Vínculo de emprego

Jogador que é pago não pode ser considerado atleta amador

Autor

4 de outubro de 2005, 11h34

Atleta que é pago para jogar não pode ser considerado amador e tem direto a vinculo de emprego com clube esportivo que representa. O entendimento é da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo).

A Turma reconheceu o vínculo empregatício do jogador de vôlei Giovane Farinazo Gavio — um dos maiores jogadores do país, duas vezes medalha de ouro em Olimpíadas — com o Esporte Clube União Suzano. A decisão foi unânime. Cabe recurso.

O jogador entrou com processo na 1ª Vara do Trabalho de Suzano, pedindo o reconhecimento do vínculo empregatício com o pagamento de todas as verbas e indenizações, como determina a CLT — Consolidação das Leis do Trabalho e a Lei 9.615/98 (Lei Pelé).

O atleta sustentou que, embora sua empresa, a Giovane Gávio Promoções, mantivesse com o União Suzano um “instrumento particular de contrato de cessão de direito de uso de nome, apelido desportivo, voz e imagem, de atleta desportivo profissional”, na verdade, ele era contratado para jogar pelo clube.

A primeira instância acolheu o pedido do jogador. O União Suzano recorreu ao TRT paulista. Sustentou que o jogador não preenche os requisitos da CLT para ter direito ao vínculo empregatício e que não são aplicáveis as normas contidas na Lei Pelé, pois o vôlei não seria “modalidade desportiva profissional, e sim amadora, ou seja, não profissional”.

O clube argumentou também que a Justiça do Trabalho seria incompetente para julgar contrato “de cunho estritamente civilista” e que as “cláusulas contratuais não possuem qualquer cunho empregatício e tão somente obrigações de natureza civil”. Para o clube, a questão deveria ser julgada pela Justiça Desportiva.

Voto

Para o relator do recurso no tribunal, juiz Ricardo Artur Costa e Trigueiros, o conflito não pode ser solucionado pela Justiça Desportiva, porque “não se trata de conflito entre equipes ou decorrente de infrações por estas cometidas às regras do certame nacional, e sim, de processo judicial movido por atleta, em razão do alegado descumprimento de normas trabalhistas de ordem pública”.

Segundo o juiz, “a polêmica sobre o falso amadorismo no âmbito esportivo em nosso país é antiga e as práticas ilegais atingem proporções endêmicas. Para sonegar encargos trabalhistas, sociais e fiscais, clubes ocultam a natureza trabalhista da relação contratando os atletas pura e simplesmente sem qualquer registro, ou através de empresas criadas em nome dos jogadores, derivando no todo ou em parte a remuneração para os chamados contratos de imagem”.

Leia a íntegra da decisão

4ª. TURMA

PROCESSO TRT/SP NO: 01249200249102006 (2003.0615784)

RECURSO: RECURSO ORDINÁRIO

RECORRENTE: ESPORTE CLUBE UNIÃO SUZANO

RECORRIDO: GIOVANE FABRINAZO GAVIO

ORIGEM: 1ª VT DE SUZANO

EMENTA: ATLETA PROFISSIONAL. VOLEIBOL. (1) COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Em se tratando de conflito decorrente do descumprimento de normas trabalhistas envolvendo atleta profissional, a competência material é da Justiça do Trabalho, não se condicionando a propositura da ação ao esgotamento da instância desportiva, sob pena de se restringir o direito de ação constitucionalmente assegurado (arts. 5, XXXV, e 114, IX, CF). (2) FALSO AMADORISMO. CONTRATO DE IMAGEM. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. LEI PELÉ Ofende a razoabilidade, a negativa do vínculo sob a alegação de exploração de imagem não conectada com o exercício da atividade profissional esportiva a partir da qual erigiu-se o prestígio nacional do atleta. Impossível que uma agremiação esportiva de voleibol contrate atleta da modalidade apenas para explorar a sua imagem, sem que esteja obrigado a treinar e jogar.

Na raiz do debate encontra-se a questão do trabalho sem registro e do pagamento salarial extra-folha. A polêmica sobre o falso amadorismo no âmbito esportivo é antiga e as práticas ilegais em nosso país atingem proporções endêmicas. Para sonegar encargos trabalhistas, sociais e fiscais, clubes ocultam a natureza trabalhista da relação contratando atletas sem registro, ou através de empresas criadas em nome dos jogadores, derivando no todo ou em parte a remuneração para os chamados contratos de imagem. Essa situação não se confunde com a exploração perfeitamente legítima, da imagem do jogador através de contrato com terceiros, ou seja, entidades não esportivas, que tenham interesse em alavancar suas vendas ou negócios associando-os ao prestígio do atleta.

