastar a suspeita dos que realmente tomaram parte no delito, ou para tornar o processo mais complicado ou mais difícil, ou porque esperam obter tratamento menos rigoroso, comprometendo pessoas colocadas em altas posições.

(Tratado das Provas em Direito Criminal, pág. 295-6)

Daí conclui-se que é ineficaz o chamamento de co-réu, por ser destituído de valor probante e que é inválido o depoimento de co-réu que incrimina o suposto cúmplice, máxime quando aufere vantagem, de qualquer natureza, por essa incriminação…

Por isso que, por mais esta razão, de comprometimento da instrução criminal aqui não se há que falar, sequer em tese.

E, no caso presente, é fácil divisar que VIVALDO ALVES nada mais fez que procurar se esquivar da imputação depois de ver frustrada sua empreitada de tentar vender a acusação que recairia sobre seus ombros por US$ 5.000.000,00 (cinco milhões de dólares americanos), consoante se vê de fls. 556/575 dos autos [10]…

Prestigia-se o principal autor do fato delituoso (dono da movimentação financeira não declarada no exterior) extorsionário comprovado por testemunhas (que não quiseram ouvir, mas que prestarão seus depoimentos oportunamente) numa autêntica inversão de valores…

Outra não é a razão pela qual as conversas telefônicas interceptadas remeteriam a uma virtual delação premiada de que se valeria VIVALDO ALVES em depoimento que prestaria à Autoridade Policial, e que acabou por se concretizando. Como se fosse possível qualquer autoridade, que não o Juiz de Direito, deferir o benefício, reitere-se ainda uma vez.

É razoável que sejam prestigiadas as declarações de um cidadão dessa estatura moral em detrimento da liberdade alheia?

Não se pode ignorar, nem por imodéstia ou por qualquer outra razão menos justificável, que esse repugnante achaque foi denunciado nos autos

Mais do que isso, se acha ele comprovado na já mencionada gravação da conversa telefônica mantida entre VIVALDO e um homem não identificado (ou que não quiseram identificar, posto que, segundo consta, seria o sr. Oterloo, condenado que teria de ser preso, se localizado…), cujo teor aqui se faz questão de repetir:

HNI: Mas esse filho e o pai são bem mau caráter. Eles são…eles não se preocuparam em momento nenhum, pelo visto, em se colocarem à disposição para ajudar, ah, para pagar as despesas, pra dar qualquer tipo de auxílio, por que na verdade o auxílio não era para você, era para eles. Esse caras são muito burros. Eles ficam regulando 50, 100 mil dólares, pra botar um advogado à disposição pra acompanhar o caso, e defender eles mesmos.


Vivaldo: Mas foi exatamente isso que foi feito.

(cf. áudio referido)

Como se vê, não se cuida de alegação mera…

Como viu frustrada sua empreitada rapinadora, acabou se valendo da plea bargain o delator, só que em sede equivocada, data venia. Equivocadamente, repita-se, na medida em que é só o Juiz quem tem o poder jurisdicional para decidir sobre redução ou não da aplicação de pena privativa de liberdade ou de sua substituição por restritiva de direitos. Até lá responderá aos termos da ação penal que contra si foi instaurada NA QUALIDADE DE RÉU. E mais, para se valer dos benefícios legais deverá necessariamente ser sentenciado e condenado.

Não se há que falar na espécie, portanto, em conveniência da instrução criminal ou aliciamento de testemunha (a menos por parte do Paciente), já que VIVALDO ALVES é, aqui, o princeps sceleris.

Não há, assim, razão técnica que sustente o édito restritivo de liberdade.

Mesmo porque, a razão que justificou o decreto de prisão preventiva do Paciente não mais existe, na medida em que VIVALDO ALVES já foi interrogado pelo Juízo.

