Batida na traseira

Empresa de ônibus é condenada por causar acidente de trânsito

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30 de novembro de 2005, 17h31

A Viação 1001 foi condenada a indenizar Nelma Baptista de Oliveira, que teve seu carro abalroado por um ônibus da empresa. Em conseqüência do acidente, Nelma teve as vértebras fraturadas, hérnia de disco, perda da sensibilidade no braço direito e é obrigada a usar um colar cervical. A decisão é da juíza Norma Suely Fonseca Quintes, da 8ª Vara Cível de Niterói, Rio de Janeiro. Cabe recurso.

A autora da ação ainda terá de se submeter a uma cirurgia de alto risco na coluna cervical para a colocação de prótese e pode ter seus movimentos comprometidos. A Viação 1001 terá de pagar 80 salários mínimos por danos morais, todas as despesas com os reparos do veículo e tratamento médico.

O acidente aconteceu em junho de 2001. O coletivo da Viação 1001 se chocou na traseira do carro de Nelma Baptista de Oliveira, que perdeu a direção e bateu em um muro.

Testemunhas afirmaram que a culpa pelo acidente foi do motorista da empresa. “Ainda que assim não fosse, vale destacar que se presume a culpa do veículo que colide na traseira de outro, presunção que admite prova em contrário, o que não aconteceu”, entendeu a juíza.

Processo 2002.002.004993-9

Leia a íntegra da decisão

Vistos etc. NELMA BAPTISTA DE OLIVEIRA, devidamente qualificada, propôs a presente ação em face do AUTO VIAÇÃO 1001 LTDA objetivando o recebimento de indenização a título de danos materiais, além de indenização no valor não inferior a 1.000 (mil) salários mínimos relativamente aos danos morais que lhe foram causados pela ré.

Sustenta que em 18/06/2001, por volta das 8 horas, quando trafegava pela Rua Lemos Cunha, esquina com Sete de Setembro, o veículo que dirigia foi abalroado por coletivo da ré, que colidiu bruscamente na traseira do carro que dirigia, que perdeu a direção, subindo na calçada, colidindo com o muro. Em decorrência, teve fraturada a 3.ª vértebra torácica e herniação do disco intervertebral entre a 6.ª e 7.ª vértebras, sendo obrigada a manter colar cervical, perdendo a sensibilidade no braço direito.

Assegura que, apesar de passados 9 meses, nenhuma providência foi tomada pela ré quanto ao pagamento das despesas decorrentes do acidente, sendo certo que a situação exige a realização de cirurgia de alto risco na coluna cervical para a colocação de prótese.

Postula a antecipação da tutela para que a ré seja compelida a arcar com o custeio do tratamento pós-operatório, bem como com o conserto do seu veículo. Instruem o pedido os docs. de fls. 11/58. Nova manifestação da autora às fls. 61/62, reiterando a antecipação da tutela. Por decisão por mim proferida às fls. 63 foi indeferida a antecipação da tutela, decisão que permaneceu irrecorrida, sendo determinada, ainda, a citação da ré. Citada (fls. 65, vº), a ré apresentou contestação (fls. 69/77), onde sustenta que o evento ocorreu por culpa exclusiva da autora, uma vez que o seu preposto se encontrava trafegando normalmente pela Av. Sete de Setembro quando, ao se deslocar para a Rua Lemos Cunha, foi surpreendido pela autora que, ao volante do seu veículo, ultrapassando o coletivo pela direita, forçou a passagem, batendo na lateral do ônibus. Ressalta que inexiste nexo causal a ensejar indenização por danos materiais e morais. Acompanham a contestação as fotografias e os docs. de fls. 78/85.

Nova manifestação da autora às fls. 89/90, acompanhada das fotos de fls. 91/94. Por decisão por mim proferida às fls. 121, justificadamente, eis que laborei em equívoco ao deferir a citação da ré quando deveria ter designado A.C.I.J. por se tratar de ação que deveria se processar sob o rito sumário, foi chamado o feito è ordem, com o deferimento de prova testemunhal e designação de audiência de instrução e julgamento.

Realizada A.C.I.J (fls.140), ocasião em que foi determinada a realização de prova pericial. Nova manifestação da autora às fls. 141, juntando os docs. de fls. 142/150. Realizada nova A.C.I.J. (fls. 180), ocasião em que foi produzida prova testemunhal (fls. 181/183), tendo sido deferido o prazo de 05 dias para apresentação da guia de depósito dos honorários periciais. Laudo pericial às fls. 196/202, manifestando-se a autora às fls. 206, não tendo se manifestado a ré (cf. fls. 207).