Não se trata pois, de pura e simplesmente vetar a celebração de contratos de imagem mas sim, de impedir que tais contratos, como no caso vertente, sirvam de biombo para a perpetração de fraudes contra os direitos trabalhistas do jogador. Provada a ativação profissional do atleta de voleibol, em clube que participa regularmente dos diversos certames, não há como negar a convolação do vínculo de emprego a teor do disposto nos artigos 2º, 3º, 442 e seguintes da CLT e especialmente, o § 1º do artigo 28 da chamada Lei Pelé (Lei nº 9.615/98), com todos os direitos conseqüentes.


Contra a respeitável sentença de fls.234/239, que julgou procedente em parte a reclamação, recorre ordinariamente o reclamado às fls. 254/288, argüindo preliminarmente, incompetência em razão da matéria; inépcia da petição inicial, sob o argumento de que o reclamante não postulou o reconhecimento do vínculo empregatício. No mérito, nega a inexistência do vínculo empregatício, afirmando que os dispositivos invocados na exordial são aplicáveis apenas aos atletas profissionais, situação esta que não ocorre com o reclamante. Por fim, alega que o salário atribuído pela r.sentença contraria a prova dos autos e propugna pelos descontos fiscais e previdenciários.

Contra-razões às fls.297/306.

Considerações do Digno representante do Ministério Público do Trabalho, fls.307, quanto à inexistência de interesse público que justificasse sua intervenção.

É o relatório.

V O T O

Conheço porque presentes os pressupostos de admissibilidade.

DA INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA

O recorrente, em defesa (fls. 100), alegou que “(..) a relação havida fora exclusivamente entre a pessoa jurídica Giovane Gávio Promoções Ltda. e o Esporte Clube União Suzano. O contrato apresentado pelo reclamante é de cunho estritamente civilista, e não pode ser discutido em sede de Direito do Trabalho.(..)”. Alegou ainda que “.. as cláusulas contratuais não possuem qualquer cunho empregatício e tão somente obrigações de natureza civil..”

Vejamos.

É bem verdade que o documento de fls. 28/33, sob o ponto de vista formal, é um instrumento particular de contrato de cessão de direito de uso de nome, apelido desportivo, voz e imagem, de atleta desportivo profissional, para exercício da modalidade coletiva do voleibol. Todavia, da leitura das alíneas “a” , “e” e parágrafo primeiro, da Cláusula Primeira do referido instrumento, os contratantes pactuaram que o autor cederia o uso de sua imagem, na qualidade de jogador da equipe do recorrente, sendo certo que só poderia ser feita a cessão dos direitos supramencionados enquanto o recorrido estivesse atuando como jogador pelo recorrente, em evidente situação de vínculo empregatício:

“(..) CLÁUSULA PRIMEIRA – DO OBJETO

A cedente, na qualidade de titular dos direitos sobre o uso do nome, apelido desportivo, voz e imagem do Atleta de voleibol Giovane Farinazzo Gávio, aqui denominado simplesmente atleta, cede e transfere os direitos de divulgar e expor a marca da Cessionária Ecus juntamente com a marca e logomarca de seus patrocinadores , ou outra, que ao longo do tempo deste contrato vier a compor o uniforme de competição, treinos e viagens da equipe profissional através da cessão de direitos sobre o uso do nome, apelido desportivo, voz e imagem do Atleta, exclusivamente em caráter coletivo, nas seguintes ocasiões:

a) Em todas as apresentações públicas que o Atleta fizer, como jogador da equipe de volleyball adulta masculina do CESSIONÁRIO; (..)

b) nos contatos com a imprensa em geral, que digam respeito à sua atuação como jogador do time de Volleyball do CESSIONÁRIO;

e) na divulgação ou campanha publicitária a ser veiculada pelo CESSIONÁRIO ou pelos patrocinadores oficiais do mesmo, desde que diga respeito a jogos, campeonatos ou ao time de que participe o Atleta;

f) no uso de uniformes e agasalhos esportivos necessários ao cumprimento do objeto do presente contrato, para uso em jogos e treinos;

Parágrafo 1º: Entende-se por cessão dos direitos supra mencionados, em caráter coletivo, a cessão dos direitos de uso de nome, apelido desportivo, voz e imagem do Atleta apenas enquanto o Atleta estiver fazendo parte do time masculino de volleyball do CESSIONÁRIO, ou seja, a CEDENTE cederá tais direitos quando estiver atuando pelo CESSIONÁRIO conjuntamente ao restante do time de volleyball.(..)”(grifamos).