E que ele não foi coagido pelo Paciente a prestar declarações em um sentido ou em outro, é ele mesmo quem admite:

o acusado Flávio Maluf não ofereceu qualquer valor ao interrogando para oferecer manifestação num sentido ou outro; “ele queria que eu falasse em Juízo, coisa que eu prontamente não aceitei”; não sabe dizer por que o acusado Flávio Maluf pretendia que o interrogando ofertasse manifestação apenas em Juízo; o acusado Flávio Maluf pediu ao interrogando tão-somente e nada mais, que o interrogando se manifestasse em Juízo

(cf. fls. 7 do interrogatório de VIVALDO ALVES)

Como se vê, intolerável e mesmo ilegal a mantença da custódia cautelar do Paciente que, neste passo, não mais tem – se que é teve em algum tempo – qualquer razão de ser.

Aquele a quem estava sendo acusado o Paciente de seduzir já depôs nos autos e, mais do que isso, asseverou, com todas as letras, que “o acusado Flávio Maluf não ofereceu qualquer valor ao interrogando para oferecer manifestação num sentido ou outro”.

Definitivamente de conveniência da instrução criminal não se há que falar. Não subsiste, pois, o motivo ensejador do decreto de prisão preventiva do Paciente (também de garantia à aplicação da lei penal não se pode cogitar, eis que o Paciente se apresentou à prisão, espontaneamente, assim que soube do mandado de captura expedido).

Não se há que falar na espécie, portanto, em conveniência da instrução criminal ou cooptação de testemunha, já que o interrogatório de VIVALDO ALVES, aqui o princeps sceleris, não é ato instrutório, mas meio de defesa, como se demonstrou ad satiem.

Não há, assim, razão técnica que sustente o édito restritivo de liberdade. A menos que exista delação premiada para quem é mera testemunha. Existe?

Tanto não existe que as decisões do TRF3 e do STJ não conseguiram se esquivar dessa realidade gritante que, a despeito da cópia da denúncia e do despacho que a recebeu terem instruído as impetrações, chegam ao extremo de afirmar que:

A alegação dos impetrantes de que não houve constrangimento ao réu Vivaldo Alves, ou ainda o fato deste ser réu, e não testemunha, o que descaracterizaria a ameaça à colheita da prova (requisito da decretação da prisão preventiva), não se mostra comprovada nesta ação. A decisão impugnada nada menciona que seja este o fundamento da decretação da prisão preventiva.


(cf. documentação inclusa)

E que:

Tal motivação, não obstante não fazer referência específica à conversa do paciente com o co-réu VIVALDO ALVES, é idônea para manter a custódia do paciente em sede de liminar contra indeferimento de liminar, até porque durante a instrução, probatória serão ouvidas as testemunhas.

(cf. documentação anexa)

Agora a literalidade do deficitário e lacônico fundamento da decretação da custódia cautelar:

Verifica-se, também, que nos diálogos gravados no monitoramento telefônico autorizado por este Juízo houve, inegavelmente, uma série de manobras por parte de Paulo Salim Maluf e Flávio Maluf para interferir na colheita, produção e resultado da prova que buscava se produzir no inquérito policial.

(cf. documentação inclusa)

Ora, qual seria então a causa da prisão, uma vez que a decisão que impôs a prisão preventiva só alude, como motivo determinante da custódia, aos diálogos supostamente mantidos entre o Paciente e o co-réu Birigui? É importante que essa Corte de Justiça leia detidamente o despacho de prisão preventiva proferido em primeiro grau para que constate a exatidão do que aqui se afirma (doc. anexo).

Mesmo porque, as demais testemunhas de acusação são todas elas totalmente desconhecidas do Paciente, consoante, aliás, deixou claro no seu interrogatório judicial (com exceção de James Carville, publicitário norte-americano que reside nos Estados Unidos da América [11]).

Não se sabe, por isso, de onde se tirou que “não houve especificação de que unicamente a conversa entre Flávio, Paulo Salim Maluf e Vivaldo Alves tenha embasado a decisão de decretação da prisão preventiva” ou que não haveria “referência específica à conversa do paciente com o co-réu VIVALDO ALVES” como causa determinante da segregação cautelar.

