Decoro parlamentar

Dirceu pede ao STF arquivamento de processo disciplinar

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5 de outubro de 2005, 18h44

O deputado José Dirceu entrou no Supremo Tribunal Federal com Mandado de Segurança Preventivo com pedido de liminar requerendo a suspensão e arquivamento do Processo Disciplinar contra ele instaurado pelo Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. O relator do processo é o ministro Sepúlveda Pertence.

“O presente Mandado de Segurança tem por escopo prevenir a ofensa iminente a direito líquido e certo do impetrante, pois os atos que virão, certamente, a ser praticados pelas autoridades Coatoras, isolada ou cumulativamente, nos autos do referido Processo Disciplinar nº 04, de 2005, o serão de forma arbitrária e ilegal e poderão redundar na cassação do mandato de Deputado Federal que lhe foi concedido pelo povo, como adiante se demonstrará”, alega a defesa do Deputado, a cargo dos advogados Roberta Maria Rangel e José Luís de Oliveira Lima

O principal argumento contra o prosseguimento do processo disciplinar contra José Dirceu apontado pela defesa é o fato de as supostas irregularidades que lhe são imputadas como deputado terem ocorrida no período em que estava de licença de seu mandato parlamentar para exercer a função de ministro-chefe da Casa Civil do governo federal. “Todas as violações acima apontadas, que estão na iminência de se efetivarem, terão como suporte fático o exercício de mandato parlamentar pelo Impetrante, o que não ocorreu na época dos fatos que agora lhe são ilegitimamente imputados, quando estava investido na função de Ministro de Estado”, sustentam os advogados de José Dirceu.

A defesa fundamenta o Mandado de Segurança “diante da natureza jurídica e não política” do processo disciplinar contra Dirceu, na iminente possibilidade de o deputado vir a ter seu mandato cassado “por autoridade incompetente, sem obediência ao devido processo legal e com inobservância do princípio da separação e independência dos poderes.

Leia a íntegra do Mandado de Segurança:

Excelentíssimo Senhor Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal.

“O Sr. Ministro Paulo Brossard: (…) Vamos admitir que se argua contra uma autoridade – no caso o Presidente da República – a prática de crimes de responsabilidade, do primeiro ao último artigo da lei, uma pessoa isenta, que fosse examinar a argüição, chegaria à conclusão de que nenhum deles fora cometido; mas, se a maioria de 2/3 da Câmara resolver que o processo seja instaurado e para esse fim autorizar a sua formação, ele chegará ao Senado. Da mesma forma, o inverso. Suposto que um Presidente tenha cometido todos os abusos possíveis, que seja uma ilustração viva da lei de responsabilidade, no que tange aos chamados crimes de responsabilidade, e uma maioria entender de negar a evidência e dizer que tais crimes não foram cometidos, não há autoridade na face da Terra, que possa reformar a decisão parlamentar, nem este Tribunal como guarda da Constituição poderá fazê-lo!

O Sr. Ministro Moreira Alves: Isso V. Exa. que afirma. E se condenar à morte?”

(trecho de Acórdão no MS nº 20.941-DF, em que se discutia em preliminar – e se reconheceu – a jurisdição do STF sobre a regularidade do processo de impeachment)

José Dirceu de Oliveira e Silva, brasileiro, casado, advogado inscrito na OAB/SP sob o nº 90.792/SP, Deputado Federal eleito pelo Estado de São Paulo, com o nome parlamentar de José Dirceu, com domicílio no Anexo IV, da Câmara dos Deputados, Gabinete nº 924, Brasília-DF, vem, respeitosamente, por seus advogados (Doc. 1), com fulcro no artigo 5º, LXIX, da Constituição Federal c/c o art. 1º, caput, da Lei nº l.533/51, impetrar

Mandado de Segurança Preventivo Com pedido de liminar

contra ato ilegal e abusivo, que está na iminência de ser praticado pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados; pelo Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados e pelo Senhor Relator do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados na Representação nº 38, de 2005, do PTB – Partido Trabalhista Brasileiro, Deputado Júlio Delgado.


Do objeto do writ. Do processo disciplinar nº 04, de 2005, da Câmara dos Deputados

O PTB – Partido Trabalhista Brasileiro ofereceu ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, “representação por quebra de decoro parlamentar” contra o Impetrante, a qual foi autuada como Representação nº 38/2005 e deu origem ao Processo Disciplinar nº 04, de 2005 (Doc. 02), onde se alega que o Senhor Marcos Valério Fernandes de Souza e sua esposa, a Senhora Renilda Maria Santiago Fernandes de Souza, em depoimentos prestados à Comissão Parlamenta Mista de Inquérito – Correios, teriam afirmado que o Impetrante, conjuntamente com o Senhor Delúbio Soares (à época Secretário de Finanças do PT – Partido dos Trabalhadores), teria levantado fundos junto ao Banco Rural e ao Banco de Minas Gerais para pagar parlamentares a fim de que, na Câmara dos Deputados, votassem a favor do Governo.

O Processo Disciplinar nº 04, de 2005, que está em trâmite, visa cassar o mandato de Deputado Federal do impetrante.

Assim, o presente Mandado de Segurança tem por escopo prevenir a ofensa iminente a direito líquido e certo do Impetrante, pois os atos que virão, certamente, a ser praticados pelas Autoridades Coatoras, isolada ou cumulativamente, nos autos do referido Processo Disciplinar nº 04, de 2005, o serão de forma arbitrária e ilegal e poderão redundar na cassação do mandato de Deputado Federal que lhe foi concedido pelo povo, como adiante se demonstrará.

Do cabimento do writ

Mostra-se inegável o cabimento do presente mandado de segurança para discutir violação a direitos líquidos e certos do Impetrante, os quais se materializam (1) diante da natureza jurídica e não política da questão ora discutida; (2) na iminente violação a direitos subjetivos de parlamentar; (3) na iminente possibilidade do Impetrante vir a ser privado de seus direitos por autoridade incompetente, em desobediência ao devido processo legal e com inobservância do princípio da separação e independência dos Poderes (art. 5º, incisos XXXV, XXXVII, LIII e LIV; art. 102, I, “c” e art. 2º, todos da CF); (4) na sua submissão ao Código de Ética da Alta Administração Pública e à Comissão de Ética Pública (Decreto de 26 de maio de 1999), não às regras do Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados (art. 1º, da Resolução nº 25, de 2001, da Câmara dos Deputados); (5) no reconhecimento a seu favor do princípio da proporcionalidade e da razoabilidade.

E todas as violações acima apontadas, que estão na iminência de se efetivarem, terão como suporte fático o exercício de mandato parlamentar pelo Impetrante, o que não ocorreu na época dos fatos que agora lhe são ilegitimamente imputados, quando estava investido na função de Ministro de Estado (art. 56, I, CF e art. 235, IV, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, Resolução nº 17, de 1989 c/c o art. 2º, CF).

(1) Da natureza jurídica e não política da questão discutida no writ

De início, é preciso registrar que a questão que se pretende ver apreciada é de natureza jurídica, e não política. É cabível, pois, o presente mandado de segurança.


E tal porque não se questiona, evidentemente, a possibilidade de cassação de mandato parlamentar, tampouco o fato dessa medida envolver um juízo político por parte da respectiva Casa Legislativa, mas o fato de, em um Estado Democrático de Direito, o poder político encontrar-se submetido a limites jurídicos, sobretudo quando estejam em jogo direitos fundamentais.

