Conflito com Legislativo

Associação de juízes contesta competência do CNJ

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25 de novembro de 2005, 17h01

Os poderes do Conselho Nacional de Justiça e não a defesa do nepotismo— este é o alvo da Ação Direta de Inconstitucionalidade que a Associação Nacional de Magistrados Estaduais apresentou ao Supremo Tribunal Federal na última quinta-feira (24/11) contestando a resolução número 7 do CNJ.

Segundo o desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Elpídio Donizetti Nunes, presidente da Anamages, a entidade tomou a iniciativa de questionar a resolução do CNJ não por defender o nepotismo, mas porque “não admite que o CNJ legisle sobre qualquer matéria conflitando com as normas já existentes nos estados”.

A associação defende que o CNJ vem atuando como legislador, indo contra a competência atribuída ao Poder Legislativo. Na ADI contra a resolução do nepotismo, a Anamages sustenta que o CNJ “atenta contra o princípio federativo porque usurpa dos estados a competência para dispor sobre a matéria, além de afrontar a autonomia dos tribunais”.

Elpídio Donizetti esclarece que a Anamages defende a criação imediata de norma constitucional que regulamente a questão do nepotismo nos três poderes.

Leia a íntegra da ação

EXMO. SR. PRESIDENTE DO EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

“Solón não parece ter atribuído ao povo mais que o poder mínimo indispensável, a saber, o de eleger os magistrados e o de pedir-lhes contas pois, se não possuísse poder absoluto sequer nessa questão, o povo se sentiria como escravo e como adversário rancoroso da administração pública.” (Aristóteles, em Política)

A ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MAGISTRADOS ESTADUAIS – ANAMAGES, entidade civil que agrega a magistratura estadual em âmbito nacional, com sede em Brasília, na SCS QD 08, BL 50, Sala 701 – Asa Sul – Brasília, Cep. 70.000-000, devidamente registrada no Cartório do 2º Ofício das Pessoas Jurídicas de Brasília, na pessoa de seu Presidente Elpídio Donizetti Nunes, brasileiro, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (Unidade Francisco Sales), inscrito no CPF sob o nº. 323.069.546-15, domiciliado na Rua dos Sabiás, nº. 2.215, “Condomínio Estância Serrana”, Cep. 34.000-000, Município de Nova Lima-MG vem, respeitosamente à presença de V.Exa., por seus procuradores infra-assinados propor a presente

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

COM PEDIDO LIMINAR DE SUSPENSÃO DE ATO NORMATIVO,

em face dos artigos 1º, 2º, 3º e 5º da Resolução nº. 07, de 18 de outubro de 2005, editada pelo Egrégio CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, com endereço na Praça dos Três Poderes, Edifício Anexo II do Supremo Tribunal Federal, Cobertura, Brasília/DF, CEP 70175 – 900 nos termos do art. 102, inciso I, alínea ‘a’, da Constituição Federal e da Lei Federal n º 9.868, de 10 de novembro de 1998, no que passa a expor e ao final requerer o seguinte:

PRELIMINARMENTE

I – DA LEGITIMIDADE ATIVA:

1.1. DA NATUREZA DE ENTIDADE DE CLASSE DE ÂMBITO NACIONAL DA AUTORA

Conforme estabelece o art. 103, caput, da CF/88, bem como o art. 2º, IX, da Lei 9.868/99, entidade de classe de âmbito nacional possui legitimidade ativa para propor ação direta de inconstitucionalidade.

Art. 103 da CF/88: Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade: (…)


IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Art. 2º da L. 9868/99: Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade: (…)

IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Analisando no art. 2º do estatuto da entidade autora, devidamente registrado, verifica-se que a ANAMAGES possui como finalidade institucional a defesa dos direitos da classe dos Magistrados Estaduais de todo o país, além de obviamente buscar, por meio de sua atividade associativa, a defesa e o aperfeiçoamento do funcionamento dos Poderes Judiciários Estaduais:

“a) defender os direitos, garantias, prerrogativas, autonomia, interesses e reivindicações dos magistrados que integram a Justiça dos Estados da Federação, ativos e aposentados, e de seus pensionistas;

b) defender o fortalecimento das Justiças estaduais como instituições indispensáveis à preservação do federalismo, da ordem jurídica e do regime democrático;

c) defender os princípios e garantias da Magistratura Estadual, sua independência e autonomia financeira, administrativa e orçamentária, e a preservação de sua competência própria, inerente ao regime federativo;

d) promover a representação e a defesa judicial e extrajudicial dos direitos e interesses dos seus associados, podendo, para tanto, ajuizar mandado de segurança, individual ou coletivo e outras ações judiciais, independentemente de autorização de assembléia;”

Tratando-se, pois, o objeto desta ADI, de matéria pertinente à competência dos Juizes Estaduais, mais que evidente a legitimidade ativa da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais para propor a presente ação direta de inconstitucionalidade.

É certo que a jurisprudência desta corte tem restringido bastante a legitimidade de entidades de classe para propor ação direta de inconstitucionalidade como, por exemplo, exigindo que a entidade defenda interesses de categoria profissional, cujo conteúdo seja “imediatamente dirigido à idéia de profissão, – entendendo-se classe no sentido não de simples segmento social, de classe social, mas de categoria profissional” [ADI n. 89-3-DF; Rel. Min. Néri da Silvera]. Além do mais, não tem reconhecido legitimidade à entidade de classes de âmbito nacional compostas de pessoas jurídicas (verdadeiras associações de associações) [ADI n. 151-5/RS; Rel. Min. Sydney Sanches, DJ 10 de maio de 1996, p.