Embora não seja um contrato formal de trabalho, verifica-se deste que, durante sua vigência, o recorrido era tido como jogador do recorrente, a quem aproveitava, por conseqüência, toda a atividade laborativa do atleta, de forma pessoal, contínua, onerosa, exclusiva e subordinada, sendo estes, inequívocos elementos de tipificação do liame empregatício.

Não voga o argumento do recorrente de que a Justiça Desportiva seria a competente para dirimir o presente conflito, diante do disposto no artigo 62 do Regulamento Oficial da Confederação Brasileira de Voleibol (doc. 06), in verbis:

“Artigo 62 – As equipes participantes RECONHECEM A JUSTIÇA DESPORTIVA COMO ÚNICA INSTÂNCIA para resolver as questões que surjam entre elas e a Confederação Brasileira de Voleibol, DESISTINDO OU RENUNCIANDO EXPRESSAMENTE DE RECORRER À JUSTIÇA COMUM PARA ESSES FINS.”

Ao contrário do que alega a agremiação esportiva recorrente, trata-se de Regulamento Oficial elaborado para o Campeonato Brasileiro de Clubes (Superliga 2002/2003), com a finalidade de implementar as regras oficiais de voleibol da FIVB (Federação Internacional de Voleibol) no certame de âmbito nacional envolvendo as melhores equipes do país, sendo certo que as disposições do referido artigo, complementadas pelas do artigo 61, são claras ao dispor que a Justiça Desportiva é a reconhecida pelas equipes participantes para dirimir as infrações e ocorrências cometidas no transcorrer da Superliga pelas equipes participantes, ou seja, conflitos decorrentes de eventuais infrações destas nos jogos realizados na Superliga. Ora, é evidente que aqui não se trata de conflito entre equipes ou decorrente de infrações por estas cometidas às regras do certame nacional, e sim, de processo judicial movido por atleta, em razão do alegado descumprimento de normas trabalhistas de ordem pública. Por essa razão não há que se falar em incidência do Regulamento Oficial do Campeonato e muito menos, impor a sujeição prévia, e exaurimento da matéria perante a instância desportiva de cunho administrativo, sob pena de se restringir o exercício constitucional do direito de ação (CF, art. 5º, XXXV).


Vale transcrever a seguinte ementa:

“Jogador de Futebol – Justiça Desportiva – Exaurimento de Instância – Desnecessidade. O art. 29, da Lei nº 6.354/76 não foi recepcionado pela Constituição da República de 1988 que não permite qualquer espécie de obstaculização de acesso de acesso ao Judiciário (art. 5, XXXV) e estabelece o prévio acionamento da Justiça Desportiva apenas no que pertine à disciplina e às competições desportivas (art. 217, § 1º). Dispensável o exaurimento da instância administrativa para que o atleta profissional de futebol ingresse com ação trabalhista perante a Justiça do Trabalho.”. Tribunal : 24ª Região, Acórdão nº 788, Decisão: 16.04.98, RO nº 1418, 1997, Turma: TP- Tribunal Pleno; DJ: 22/05/98, DJ-MS nº 004777; Recorrente: Leopoldo Oliveira de Souza, Recorrido: Operário Futebol Clube; Juiz Relator: Amaury Rodrigues Pinto Júnior.

Com efeito, a presente demanda visa obter a declaração judicial de nulidade do contrato firmado, com o reconhecimento da condição de empregado do recorrido, diante da realidade fática apresentada nos presentes autos, e o inciso XXXV, do artigo 5º da CF/88 não permite qualquer impedimento de acesso ao Judiciário, sendo assim, plenamente cabível que o atleta profissional ingresse diretamente com a ação nesta Justiça especializada, que é indiscutivelmente competente para apreciar o presente litígio.