Se nem esse fundamento o despacho de primeiro grau tem, acabam as decisões monocráticas do TRF3 e do STJ por confirmar que o fundamento da prisão é nenhum.

Por derradeiro, repita-se que não se reconhece “magnitude da lesão causada” como sendo causa ou requisito determinante de decreto de qualquer custódia cautelar.

Esse Excelso Supremo Tribunal Federal já decidiu, sobre o tema, que:

A prova material da existência dos crimes descritos na denuncia e indícios suficientes da autoria não são capazes de, por si sos, levarem a extravagante prisão preventiva, sob pena de ter-se, na realidade, autêntica execução de pena ainda não imposta. O artigo 312 do Código de Processo Penal exige mais, e o faz remetendo sempre a consideração das circunstancias do caso concreto, sem que se possa partir para a elaboração de peca judicial que sirva a todo e qualquer processo. O fundamento da magnitude da lesão esta umbilicalmente ligado a algo que diz respeito a decisão final da ação penal, ou seja, a imposição da pena. Discrepa da natureza da custodia, no que ha de mostrar-se simplesmente preventiva, e não reparatória. A norma do artigo 30 da Lei n. 7.492/86 não resiste ao mais flexível exame sob o ângulo jurídico, a luz do sistema pátrio de persecução criminal.

(STF HC no 80288/RJ)

MANOEL PEDRO PIMENTEL, acerca do tema, é definitivo no sentido de que:

A verdade é que este artigo também não deveria existir. É inteiramente desnecessário, para os fins colimados. Ressalvando que o dispositivo se aplica sem prejuízo do disposto no art. 312 do CPP (e seria despicienda a menção ao decreto-lei que o editou, uma vez que ao tempo da promulgação da lei em estudo o único Código de Processo Penal em vigor era aquele), o legislador não trouxe, além do que já estava estatuído, nenhuma novidade.


Dizendo que a prisão preventiva poderá ser decretada em razão da magnitude da lesão causada, mas sem prejuízo do disposto no art. 312 da lei adjetiva penal, a norma apenas apontou um motivo que já encontra implícito na expressão ‘garantia de ordem pública’, inserida no art. 312 da lei penal formal. A relevância do motivo para a decretação da prisão preventiva – ao examinar o requisito da garantia da ordem pública – certamente deve ser ponderada pelo juiz.

Mas, de qualquer forma, há necessidade de estar provada a existência do crime e de estarem presentes indícios suficientes da autoria, pois sem isto haveria violação do disposto no art. 312 do CPP. Então, para que salientar, em artigo autônomo da lei especial, a autorização para a decretação da prisão preventiva em razão da magnitude da lesão causada?

Por outro lado, como se há de aferir esse elemento normativo – magnitude da lesão causada – se não for através do critério subjetivo, que pode variar amplamente, já que a lei não define quantitativa ou qualitativamente tal magnitude?

Estamos convencidos de que a razão de ser dessa especiosa disposição legal vinha exposta, explicitamente, na primeira redação do Projeto oriundo da Câmara dos Deputados, quando dispunha: ‘… quando, em razão da magnitude da lesão causada pelo fato ou do clamor público por ele provocado, esteja configurada situação em que a liberdade do mesmo comprometa a segurança ou a credibilidade do sistema financeiro nacional’ (o grifo é nosso).

Ora, aí está, justamente, o motivo de ordem pública que, nos termos do art. 312 da lei adjetiva penal, encontra-se previsto genericamente, dispensando específica e taxativa previsão na lei especial. Sabemos que a casuística observada pelo Banco Central incluiu situação que fazia crer tornar-se necessária a decretação da prisão preventiva de autor de infrações penais, solicitada, aliás, em caso concreto, pelo procurador oficiante, e negada pelo juiz, por falta de amparo legal.

Acontece, porém, que em tal caso, a falta de amparo legal não se deveu à magnitude da lesão causada, mas à ausência de outros requisitos enumerados no art. 312 do CPP, desaconselhando, na hipótese, a custódia provisória. Ora, se mantida a exigência de observar-se o disposto nesse artigo da lei processual penal, inexiste razão para inserir-se o disposto neste art. 30 que, repetimos, é inteiramente despiciendo.