No caso em exame estão em jogo tanto direitos fundamentais do Impetrante – o procedimento poderá redundar na perda de seu mandato e na suspensão de seus direitos políticos – como de seus eleitores, cuja manifestação de vontade – um direito político clássico e que se externou conferido-se 556.563 mil votos ao Impetrante -, poderá vir a ser superada.

Com efeito, o procedimento de cassação de um mandato legislativo não constitui tema exclusivamente interna corporis, sob pena de se consagrar a tese de que uma maioria parlamentar, com absoluta discricionariedade, pode anular a vontade dos eleitores, manifestada por meio do voto. O mandato concedido pela população a um deputado ou senador não pode estar sujeito a um juízo de ratificação pelos seus pares, como se estes tivessem a faculdade política de expurgar um parlamentar que tenha se tornado inconveniente. E essa tese encontra amparo na jurisprudência deste Eg. Supremo Tribunal Federal, conforme se depreende do seguinte trecho de voto do Min. Celso de Mello:

“A Constituição não legitima e nem deseja validar os comportamentos abusivos dos grupos majoritários e dos órgãos de direção do Parlamento que afrontam o direito público subjetivo dos congressistas – notadamente dos que compõem as minorias parlamentares – à instauração dos inquéritos legislativos.

(…)

Demais disso, Sr. Presidente, práticas políticas que dão expressão concreta a determinadas condutas no âmbito das instituições parlamentares, não se subtraem, só por isso, ao conhecimento do Poder Judiciário, notadamente quando se lhes imputa, como neste caso, o vício supremo da inconstitucionalidade.

(…)

Impõe-se reconhecer que o postulado da inafastabilidade do controle jurisdicional legitima, de modo amplo, nas hipóteses de lesão a direitos individuais, a possibilidade de atuação reparadora do Judiciário, especialmente quando os atos vulneradores de situações jurídicas promanam de órgãos ou agentes integrantes do aparelho de Estado.

(…)

É por essa razão que os atos interna corporis, contudo – não obstante abrangidos pelos círculos de imunidade que excluem, em princípio, a possibilidade de sua revisão judicial – não podem ser invocados, com essa qualidade e sob esse color, para justificar a ofensa a direito público subjetivo que terceiros, inclusive os próprios parlamentares, titularizam”.[1]

A obtenção e exercício de um mandato legislativo são resultado do reconhecimento de direitos políticos ao eleito e aos seus eleitores. Disso decorre o direito subjetivo do parlamentar a seu mandato e também um direito subjetivo público, titularizado por toda a coletividade, de que o eleito não seja arbitrariamente cassado. Embora apenas o primeiro desses direitos – o do parlamentar – seja o objeto imediato do presente mandado de segurança, é importante ter em mente a projeção social da questão.

O juízo de reprovação política exercitável pelas Casas Legislativas em relação à conduta de seus membros é balizado pelas normas jurídicas que disciplinam o processo de cassação. O mandato outorgado aos membros de uma maioria parlamentar não lhes dá a prerrogativa de ignorar a decisão popular direta e cassar um congressista em hipótese vedada pelo ordenamento jurídico. Cabe à sociedade, no exercício de seu direito de escolha, realizar o juízo político amplo, decidindo livremente pela eleição ou reeleição dos agentes políticos. Não há como ser diferente em uma verdadeira democracia.


Pois bem. É exatamente por isso que a cassação de mandato é regida por um conjunto de disposições constitucionais e regimentais, cuja função é justamente demarcar os limites jurídicos da avaliação política reservada à Casa Legislativa. Esses dispositivos são normas jurídicas, e não um conjunto de proposições retóricas, de observância meramente facultativa. Sendo assim – e essa é uma imposição do Estado de direito – é forçoso reconhecer que será inconstitucional e arbitrário todo ato de cassação que desrespeite esses limites, cuja observância deve ser garantida pelo Poder Judiciário.

O presente mandado de segurança trata exatamente desses limites jurídicos, valendo notar que esse Eg. Supremo Tribunal Federal já assentou sua competência para controlar a regularidade jurídica de atos marcados por forte conotação política, inclusive quando provenientes de órgãos do Poder Legislativo:

“(…) a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal jamais tolerou que a invocação do caráter político das resoluções tomadas pelas Casas Legislativas pudesse configurar – naquelas estritas hipóteses de lesão ao direito de terceiros – um inaceitável manto protetor de comportamentos abusivos ou arbitrários, praticados à margem da Constituição.”[2]

Aliás, esse Supremo Tribunal Federal acaba de reiterar tal posição no contexto da atual crise política, concedendo liminar em mandado de segurança impetrado por deputados investigados para assegurar a observância do devido processo legal[3]. No caso do Impetrante – que não é acusado de conduta praticada na condição de deputado, mas sim no exercício do cargo de Ministro de Estado – o devido processo legal significa justamente a submissão a um regime jurídico próprio de responsabilização funcional, foro no qual teria as condições adequadas para demonstrar sua inocência, caso seja necessário.

(2) Da violação a direitos subjetivos de parlamentar

Tal como foi mencionado e será adiante aclarado, os atos impugnados neste mandado de segurança violam normas constitucionais, em relação às quais é pacífica a possibilidade de controle jurisdicional. Além das normas constitucionais, porém, as normas regimentais também foram violadas e esta violação também pode e deve ser objeto de controle pelo Supremo Tribunal Federal. A demonstração do ponto não é complexa.

A própria Constituição prevê a existência dos regimentos internos e a sua edição pelas Casas Legislativas, sem interferência de autoridades externas[4]. Essa é uma prerrogativa decorrente do princípio da separação dos Poderes, mas é também uma manifestação do Estado de Direito e uma forma de assegurar a efetividade da representação política. Embora a Casa seja livre para estatuir e alterar o regramento de seu funcionamento interno, fica a ele vinculada. Essa é uma garantia para os próprios parlamentares e para os partidos políticos, evitando que as relações interna corporis convertam-se em mero jogo de força.

Em caso de dúvida quanto à interpretação das normas regimentais, é razoável que prevaleça a posição da Casa, manifestada por seus órgãos decisórios. Isso não autoriza, contudo, qualquer interpretação. Como todos os demais enunciados lingüísticos, as normas regimentais apresentam sentidos mínimos, decorrentes da literalidade de seus termos. A desconsideração de tais limites não pode ser caracterizada como ato de interpretação, mas sim como ofensa direta ao texto interpretado. Ao prever a edição dos regimentos internos, a Constituição lhes reservou um papel efetivo na disciplina do funcionamento das Casas Legislativas. Não são, portanto, obras de ficção.


Assim, a violação ao conteúdo literal dessas disposições, quando implique ofensa a direito subjetivo conferido a parlamentar, deve ser suscetível de correção pela via do mandado de segurança. Nesses exatos termos, confira-se a manifestação do Ministro Sepúlveda Pertence:

“Há casos, entretanto, em que a violação de norma regimental pode, sim, a meu ver, violar direito subjetivo; não só de terceiros, de estranhos ao Congresso, mas, também, de membros do Congresso, que têm, como instrumentos do exercício do seu mandato, numerosos direitos-função que não lhes podem ser subtraídos, seja por violação de norma constitucional, legal ou regimental”.[5]

Esse entendimento foi adotado por este Eg. Supremo Tribunal Federal para assegurar a um grupo de Senadores o direito à instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Na hipótese, o Tribunal determinou ao Presidente da Casa que indicasse membros para compor a referida Comissão, suprindo a omissão de algumas lideranças partidárias, sob o seguinte fundamento:

“Prosseguindo no julgamento, e também por votação majoritária, o Tribunal concedeu o mandado de segurança, nos termos do voto do Relator, para assegurar, à parte impetrante, o direito à efetiva composição da Comissão Parlamentar de Inquérito, de que trata o Requerimento nº 245/2004, devendo, o Senhor Presidente do Senado, mediante aplicação analógica do art. 28, § 1º do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, c/c o art. 85, caput, do Regimento Interno do Senado Federal, proceder, ele próprio, à designação dos nomes faltantes dos Senadores que irão compor esse órgão de investigação legislativa, observado, ainda, o disposto no § 1º do art. 58 da Constituição da República[6].