15129]. No entanto, estas restrições não atingem a legitimidade da entidade autora.

Aliás, há precedentes desse Egrégio Supremo Tribunal Federal que admite como parte legítima para figurar no pólo ativo de Ação Direta de Inconstitucionalidade, Associação de Magistrados de âmbito nacional.

Cite-se como exemplo a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº. 2136 –DF, Relator Ministro Gilmar Mendes, ajuizada pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE), tendo sido a decisão de deferimento da medida liminar publicada no DJ nº. 27 do dia 09.02.2004.

É importante esclarecer que a referida Associação (AJUFE), assim como a Autora (ANAMAGES), representam determinadas classes de Magistrados (a primeira os Juízes Federais e a segunda os Juízes Estaduais de todos os Estados do Brasil), ambas de âmbito nacional.

Podem-se mencionar ainda as seguintes ADI ajuizadas pela Associação Nacional dos Magistrados Trabalhistas (ANAMATRA): ADI 3291, DJMG 01.10.2004, Relatora Ministra Ellen Gracie; ADI 3308, Relator Ministro Gilmar Mendes; ADI 3250, DJMG 02.08.2004, Relator Ministro Marco Aurélio; ADI 3172, DJMG 18.05.2004, Relatora Ministra Ellen Gracie; e ADI 2885, DJMG 15.05.2003, Relatora Ministra Ellen Gracie.


Frise-se ainda ações diretas de inconstitucionalidade propostas pela própria Autora, reiterando-se, portanto, a legitimidade ativa da Anamages: ADI 3321, ADI 3486, ADI 3493. Enfim, conforme estatuto em anexo, a ANAMAGES tem a finalidade de defender os interesses de todos os magistrados integrantes da Justiça Estadual de primeiro e segundo grau em âmbito nacional. Assim, a ANAMAGES é entidade legitimada constitucionalmente a propor ADI. Por todo o exposto, não há dúvidas acerca da legitimidade ativa da Associação Autora.

1.2. DA PERTINÊNCIA TEMÁTICA:

A pertinência temática é requisito objetivo que consiste na existência de relação entre a atividade de representação da entidade legitimada como autora e o objeto próprio da ação. Exige-se, portanto, que a entidade autora tenha interesse jurídico na pretensão que formula perante o Supremo Tribunal Federal.

Apesar de não haver norma expressa quanto a essa exigência, a jurisprudência dessa Corte, já consolidou entendimento no sentido de que as entidades de âmbito nacional devem demonstrar a prova de pertinência temática para questionar a constitucionalidade de uma determinada norma: ver ADI 1.096-4 – RS – DJ, 22 de set. de 1995. p. 30.589, Rel. Celso de Mello.

Na presente ação, a pertinência temática é evidente, haja vista que os dispositivos impugnados interferem diretamente na forma de organizar e estruturar a atividade jurisdicional dos magistrados estaduais. Em outras palavras: a presente ação tem a pretensão de defender a autonomia dos tribunais e juízos estaduais, o que constitui interesse dos magistrados estaduais de todo o país.

Dessa forma, não resta dúvida quanto ao cumprimento da exigência da pertinência temática entre a autora (ANAMAGES) e os dispositivos atacados da Resolução n. 07/2005, editada pelo Conselho Nacional de Justiça.

II – DA NATUREZA DE “ATO NORMATIVO” DA RESOLUÇÃO

N. 07 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

Primeiramente, a associação autora pede licença para transcrever o dispositivo impugnado:

“RESOLUÇÃO Nº. 07, DE 18 DE OUTUBRO DE 2005

Disciplina o exercício de cargos, empregos e funções por parentes, cônjuges e companheiros de magistrados e de servidores investidos em cargos de direção e assessoramento, no âmbito dos órgãos do Poder Judiciário e dá outras providências.

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suas atribuições,

CONSIDERANDO que, nos termos do disposto no art. 103-B, § 4º, II, da Constituição Federal, compete ao Conselho zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei;

CONSIDERANDO que a Administração Pública encontra-se submetida aos princípios da moralidade e da impessoalidade consagrados no art. 37, caput, da Constituição;

RESOLVE

Art. 1 º – É vedada a prática de nepotismo no âmbito de todos os órgãos do Poder Judiciário, sendo nulos os atos assim caracterizados;


Art. 2 º – Constituem práticas de nepotismo, dentro outras:

I – o exercício de cargo de provimento em comissão ou de função gratificada, no âmbito da jurisdição de cada Tribunal ou Juízo, por cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros ou juízes vinculados;

II- o exercício, em tribunais diversos, de cargos de provimento em comissão, ou de funções gratificadas, por cônjuges, companheiros ou parentes em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, de dois ou mais magistrados, ou de servidores investidos em cargos de direção ou de assessoramento, em circunstâncias que caracterizem ajuste para burlar a regra do inciso anterior mediante reciprocidade nas nomeações ou designações;

III – o exercício de cargo de provimento em comissão ou de função gratificada, no âmbito da jurisdição de cada tribunal ou juízo, por cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, de qualquer servidor em cargo de direção ou assessoramento;

IV- a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive dos respectivos membros ou juízes vinculados, bem como de qualquer servidor investido em cargo de direção ou de assessoramento;