Quando houver necessidade de decretação da prisão preventiva, devidamente justificada nos termos do art. 312 do CPP, o juiz certamente a decretará, não como forma antecipada de punir, mas ‘como garantia da ordem pública, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal’, respeitados os parâmetros legais adequados ao Direito repressivo dos povos democráticos.

(“Crimes contra o sistema financeiro nacional”, Ed. RT, São Paulo, 1987, págs. 191/192)

Ademais, restou comprovada alguma lesão, antes mesmo de iniciada a instrução? Se alguém afirmar que sim, então para que instrução, desnecessária, perante o juiz da causa? Para que processo?

Note-se que o julgado dessa Corte transcrito na decisão do TRF3 é expresso no sentido de que “verificados os pressupostos estabelecidos na norma processual (art. 312 do CPP), COADJUVANDO-OS ao disposto no art. 30 da Lei no 7.492/86, que reforça os motivos da decretação da prisão preventiva em razão da magnitude da lesão causada…”

Como se vê, essa Excelsa Corte exige que concorram os requisitos dos dois dispositivos legais (art. 312 do CPP e art. 30 da Lei no 7.492/86), não valendo apenas este último para justificar prisão preventiva.

A invocação, dessa forma, do julgado desse Pretório Excelso se aproxima, perigosamente, data maxima venia, da metodologia das degravações de escutas telefônicas autorizadas, em que a nossa Polícia Federal pinça trechos descontextualizados e os interpreta a seu bel prazer (“Bom dia, Governador”, por exemplo, é degravado como “Bom dia Amador”…, pode?). Liberdade poética, data venia, só em versos ou rimas, nunca em matéria de prova incriminatória no processo penal. E o pior é que parece que setores do Judiciário estão aceitando, sem crivar, essas “gravações”… O risco de injustiças é enorme! Há de inventar tempo para se ouvir todas as gravações, sob pena de imperdoável leviandade..


Sublinhe-se, por fim, que sempre esteve o Paciente à inteira disposição das Autoridades Policiais e Judiciárias (tanto que prontamente atendeu ao chamamento para prestar depoimento nos autos e se apresentou, espontaneamente, à Polícia Federal tão-logo tomou conhecimento de que sua prisão havia sido decretada), tudo a demonstrar a inteira desnecessidade da constrição, detrimentosa do princípio da presunção da inocência e instrumentalmente prescindível no caso presente.

Agora, quando o despacho atacado reconhece que o Paciente sofre persecução penal pela prática de quadrilha ou bando (art. 288 do CP), societas sceleris esta formada por duas pessoas, quais sejam, ele e seu pai Paulo Maluf, e, mesmo reconhecendo a atipicidade substancial do fato (o quorum mínimo, como elemento objetivo do tipo é “mais de três pessoas”), ainda assim nenhuma providência jurisdicional adota para afastar essa violência, essa rotunda ilegalidade, aí ingressamos, data maxima venia, no campo da teratologia, da monstruosidade. Como pode o juiz criminal, que deve ser comprometido com a ordem constitucional, permitir que alguém continue a ser processado por fato que não caracteriza crime?

Veja-se o quanto ficou decidido no decisum denegatório da liminar:

Quanto à apontada ilegalidade da denúncia quanto ao suposto cometimento do crime de quadrilha, ainda que incorreta a imputação atribuída ao paciente, tala aspecto não afasta a segregação cautelar, como bem destacou o Magistrado a quo, pois a acusação está fulcrada, também, em outras práticas, em tese, criminosas.

(cf. documentação anexa)

Laissez passer?

Inaceitável! O Judiciário tem de continuar sendo a cidadela, o refúgio, a última trincheira das garantias legais da personalidade humana, jamais quedar-se indiferente à violência e à ilegalidade que passem por sua cognição. Nada – mas nada mesmo – há que justifique essa inércia jurisdicional, esse desapego às normas garantistas que protegem o indivíduo em nível constitucional.