(Grifamos).

Em suma: além dos fundamentos diretamente constitucionais, também a violação das normas regimentais constitui ofensa a direito líquido e certo do impetrante, justificando, também por essa razão, o presente mandado de segurança.

(3) – Do direito de ser Julgado pela autoridade competente: princípio do juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII; art. 102, I, “c” ou art. 5º, XXXV c/c o art. 129, I, todos CF) e da separação e independência dos poderes (art. 2º, CF)

Da situação jurídica do Impetrante à época dos fatos a ele imputados (Art. 56, I, CF e art. 235, IV, do RICD)

Segundo consta na Representação nº 38, de 2005, formulada pelo PTB – Partido Trabalhista Brasileiro, contra o Impetrante e que originou o Processo Disciplinar nº 04, de 2005, teria o hoje Deputado José Dirceu praticado atos – quando provia o cargo de Ministro de Estado Chefe da Casa Civil – que teriam “(fraudado) o regular andamento dos trabalhos legislativos, visando à alteração do resultado das deliberações configurativas de atos incompatíveis com o decoro parlamentar”.


Ainda de acordo com a inicial daquela Representação, tais atos teriam sido praticados pelo Impetrante enquanto licenciado dessa Casa para exercer as funções do cargo de Ministro-Chefe da Casa Civil do Presidente da República, ou seja, enquanto estava licenciado do exercício de seu mandato nos termos do art. 56, I, CF c/c o art. 235, IV, do RICD.

Apesar de sobre essa questão a Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados ter se manifestado de forma diferente da que ora se sustentará (Doc. 03), concluindo pela existência de razões jurídicas suficientes para dar seguimento àquela Representação, é de se sublinhar que as premissas desenvolvidas no corpo do parecer emitido sobre a matéria em nada se assemelham às premissas fáticas do presente caso, ou seja, nos três precedentes ali citados (Docs. 04 a 06), discutiu-se situação completamente diversa do Impetrante:

A dúvida que poderia surgir quando a regular instauração de processo é que os fatos imputados ao deputado José Dirceu teriam ocorrido quando o mesmo era Ministro de Estado Chefe da Casa Civil. Logo, sua atuação, se se configurar verdadeira, a princípio, estaria sujeita às penas da Lei nº 1.079, de 19 de abril de 1950, lei sobre Crimes de Responsabilidade.

(…)

A Câmara dos Deputados, em representações anteriores, já examinou a tese de que atos cometidos antes do exercício do mandato podem constituir quebra do decoro parlamentar’. A tese foi vitoriosa no caso do Deputado Talvane Albuquerque, foi alegada no caso do Deputado Hildebrando Pascoal, e foi fundamental no caso da cassação do suplente Feres Nader”.

(Grifamos).

Ora, no processo de cassação do Deputado Hildebrando Pascoal, essa discussão sequer chegou efetivamente a ser travada, pois o Deputado Inaldo Leitão, Relator, destacou que a circunstância de um dos fatos imputados ao então representado ter ocorrido “já no exercício deste mandato, nos livra de incômoda e exaustiva discussão teórica sobre se é possível ao parlamentar perder o mandato por atos cometidos antes de sua diplomação[7] (Grifamos).

No processo de cassação do Deputado Talvane Albuquerque, o Senhor Relator, Deputado Aloysio Nunes Ferreira, após esclarecer que se sustentava “a impossibilidade de, numa nova legislatura, cassar-se o mandato de Deputado Federal, a pretexto de falta de decoro parlamentar, por fatos supostamente ocorridos na legislatura anterior”, observou que:

Seria absurdo que não restasse outra alternativa à Câmara, a não ser a de admitir a permanência em seu seio de quem já houvesse, no exercício do mandato, demonstrado comportamento indigno, desmerecedor do cargo, incompatível com a respeitabilidade exigível de um representante popular[8].

(Grifamos).

E, mais adiante, voltou a ressaltar a necessidade do ato investigado estar ligado ao exercício do mandato:

“Na verdade, se a Câmara dos Deputados constata que alguém – por sua conduta ao exercer o mandato parlamentar – manchou a dignidade de todo o corpo legislativo, tem ela o dever de impedir a sua permanência na Casa do povo brasileiro”[9].


(Grifamos).

Finalmente, no terceiro suposto precedente, o processo de cassação do Deputado Feres Nader, mais uma vez o que se discutiu foi a possibilidade de o suplente de parlamentar responder, em uma legislatura, por ato praticado em outra, anterior, no exercício de mandato de Deputado Federal, que configuraria, em tese, falta de decoro.

Vejam-se as seguintes elucidativas passagens do voto do Senhor Relator, Deputado José Abraão:

“A primeira questão que se coloca, no caso em exame, é a da possibilidade de aplicação do inciso II do art. 55 da Constituição, quando o infrator (isto é, o agente da conduta indecorosa) for suplente e não titular de mandato eletivo no momento do desenvolvimento do processo de cassação”.

“É certo que somente o Deputado ou o Senador que integra o corpo legislativo, poderia agir ilicitamente, apresentando conduta incompatível com o decoro parlamentar”.

Salta à evidência que somente quem estiver no exercício do mandato parlamentar poderá agir de forma a agredir a honorabilidade da Casa Legislativa, expondo-a à execração pública.”

“Destarte, plena razão assistiria à Defesa, se a questão enfrentada fosse tão singela. Entretanto, a situação apresenta complexidade cujo deslinde demanda esforço analítico maior, em face das características que o caso concreto oferece.

Eis que a imputação oposta ao hoje Suplente Feres Nader refere-se à sua conduta não como mero suplente, e sim como Deputado Federal. As irregularidades apontadas pela CPMI que teriam sido praticadas pelo Sr. Feres Nader – e ensejadoras da caracterização da falta de decoro parlamentar – ocorreram quando do exercício de seu mandato[10].

(Grifamos).

Em outras passagens de seu substancioso voto, o Relator reiterou que os fatos em exame estavam ligados ao exercício do mandato:

“No caso em tela, trata-se de fato superveniente – a investigação da CPMI que concluiu pela conduta indecorosa do Sr. Feres Nader enquanto no exercício do mandato – que, efetivamente, pode afetar o status político do suplente e frustrar sua expectativa de direito”[11].

“Na verdade, se a Câmara dos Deputados constata que alguém – por sua conduta ao exercer o mandato parlamentar – manchou a dignidade de todo o corpo legislativo, tem ela o dever de impedir o seu retorno à Casa do povo brasileiro”.

(Grifamos).[12]

Verifica-se, portanto, não só que os precedentes examinaram situações diversas como, principalmente, que, no último deles, o do Deputado Federal Feres Nader, ficou devidamente registrada a correção da tese que ora se defende, a de que somente quem estiver no exercício do mandato parlamentar poderá agir de forma a agredir a honorabilidade da Casa Legislativa.


No caso do Impetrante, o próprio Deputado Federal Roberto Jefferson, que o acusou publicamente quanto às práticas de todos sabidas e que não esconde seus “instintos primitivos” e sua intenção de atingir a honra do ora Impetrante, reconheceu, no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, que a representação oferecida estava fadada ao insucesso porque os atos que atribuía ao Deputado José Dirceu teriam sido por ele praticados quando afastado do exercício do mandato (conforme notas taquigráficas da audiência realizada em 2.8.2005, Doc. 07).