V – a contratação, em casos excepcionais de dispensa ou de inexigibilidade de licitação, de pessoa jurídica da qual sejam sócios cônjuge, companheiro ou parente em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros ou juízes vinculados, ou servidor investido em cargo de direção ou assessoramento;

§ 1º – Ficam excepcionadas, nas hipóteses dos incisos I, II e III deste artigo, as nomeações ou designações de servidores ocupantes de cargo de provimento efetivo das carreiras judiciárias, admitidos mediante concurso público, observada a compatibilidade do grau de escolaridade do cargo de origem, a qualificação profissional do servidor e a complexidade inerente ao cargo em comissão a ser exercido, vedada, em qualquer caso a nomeação ou designação para servir subordinado ao magistrado ou servidor determinante de incompatibilidade;

§ 2º – A vedação constante no inciso IV deste artigo não se aplica quando a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público houver sido precedida de regular processo seletivo, em cumprimento a preceito legal;

Art. 3º – São vedadas a contratação e a manutenção de contrato de prestação de serviços com empresa que tenha entre seus empregados cônjuges, companheiros ou parentes em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, de ocupantes de cargo de direção e de assessoramento, de membros ou juízes vinculados ao respectivo Tribunal contratante;

Art. 4º – O nomeado ou designado, antes da posse, declarará por escrito não ter relação familiar ou de parentesco que importe prática vedada na forma do artigo 2º;

Art. 5º – Os presidentes dos Tribunais, dentro de noventa dias, contado da publicação deste ato, promoverão a exoneração dos atuais ocupantes de cargos em provimento em comissão e de funções gratificadas, nas situações previstas no art. 2º, comunicando a este Conselho;

Parágrafo Único: Os atos de exoneração produzirão efeitos a contar de suas respectivas publicações;


Art. 6º – O Conselho Nacional de Justiça, em cento e oitenta dias, com base nas informações colhidas pela Comissão de Estatística, analisará a relação entre cargos de provimento efetivo e cargos de provimento em comissão, em todos os Tribunais, visando à elaboração de políticas que privilegiem mecanismos de acesso ao serviço público baseados em processos objetivos de aferição de mérito.

Art. 7º – Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

De acordo com o art. 102, I, “a”, da Constituição da República, a Ação Direta de Inconstitucionalidade poderá, na forma da lei, ter por objeto lei ou ato normativo federal ou estadual:

Art. 102. (omissis)

(…)

I – Processar e julgar, originariamente:

a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;(…)

Assim, conforme as lições de Alexandre de Moraes, deverá ser considerado como ato normativo, para fins de controle de constitucionalidade, o ato que “encerra um dever-ser e veicula, em seu conteúdo, enquanto manifestação subordinante de vontade, uma prescrição destinada a ser cumprida pelos órgãos destinatários”[1].

Ora, a Resolução do Conselho Nacional de Justiça, em seu art. 1º, veda a prática de nepotismo, apresentando nos artigos seguintes a definição sobre o que se considera nepotismo. Além disso, no art. 5° veicula aos Presidentes dos Tribunais uma prescrição, qual seja, a exoneração em 90 (noventa) dias daqueles que ocupam cargos de provimento em comissão e de funções gratificadas nas situações definidas como prática de nepotismo.

Ainda conforme o citado autor, são considerados atos normativos resoluções administrativas dos Tribunais de Justiça, assim como as deliberações administrativas de outros órgãos do Poder Judiciário[2].

No mesmo sentido, a jurisprudência do Egrégio Supremo Tribunal Federal entende que as resoluções administrativas de tribunais que atendam aos requisitos de generalidade, autonomia jurídica, impessoalidade e eficácia vinculante constituem atos normativos sujeitos ao controle abstrato de constitucionalidade, senão veja-se:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – RESOLUÇÕES ADMINISTRATIVAS EDITADAS PELO TRT/23ª REGIÃO – CARÁTER NORMATIVO – PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE IDÊNTICA CONTROVÉRSIA, FIRMADOS EM SEDE DE MERA DELIBAÇÃO – EFICÁCIA EX TUNC DA SUSPENSÃO CAUTELAR – POSIBILIDADE – MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. RESOLUÇÕES ADMINISTRATIVAS EMANADAS DE TRIBUNAIS JUDICIÁRIOS, DESDE QUE REVESTIDAS DE CONTEÚDO NORMATIVO, QUALIFICAM-SE COMO ESPÉCIES ESTATAIS SUSCETÍVEIS DE FISCALIZAÇÃO CONCENTRADA DE CONSTITUCIONALIDADE. (STF, Plenário, ADIMC n° 2.195, Relator Ministro Celso de Mello, DJ 09.02.2001).

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 138/436), em tema fiscalização concentrada de constitucionalidade, firmou-se no sentido de que a instauração desse controle somente tem pertinência, se o ato estatal questionado assumir a qualificação de espécie normativa, cujas notas tipológicas derivam da conjugação de diversos elementos inerentes e essenciais à sua própria compreensão: (a) coeficiente de generalidade abstrata, (b) autonomia jurídica, (c) impessoalidade e (d) eficácia vinculante das prescrições dele constantes.


(…)”

Assim, em se tratando de uma espécie normativa e ainda considerada ato normativo, inequívoco é o cabimento da presente ação face à resolução n.° 7 do Conselho Nacional de Justiça.