O tempora, o mores!

Em nenhuma hipótese outra decisão aqui seria pensável que não fosse a imediata determinação da cessação da ilegalidade consubstanciada em continuar-se a ação penal por fato que, aberrantemente, não configura crime de quadrilha ou bando… E nada se decidiu a respeito; ao contrário, permitiu-se a continuidade da persecução penal ilícita e que cristaliza palmar ilegalidade. Como, então, não se conhecer deste writ, para se decretar, nesse passo, a inépcia da denúncia e a manifesta teratologia da decisão que quer a continuidade da persecução? Vai se permitir que se continue na ação penal por infração ao art. 288 do CP, pelo crime de…de….”quadrilha de dois”?

Em casos como o presente nossos Tribunais têm decidido, reiteradamente, que:


Não se reveste de idoneidade jurídica, para efeito de justificação do ato excepcional de privação cautelar da liberdade individual, a alegação de que o réu, por dispor de privilegiada condição econômico-financeira, deveria ser mantido na prisão, em nome da credibilidade das instituições e da preservação da ordem pública.

(STF – Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC no 80.719/SP)

Para o decreto de custódia preventiva é imprescindível a demonstração da necessidade de garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal ou, ainda, para assegurar a aplicação da lei penal (art. 312). Trata-se de medida de exceção, desde que foi abolido o seu caráter obrigatório. Outrossim, a deficiência de fundamento não pode ser suprida por motivação, na oportunidade das informações. Provimento do recurso, cassando-se o decreto de custódia preventiva.

(STF – RT 639/381 – grifamos)

EMENTA: HABEAS CORPUS. Superada a alegada coação às testemunhas, na fase policial da apuração do delito, concede-se habeas corpus ao paciente preso preventivamente, uma vez que outro motivo não existe para a sua prisão preventiva.

(STF – HC no 65.527, DJ 23.10.87)

O decreto de prisão preventiva, no caso, apenas reproduziu a incriminação – em tese – como se fosse prisão preventiva compulsória não mais existentes entre nós. Os motivos concretos para a segregação cautelar devem ser sempre explicitados, denotando a ocorrência de fatores extra-típicos ou peculiaridades que justifiquem a medida extrema.

(STJ – Rel. Min. FÉLIX FISCHER – HC no 8.570/SP)

A necessidade da segregação cautelar do acusado só é admitida quando baseada em justificação judicial, devidamente fundamentada, nos requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, sob pena de se transformar em letra morta o direito individual, constitucionalmente assegurado a todos, da liberdade de ir, vir e ficar.

(STJ – RT 750/572 – Rel. Min. FLÁQUER SCARTEZZINI)

A prisão preventiva, medida extrema que implica sacrifício à liberdade individual, concebida com cautela à luz do princípio constitucional da inocência presumida, deve fundar-se em razões objetivas, demonstrativas da existência de motivos concretos susceptíveis de autorizar sua imposição.

(STJ – Rel. Min. VICENTE LEAL, HC no 8.486)

Réu primário, de bons antecedentes, profissão definida e residência fixa, Decreto de prisão preventiva e sentença de pronúncia que não circunstanciaram a necessidade da custódia. Em princípio, pouco importa a forma como foi perpetrado o crime ou a gravidade da pena abstratamente cominada. É imperioso que fique demonstrada a “necessidade” da segregação carcerária ante tempus. Recurso ordinário conhecido e provido.


(STJ, RHC 3.542-0/PE, 6a T., Rel. Min. ADHEMAR MACIEL, j. 9.5.94, v.u., DJ 23.5.94, p. 12.629)

A mera alusão genérica à gravidade do delito e a presunção de abalo à ordem pública ou às investigações criminais, sem qualquer base fática, não são suficientes para a manutenção da custódia.

Condições pessoais favoráveis, mesmo não sendo garantidoras de eventual direito à liberdade provisória, devem ser devidamente valoradas, quando não demonstrada a presença de requisitos que justifiquem a medida constritiva excepcional.