Assim, no presente caso, não ocorre mera desvinculação entre os atos impugnados e o exercício do mandato de deputado federal, embora isso já fosse o bastante para impedir o processo de cassação. A hipótese é qualificada em razão da vinculação direta – descrita pelos próprios acusadores – entre os fatos imputados e o desempenho de cargo em outro Poder estatal. Essa circunstância atrai a incidência de um regime constitucional próprio, decorrente do princípio da separação dos Poderes, cujo conteúdo pode ser sintetizado por meio das seguintes proposições objetivas:

1) O princípio constitucional da separação dos Poderes impede que um mesmo indivíduo exerça funções em mais de um Poder, simultaneamente. Por conta disso, o parlamentar que assume cargo de Ministro de Estado afasta-se obrigatoriamente de toda e qualquer função ligada ao exercício de seu mandato eletivo;

2) O exercício de cargo ou função em um dos Poderes determina a submissão integral ao regime jurídico correspondente, também em razão do princípio da separação dos Poderes. Tal regime é composto por um conjunto próprio de garantias, impedimentos e formas de responsabilização. Esses elementos são moldados e justificados, em cada caso, pela relação de instrumentalidade que guardam com o exercício de determinada função pública. Não são, portanto, atributos pessoais do agente;

3) O STF já manifestou expressamente esse entendimento em relação às garantias, reconhecendo que o congressista licenciado não goza das imunidades parlamentares. Lógica idêntica aplica-se aos demais componentes do regime jurídico inerente a cada ramo do Poder Público;

4) Cada sistema de responsabilização apresenta suas próprias hipóteses de sancionamento, regras de competência e normas procedimentais. Dessa forma, a inobservância do regime jurídico adequado, além de contrária ao princípio da separação dos Poderes, viola também o princípio do devido processo legal em sua feição geral, com destaque para alguns de seus principais corolários, tais como as garantias do juiz natural e da ampla defesa;

5) Tais conclusões não são afastadas no caso de exoneração do agente público, seguida de ingresso ou reingresso em cargo submetido a regime jurídico diverso. A regularidade das condutas praticadas no desempenho de determinado cargo deve ser apurada segundo o correspondente regime jurídico, que abrange um sistema próprio de controles internos e externos;

6) É inconstitucional, portanto, a instauração de processo de cassação do mandato de Deputado Federal, por suposta quebra de decoro parlamentar, em razão de condutas praticadas no exercício do cargo de Ministro de Estado. A cassação de mandato pela Casa Legislativa, embora envolva um juízo político, é disciplinada por normas jurídicas, como todos os atos de exercício do poder em um Estado de direito.

No caso em exame o Impetrante, na forma do que lhe assegura o artigo 235, inciso IV, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, estava licenciado da Câmara dos Deputados para exercer as funções do cargo de Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República (Doc. 08).

E esta assertiva, apesar de pública e notória, se confirma não só pelos documentos ora juntados, mas também pela simples consulta ao banco de dados da Câmara dos Deputados, acessível pela internet, que em relação ao representado, registra:


“Licenças:

Licenciou-se do mandato de Deputado Federal na legislatura 1999-2003, para exercer o cargo de Ministro Chefe da Casa Civil, em 1 de janeiro de 2003. Licenciou-se do mandato de Deputado Federal na legislatura 2003-2007, para exercer o cargo de Ministro de Estado Chefe da Casa Civil, de 3 de fevereiro de 2003 a 22 de junho de 2005”.

(Grifamos).

Por outro lado, a certidão da Secretaria-Geral da Mesa Diretora ora juntada atesta que a Deputada Mariângela Duarte “tomou posse, na qualidade de suplente, em 4/2/2003” em virtude do afastamento do Impetrante do mandato parlamentar, nos termos do art. 56, I, CF c/c o art. 235, IV, do RICD (Doc. 09).

Ou seja, a Câmara dos Deputados deu posse ao substituto legal do Impetrante, contando a Casa com 513 Senhores Parlamentares, não 514!

Portanto, a localização temporal dos atos atribuídos ao representado teriam sido praticados, segundo o quanto denunciado, fora do exercício do mandato parlamentar, razão pela qual não pode ele responder como se estivera no exercício do mandato ou como se parlamentar estivesse sendo naquele período.

O art. 56, I, CF, dispõe que “não perderá o mandato o Deputado ou Senador (…) investido no cargo de Ministro de Estado, Governador de Território, Secretário de Estado, do Distrito Federal, de Território, de Prefeitura de capital ou chefe de missão diplomática temporária”.

Essa norma constitucional é regulamentada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, ao dispor que a investidura em um dos cargos enumerados no art. 56, I, CF, além de não redundar na perda do mandato parlamentar, efetiva-se na concessão da licença prevista no art. 235, IV, também do Regimento Interno.

Entretanto, a licença do art. 235, IV, do RICD, é ato que não se equipara às demais licenças parlamentares previstas no Regimento (à exceção da licença prevista no art. 235, I, RICD, que a ela é assemelhada), pois implica no não exercício do mandato parlamentar enquanto estiver sendo gozada. Quer-se dizer, durante o afastamento ali regulamentado, o parlamentar licenciado não só não detém os bônus do cargo, como não se sujeita às normas e regime de responsabilidade que sobre ele incide, passando a se submeter a outras que são normas próprias e inerentes a sua nova condição, que, no caso, era a de Ministro de Estado (arts. 76 e 87, CF).

Ou seja, a licença para investidura em um dos cargos previstos no art. 56, I, CF, em nada se iguala à licença para tratamento de saúde; à licença para tratar de interesse particular, concedida pelo prazo de 120 (cento e vinte) dias; à licença gestante ou licença paternidade, todas previstas no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, pois todas são deferidas com condição temporal (por prazo certo) e sem condição material, ou seja, não se faz necessário que se comprove o exercício de outro cargo ou mandato público eletivo ou missão temporária de caráter diplomático ou cultural.

Assim, a ausência predeterminada de duração da licença prevista no art. 235, IV, do RICD, bem como a necessidade de ser deferida sob condição material, qual seja, a comprovação da nomeação e posse do parlamentar requerente em um dos cargos enumerados no art. 56, I, CF (art. 230, § 1º, do RICD), implica em que tal licença (1) se distinga das demais licenças regimentais, nas quais o licenciado continua no exercício do mandato; (2) impeça a concomitância do exercício do mandato parlamentar com os cargos referidos durante o período de sua fruição.

Quanto a este último item – da não concomitância do exercício do mandato parlamentar com o cargo assumindo nos termos do art. 56, I, CF – tem-se como assertiva irrefutável, tanto que, uma vez ocorrendo a hipótese, nomeia-se o suplente do deputado licenciado, ou seja, o mandato não mais é exercido pelo licenciado, mas sim por seu suplente. Não há diminuição do número de deputados em exercício na Câmara dos Deputados com a ausência do licenciado, vez que a cadeira e o correspondente exercício do mandato é conferido a outrem, o deputado suplente.


Conclui-se, pois, que a licença do art. 235, IV, do RICD tem natureza diferente daquelas outras regimentais. Ao determinar o art. 56, caput, CF, que o deputado manterá seu mandato – “não perderá o mandato…” – mas, no inc. I, admitir o exercício de função diversa da parlamentar, quer significar que no período da licença não haverá exercício da função parlamentar.