DO MÉRITO

III – DO HISTÓRICO NECESSÁRIO E OS ASPECTOS QUE PERMEIAM O ACESSO AOS CARGOS E FUNÇÕES EM CONSONÂNCIA COM O PRINCÍPIO REPUBLICANO

Ab initio, importa resgatar os pressupostos estruturantes do paradigma do Estado Democrático de Direito (art. 1º, caput, da CF/88) que fazem do Poder Judiciário um dos vértices principais na atual arquitetura constitucional.

Nesse sentido, a função da aplicabilidade das leis não é assumida apenas por instâncias no horizonte da dogmática jurídica e da esfera pública jurídica, mas na lição de Peter Häberle[3], por todo aquele que vive no contexto regulado por uma norma e vive com este contexto é, direta ou indiretamente, um intérprete dessa norma, ou seja, mesmo quem não ler a Constituição passa a ser o seu intérprete dado o horizonte de sentido compartilhado por todos os membros dessa comunidade.

Assim, a tensão entre a validade e a facticidade, inerente ao direito é manifestada na jurisdição como a tensão permanente entre o princípio da segurança jurídica e a pretensão de se tomar decisões corretas. Deveras, pois, o direito moderno passa a ser considerado instrumento de resolver problemas complexos de modo a garantir, de um lado, a implementação de expectativas de comportamento sancionadas pelo Estado e, com isso, a segurança jurídica. Por outro lado, conforme orienta Jürgen Habermas, os processos racionais de normatização e de aplicação do direito prometem a legitimidade das expectativas de comportamento assim estabilizadas, expondo que:

“ Não basta transformar as pretensões conflitantes em pretensões jurídicas e decidi-las obrigatoriamente perante o tribunal, pelo caminho da ação. Para preencher a função socialmente integradora da ordem jurídica e da pretensão de legitimidade do direito, os juízos emitidos têm que satisfazer simultaneamente às condições da aceitabilidade racional e da decisão consistente.” [4] (Grifamos)

Neste diapasão, temos que transformação pela qual passa a doutrina do Direito Administrativo, vista atualmente como o Direito Constitucional Aplicado, ao abandonar a reduzida perspectiva exclusivamente estatal que até poucas décadas configurava esse domínio prático e teórico, como um ‘quintal privado’, reservado exclusivamente ao administrador em nome de um suposto interesse público, denota a vertente de que público não é estatal. Dessa forma, a doutrina constitucional assim se posiciona:

“ Hoje nos é dado ver claramente que o público não se reduz ao estatal, pelo contrário, sabemos que sempre que essa redução ocorre, estaremos diante da privatização do público, passível de ser objeto do controle de constitucionalidade. Os denominados conceitos abertos indeterminados levaram-nos, com Garcia de Enterría, por exemplo, a ver que o poder discricionário da administração não é sinônimo de uma autorização em branco dos administrados dada à mesma, mas que, ao contrário, tratam-se de conceitos determináveis, que sempre são aplicados em um certa situação concreta dada, e que as especificidades da situação de aplicação exigem, a cada caso, uma única e determinada postura ou ação jurídica e constitucionalmente vinculada da Administração.[5] (Grifamos)


Verifica-se que tal exercício de reconstrução jurídico-doutrinária está a permear a perspectiva do Estado Democrático de

Direito que leva-nos a buscar assegurar a imparcialidade na aplicação do Direito de modo muito mais complexo que outrora e, portanto, muito mais capaz de lidar com o risco de inadequações sempre presentes na atividade administrativa.

Com essa perspectiva verifica-se que nunca foi tão oportuna a discussão acerca do exercício de cargos, empregos e funções por parentes, cônjuges e companheiros de magistrados e de servidores investidos em cargos de direção e assessoramento no âmbito do Poder Público.

Cabe ressaltar, assim, que é louvável a preocupação do Conselho Nacional de Justiça e de todas as autoridades que se mobilizam contra o nepotismo e a contração de parentes para os cargos de confiança.

No âmbito do Poder Judiciário a Autora tem buscado de forma incessante a postura que ilida privilégios mediante vínculos de parentesco visando defender o princípio republicano de igual oportunidade e aferição meritória no acesso aos ao exercício de cargos, empregos e funções públicas.

De fato, a própria Constituição da República consagrou o Princípio do Concurso Público, de onde se infere a exigência de prévia aprovação em concurso de provas ou de provas e títulos como condição de ingresso efetivo no serviço público. Tal exigência visa à efetivação de outro preceito constitucional, o da ampla acessibilidade aos cargos, empregos e funções públicas, de forma a garantir o respeito aos Princípios Republicano e da Isonomia.

Dessa forma, a contratação de parentes pelos membros dos Tribunais ou juízes para cargos em comissão ou função gratificada, sem a prévia aprovação em concurso público, representa uma grave afronta à ideologia constitucional brasileira.

O que se percebe na realidade é que a contratação de parentes na Administração Pública tornou-se uma prática reiterada e, absurdamente tolerada.

Ora, tal conduta dos administradores públicos parece querer retornar ao inaceitável Spoils System[6], sistema vigente nos Estados Unidos no período de 1845 a 1865, no qual os funcionários eram nomeados por tempo indeterminado, porém sem qualquer garantia de estabilidade. A vitória nas eleições presidenciais possibilitava a demissão em massa dos funcionários públicos para que pudessem substituí-los por outros de sua estrita confiança política. Assim, as eleições presidenciais norte americanas tinham como prêmio adicional o controle do serviço civil.