Memorial da autora às fls. 210/213, deixando a ré de apresentar o seu (cf. fls. 215).

RELATEI. DECIDO, POIS.

Pretende a autora o recebimento de indenização pelos danos materiais e morais que, segundo ela, lhe foram causados pela ré. Na hipótese, a existência do acidente referido pela autora e o nexo causal entre ele e as lesões sofridas são fatos comprovados e incontestes, pois afirmados pela autora e admitidos pela ré, são corroborados pelas provas documental, oral e pericial.

Assim, resta apreciar se a ré teria agido com culpa em qualquer de suas modalidades, para o evento danoso. No caso concreto, para tentar afastar sua responsabilidade e, por via de conseqüência, a obrigação de indenizar, a ré afirma que a culpa pelo acidente foi exclusivamente da vítima que, forçando a ultrapassagem pela direita, colidiu com a lateral do ônibus. No entanto, os depoimentos colhidos demonstram que o coletivo da ré abalroou o veículo da autora em sua traseira.


Ressalte-se, a respeito, o que afirma MARCOS PAULO BERNARDINO DA SILVA em depoimento prestado às fls. 181: ´QUE o veículo da autora estava imediatamente à frente do veículo da ré´. Como se vê, é induvidoso que quando o automóvel da autora foi colidido pelo coletivo da ré ele já estava totalmente na rua Lemos Cunha.

No mesmo sentido, o depoimento de JOSÉ SOARES FILHO, testemunha arrolada pela própria ré, que assegura às fls. 183: ´´QUE quando o coletivo abriu para entrar na curva deu uma ‘catucada no freio’ colidindo com o carro da autora´. Assim, não resta dúvida quanto à culpa do empregado da ré quanto aos danos causados à autora em decorrência de colisão em acidente de trânsito envolvendo um ônibus e um automóvel.

Ainda que assim não fosse, cumpre destacar que, se presume a culpa do veículo que colide na traseira de outro, presunção que admite prova em contrário, o que não ocorreu, no caso concreto. À ré incumbia provar que a colisão se deveu à manobra da motorista que antecedia seu coletivo. Daí a importância de se manter distância suficiente em relação ao veículo que trafega à frente a permitir manobra rápida a evitar colisão. Induvidosa, pois, a obrigatoriedade de a ré indenizar a autora.

Resta, assim, analisar as parcelas postuladas, com a discriminação das que devem ser suportadas e, ao final, a fixação do quantum devido. Como se sabe, para que haja indenização é imprescindível a ocorrência de dano que, à evidência, restou efetivamente demonstrado.

Pretende a autora o recebimento de indenização por dano material e moral. Quanto ao primeiro inexiste dúvida. No caso concreto, a autora teve danificado o seu veículo, o que exige ressarcimento. Neste particular, ela apresenta dois orçamentos, um de R$2.018,00 (fls. 27) e outro de R$2.286,00 (fls, 28), impondo-se o dever de ressarcimento quanto ao de menor valor.

No que se refere às despesas com locomoção é de se destacar que inexiste prova de que todas as viagens se fizeram necessárias e tinham como objetivo a locomoção da vítima em busca de tratamento. Assim, são devidas aquelas cujo recibo de pagamento indicam hospital como destino, seja para embarque ou desembarque (cf. fls. 34, 37, 41, 43 e 44).

Quanto aos danos físicos é de se destacar que o laudo do expert do juízo assegura que a autora é portadora de fratura de vértebra T3, e hérnia de disco em C6 – C7. Em decorrência de tais lesões a mesma apresenta incapacidade total temporária no percentual de 100%, o que a impede de exercer qualquer atividade lucrativa. Nesse caso, a causadora do acidente também responde pelas despesas que a vítima vem tendo com medicamento e tratamento.

Às fls. 55 encontramos recibo de pagamento para realização de ressonância magnética da coluna cervical, no valor de R$570,00, exame cuja requisição se encontra às fls. 26. Além disso, os medicamentos prescritos pelo profissional foram adquiridos com recursos da própria autora que, assim, há de ser ressarcida no mesmo valor.

Aqui se discriminam as despesas com profenid, dramin B 6 e sidarlud, afastada a obrigatoriedade de pagamento dos demais produtos, apesar de incluídos nas notas fiscais aqui apresentadas. Como se vê, à ré incumbe o pagamento das despesas que a autora teve e tem seja como medicamento, seja com exame, locomoção, além da recuperação do veículo, sem prejuízo do ressarcimento quanto à realização, se for a opção da autora, de cirurgia que, no entender do perito se faz necessária para a completa recuperação da vítima periciada.