Por outro lado, a incompatibilidade entre o exercício da função parlamentar com um dos cargos enumerados no art. 56, I, CF, todos do Poder Executivo, é manifesta e encontra fundamento no próprio princípio da separação e independência dos Poderes (art. 2º, CF).

O cargo que o Impetrante OCUPAVA e EXERCIA na época dos fatos que lhe são imputados no Processo Disciplinar nº 4, de 2005, era o cargo de MINISTRO DE ESTADO. Não havia exercício da função parlamentar de forma concomitante com o exercício de sua pasta ministerial, sendo que a licença do art. 56, I c/c o art. 235, IV, do RICD, (i) por ter como condição material de seu deferimento a comprovação da nomeação e posse do parlamentar em um dos cargos ali enumerados; (ii) por não ter prazo certo de duração e, ainda, (iii) ante o princípio da separação e independência dos Poderes, força com que seja impossível, no nosso ordenamento jurídico, que um mesmo agente político exerça, concomitante e cumulativamente, os cargos de Ministro de Estado e Deputado Federal.

Irrefutável, pois, se torna o direito líquido e certo do Impetrante em ser processado e julgado ou, originariamente, pelo Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, “c”, CF); ou, não entendendo esta Colenda Corte desta forma, por já ter sido o Impetrante destituído da função ministerial, pelo Poder Judiciário, após denúncia do Ministério Público (art. 5º, XXXV c/c o art. 129, I, CF).

Tais garantias fundam-se no princípio do juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII, CF), o qual, além de proibir a existência de juízo ou tribunal de exceção no país, garante a observâncias das regras de competência persecutória estabelecidas na Constituição Federal:

O referido princípio deve ser interpretado em sua plenitude, de forma a não só proibir a criação de Tribunais ou juízos de exceção, como também exigir respeito absoluto às regas objetivas de determinação de competência, para que não seja afetada a independência e a imparcialidade do órgão julgador[13].

(Grifamos).

Essa insuspeita opinião é reforçada pela autoridade de notórios especialistas no assunto, referidos em matéria publicada no jornal “O Globo”, do dia 3 de agosto de 2005 (Doc. 10):

A responsabilidade do agente público se dá em função do cargo que ele está exercendo. A Constituição prevê mecanismos diferentes de sanção para parlamentares e agentes públicos do Executivo, que estão sujeitos a processo de crime de responsabilidade, que leva à perda do cargo e à inabilitação para o exercício de qualquer função pública por um período de tempo. São dois regimes jurídicos distintos e não se pode responder pelo mesmo fato duas vezes” (Luiz Roberto Barroso, professor de direito constitucional da UERJ).

(Grifamos)

Estando afastado das funções de deputado, não há como falar em quebra de decoro(José Eduardo Alckmin, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral).


(Grifamos)

Com relação aos fatos que são objeto do Conselho de Ética, não é possível falar em eventual penalização de José Dirceu porque ele não era deputado quando os fatos se deram. Mas se concluídas as CPIs, se houver algo contra ele, a comissão deve recomendar ao órgão competente, o Supremo Tribunal Federal, que o processe” (Ricardo Penteado, especialista em direito eleitoral).

(Grifamos).

Ele não estava atuando como deputado, por isto pode escapar de outras acusações e manter o mandato (Alberto Rollo, especialista em direito eleitoral).

(Grifamos)

(4) da submissão do Impetrante ao Código de Ética da Alta Administração Pública e à Comissão de Ética Pública (Decreto de 26 de maio de 1999). Não submissão ao Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados (art. 1º, da Resolução nº 25, de 2001, da CD)

O não exercício do mandato parlamentar pelo Impetrante – que se deu pela licença do art. 56, I, CF c/c o art. 235, IV, do RICD – não pode sujeitá-lo à submissão ao Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados (Resolução nº 25, de 2001, da Câmara dos Deputados), por que tal codex se aplica, exclusivamente, aos “que estejam no exercício do cargo de Deputado Federal”, como consta expressamente no seu art. 1º:

Art. 1º. Este Código estabelece os princípios éticos e as regras básicas de decoro que devem orientar a conduta dos que estejam no exercício do cargo de Deputado Federal.

Parágrafo único. Regem-se também por este Código o procedimento disciplinar e as penalidades aplicáveis no caso de descumprimento das normas relativas ao decoro parlamentar.

(Grifamos).

No mesmo sentido, o artigo 231, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, dispõe que “no exercício do mandato, o Deputado atenderá às prescrições constitucionais e regimentais e às contidas no Código de Ética e Decoro Parlamentar, sujeitando-se às medidas disciplinares nelas previstas (Grifamos).

Mais uma vez, argumenta-se com o princípio da separação e independência dos Poderes para se comprovar que, por ser este um dos princípios norteadores das atividades públicas nesta República, por conseguinte indicam os limites objetivos que as normas infraconstitucionais devem observar na regulamentação daquelas atividades.

Assim, o Regimento Interno da Câmara dos Deputados, ao disciplinar sobre o “exercício do mandato”, no Capítulo I, do Título VII, indica atividades de todo incongruentes com a concomitância do exercício da função de Ministro de Estado, auxiliar direto do Presidente da República, como exemplifica o art. 226:

Art. 226. O Deputado deve apresentar-se à Câmara durante a sessão legislativa ordinária ou extraordinária, para participar das sessões do Plenário e das reuniões de Comissão de que seja membro, além das sessões conjuntas do Congresso Nacional, sendo-lhe assegurado o direito, nos termos deste Regimento, de:


I – oferecer proposições em geral, discutir e deliberar sobre qualquer matéria em apreciação na Casa, integrar o Plenário e demais colegiados e neles votar e ser votado;

II – encaminhar, através da Mesa, pedidos escritos de informação a Ministro de Estado;

III – fazer uso da palavra;

IV – integrar as Comissões e representações externas e desempenhar missão autorizada;

V – promover, perante quaisquer autoridades, entidades ou órgãos da administração federal, estadual ou municipal, direta ou indireta e fundacional, os interesses públicos ou reivindicações coletivas de âmbito nacional ou das comunidades representadas;

VI – realizar outros cometimentos inerentes ao exercício do mandato ou atender a obrigações político-partidárias decorrentes da representação.

Tais atividades mostram-se incompatíveis com as funções constitucionais exercidas pelos Ministros de Estado e, na hipótese de concomitância do exercício desses dois múnus públicos, haveria manifesta interferência e ingerência de um Poder sobre o outro, em afronta ao princípio da separação e independência funcional dos Poderes.

Assim, o art. 87, parágrafo único, da Constituição Federal, que enumera algumas das funções dos Ministros de Estado, indica serem todas atividades típicas do Poder Executivo, a quem incumbe a função de execução das normas jurídicas, cuja produção está a cargo do Poder Legislativo:

Art. 87. Os Ministros de Estado serão escolhidos dentre brasileiros maiores de vinte e um anos e no exercício dos direitos políticos.

Parágrafo único. Compete ao Ministro de Estado, além de outras atribuições estabelecidas nesta Constituição e na lei:

I – exercer a orientação, coordenação e supervisão dos órgãos e entidades da administração federal na área de sua competência e referendar os atos e decretos assinados pelo Presidente da República;

II – expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos;

III – apresentar ao Presidente da República relatório anual de sua gestão no Ministério;

IV – praticar os atos pertinentes às atribuições que lhe forem outorgadas ou delegadas pelo Presidente da República.