Por fim, a recente Emenda Constitucional nº 45, publicada no DOU de 31/12/04, deu nova redação ao Artigo 114, da Carta Magna, que em seu inciso IX, dispõe ser de competência desta Justiça Especializada, verbis:”(- IX – outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.”.

Logo, não há dúvida, que em se tratando de debate para determinar a natureza jurídica da relação de trabalho havida entre as partes, se sob a égide da CLT ou não, nenhum outro segmento da jurisdição é competente que não esta Justiça especializada. Logo, nenhum reparo merece a r.sentença de origem.

Mantenho.

DA INÉPCIA

Não se acolhe a preliminar de inépcia, posto que todos os requisitos do artigo 840 da Consolidação das Leis do Trabalho foram preenchidos. Ressalte-se que as pretensões são juridicamente possíveis, ordenadas em pleitos coerentes, de modo a ensejar a este Juízo a outorga da prestação jurisdicional. Ademais, não houve óbice à formulação de defesa por parte do reclamado, vez que propiciou-se a este elaboração de ampla e extensa defesa, bem como regular dilação probatória, especialmente quanto ao pedido de vínculo empregatício.

E como bem destacou o D. Juízo de origem, a anotação do contrato em Carteira de Trabalho e Previdência Social é pedido mediato e sua materialização se insere na declaração do vínculo de emprego.

Dessa forma, igualmente andou bem a r.sentença de origem, com relação à argüição de inépcia.

Mantenho.

DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO

Insiste o recorrente, em síntese, que o autor não preenche os requisitos do artigo 3º da CLT e que não são aplicáveis à presente demanda as normas contidas na Lei 9.615/98, “(..) dada ao fato da modalidade do desporto volleyball não ser modalidade desportiva profissional, e sim amadora, ou seja, não profissional.(..)”.

Em face do teor das alegações de defesa, com admissão do trabalho (fato constitutivo) e argüição de que se trata de ativação sob regime do amadorismo mediante cessão de imagem (fato modificativo/impeditivo), operou-se a inversão do onus probandi, que restou endereçado inteiramente ao reclamado, a teor do disposto no artigo 333, inciso II, do CPC, sendo certo que desse encargo o recorrente não se desincumbiu.

Com efeito, a análise do conjunto probatório não ratifica o discurso defensivo renovado no apelo.

Ab initio, do conteúdo do contrato firmado entre as partes (fls.28 usque 33), como abordado no item 1 acima, verifica-se que o reclamante não se obrigou apenas a ceder sua imagem mas também a jogar pelo recorrente, ao contrário do alegado pelo representante do reclamado às fls. 95.

Verifica-se ainda, que o recorrido é destinatário da Lei 9.615/98, vez que o contrato firmado entre as partes explicitamente destacou às fls.48 em seu cabeçalho:

“…ATLETA DESPORTIVO PROFISSIONAL DA MODALIDADE DE VOLLEYBALL..”.

Não bastasse isso, as partes, na Cláusula Sexta do referido contrato (DISPOSIÇÕES GERAIS), estabeleceram que se o recorrido fosse convocado a servir a Seleção Brasileira estaria incurso na Lei 9.615/98, artigo 41, e no Decreto 2.574/98, artigo 40, destacando novamente a posição de atleta profissional do autor, que obviamente não ficaria restrita aos momentos em que o jogador envergasse a camisa do selecionado nacional.

E mais, referido contrato, não só reconhece o autor como jogador de vôlei profissional, como demonstra claramente que não se trata de simples contrato de cessão de direitos de imagem, mas também, de contrato de trabalho, consoante entendimento que se extrai da Cláusula 6ª que se reporta ao artigo 41 da Lei 9.615/98, invocado no contrato firmado pelas partes, in verbis:


“Art. 41. A participação de atletas profissionais em seleções será estabelecida na forma como acordarem a entidade de administração convocante e a entidade de prática desportiva cedente.

§ 1o A entidade convocadora indenizará a cedente dos encargos previstos no contrato de trabalho, pelo período em que durar a convocação do atleta, sem prejuízo de eventuais ajustes celebrados entre este e a entidade convocadora.

§ 2o O período de convocação estender-se-á até a reintegração do atleta à entidade que o cedeu, apto a exercer sua atividade.” (grifamos).