Pleiteia, ainda, a autora o pagamento de dano moral. Por dano moral, igualmente chamado imaterial, ideal ou extrapatrimonial, se entende aquele que caracteriza ofensa aos direitos inerentes à personalidade do indivíduo, tais como a honra, a liberdade, a saúde, a integridade psicológica, a imagem, o bom nome, inclusive aspectos de sua vida privada, a saber, convicções religiosas, filosóficas, políticas, relações afetivas, e outros.

A fixação do valor da reparação do dano moral, por sua vez, deve ficar ao prudente arbítrio do juiz, na lição de WILSON MELO E SILVA e AGUIAR DIAS, citados por ANTONIO LINDBERG C. MONTEIRO, no livro RESSARCIMENTO DE DANOS, pág. 138, Ed. Didática e Científica Ltda. Aliás, segundo o Des. SÉRGIO CAVALIERI FILHO, só deve ser reputada dano moral a ´dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar.

Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas ou duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo´ (in Programa de Responsabilidade Civil, 1ª edição, 2ª tiragem, pág. 76. Nossos os grifos).


E a respeito do que efetivamente configura o dano moral, preleciona o já citado Des. SERGIO CAVALIERI FILHO que: ´Ultrapassadas as fases da irreparabilidade do dano moral e da sua inacumulabilidade com o dano material, corremos, agora, o risco de ingressar na fase da sua industrialização, onde o aborrecimento banal ou mera sensibilidade são apresentados como dano moral, em busca de indenizações milionárias´. (…) ´A gravidade do dano – pondera Antunes Varela – há de medir-se por um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de fatores subjetivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada).

Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado´ (Das Obrigações em Geral, 8ª ed., Coimbra, Almedina, p. 617)´. No caso concreto, da análise que se faça dos elementos de convicção existentes nos autos, constata-se que a autora, além dos danos físicos, sofreu danos psicológicos.

E, à evidência, esses danos estão relacionados à angústia de ter ficado impossibilitada de sair de seu veículo sem ajuda de terceiros, além de toda a dificuldade que vem enfrentando para sua recuperação, tudo em decorrência do acidente envolvendo seu carro e coletivo da ré. Assim, a situação enfrentada pela autora, à evidência, demonstra, de forma inequívoca, a ocorrência do dano moral.

E a norma do art. 335, do C.P.C., que autoriza a aplicação das máximas de experiência na falta de normas jurídicas particulares, por sua vez, nos autoriza a concluir que o incidente protagonizado pela autora impõe reconhecer o dever de indenizar por parte da ré, não no valor por aquela pretendido, mas em importância capaz de aliviar a dor, o susto, a angústia que lhe foram impingidos, impossibilitada de levar uma vida normal, condizente com sua idade.

Evidenciado o dever de indenizar, afigura-se a necessidade de se fixar o quantum devido. No caso concreto, o expert do juízo assegura que a autora tem incapacidade total temporária desde o evento (18/06/2000), sendo certo que a incapacidade definitiva, permanente ou parcial, só poderá ser apurada se e quando realizado o tratamento cirúrgico que o caso recomenda.

No que se refere ao custeio de tratamento cirúrgico é de se destacar que, considerando o que já foi dito no parágrafo anterior, de acordo com o laudo pericial, necessária se faz sua realização, devendo a ré arcar com o seu custo, o mesmo ocorrendo com relação às despesas com o pós operatório. Por fim, há de se destacar que a situação posta sub judice não impõe a formação de capital, conforme pretende a autora. E isto porque a hipótese prevista no art. 602, do C.P.C., diz respeito à indenização que incluir verba alimentícia, que não é o caso.

Por ser assim, julgo P R O C E D E N T E o pedido e condeno AUTO VIAÇÃO 1001 LTDA a pagar a NELMA BAPTISTA DE OLIVEIRA importância correspondente a 80 (oitenta) salários mínimos em vigor na data do efetivo pagamento, a título de danos morais.

Julgo, ainda, P R O C E D E N T E o pedido no que diz respeito aos danos materiais, cabendo à ré o pagamento de R$2.018,00 pela recuperação do veículo, de R$63,50 referente à despesa de locomoção, R$756,49 pelas despesas com medicamentos e exames, ficando a ré obrigada, ainda, a custear a cirurgia que se faz necessária, bem assim o tratamento pós-operatório a ser ministrado à vítima. Condeno a ré, ainda, no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa. P. R. I.

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