Nesta mesma linha de raciocínio – da impossibilidade de exercício concomitante do cargo de Deputado Federal com o cargo de Ministro de Estado, pela via da incompatibilidade do gozo das prerrogativas inerentes à função parlamentar – decidiu o Supremo Tribunal Federal, no Inquérito nº 140-0/RS, firmando entendimento de que “o deputado que exerce a função de Ministro de Estado não perde o mandato, porém não pode invocar a prerrogativa da imunidade, material ou processual, pelo cometimento de crime no exercício da nova função” (Ementa do acórdão, da lavra do Senhor Ministro Djaci Falcão, a qual grifamos).

Em seu voto, o Senhor Relator assentou que “as imunidades parlamentares (…) constituem garantia necessária ao exercício do mandato representativo. (…). A proteção constitucional somente alcança os atos praticados pelo parlamentar que se encontre no exercício do seu mandato. A garantia existe em razão da função e não da pessoa. É inerente ao exercício do mandato. Por isso, quando o deputado ou o senador é incorporado às forças armadas, ou desempenha missão temporária de caráter diplomático ou cultural, cessam as imunidades”.

E conclui o Ministro Relator:

“Ante o sentido finalístico do instituto, se o parlamentar se encontra afastado do exercício do mandato (substituído por suplente), investido na função de Ministro de Estado, Secretário de Estado, Prefeito de Capital, como permite o art. 36 da Carta Política, o ato que haja praticado durante o desempenho de função no Executivo, estranho ao exercício do mandato, não dá ensejo ao pedido de prévia licença à sua Câmara, para responder a processo criminal (§ 1º do art. 32)”.


Mutatis mutandis daquele entendimento firmado pela Excelsa Corte, não pode o Deputado ser submetido a procedimento de investigação de decoro e ética se não estava no exercício do mandato.

Tanto que “cassação de mandato” é definida por José Afonso da Silva como “a decretação da perda do mandato, por ter o seu titular incorrido em falta funcional, definida em lei e punida com esta sanção[14]. Ora, FALTA FUNCIONAL é a falta cometida no EXERCÍCIO E DESEMPENHO DAS FUNÇÕES. Seriam FUNÇÕES PARLAMENTARES, caso estivesse no exercício do mandato parlamentar o Impetrante. Mas não é o caso.

Conclui-se, assim, nos termos do art. 56, I e do art. 235, IV, do RICD, que a situação jurídica do Impetrante à época dos fatos a ele atribuídos e que são objeto da Representação nº 38, de 2005, era a de ocupante de cargo de Ministro de Estado, não estando no exercício de seu mandato parlamentar, o que o impede de ser submetido a processo de cassação perante o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados (art. 1º, do Código de Ética e Decoro Parlamentar e art. 231, do RICD).

De resto, saliente-se que o ora Impetrante, tão logo empossado no cargo de Ministro de Estado, passa a se submeter ao Código de Conduta da Alta Administração Federal, sujeitando-se às normas éticas que vigoram e são postas em razão do cargo que passa a prover. Seria absurdo e contrário a tudo o que se possa cogitar no Direito, que uma pessoa pudesse submeter-se a dois Códigos, relativos ao exercício de cargos e funções não apenas integrantes da estrutura de Poderes diferentes da República, mas, ainda, que, por força de determinação constitucional expressa (art. 2º, CF) não podem se confundir.

Por isso mesmo é que para os cargos integrantes dos quadros de cada um dos Poderes há uma codificação de normas éticas próprias e que são definidas juridicamente em razão do quanto sejam as funções concernentes a eles. Ademais, o cumprimento do Código de Ética, nos poderes da República, são acompanhados por Comissões de Éticas autônomas e o ora Impetrante submetia-se àquela que compõe a Presidência da República, tendo prestado contas de suas práticas a ela. Como poderia submeter-se a outra, com normas e acompanhamento que sequer poderiam se comunicar em função do princípio da separação de poderes?

Caso se perpetrem os atos na iminência de serem praticados pelas Autoridades Coatoras – que podem redundar na cassação do mandado do hoje Deputado José Dirceu – serão eles eivados de vícios que determinam a sua inexorável anulação, pois que aperfeiçoados com inegável violação de normas constitucionais, como a que veicula o princípio da separação e independência dos Poderes.

O Impetrante era Ministro de Estado à época dos fatos cuja prática lhe foi agora imputada. A autoridade competente para processá-lo e julgá-lo (i) nos crimes comuns e de responsabilidade é o Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, “c”, CF); (ii) nos crimes de responsabilidade conexos com praticados pelo Presidente da República (que não é o caso), o Senado Federal (art. 52, I, CF); (iii) nos crimes comuns, caso não se lhe reconheça mais a prerrogativa do foro, a justiça comum (art. 5º, XXXV c/c o art. 129, I, CF).

Entretanto, além do julgamento perante o Poder Judiciário ou o Senado Federal, o Impetrante há de ser submetido a julgamento perante o próprio Poder Executivo, pois os atos cuja prática se lhe imputam, necessariamente, devem ser objeto de investigação interna naquele Poder, no exercício de sua autotutela, o que também é expressão que traduz o princípio da separação de poderes:


O princípio do controle administrativo ou tutela vincula-se também ao princípio da indisponibilidade dos interesses públicos. Efetivamente, o Estado, através da chamada função administrativa, procede à persecução de interesses que consagrou como pertinentes a si próprio. A implementação deles é feita pelo próprio Estado mediante os órgãos da Administração. A atividade desta tem como agente o próprio Estado, enquanto submetido ao regime que se especifica através da relação de administração, nos termos retro-assinalados[15].

Assim, à semelhança dos atos de quebra de decoro parlamentar, que se submetem à investigação no âmbito do Poder que toca, o Legislativo, os atos de quebra da confiança no desempenho de funções constitucionais desempenhadas no Poder Executivo – caso dos atos imputados ao Impetrante -, além da persecução perante o Poder Judiciário ou o Senado Federal, são investigados na intimidade do Poder Executivo, no exercício de seu poder constitucional de autotutela.

E a Constituição Federal positiva essa mesma tese em diversos dispositivos.

Assim, no art. 87, parágrafo único, IV, prescreve competir aos Ministros de Estado “praticar os atos pertinentes às atribuições que lhe forem outorgadas ou delegadas pelo Presidente da República” e, somente ao Presidente da República cabe, privativamente, “nomear e exonerar os Ministros de Estado” (art. 84, I, CF), além de, expressamente, determinar que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário mantenham sistema de controle interno (art. 74, caput, CF).

O que se quer significar é que a autotutela quanto à quebra de confiança porventura encetada por um Ministro de Estado pertence ao Poder Executivo, na figura do Chefe da Administração Pública Federal, o Presidente da República.

Simetricamente ao quanto estabelecido para o Poder Executivo, há normas para o Poder Legislativo, dentre as quais aquelas estatuídas no art. 55, CF, que estabelecem que perderá o mandato o Deputado ou Senador “que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior” e “cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar” (incisos I e II, respectivamente, do art. 55, CF), sendo que “nos casos dos incisos I, II e IV, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa” (art. 55, § 2º, CF).

E o mesmo princípio se repete para o Poder Judiciário, sendo que compete privativamente “aos Tribunais de Justiça julgar os juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios, bem com os membros do Ministério Público, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral” (art. 96, III, CF).

