Vazamento de escutas

Apuração do vazamento de escutas não pode se perder no tempo

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1 de outubro de 2005, 7h00

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, representado pelo criminalista Alberto Zacharias Toron, encaminhou ao Conselho Nacional do Ministério Público, em 23 de setembro último, reclamação contra vazamento de diálogo telefônico entre respeitáveis criminalistas de São Paulo e investigados nos procedimentos ligados ao ex-prefeito Paulo Salim Maluf.

Segundo a representação, relatando-se, aliás, verdade sabida, a Rede Globo de Televisão divulgou aos quatro ventos conversas entre os advogados e clientes, fato repetido no jornal Folha de S.Paulo do dia seguinte, em reportagem da jornalista Lílian Christofoletti. A pena para a interceptação indevida de comunicações telefônicas de informática e telemática, ou da quebra do segredo de justiça sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei é pesada: vai de 2 a 4 anos de reclusão e multa. Por outro lado, o advogado tem, como direito, respeito à inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, de seus arquivos e dados, de sua correspondência e suas comunicações, inclusive a telefônica e afins.

Parece que o Conselho Nacional do Ministério Público tem 120 dias de prazo para decidir sobre tal representação, bastando que durante o período o órgão originariamente encarregado das investigações não conclua, no termo, perquirição correlata. Isso significa, segundo informações prestadas pela assessoria de imprensa do CNMP, que aquele Conselho só tomará medidas se não houver apuração nas instâncias primárias ou se o aquinhoamento de elementos não for satisfatório.

Tem-se, então, um problema sério com algumas alternativas: a) – já existe, na origem, procedimento apuratório do vazamento; b) – inexiste tal providência, apressando-se as chefias, então, a formalizá-la; c) – não se tomará, no local de origem, providência qualquer; d) – instado a fazê-lo em razão do decurso do prazo, o Conselho Nacional da augusta Instituição dará forma adequada a exibi-las publicamente, o que não seria usual, pois é da natureza de tais comportamentos a manutenção do segredo.

No meio-tempo, com certeza, quatro meses se passarão. O suficiente, quem sabe, para que o assunto seja posto no ostracismo, na medida em que, segundo se afirma, o tempo cura tudo. Existe, de concreto, uma série de interceptações telefônicas em escritórios de advocacia, autorizadas ou não pelo Poder Judiciário, porque nunca se sabe a medida e a extensão daquilo que tramita engavetado no escaninho de alguns juízes.

As intromissões nas conversas telefônicas de advogados, entre si e com clientes, deviam dar cadeia. Constituirá ingenuidade, entretanto, uma concepção de tal jaez, pois quem beliscou ilegalmente um telefone de advogado não o admitirá nunca e, de outra parte, não se há de processar criminalmente um juiz federal que o tiver feito, a não ser que caia em desgraça. A conseqüência seria raríssima mas pode materializar-se de um século a outro.

Na verdade, desacredito plenamente na eficácia de notícias de fatos criminosos levadas à consideração de quem possa ter, nas entranhas, um ou outro trânsfuga. Para que isso aconteça, é preciso uma dose enorme de disciplina legalista, obrigando-se o chefe a dilacerar a própria carne, expondo à comunidade externa o que houver de errado nos aposentos da família.

De qualquer forma, a OAB cumpre a sua obrigação, noticiando fatos constitutivos, na verdade, de apontamento de condutas soturnamente imorais, sendo difícil, até, imaginar-se alguém, fones nos ouvidos, deliciando-se com a captação das confidências de quem tem, por lei e por vocação, a condição de sigilário. Quem o faz sempre se assemelhou, nos meus devaneios de reagente, àquele que sub-repticiamente se esconde nos fundos do confessionário, deliciando-se, excitado, com a troca de confidências entre o padre o confidente. Se isso não fosse ilegal, seria repulsivo, a exemplo dessa tal de delação premiada a enlaçar o pedinte e o senhor feudal, tudo por uns trocados imorais.

Penso, verdadeiramente, que a punição daqueles que violam segredo profissional nas condições dos diplomas legislativos que punem tais infrações se encontra nas ações cíveis de ressarcimento de dano moral porque, destas, o infrator não se livra facilmente. É obrigado a se colocar no pólo passivo da relação processual, constituindo advogado para defender-se (há de achar alguém) e purgando, durante anos, a necessidade de provar sua inocência ou mostrar que tinha razão enquanto se ajoelhava para ver, pelo buraco da fechadura, a união do casal, ou mesmo seus desacertos eventuais.

Dentro dessa medida, não me entendam mal. Quero o pior possível para quem tiver feito o que fez, ou para quem tiver autorizado tal ato de vandalismo ético. Mas a eficácia será encontrada, certamente, na submissão do ou dos infratores aos procedimentos previstos na lei que regula danos materiais ou morais. Aí sim, independentemente dos 120 dias que refletem a pausa para meditação, a Ordem obterá a sujeição dos delinqüentes a um começo de castigo, porque o processo em si, todos nós aprendemos, já chicoteia, só ele, o lombo de quem se comportou mal. Nesse passo, tem sido muito fácil instaurar-se persecução contra inocentes ou culpados. Aliás, é no curso da ação, segundo afirmam os dogmatas catonianos, que se prova a imaculabilidade do cidadão…

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