Nesse sentido colheu-se o depoimento da primeira testemunha do reclamado, que ratificou a existência entre as partes de típico contrato de trabalho, explicitando inclusive, a presença da pessoalidade e exclusividade – “(..) o reclamante só poderia jogar por outro clube com a autorização da reclamada; antes de se apresentar na reclamada o reclamante estava cedido à Seleção Brasileira; nesse período, os valores decorrentes do contrato eram pagos pelo recdo.; existe uma praxe em que o atleta vinculado à Confederação e Federação, recebem os pagamentos dos clubes quando convocados para Seleção Brasileira. (..)”. Embora a doutrina venha desconsiderando a exclusividade como elemento essencial à tipificação do contrato de trabalho, na situação dos autos, a sua confirmação pela prova oral é um poderoso elemento de convicção quanto à existência do vínculo de emprego.

Ademais, o esclarecedor e enfático depoimento da testemunha do autor, Sr. Ricardo Navajas (fls.96), não deixou dúvidas de que estão presentes os requisitos caracterizadores do vínculo empregatício, inclusive no que concerne à subordinação – “(..)o reclamante não podia jogar por outro clube, face a sua vinculação com a Federação; existe um planejamento fixação de horário para comparecimentos dos atletas, até porque se cada um comparecer em um horário diferente, não há como realizar os treinos; habitualmente os treinos são diários, salvo quando há jogos; (..) o reclamante estava subordinado à reclamada, bem assim, ao depte., ao representante da reclamada e a outras pessoas; acredita que os pagamentos eram feitos pelo recdo; (..) caso marcasse um dia e horário para treino, o reclamante estava e não estava obrigado a comparecer, embora não estivesse obrigado, sem a presença dos jogadores não se realizava o treino(..)”(grifamos).

E por fim, a segunda testemunha do reclamado, Sr. Marcelo (fls. 97), contrariamente ao alegado pelo preposto, confirmou que o autor estava obrigado a comparecer aos jogos, restando definitivamente afastada a hipótese de que entre as partes só havia a exploração da imagem do recorrido, e não da atividade profissional do atleta.

De mais a mais, ofende a razoabilidade – princípio interpretativo fundamental no Direito do Trabalho – a alegada existência de exploração de imagem sem estar conectada com o exercício da atividade profissional esportiva, a partir da qual, sem dúvida, erigiu-se o prestígio nacional do atleta. Ora, não há como crer na possibilidade de que uma agremiação esportiva que participa do campeonato nacional de volley (Superliga) contrate o maior jogador da modalidade apenas para explorar a sua imagem, sem que o atleta esteja obrigado a treinar e jogar. Uma condição pressupõe a outra, ou seja, o clube envolvido na disputa do campeonato contrata o ídolo nacional com vistas à disputar e vencer os jogos e assim, obter prestígio perante o público, maiores rendas e maior poder de negociação junto aos patrocinadores. A estipulação das condições de trabalho com o atleta, nesse contexto, levam em conta a celebridade decorrente da excelência na atividade profissional desportiva, sendo estes fatores indissociáveis e determinantes na fixação do padrão de ganho mais elevado do jogador.

Na verdade, na raiz do debate travado nestes autos encontra-se a questão do trabalho sem registro e do pagamento salarial extra-folha no meio esportivo. Com efeito, a polêmica sobre o falso amadorismo no âmbito esportivo em nosso país é antiga e as práticas ilegais atingem proporções endêmicas. Para sonegar encargos trabalhistas, sociais e fiscais, clubes ocultam a natureza trabalhista da relação contratando os atletas pura e simplesmente sem qualquer registro, ou através de empresas criadas em nome dos jogadores, derivando no todo ou em parte a remuneração para os chamados contratos de imagem.

Vale ressaltar que essa situação não guarda correlação com a exploração perfeitamente legítima, da imagem do jogador através de contrato com terceiros, ou seja, entidades não esportivas, e portanto, estranhas à relação bilateral, que tenham interesse em alavancar suas vendas ou negócios associando-os ao prestígio do atleta.

A respeito dos contratos de imagem, oportuno invocar as precisas reflexões do ilustre jurista DOMINGOS SÁVIO ZAINAGHI (in “Nova Legislação Desportiva, Aspectos Trabalhistas”, LTr, fevereiro/2002, pág. 30):


“A cessão do direito de imagem, só existe em virtude da profissão de atleta, isto é, os clubes celebram com o jogador (uma pessoa jurídica por este constituída), um contrato pelo qual irão “trabalhar” a imagem do atleta, ou seja, vão divulgá-la, inclusive ligando-a à venda de produtos.