José Afonso da Silva, bem desenvolve o raciocínio ora exposto:

A independência dos poderes significa: (a) que a investidura e a permanência das pessoas num dos órgãos do governo não dependem da confiança nem da vontade dos outros; (b) que, no exercício das atribuições lhe lhes sejam próprias, não precisam os titulares consultar os outros nem necessitam de sua autorização; (c) que, na organização dos respectivos serviços, cada um é livre, observadas apenas as disposições constitucionais e legais (…)”.[16]

Como pondera Ponte de Miranda[17], acentuando a incognoscibilidade judicial de questões internas a cada Poder, diz que só se recorre ao Judiciário como instância objetiva e para discussão do excesso político, competindo os atos praticados no interior dos Poderes à investigação e gerência de cada qual: “sempre que se discute se é constitucional ou não, o ato do poder executivo, ou do poder judiciário, ou do poder legislativo, a questão judicial está formulada, o elemento político foi excedido, e caiu-se no terreno da questão jurídica”.


Assim, o que se sustenta não é a afastabilidade do Poder Judiciário, mas sim a independência do Poder Executivo para apurar atos que lhe interessam praticados em seu interior. Daí a advertência do eminente Senador e jurisconsulto Josaphat Marinho que, em parecer, enfatizou a concomitância do exercício da função jurisdicional com o controle interno praticado no seio de cada um dos Poderes:

“11. De deliberação interna corporis não se há de cogitar, na tentativa de impedir o exame judicial da matéria. Não se admite competência excludente da apreciação judicial quando em causa a Constituição: seu valor e sua aplicação. O princípio da prevalência da Constituição, por sua superioridade, afasta a possibilidade de opor-se-lhe argumento peculiar à atribuição interna de qualquer órgão. É o que se firmou e se ampliou desde a famosa decisão de Marshall, de 1803, no caso Marbury x Madison”.

Desta forma, a necessária observância ao princípio da separação e independência dos Poderes e da autotutela impede que um ato praticado na intimidade de um Poder venha a ser punido por outro. Pode o Poder Legislativo investigar fatos do Poder Executivo, por exemplo, mas não pode punir tais fatos. Por mais esse motivo, o ato que está na iminência de ser praticado pelas Autoridades Impetradas atenta contra direito líquido e certo do Impetrante, resguardado pelas normas constitucionais do art. 2º; art. 74, caput; 87, I e IV, CF.

E há mais, na aplicação do referido princípio para o caso em questão.

Com efeito, imaginemos um parlamentar que se licencie do mandato para exercer o cargo de Ministro de Estado da Fazenda e, no exercício do cargo Executivo, negue pedidos de suplementação orçamentária para o Legislativo, por exemplo, fazer uma obra desnecessária, mas reivindicada unanimemente por seus integrantes.

Permitir que este Ministro possa vir a ser condenado por atos praticados no exercício do cargo executivo pelo Parlamento, quando de eventual retorno seu à Casa do Parlamento, é permitir e legalizar a possibilidade de pressões que levem ao parlamentar no exercício do cargo de Ministro perder sua necessária independência em relação ao outro Poder. É possibilitar o medo e a chantagem.

Não pode a Constituição ao mesmo tempo permitir a licença de Parlamentar para ser Ministro e tirar deste, na condição de Ministro, a necessária independência em relação ao Poder Legislativo.

Interpretação que leve à possibilidade de se concluir que o Parlamento possa julgar o Parlamentar que foi Ministro de Estado por atos que tenha praticado quando no Executivo é ferir de morte a separação e independência entre os Poderes. É compactuar com o absurdo!

A única interpretação que se coaduna com os princípios da separação dos poderes e mesmo da razoabilidade, é aquela interpretação que harmonize a permissão de Parlamentar vir a se licencia para ser Ministro de Estado, mas – pelos atos praticados enquanto Ministro – responder perante o seu Juiz Natural (O Judiciário – Técnico) e não pelo Poder Legislativo, essencialmente Político.


(5) Da aplicação do princípio da proporcionalidade e da razoabilidadede

Suzana de Toledo Barros, em trabalho sobre o princípio da proporcionalidade, escreve ser ele “formado por três elementos ou subprincípios, quais sejam: a adequação (Geeignetheit), a necessidade (Enforderlichkeit) e a proporcionalidade em sentido estrito (Verhältnismässigheit), os quais, em conjunto, dão-lhe a densidade indispensável para alcançar a funcionalidade pretendida pelos operadores do direito”.[18]

No caso dos autos, é imperioso se invocar o princípio da proporcionalidade em prol do Impetrante, vez que, caso se ultimem os atos acoimados de arbitrários identificados no presente writ, poderão redundar na cassação do mandato parlamentar do Impetrante, em manifesta extrapolação da adequação, da necessidade e da proporcionalidade de medida de tal natureza, pois uma cumulação de punições lhe poderá advir.

A imputação feita ao Impetrante não é de ser aceita, porque inverídica. Não tem qualquer embasamento; não apresenta indícios ou provas do quanto alegado irresponsavelmente; não pode ser fundada simplesmente no quanto afirmado por depoentes perante a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito.

Ao contrário do quanto se contém na peça de representação contra o ora Impetrante, não houve nenhuma afirmativa no sentido de que ele teria levantado fundos e que tal lhe seria imputado. Ora, é exatamente isso que está a ser considerado como quebra do decoro parlamentar do ora Impetrante que nem estava na condição de parlamentar – pelo que não poderia ter quebrado decoro em condição de que não dispunha – nem praticou nenhum ato que pudesse ser tido como ímprobo ou contrário à ética e ao Direito.

Ademais, sem objetividade e embasamento do quanto alegado contra o ora Impetrante, o que se tem, na verdade, é um acúmulo de aleivosias que, feitas sem qualquer base, ainda assim estão servindo à perseguição mais vil e abjeta contra quem nada mais fez que buscar servir o País e os ideais republicanos nos termos constitucionalmente definidos.

Tanto que o Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, de certo arrependido do ato maléfico praticado, RETIROU a representação formulada contra o Impetrante (Doc. 11), a qual só não foi aceita por ter entendido o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados a indisponibilidade da titularidade da representação pelo representado.

Assim, na hipótese (inexistente, mas utilizada a título argumentativo) dos atos imputados ao Impetrante virem a ser tidos como tisnados de qualquer irregularidade ética ou jurídica (além de não estarem objetivamente demonstrados, como dito acima), caso sirvam de suporte fático à cassação do Impetrante junto ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados – o que se pretende evitar – configurar-se-á MANIFESTO O EXCESSO DE JULGAMENTOS E DE SUBMISSÃO, DA MESMA SITUAÇÃO FÁTICA, A DIFERENTES JUÍZOS, o que configurará violação aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade em prejuízo do Impetrante.


Assim, há de se aplicar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade para se afastar a possibilidade de haver excesso de juízos investigatórios sobre a mesma situação, mantendo-se na condução da situação fática apenas os atos do Poder Público que sejam necessários e suficientes para investigá-los e julgá-los.

Caso venham as Autoridades Impetradas a praticar o ato que se intenta prevenir pelo presente mandamus – cassação do mandato parlamentar do Impetrante – este ato redundará também em sua inelegibilidade “durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos 8 (oito) anos subseqüentes ao término da legislatura” (art. 1º, I, “b”, da Lei Complementar nº 64, de 18.05.98).

O excesso a que se alude se sobressai quando se investiga que essa pena se torna confiscatória das liberdades individuais quando se analisa a pena imposta por crime de responsabilidade nos termos da Lei nº 1.079, de 10.04.50, que é a inabilitação, em até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, nos termos de seu art. 2º, a qual também poderá ser submetido o Impetrante:

Art. 2º Os crimes definidos nesta lei, ainda quando simplesmente tentados, são passíveis da pena de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, imposta pelo Senado Federal nos processos contra o Presidente da República ou Ministros de Estado, contra os Ministros do Supremo Tribunal Federal ou contra o Procurador Geral da República.