Apesar de há muito o Brasil ter se libertado deste sistema injusto e imparcial de contratação, a realidade parece ainda demonstrar sua predominância.

O ordenamento jurídico brasileiro atual adota, em tese, o sistema de mérito, insurgindo-se contra os abusos e fraudes ocorridos no passado da Administração Pública brasileira, visando admitir candidatos mais bem preparados para satisfazer os interesses públicos que incumbem ao Estado.

Contudo, o sistema de mérito parece letra morta perante a Administração Pública, que insiste em contratar parentes dos membros de Tribunais e Juízes, em escancarada inobservância ao princípio da isonomia, da efetividade, da moralidade e da imparcialidade.

Assim, merece respeito e consideração toda e qualquer movimentação visando erradicar prática tão repugnante, que atenta contra os princípios basilares do Estado Brasileiro.

Conforme já mencionado, independentemente da Resolução n° 07 do Conselho Nacional de Justiça, a Constituição de República de 1988 já repudiava a nomeação de parentes para cargos de confiança, uma vez que nela foram acolhidos expressamente o princípio da isonomia (art. 5°, caput), o princípio da impessoalidade (CF, art. 37, caput) e o princípio da moralidade (CF, art. 37, caput). Esses princípios impossibilitam o exercício da competência administrativa para obter proveito pessoal ou qualquer espécie de favoritismo, assim como impõe a necessária obediência aos preceitos éticos, especialmente os relacionados à indisponibilidade do interesse público.


Assim, a Resolução nº. 07/05 veio tão somente explicitar o que já estava claro na Constituição Federal, uma vez que os preceitos constitucionais invocados são auto-aplicáveis e não dependem de lei para serem concretizados. Daí porque a presente questão não diz respeito ao cumprimento ou não da norma legal e sim ao cumprimento dos preceitos constitucionais invocados, que incidem forçosa e diretamente sobre a hipótese presente.

Se houvesse por parte da Administração Pública, interesse em cumprir as normas constitucionais, não haveria necessidade da edição da Resolução n° 07/05, já que seria conseqüência necessária da eficácia imediata dos princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade a extinção de todos os atos de nomeação de parentes no Âmbito da Administração Pública, em qualquer de seus poderes, desde 05 de outubro de 1988.

No entanto, diante da omissão deliberada da Administração Pública em executar os referidos princípios constitucionais, foi necessária a edição da Resolução nº07/05 para reforçar uma proibição que já constava dela de uma forma inequívoca.

Por outro lado, não se pode adotar a filosofia maquiavélica segundo a qual “os fins justificam os meios” para embasar a edição da citada Resolução, pois assim, a autonomia do Poder do Judiciário, bem como o princípio da separação dos poderes, estariam sendo ignorados.

Não se pode descurar da necessidade de guardar as prerrogativas institucionais do exercício da magistratura que buscam o fortalecimento das Justiças estaduais como instituições indispensáveis à preservação do federalismo.

Lembre-se de que o princípio da separação dos poderes é excepcionado por meio do controle de constitucionalidade das leis pelo Poder Judiciário (sistema de freios e contrapesos). Caso o Conselho Nacional de Justiça pudesse fazer pouco caso de uma lei formal, devidamente votada e aprovada pelo Legislativo, com base no seu “poder regulamentar”, tratar-se-ia de afronta ao princípio da separação dos poderes em virtude de interferência do Judiciário, não autorizada pela Constituição.

Ressalte-se o Conselho Nacional de Justiça é um órgão do Poder Judiciário, criado a partir da emenda Constitucional n° 45/2004, ao qual comete o exercício de atribuições administrativas, e não jurisdicionais.

Daí dizer-se da violação do Princípio da Separação dos Poderes, uma vez que no exercício de suas funções administrativas o Conselho Nacional de Justiça usurpou tarefa cabível ao Judiciário.

O Conselho Nacional de Justiça com esse ato normativo acabou por violar os princípios constitucionais da isonomia, da impessoalidade e da moralidade administrativas, uma vez que a proibição do nepotismo decorre diretamente dos mesmos.

IV – DA TENDÊNCIA CENTRALIZADORA E DA MANIFESTA INFRAÇÃO AO PRINCÍPIO DO FEDERALISMO E À AUTONOMIA DOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA

Ao resgatar a formação do Estado brasileiro se constata a predominância histórica do ente central, a União, em face das demais autonomias federativas como bem constatou José Luiz Quadros de Magalhães:

“O pacto federal, o regime de distribuição de competências e a necessidade de fazer avançar o nosso modelo federal centrífugo. O nosso federalismo se encontra fortemente comprometido, assim como nossa democracia por um governo federal altamente centralizador e autoritário, portanto, inconstitucional.”[7]

(Grifamos)

No âmbito do Pode Judiciário não será diferente caso permaneça a Resolução n º 07 que deixa patente a tendência do Conselho Nacional de Justiça de, mediante mero ato administrativo, retirar a autonomia político-administrativa dos tribunais estaduais.

