Não mais que pensão

Abandono afetivo não dá direito a indenização, decide STJ

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29 de novembro de 2005, 15h44

A ausência de afeto dos pais não caracteriza dano moral e, por isso, não deve ser indenizado. A decisão é da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que livrou o pai de um garoto de 24 anos de indenizá-lo por abandono afetivo.

Três dos quatro ministros que compõem a Turma entenderam que a indenização tem caráter abusivo, porque o pai não visitava o filho por ter de viajar diversas vezes a trabalho. “Chega-se às raias da loucura exigir que uma pessoa tenha o dom da ubiqüidade, para estar em dois lugares ao mesmo tempo”, concluíram. Apenas o ministro Barros Monteiro votou pela indenização.

A indenização foi fixada pela 7ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada de Minas Gerais. A segunda instância estabeleceu a reparação por danos morais em 200 salários mínimos, por entender que “a responsabilidade (pelo filho) não se pauta tão-somente no dever de alimentar, mas se insere no dever de possibilitar desenvolvimento humano dos filhos, baseado no princípio da dignidade da pessoa humana”.

A defesa do garoto alegava que até os seis anos o filho manteve contato com seu pai de maneira regular. Após o nascimento de sua irmã, fruto do segundo casamento, o pai teria se afastado definitivamente. O estudante sempre recebeu pensão alimentícia (20% dos rendimentos líquidos do pai).

O estudante sustentou que queria do pai, além da pensão, carinho e o reconhecimento como filho, mas recebeu apenas “abandono, rejeição e frieza”, inclusive em datas importantes como aniversários, sua formatura no ensino médio e por ocasião da aprovação no vestibular. A defesa do pai contestou as acusações sob o argumento de que a indenização tinha caráter abusivo. A 4ª Turma do STJ acolheu o recurso.

O advogado Angelo Carbone, especialista em Direito de família do escritório Carbone e Faiçal Advogados, explica que não existe dano moral nem situação similar que permita uma penalidade indenizatória por abandono afetivo. “O pai deve cumprir suas responsabilidades financeiras. O pagamento regular da pensão alimentícia supre outras lacunas, inclusive sentimentais. Para sustentar o filho, os pais têm que trabalhar com o objetivo de manter um bom nível de vida até a maioridade ou a formatura na faculdade. Isso já é um ato de afeto e respeito”.

Carbone ressalta que a separação entre pai e filho é fruto de uma separação judicial. E essa separação decorre da vontade dos pais. “O pai que cumpre suas obrigações não deve ser penalizado por danos afetivos. De outro lado, o pai que dá amor durante toda a vida ao filho, mas não paga pensão alimentícia, vai preso”, afirma.

Precedentes

Apesar de inédito no STJ, esse não é o primeiro caso no Brasil. Em 2003, o juiz Mario Romano Maggioni, da 2ª Vara de Capão da Canoa (Rio Grande do Sel), condenou um pai a pagar 200 salários mínimos à filha que alegou abandono material e psicológico.

O juiz afirmou que “a educação abrange não somente a escolaridade, mas também a convivência familiar, o afeto, amor, carinho, ir ao parque, jogar futebol, brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas, criar condições para que a criança se auto-afirme”. Ele entendeu que o sustento é apenas uma das parcelas da paternidade. Para ele, negar afeto é agredir a lei.

“Pai que não ama filho está não apenas desrespeitando função de ordem moral, mas principalmente de ordem legal, pois não está bem educando seu filho”. A decisão transitou em julgado.

A decisão mais recente sobre o tema em instâncias inferiores é de São Paulo. Em junho de 2004, o juiz Luís Fernando Cirillo, da 31ª Vara Cível da capital paulista, condenou um pai a pagar à filha indenização de R$ 50 mil por danos morais e para custear tratamento psicológico. Por meio de perícia técnica, foi constatado que a jovem apresenta conflito de identidade, deflagrado pela rejeição do pai.

A jovem deixou de conviver com o pai ainda com poucos meses de vida, quando ele separou-se da mãe. Ele constituiu nova família e teve três filhos. O juiz Cirillo, em sua sentença, afirmou que “a decisão da demanda depende necessariamente do exame das circunstâncias do caso concreto, para que se verifique, primeiro, se o réu teve efetivamente condições de estabelecer relacionamento afetivo maior do que a relação que afinal se estabeleceu e, em segundo lugar, se as vicissitudes do relacionamento entre as partes efetivamente provocaram dano relevante à autora”. O pai apelou da sentença ao Tribunal de Justiça de São Paulo.

Resp 757.411

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