(STJ – Rel. Min. GILSON DIPP – HC no 20.849/SP)

PRISÃO PREVENTIVA – Constrangimento ilegal – Caracterização – Ausência de demonstração da necessidade da custódia – Acusado, ademais, possuidor de residência fixa, empresa própria e primário – Interpretação do art. 5o, LVII, da CF e arts. 311 e 312 do CPP.

Quando não resta demonstrada a necessidade do encarceramento do paciente, seja para garantir a ordem pública, seja para assegurar a aplicação da lei penal ou por conveniência da instrução criminal, a prisão preventiva demonstra-se desnecessária e caracterizadora de constrangimento ilegal, principalmente se o acusado tem residência fixa, empresa própria e é primário, conforme se depreende do art. 5o, LVII, da CF e arts. 311 e 312 do CPP.

(RT – 765/701)

Dentro da moderna política criminal, a prisão preventiva é medida de caráter extremo, que visa a garantir a ordem pública e à aplicação da justiça, devendo sua decretação revestir-se de máxima cautela.

(RT – 585/381)

Para a decretação da prisão preventiva não basta a simples suposição, o temor sem base na prova, de que o acusado pretenda perturbar a instrução criminal ou subtrair-se à aplicação da pena. Imprescindível é que as circunstâncias revelem a procedência do juízo formulado pelo magistrado que decreta a prisão.

(RT 564/299)

O magistrado paulista DIRCEU AGUIAR DIAS CINTRA JÚNIOR, abordando o tema em questão, deixou patenteado que:

Não bastasse isso, é forçoso concluir que a prisão preventiva – e a sustentação da prisão em flagrante pelos mesmos critérios –, só possível nos estritos termos do art. 312 do CPP, constitui a única forma pela qual se poderá decretar a prisão processual de alguém em nosso ordenamento jurídico. Tanto que, em contrapartida, se não presentes aqueles requisitos, tem o indivíduo direito à liberdade provisória conforme se deflui da interpretação do art. 310, parágrafo único, do referido estatuto, lido com a Constituição da República aberto em seu art. 5o, LXVI: "Ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança".

Verdade é que, na prática, os juízes que decretam prisões cautelares, diante da evidente falta de elementos objetivos de fundamentação, só podem se guiar por critérios de "sensibilidade", que introduzem na atividade jurisdicional, perigosamente, dados de subjetividade e valores pessoais, de modo incompatível com o Estado Democrático de Direito e ofensivo à Constituição da República.


(Prisões Cautelares – O Uso e o Abuso – artigo publicado na RT 703/260)

O que se dessume de todo o exposto é que não se justifica a prisão preventiva do Paciente, em qualquer hipótese, exibindo-se ela manifestamente ilegal.

O Paciente é empresário e presidente de uma sociedade que emprega cerca de 3.000 brasileiros, primário, possuidor de domicílio fixo, pai de três filhos, tudo a demonstrar que sua liberdade em nada perturbaria o bom andamento da ação penal. Entregou-se à polícia!

Que a ele se permita responder aos termos do processo em liberdade é, pois, o quanto se deixa requerido, permanecendo à inteira disposição do Juízo para o que necessário for, como, aliás, sempre esteve (desde a entrega espontânea de seu passaporte àquela douta Vara Federal). É o que se postula em nome da Constituição, da lei e da justiça!

XII – DA MEDIDA LIMINAR .

Vê-se o Paciente encarcerado, situação que configura inominável violência contra o seu status libertatis, haja vista:

a) a absoluta falta de fundamentação da decisão que decretou a prisão preventiva;

b) a ausência de justa causa para a imposição da prisão processual, não concorrentes os pressupostos que legitimam sua superveniência;

c) a absoluta nulidade da decisão do STJ (e do TRF3) que, encampando a violência perpetrada em primeiro grau, convalidou o espúrio ato constritivo por despacho monocrático e de magistrado incompetente para cognição da matéria;

d) nulidade da prova fragmentária – inclusive gravações telefônicas – arrecadadas na fase extra judicium, por autoridade policial de fora da circunscrição estabelecida na lei;

e) instauração e prosseguimento de ação penal contra o Paciente pela prática do delito de quadrilha ou bando (art. 288 do CP), quando a narratio facti contida na denúncia assoalha que essa societas sceleris seria composta por apenas duas pessoas, quais sejam o Paciente e seu genitor, hipótese que (por faltar elemento objetivo desse tipo penal), não constitui crime em tese.