Essa atitude pode trazer sérios gravames ao já combalido equilíbrio federativo como já indicava o Visconde de Uruguai nos primórdios da fundação do Estado Imperial brasileiro, in verbis:

“A centralização, quando é excessiva, produz graves inconvenientes, principalmente em um país como o nosso, extensíssimo (…) A centralização é um princípio cujo tipo se encontra na natureza orgânica. Existe um todas as criaturas viventes um centro de ação e de vida, cujas numerosas ramificações, por meio do benefício de um movimento contínuo levem o sangue a todas as partes do corpo, e o tornam incessantemente ao coração, donde sai de novo mais nutriente, mais substancial e mais puro. Esta concepção cujo mecanismo é tão simples, mas tão admirável, é obra prima da criação, tão rica de obras primas. O coração não concentra em si toda a força e vida; não absorve, por um modo exclusivo, todas as potências e todas as faculdades das outras partes do corpo. Pelo contrário compraz-se, pelo trabalho incessante de sua maravilhosa evolução vital, em restituir sem cessar o que recebeu, em derramar incessantemente sobre todos os membros do corpo, aos quais dá a vida, a beleza, o calor, a inteligência e a força.”[8] (Grifamos)


É o momento deste Tribunal da Federação cumprir sua função histórica de ser a instituição ‘contra majoritária’ que, diante de um quadro majoritário dinamizado pela opinião pública açodada por inúmeros escândalos no âmbito do Poder Público ‘etiqueta’ de defensor do nepotismo todo aquele que, no mínimo, pede respeito “às regras do jogo” , conforme assinalava o senador italiano e filósofo, Norberto Bobbio em sua obra “o Futuro de Democracia”

Do contrário, o equilíbrio federativo estará ainda mais em risco por imperativo categórico da implementação da ‘democracia como a ditadura da maioria’, o que é inconcebível no atual paradigma do Estado Democrático de Direito.

V – DA INCOMPETÊNCIA DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA PARA EXERCER O CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE DE ATOS LEGISLATIVOS

A emenda n° 45/2004, responsável pela criação do Conselho Nacional de Justiça, incluiu no texto constitucional o artigo 103-B, que assim dispõe sobre as competências do CNJ:

Art. 103-B. (omissis)

(…)

§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:

I – zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;

II – zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União;

III – receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;

IV – representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade;

V – rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano;

VI – elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário;

VII – elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre a situação do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa.

(…)

Analisando-se os incisos II e III do art. 103-B, § 4º, percebe-se que o Conselho Nacional de Justiça possui competência para controlar os atos editados pelo Poder Judiciário no exercício da função administrativa.

De fato, é de se reconhecer que não se trata de mera análise de legalidade stricto sensu dos atos administrativos, haja vista que a Constituição determina expressamente a aplicação de seu art. 37, ou seja, a aplicação dos princípios constitucionais da Administração Pública sobre as condutas do Poder Judiciário.

Ademais, há que se observar que eventual inexistência de menção ao art. 37 não acarretaria a impossibilidade de sua aplicação, haja vista que o princípio da legalidade da Administração deve significar a adequação das condutas estatais a todo o ordenamento jurídico, respeitando-se, principalmente, a Constituição da República, fundamento de validade de todo o ordenamento jurídico. A esse respeito leciona com maestria a professora e Conselheira do Conselho Nacional de Justiça Germana de Oliveira Moraes:


Aduz-se ao controle da legalidade, a que antes era circunscrito o Poder Judiciário, o controle da constitucionalidade das leis, e por via oblíqua ou reflexa, da constitucionalidade dos atos administrativos. Permite-se ao Juiz, ademais, para além da verificação da conformidade do ato administrativo com a lei, o exame de sua compatibilidade com outros princípios constitucionais, além da legalidade[9].

Portanto, dúvidas não há sobre a competência do CNJ para declarar a ilegalidade e/ou a inconstitucionalidade de atos administrativos editados pelos Juízos e Tribunais.

Observe-se ainda que o art. 103-B, § 4º, I prevê a competência do CNJ para editar atos regulamentares no intuito de adequar as condutas do Judiciário às regras e aos princípios constitucionais e legais.

Ocorre que entre as competências do Conselho Nacional de Justiça não se encontra o poder de fiscalizar a constitucionalidade de leis, mas apenas de atos administrativos em face das leis ou, em caráter subsidiário ou supletivo, nas hipóteses em que não exista lei tratando da matéria. Caso seja editado ato administrativo com base em lei federal ou estadual, não pode o CNJ declarar a inconstitucionalidade da lei no intuito de anular o ato, haja vista que o controle de constitucionalidade é privativo do Judiciário no exercício da função jurisdicional, de acordo com as competências estabelecidas pela Constituição de 1988 e pela legislação processual civil.

No caso em tela, a incompetência do Conselho Nacional de Justiça é ainda mais flagrante, haja vista que exerceu sua competência regulamentar em detrimento de leis formais, editadas de acordo com o processo legislativo constitucional. Como não foram ressalvadas as nomeações e contratações de parentes e afins no âmbito dos juízos e tribunais que já têm lei formal tratando da matéria, pretender-se que a Resolução n. 07/05 prevaleça sobre as leis estaduais significa fiscalizar, em tese, a constitucionalidade das leis.

Não se pode ignorar a competência constitucional atribuída ao Supremo Tribunal Federal enquanto “guardião da Constituição”, disposta no artigo 102, senão veja-se:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I – processar e julgar, originariamente:

a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;(…)

Da mesma forma, a legitimidade para a propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade também não pode se ignorada:

Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:

I – o Presidente da República;

II – a Mesa do Senado Federal;

III – a Mesa da Câmara dos Deputados;

IV – a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;

V – o Governador de Estado ou do Distrito Federal;

VI – o Procurador-Geral da República;

VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;


VIII – partido político com representação no Congresso Nacional;

IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

(…)

Pela simples leitura dos artigos 102, 103 e 103-B da CR/88, conclui-se que a competência do Supremo Tribunal Federal e a legitimidade das autoridades tidas como legítimas para propor Ação Direta de Inconstitucionalidade foram usurpadas pelo Conselho Nacional de Justiça ao editar a Resolução n. 07/2005.

