Punição X Dignidade

Movimento Antiterror Legal defende juiz que mandou soltar presos

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28 de novembro de 2005, 21h26

O juiz Livingsthon José Machado, da Vara de Execuções Criminais de Contagem (MG), ganhou mais um defensor. Ele causou polêmica ao mandar soltar os presos que estavam em celas superlotadas no município mineiro. Dessa vez, é o Movimento Antiterror Legal que divulgou nota de apoio à decisão de Machado. O movimento é formado por profissionais do universo das leis — juízes, advogados, promotores e estudantes.

A nota divulgada pelo Movimento Antiterror Legal critica a posição do presidente da seccional paulista da OAB, Luiz Flávio Borges D`Urso. Em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo o presidente da OAB-SP classificou a atitude de Livingsthon de temerária porque pode comprometer “os padrões mínimos da harmonia social”. Segundo ele, “abrir todas as cadeias do país porque a Lei de Execuções Penais não é cumprida, certamente, não irá resolver o grave problema do sistema penitenciário brasileiro”.

D`Urso ainda completou: “nem um juiz nem o Estado podem arriscar a ordem pública, expondo a população à ação de presos com comportamentos nocivos, que passaram por um sistema que pune com extrema lentidão”.

Na nota divulgada, o coordenador-geral do Movimento Antiterror Legal, Luís Guilherme Vieira, considerou que não é temerária a atitude do juiz de Contagem, pelo fato de o Estado descumprir o que está escrito na Constituição: a defesa da dignidade da pessoa humana. Além disso, Vieira afirmou que os dados divulgados por D`Urso não correspondem à realidade. O presidente da OAB-SP tinha afirmado que cerca de 300 mil pessoas estavam presas. O coordenador do Antiterror Legal explica que, na verdade, esse número, no ano passado, era de 150 mil.

Leia a íntegra da nota

Com profundo pesar tenho de recomendar, até para que possamos reagir, com rapidez e à altura, a leitura do artigo do presidente da OAB/SP, doutor Luiz Flavio Borges D’urso, que, ao responder a indagação feita pela Folha de S.Paulo (p. A 3) — O juiz de Minas Gerais agiu corretamente ao mandar soltar presos condenados?, vai na contramão da história mundial, da CRFB e da Lei de Execuções Penais, porque de encontro ao princípio da dignidade da pessoa humana, dentre outros, todos eregidos, pelo legislador originário, a cláusulas pétreas.

Diria, em síntese apertada, que, trazendo a questão para o mundo do processo penal, seria, por todos operadores do direito, em eventual defesa técnica, levantada, em “prévia alegações”, uma “preliminar prejudicial de mérito”, no sentido de explicitar que a “denúncia” está a revelar, só por si, uma flagrante contradição interna, porque o presidente da OAB/SP, ao condenar, sem pejo, quem simplesmente cumpriu o que reza a Carta Cidadã, assim chamada por Ulysses Guimarães no dia de sua promulgação, vai contra a posição (garantista) que temos de ter em respeito, ao mínimo, aos princípios que estão a nortear o Estado democrático de direito, conquistado, como sabemos, com muito sangue e suor de nosso povo.

Doutro lado, salvo engano (e acho que não estou enganado, e, se tiver, retrato-me desde logo), os dados estatísticos sacudidos por D’Urso não corrrespondem à realidade brasileira.

Eles estão errados.

Tout court.

No final do ano passado, a secretária nacional de Justiça, doutora Cláudia Chagas, em palestra proferida no Rio de Janeiro (o jornalista Ricardo Boechat repercutiu, em nota publicada em sua coluna no dia seguinte da fala de sua excelência, o comentário), afirmou que tínhamos, no Brasil, cerca de 150.000 encarcerados (excluídos, pois, da estatística, aqueles que não foram presos, por inoperância do Estado e aqueles que, no verbo de Thompson, encontram-se abrigados pela cifra negra da criminalidade) e que se o Poder Judiciário continuar a prender em proporções geométricas e, em obediência aos reacionários ideias dos adeptos do Movimento Lei e Ordem, sem soltar os que devem ser soltos ou aplicar, mais e mais, as penas alternativas, teremos, em 2010, cerca de 500.000 presos.

Isso mesmo: meio milhão de pessoas recolhidas às masmorras fétidas e desumanas do sistema prisional patrício. Um terror!

Porém, como o presidente D’Urso é um dos mais ferrenhos defensores da privatização das cadeias, talvez esteja ele pensando que, através desse tortuoso e, por isso, rechaçado por todos os juristas de escol, com grande veemência (por tudo, ler Thompson, em livro organizado por Shecaira em honra ao ministro Evandro Lins e Silva, para quem a cadeia era — e continuar ser — o maior símbolo da incompetência humana), essa talvez seja uma das (milagrosas) fórmulas de resolver-se o problema da segurança pública (ou o “da insegurança ou impunidade”, como o doutor D’Urso prefere falar), já que, segundo ele, como o Estado não se desincumbe de suas míninas funções (aliás, o Estado [falido] sequer educa nossas crianças; não dá saúde ao nosso povo; não oferece trabalho, transporte, alimentação etc), não teríamos onde recolher, ao cárcere, as cercas de 200.000 pessoas que possuem, em seu desfavor, mandados de prisão não cumpridos.

A decisão do juiz de Contagem, como já tivemos de explanar em oportunidades outras, ao lado de tão ilustres “quixotes”, nada tem de temerária, como atesta o presidente D’Durso.

Temerário é descumprir o que reza a Carta Republicana. Mas, felizmente, em contraponto aos infundados argumentos do presidente da OAB/SP, tenho o privilégio de recomendar a leitura do artigo de Karyna Batista Sposato e Dabi de Paiva Tangerino, que escreveram, no mesmo veículo, em contraponto ao (conservador e inconstitucional) posicionamento do presidente da seccional da OAB paulista.

Eles, que bem conhecem o problema, (re)colocaram, com mestria, a verdade dos fatos no trilho certo. Fica aqui o meu registro, em homenagens a esses talentosos e destemidos juristas da nova geração.

Temos de ter atenção.

É preciso reagir rapidamente.

Como está, não dá para ficar.

Um abraço,

Luís Guilherme Vieira

Coordenador-Geral do Movimento Antiterror (legal)

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