Ora, se o referido contrato é celebrado entre clube e atleta em virtude da relação de trabalho, parece-nos evidente a fraude e conseqüente nulidade de tais pactos”.

Não se trata pois, de pura e simplesmente vetar a celebração de contratos de imagem mas sim, de impedir que tais contratos, como no caso vertente, sirvam de biombo para a perpetração de fraudes contra os direitos trabalhistas dos atletas. Por essa razão, arremata ZAINAGHI (in op. cit. pág. 31):

“Insistimos que o que é vedado pelo direito do trabalho, é a utilização de Contratos de Cessão de Imagem, para desvirtuar a aplicação da legislação social”.

Por fim, não se pode olvidar que a configuração da relação de emprego é de ordem objetiva, independendo da vontade ou interpretação negocial do prestador ou credor dos serviços, mas do conjunto de atos-fatos por eles desenvolvidos em razão daquela prestação. Em suma, o vínculo emerge da realidade fática do desenvolvimento da atividade laboral, e não do nomen juris ou revestimento formal dado pelas partes à relação.

Nesse diapasão verifica-se que nos presentes autos, houve inequívoca prática desportiva profissional, até mesmo confessada a partir do próprio texto do contrato de fls. 48 que expressamente menciona a condição profissional do atleta, sendo perfeitamente aplicável a legislação trabalhista, nos termos dos artigos 3º, 26º e 28º da Lei 9.615/98, que dispõem:

“(..)Art. 3o O desporto pode ser reconhecido em qualquer das seguintes manifestações:

Parágrafo único. O desporto de rendimento pode ser organizado e praticado:

I – de modo profissional, caracterizado pela remuneração pactuada em contrato formal de trabalho entre o atleta e a entidade de prática desportiva;

Art. 26. Atletas e entidades de prática desportiva são livres para organizar a atividade profissional, qualquer que seja sua modalidade, respeitados os termos desta Lei.

Parágrafo único. Considera-se competição profissional para os efeitos desta Lei aquela promovida para obter renda e disputada por atletas profissionais cuja remuneração decorra de contrato de trabalho desportivo. (Incluído pela Lei nº 10.672, de 2003)

Art. 28. A atividade do atleta profissional, de todas as modalidades desportivas, é caracterizada por remuneração pactuada em contrato formal de trabalho firmado com entidade de prática desportiva, pessoa jurídica de direito privado, que deverá conter, obrigatoriamente, cláusula penal para as hipóteses de descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral.

§ 1o Aplicam-se ao atleta profissional as normas gerais da legislação trabalhista e da seguridade social, ressalvadas as peculiaridades expressas nesta Lei ou integrantes do respectivo contrato de trabalho.

§ 2o O vínculo desportivo do atleta com a entidade desportiva contratante tem natureza acessória ao respectivo vínculo trabalhista, dissolvendo-se, para todos os efeitos legais: (Redação dada pela Lei nº 10.672, de 2003)

I – com o término da vigência do contrato de trabalho desportivo; ou

II – com o pagamento da cláusula penal nos termos do caput deste artigo; ou ainda

III – com a rescisão decorrente do inadimplemento salarial de responsabilidade da entidade desportiva empregadora prevista nesta Lei (..)”..

Como se vê do artigo 28, caput e § 1º, da Lei 9.615/98, as garantias da legislação trabalhista e previdenciária incidem em prol dos atletas profissionais de todas as modalidades desportivas, o que vale dizer, também em favor dos jogadores de volley como o reclamante, inexistindo a condição exceptiva invocada na defesa.

Dessarte, provada a ativação profissional do atleta de voleibol, em clube que participa regularmente dos diversos certames, não há como negar a convolação do vínculo de emprego a teor do disposto nos artigos 2º, 3º, 442 e seguintes da CLT e especialmente, o § 1º do artigo 28 da chamada Lei Pelé (Lei nº 9.615/98), com todos os direitos conseqüentes.

Ex positis, não há como deixar de prestigiar a r. sentença de origem que aplicou o direito e bem distribuiu justiça.

Mantenho.