Ora, além da inelegibilidade por 8 (oito) anos, poder-se-ia chegar ao absurdo de se impor ao Impetrante a até mesmo uma gravíssima situação de inabilitação para o exercício de qualquer função pública, tolhendo-se-lhe não só os direitos políticos de ser eleito, como também os direitos civis de acesso aos cargos e empregos da Administração Pública (art. 37, I e II, CF).

Por outro lado, o mesmo excesso punitivo se verificaria entre a pena de inelegibilidade que redundaria da cassação do mandato parlamentar com a pena que poderia ser imposta quando se apura a prática de crime comum (que também poderia ser aplicada ao Impetrante), com reflexos também na sua inelegibilidade, como prescreve o art. 1º, I, “e”, da Lei Complementar nº 64/90:

Art. 1º. São inelegíveis:

I – para qualquer cargo: (…)

e) os que forem condenados criminalmente, com sentença transitada em julgado, pela prática de crimes contra e economia popular, a fé pública, a administração pública, o patrimônio público, o mercado financeiro, pelo tráfico de entorpecentes e por crimes eleitorais, pelo prazo de 3 (três) anos, após o cumprimento da pena;

Desta forma, mais esta inconstitucionalidade grave – infringência aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade – há de ser apontada contra as possíveis práticas contra a qual se põe o ora Impetrante, pois uma vez praticadas importarão em óbvio excesso de punição ao Impetrante, o qual poderia ser punido sem nenhuma comprovação de atos ilícitos, perante diferentes juízes, submetendo-se a penas que poderão acabar por não lhe permitir o exercício de sua cidadania, como pessoa elegível e pessoa apta a integrar os quadros do Poder Público.

Se essas medidas viessem a se aperfeiçoar em nada destoariam das piores práticas levadas a efeito nos mais tristes momentos que as ditaduras brasileiras fizeram experimentar os brasileiros. E tanto se daria sob o signo formal de uma democracia!

Do Pedido de Liminar

É fato público e notório que o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados está dando processamento e seguimento à representação acima citada contra o Impetrante, estando ela em fase de finalização da instrução.


Também é público e notório que após a finalização da instrução, poderá o Senhor Relator apresentar seu relatório e voto e propor a perda de mandato do ora Impetrante. Aliás, o primeiro já adiantou tal conseqüência em algumas entrevistas publicadas na imprensa.

Assim, a qualquer momento poderá o Impetrante ser submetido a julgamento pela Câmara dos Deputados, por atos que lhe são inveridicamente imputados e que teriam sido praticados quando não estava no exercício de seu mandato parlamentar. A despeito das flagrantes inconstitucionalidades havidas nos comportamentos que estão na iminência de serem levados a efeito, há a ameaça objetiva e flagrante de vir o ora Impetrante a sofrer, efetivamente, a perda de seu mandato de Deputado Federal, por força da eleição de mais de meio milhão de votos de eleitores brasileiros.

Indubitável é, portanto, o perigo iminente que se patenteia e que não pode permitir a demora na prestação jurisdicional definitiva, pois após a tramitação do processo na Câmara dos Deputados e uma vez realizada a lesão, eventual concessão final da segurança requerida em nada seria eficaz, vez que o prejuízo ao Impetrante já teria ocorrido. Tudo isso enseja, nos termos do art. 7o, inc. II, da Lei nº 1.535/51, o deferimento de medida liminar, em necessário e imediato pronunciamento do Poder Judiciário.

De outra sorte, presente a plausibilidade jurídica da situação descrita e a relevância dos fundamentos e do pedido, consoante exposto nas razões aduzidas nos tópicos antecedentes, tem-se por certo estarem presentes e demonstrados os elementos legalmente exigidos para o deferimento da medida.

Pede-se, assim, seja deferida a medida liminar, inaudita altera parte, para o fim de se determinar a imediata suspensão da tramitação e processamento da Representação n° 38/2005, apresentada pelo PTB contra o ora Impetrante, atualmente correndo perante o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, até o julgamento final do presente mandamus.

Dos Pedidos Finais

No mérito, requer seja concedida a presente ordem de segurança, a fim de se reconhecerem as nulidades presentes na apresentação e no processamento do Processo Disciplinar nº 04, de 2005, da Câmara dos Deputados, originado da Representação n° 38/2005, formulada pelo PTB, contra o ora Impetrante, o qual tramita perante o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, determinando-se, em conseqüência, o seu arquivamento, tudo pelos fundamentos de fato e de direito aduzidos nos tópicos anteriores.

Se ocorrer de ser o presente writ julgado posteriormente a eventual perda de mandato pelo ora Impetrante, o que se admite apenas para argumentar, pede e confia o ora Impetrante sejam reconhecidas as nulidades presentes na apresentação e no processamento do Processo Disciplinar nº 04, de 2005, determinando-se a nulidade de todos os atos praticados em sua seqüência, inclusive as votações, com a imediata determinação de retorno do Impetrante ao exercício do mandato que lhe foi outorgado pelo povo.

Requer sejam notificadas as autoridades descritas no preâmbulo dessa peça e indicadas como coatoras, todas com domicílio na Câmara dos Deputados, no Palácio do Congresso Nacional, Praça dos Três Podres, Brasília-DF para, querendo, apresentarem as suas informações, nos termos da legislação vigente.

Requer, ainda, seja intimado o digno representante do Ministério Público, para se manifestar na forma e nos prazos legais.

Prova-se o alegado pela documentação ora juntada.

Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (um mil reais).

Termos em que,

P. deferimento.

Brasília, 05 de outubro de 2005.


Roberta Maria Rangel

OAB/DF 10.972

José Luis Mendes de Oliveira Lima

OAB-SP 107.106


[1] STF, DJ 27.jun.1997, MS 22494-1/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, trecho retirado do voto do Min. Celso de Mello.

[2] STF, DJ 7.abr.1995, MS 21689-1/DF, Rel. Min. Carlos Velloso, trecho extraído do voto do Min. Celso de Mello.

[3] STF, DJ 23.set.2005, MS 25539-1 (MC)/DF, Rel. Min. Nelson Jobim.

[4] CF/88, art. 51: “Compete privativamente à Câmara dos Deputados: (…) III – elaborar seu regimento interno;” e art. 52: “Compete privativamente ao Senado Federal: (…) XII – elaborar seu regimento interno;”

[5] STF, DJ 27.jun. 1997, MS 22494-DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, trecho retirado do voto do Min. Sepúlveda Pertence.

[6] STF, DJ 29.jun. 2005, MS 24.846-DF, Rel. Min. Celso de Mello.

[7] Diário da Câmara dos Deputados, Suplemento, 17.9.1999, p. 00451.


[8] Diário da Câmara dos Deputados, 8.4.1999, p. 14084.

[9] Diário da Câmara dos Deputados, 8.4.1999, p. 14085.

[10] Diário do Congresso Nacional, Seção I, 14.4.1994, p. 5575.

[11] Diário do Congresso Nacional, Seção I, 14.4.1994, p. 5576.

[12] Diário do Congresso Nacional, Seção I, 14.4.1994, pp. 5576/7.

[13] Alexandre de Moraes, Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional, São Paulo, Atlas, 2005, p. 305.

[14] José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, São Paulo, Malheiros, 2005, p. 538.

[15] Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, São Paulo, Malheiros, 2004, p. 72.

[16] José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, São Paulo, Malheiros, 2005, p. 110.

[17] Pontes de Miranda, Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1, de 1969, tomo III, Rio de Janeiro, Forense, p. 644.

[18] Suzana de Toledo Barros, O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, Brasília, Brasília Jurídica, 2003, p. 77.

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