Inegável, pois, o constrangimento que se lhe impõe, além de ilegal e de todo desnecessário, como se demonstrou. Periclitam suas empresas, seus negócios e os postos de trabalho de milhares de brasileiros.

Presentes, pois, o eventus damni e o periculum in mora que autorizam a concessão de MEDIDA LIMINAR, postula-se aqui dita provisão jurisdicional de urgência para se determinar a imediata libertação do Paciente, permanecendo ele livre até o julgamento final desta ordem de habeas corpus, tudo para que se afaste providência demeritória e de constrangimento que, no julgamento do mérito, será conjurada pela concessão definitiva do presente writ.

O deferimento da liminar postulada aqui se impõe, porquanto o Paciente não poderia aguardar in custodiam ad carcem, a correção de todos esses vícios (error in procedendo et in judicando), padecendo os rigores do cárcere em processo que é manifestamente nulo e ao qual falece justa causa.

É o que, respeitosamente, se deixa requerido.

XIII – DA CONCLUSÃO E DO PEDIDO .

Em face de todo o acima exposto e com fundamento no artigo 5o, inciso LXVIII, da Carta Política, artigos 647 e seguintes do Código de Processo Penal, artigos 188 usque 199 do Regimento Interno dessa Colenda Corte de Justiça, e nos demais dispositivos legais que regem a espécie, impetra-se, em favor de FLÁVIO MALUF, qualificado no preâmbulo, a presente ordem de habeas corpus, que se requer seja concedida para o fim de se deferir ao Paciente o direito de responder em liberdade aos termos da ação penal que lhe é promovida, cassando-se o írrito decreto de prisão preventiva.


É o que, com o devido respeito, se deixa requerido.

Nestes termos,

P.P.Deferimento.

São Paulo, 3 de outubro, 2005.

José Roberto Batochio, advogado.

OAB/SP no 20.685

Guilherme Octávio Batochio, advogado.

OAB/SP no 123.000

Ricardo Toledo Santos Filho, advogado.

OAB/SP no 130.856


[1] Até porque não se poderia cogitar de recurso interposto diretamente perante esse STF contra juízo de primeiro grau de jurisdição, como no caso especificado.

[2] E daí? Exercício do direito de defesa na amplitude constitucional agora é causa ou pressuposto de prisão cautelar? Desde quando?

[3] Atendendo a requisição judicial que acolheu pleito da defesa nesse sentido, a Polícia Federal encaminhou aos autos cópia não criptografada das interceptações somente no dia 19/9/2005, na antevéspera dos interrogatórios do Paciente e de seu genitor.

[4] E ao que consta é para isso que se presta a tal de “inteligência”.

[5] Aliciamento de testemunha? Por parte do Paciente? Ora…

[6] E enquanto provas ilícitas devem ser banidas do processo, não se prestando ao que quer que seja.

[7] Até porque, não há notícia nos autos de qualquer outra circunstância que remeta a eventual periclitação da instrução criminal.

[8] Nem isso se verifica no caso presente.

[9] A defesa teve acesso ao decreto tão-somente no meio da tarde de 12/09/05 (a prisão foi decretada no dia 09/09/05), permanecendo secretos – até para a defesa constituída – os apensos que os compõem, notadamente aqueles em constam as interceptações telefônicas.

[10] Foi levado a erro, todavia, eis que acabou por ser denunciado e somente ao juiz é dado decidir sobre eventuais benefícios legais, que podem ser deferidos ou não, depois de proferida sentença condenatória.

[11] E o passaporte do Paciente está custodiado na secretaria da Vara.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!