DO SALÁRIO

No que toca à fixação dos salários, novamente correto o critério do D. Juízo de origem, já que levou em conta os pagamentos contratados, a limitação da inicial e o lapso de vigência da contratação.

Vale invocar novamente as considerações do especialista DOMINGOS SÁVIO ZAINAGHI (in op. cit., pág. 31):

“Não temos qualquer dúvida de que o pagamento efetuado em razão do direito de imagem tem natureza salarial, consoante os termos do dispositivo legal supra (art. 457, CLT).”


Quanto à natureza salarial da verba paga sob a rubrica de “direito de imagem” já se pronunciou esta E. Turma, em brilhante voto da lavra do Eminente Juiz Sérgio Winnik:

“EMENTA ATLETA PROFISSIONAL. JOGADOR DE FUTEBOL. DIREITO DE IMAGEM. NATUREZA JURÍDICA DA PARCELA. É manifestamente salarial a natureza jurídica da parcela denominada ” direito de imagem” paga ao Atleta pelo Clube que detém o seu atestado liberatório, uma vez que, assim como o salário “strictu sensu” tem como único fato gerador a contraprestação pela atividade laborativa do trabalhador.” ACÓRDÃO Nº: 20040338830 Nº de Pauta:033 PROCESSO TRT/SP Nº: 00321200201202003 RECURSO ORDINÁRIO – 12 VT de São Paulo RECORRENTE: 1. SPORT CLUB CORINTHIANS PAULISTA 2. INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL INSS RECORRIDO: LUIZ CARLOS GOULART

Assim, não há como considerar outro valor salarial como requer o recorrente, sendo certo que a fixação do Juízo de origem está correta.

Mantenho.

DOS DESCONTOS PREVIDENCIÁRIOS E FISCAIS

1-) Descontos previdenciários

No que diz respeito aos recolhimentos fiscais e previdenciários, adoto o entendimento firmado no TST, conforme Súmula nº 368, incisos I e II.

As contribuições previdenciárias (Lei nº 8.212/91) devem ser atribuídas às partes, em proporção, cabendo ao empregado responder pela sua quota de participação, sendo nesse sentido o Provimento nº 2/93 do C. TST.

Ressalto que para apuração correta do crédito da previdência social, deve ser observada a Ordem de Serviço nº 66 de 10.10.97.

Portanto, deverão ser deduzidos mês a mês os valores já recolhidos à Previdência Social, observando-se mensalmente as alíquotas previstas no artigo 20 da Lei 8.212/1991, e o respectivo teto de contribuição. Assim sendo, as diferenças dos descontos previdenciários serão apuradas discriminadamente, atentando-se que a dedução previdenciária deverá ser calculada mensalmente, com base no teto mensal estabelecido no artigo 20 da Lei 8.212/1991, na Orientação Normativa nº 02 de 15.08.94 do Secretário da Previdência Social, combinados com Ordem de Serviço nº 66 de 10/07/97 e o Decreto nº 3.048, de 06 de maio de 1999 (“Art. 198 (..) e artigo 276 – §4º – A contribuição do empregado no caso de ações trabalhistas será calculada, mês a mês, aplicando-se as alíquotas previstas no art. 198, observado o limite máximo do salário-de-contribuição”), incidente sobre os valores devidos mês a mês, e atentará para as alíquotas e tabelas pertinentes, de acordo com suas vigências, deduzindo-se mensalmente os valores já recolhidos.

As deduções só serão perpetradas sobre o crédito quando o efetivo recolhimento estiver comprovado nos autos. Portanto, quanto aos recolhimentos previdenciários, cada parte arcará com sua cota, a ser comprovada, sob pena de execução nos próprios autos.

2-) Descontos fiscais

A retenção do imposto de renda na fonte decorre do disposto no artigo 46 da Lei nº 8.541, de 23.11.92 e do Provimento nº 1/96 da Corregedoria do TST.

O artigo 45 do CTN estabelece que a lei pode atribuir à fonte pagadora da renda a condição de responsável pela retenção e pagamento do imposto, que é o que faz a Lei nº 8.541/92.

Com a edição da Lei nº 7.713/88, desde 01.01.89 restou consagrado o regime de caixa, ou seja, a renda é considerada recebida quando paga, não se observando o regime de competência (mês a que se refere). O cálculo não mais será feito em separado de cada mês, mas sim toma-se todo o rendimento recebido e aplica-se a tabela do mês do pagamento, com a respectiva alíquota desse mês. A lei a ser observada corresponde à da época em que for realizado o pagamento, verificando-se os dependentes e as isenções.