Além de ter usurpado a competência do Supremo Tribunal Federal e das autoridades previstas no art. 103 da CR/88, a Resolução n. 07/05 legislou sobre a matéria, usurpando a competência dos Estados-membros (mediante lei de iniciativa privativa dos tribunais) para cuidar de assuntos inerentes à sua organização administrativa. Trata-se, pois, de gritante afronta ao princípio da Separação dos Poderes (art. 2º da CR/88), como também à autonomia dos Tribunais e Juízos Estaduais, o que reflete, sem sombra de dúvidas, na configuração do princípio federativo adotado pela Constituição de 1988.

Por exemplo: ao vedar a prática do nepotismo, a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul proíbe a contratação de parentes até o segundo grau, in verbis:

“Art. 20.(…)§ 5º – Os cargos em comissão não podem ser ocupados por cônjuges ou companheiros e parentes, consangüíneos, afins ou por adoção, até o segundo grau.”

Já a Resolução do Conselho Nacional de Justiça proíbe a contratação até o terceiro grau. Trata-se, na verdade de ponderação realizada pelo Constituinte Decorrente do Estado sulista, que entendeu que a partir do terceiro grau deve prevalecer o direito do parente de trabalhar, nos termos do art. 5º, inciso XIII. Não pode o Conselho Nacional de Justiça pretender impor sua interpretação acerca do conflito entre princípios constitucionais, no caso o princípio da moralidade (art. 37) e o princípio da liberdade de trabalho, ofício ou profissão (art. 5º, XIII). Somente o Supremo Tribunal Federal, mediante provocação, tem competência para declarar abstratamente a inconstitucionalidade de atos normativos editados pelo Poder Legislativo.

Pleiteia a Associação Nacional dos Magistrados Estaduais – Anamages, pois, a declaração de inconstitucionalidade, sem redução de texto, dos artigos 1º, 2º, 3º e 5º da Resolução n. 07/2005, de modo que tais dispositivos não tenham aplicação nos tribunais e juízos estaduais que já sejam regidos por leis que tratam da contratação de parentes e afins no âmbito do Poder Judiciário.

Portanto, no âmbito dos tribunais e juízos estaduais cujas Casas Legislativas ainda não tenham tratado da matéria, a Resolução n. 07/2005 deverá ter plena eficácia.

Entretanto, nos Estados-membros em que o legislador local já tratou da contratação de parentes e afins no âmbito dos Tribunais de Justiça e dos juízos estaduais, a Resolução n. 07/05 não pode produzir efeitos. Trata-se pois, de caso de aplicação da interpretação conforme à Constituição dos artigos 1º, 2º, 3º e 5º da citada Resolução ou, como preferem alguns, de declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos apontados sem a redução de seu texto.

Em face do princípio constitucional da moralidade administrativa, concorda a autora que o nepotismo deve ser abolido da Administração Pública brasileira. Contudo, cabe a cada ente federativo, ao estruturar e organizar seus tribunais e juízos, regulamentarem os termos em que se proíbe o nepotismo.

Apenas nos casos de omissão legislativa, ou seja, nos casos em que não haja lei tratando da matéria, é que se poderá aplicar a Resolução n. 07/05 do CNJ.

VI – DA NECESSÁRIA DISTINÇÃO ENTRE “SILÊNCIO ELOQÜENTE” E “OMISSÃO INVOLUNTÁRIA”


É importante observar ainda que mesmo nos Estados-membros em a lei local seja menos abrangente do que a Resolução n. 07/2005, não há que se aplicar o ato normativo editado pelo Conselho Nacional de Justiça.

No exercício de sua competência legislativa, os Estados-membros regulamentam o art. 37 da Constituição de 1988, estabelecendo o que se entende por nepotismo, não restando ao CNJ competência para “discordar” da avaliação feita pelo legislador estadual.

Dessa forma, ainda que, por exemplo, a lei de algum ente federativo não proíba a contratação, pelo respectivo Tribunal de Justiça, de pessoas jurídicas das quais sejam sócios cônjuge, companheiro ou parente dos respectivos membros ou juízes vinculados, não poderá ser aplicado o inciso V do art. 2º da Resolução n. 07/2005, dispositivo que veda tal contratação.

Em tais hipóteses, trata-se de “silêncio eloqüente” do legislador, e não de mera omissão involuntária, ou seja, no exercício de sua autonomia, o legislador estadual preferiu, intencionalmente, não proibir a contratação de pessoas jurídicas das quais sejam sócios membros dos respectivos tribunais ou juízes a eles vinculados.

Mais uma vez, deve ser respeitada a autonomia dos tribunais e das Casas Legislativas locais, não podendo a Resolução n. 07/2005 sobrepor-se a qualquer ato legislativo estadual.

Caso não haja qualquer lei estadual tratando da matéria, aí sim terá eficácia a Resolução n. 07/2005.