Neste aspecto, observando os princípios da legalidade e da reserva legal, fica ressalvado que, segundo a lei vigente, não incide tributação sobre verbas de caráter indenizatório, nas hipóteses previstas no artigo 46, § 1º., inciso I, da Lei 8.541/92.

Estabelece o citado art. 46, § 1º., inciso I, da Lei nº. 8.541/92:

“Art. 46. O imposto sobre a renda incidente sobre os rendimentos pagos em cumprimento de decisão judicial será retido na fonte pela pessoa física ou jurídica obrigada ao pagamento, no momento em que, por qualquer forma, o recebimento se torne disponível para o beneficiário.

§ 1º Fica dispensada a soma dos rendimentos pagos no mês, para aplicação da alíquota correspondente, nos casos de:

I – juros e indenizações por lucros cessantes;

II – honorários advocatícios;

III – remuneração pela prestação de serviços de engenheiro, médico, contador, leiloeiro, perito, assistente técnico, avaliador, síndico, testamenteiro e liquidante.” (grifamos).

Os juros de que trata o inciso I do artigo 46 da Lei nº. 8.541/92 consistem em juros de mora, pois são devidos em virtude da expropriação temporária de valores devidos ao empregado. Assim, em virtude de sua natureza jurídica indenizatória, não estão sujeitos à incidência do imposto de renda. É que os créditos no processo trabalhista não representam investimento do trabalhador, e assim, os juros sobre eles incidentes objetivam indenizar a mora, não se confundindo com os juros de natureza compensatória ou remuneratória de capital aplicado.

O debate a respeito da exação tributária já foi travado no Tribunal Pleno do C. TST, que recentemente concluiu pela não incidência do imposto de renda sobre os juros de mora.

Neste sentido cabe destacar a seguinte ementa de julgado:

“DESCONTOS FISCAIS – NÃO-INCIDÊNCIA SOBRE JUROS DE MORA.

A Lei nº. 8.541/92, que alterou a legislação do imposto de renda e deu outras providências, estabeleceu, no artigo 46, § 1º, I, a exclusão dos juros de mora da base de cálculo do imposto de renda, devido em virtude de percepção de valores decorrentes de decisão judicial, pois têm natureza indenizatória, legitimados em face da expropriação temporária de valores devidos ao Reclamante. Logo, os descontos fiscais devem ser efetuados sobre o total dos valores pagos ao Reclamante, advindos dos créditos trabalhistas sujeitos à incidência tributária, excluídos os juros de mora.”

Processo nº TST-RR-797.031/2001.8 Publicado no DJ 29/11/2002 3ª Turma Ministra Relatora Maria Cristina Irigoyen Peduzzi.

(grifamos).

Importante ressaltar que o C. TST já firmou entendimento, por meio da Orientação Jurisprudencial nº. 207, da SDI-I, de que o imposto de renda não incide sobre verba de natureza indenizatória: “Indenização. Imposto de renda. Não-incidência.”, incidindo tal interpretação, à espécie, por analogia.

Portanto, ficam excluídos da incidência do imposto de renda os juros de mora.

Destarte, o imposto de renda também não incidirá sobre as férias indenizadas (Súmula 125 do STJ), FGTS e multas normativas, além daquelas hipóteses de doenças incuráveis previstas em lei (artigo 39 inciso XX do Decreto 3.000/99), e também, sobre os juros que possam vir a ser aplicados sobre tais títulos.

Se o valor do imposto de renda for recolhido em importe superior ao devido, o autor poderá buscar eventual restituição ao apresentar sua declaração anual de ajuste, como faculta a legislação.

Todas as deduções, sejam fiscais ou previdenciárias, só incidirão sobre o crédito quando o efetivo recolhimento estiver comprovado nos autos.

Reformo.

Do exposto, conheço do recurso ordinário interposto e, no mérito, DOU PROVIMENTO PARCIAL ao apelo, para autorizar os descontos fiscais e previdenciários, na forma da fundamentação que integra e complementa este dispositivo. No mais, mantenho a r. sentença de origem.

RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS

Juiz Relator

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!