VII – DA NECESSIDADE DE SUSPENSÃO LIMINAR DA EFICÁCIA DOS ARTIGOS 1º, 2º, 3º E 5º DA RESOLUÇÃO N. 07/2005

Conforme devidamente demonstrado pelos argumentos acima apresentados, fundamentada a não mais poder a inconstitucionalidade dos dispositivos ora impugnados.

Não há dúvidas da plausibilidade jurídica dos fundamentos que sustentam a afronta direta aos princípios constitucionais da separação do poderes e da autonomia do Poder Judiciário, além de ofensa ao pacto federativo.

Quanto ao periculum in mora, é evidente a necessidade da intervenção imediata do Supremo Tribunal Federal no intuito de restabelecer a normalidade do ordenamento jurídico, de modo que as normas legais e as administrativas editadas pelo CNJ possam conviver em harmonia. É natural que um órgão recém-criado, com competências inovadoras, leve algum tempo para estabilizar sua competência, sendo, neste aspecto, extremamente relevante a intervenção do STF.

Além disso, não se pode perder de vista o aspecto social, sendo evidente que até o julgamento final da presente ação, diversas pessoas ocupantes de cargos de provimento em comissão ou de função gratificada serão dispensadas injusta e indevidamente.

E mais, conforme demonstrado, caso sejam aplicados os dispositivos da Resolução-CNJ n. 07/05, restará configurada ofensa a princípio basilar do Estado Democrático de Direito: o princípio da separação dos poderes.

Demonstra-se evidente o perigo da demora pela espera da solução definitiva. Isso porque até lá diversos funcionários públicos serão despedidos indevidamente, tendo seu direito restringido por procedimentos gritantemente inconstitucionais.


Dessa forma, torna-se necessária a suspensão liminar e imediata da eficácia dos dispositivos regimentais em apreço, evitando-se assim que novas ilegalidades sejam praticadas durante a espera pelo solução da presente ação.

VIII – DOS PEDIDOS:

Em face do exposto, a entidade Autora requer:

A) A solicitação de informações ao Conselho Nacional de Justiça para que se manifeste no prazo legal;

B) A citação do Advogado-Geral da União, conforme o §3º do art. 102, CR/88;

C) A intimação do Procurador-Geral da República, para que se manifeste, no prazo legal, conforme o §1° do art. 102, CR/88;

D) A suspensão liminar dos art. 1º, 2º, 3º e 5º da Resolução n. 07/2005, tendo em vista os graves transtornos e lesões a direitos de difícil reparação, casos os dispositivos sejam aplicados;

E) O conhecimento da presente ação com o julgamento final de sua procedência para os fins de:

1. Declarar a inconstitucionalidade dos art. 1º, 2º, 3º e 5º

da Resolução n. 07/2005, editada pelo Conselho Nacional de Justiça, com efeitos ex tunc (caso não seja concedida a medida liminar), utilizando-se da interpretação conforme à Constituição, sem redução de texto, reconhecendo a inconstitucionalidade da interpretação que aplique os dispositivos impugnados no âmbito dos Tribunais de Justiça e juízos estaduais em que tenha sido editada lei acerca da contratação de parentes e afins;

F) Por fim, requer sejam as intimações pela Imprensa Oficial publicadas no nome do procurador ao abaixo, e que as intimações pessoais sejam enviadas para o seguinte endereço:

Gustavo Alexandre Magalhães – OAB-MG 88.124

Rua Paraíba, nº. 330 / Sala 911 –Funcionários – Belo Horizonte – MG.


Tel. (31) 3274-4000 / (31) 9217-3184

Dá-se a causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais)

Termos em que pede deferimento.

Belo Horizonte, 16 de novembro de 2005

Gustavo Alexandre Magalhães

OAB-MG 88.124

Abraão Soares dos Santos

OAB-MG 75.630

David Oliveira Lima Rocha

OAB-MG 98.735


[1] DE MORAIS, Alexandre. Direito Constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 657.

[2] DE MORAIS, op. cit. (n.), p. 657.

[3] HÄBERLE, Peter. A comunidade aberta dos intérpretes da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre: SAFE;

[4] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia entre facticidade e validade. Trad. Flávio Beno Siebenerchler, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, vol. I, 1997, 246p.

[5] CARVALHO NETTO, Menelick. A contribuição do Direito Administrativo enfocado da ótica do administrado para uma reflexão acerca dos fundamentos do controle de constitucionalidade das leis no Brasil: um pequeno exercício de Teoria da Constituição, Belo Horizonte: UFMG, março/2001

[6] O nome spoils system deve-se a uma famosa frase do Presidente Jackson, de 1829: “To the victors belong the spoils”, a qual pode ser traduzida para o português como “Aos vencedores pertencem as vantagens”. Assemelha-se muito à não menos famosa frase de Machado de Assis: “Ao vencedor, as batatas”. Traduzindo-se literalmente, spoils system significa “sistema de recompensas”, ou “sistema de vantagens”.

[7] MAGALHÃES, José Luiz Quadros. Pacto federativo. Belo Horizonte: Ed. Mandamentos, pp. 15;

[8] URUGUAI, Paulino José Soares de Souza, Visconde de. Ensaio sobre o Direito Administrativo. Apresentação de Nelson A. Jobim. Introdução de Célio Borja. Série ‘Arquivos do Ministério da Justiça”, Brasília: Ministério da Justiça, 1997, pp.357.

[9] MORAES, Germana de Oliveira. Controle Jurisdicional da Administração Pública. São Paulo: Dialética, 1999, p. 23.

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