Preso por corrupção

STF manda soltar juiz capixaba acusado de assassinato

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23 de novembro de 2005, 20h30

O juiz afastado Antônio Leopoldo Teixeira, do Espírito Santo, acusado de corrupção e de mandar matar um colega, deve ser solto imediatamente. O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, concedeu Habeas Corpus para ele nesta quarta-feira (23/11). A defesa alegava que o juiz estava preso preventivamente há mais de 210 dias.

O juiz é acusado de ser o mandante do homicídio de outro juiz capixaba em março de 2003. Ele foi afastado pelo pleno do Tribunal de Justiça do Espírito Santo no dia 28 de março, após ter seu nome envolvido nas investigações do assassinato.

Teixeira estava preso, no entanto, acusado de cometer o crime de corrupção quando estava à frente da Vara de Execuções Criminais. Em sua defesa, os advogados alegaram demora na apreciação do julgamento de outro Habeas Corpus no Superior Tribunal de Justiça. Segundo a defesa, a demora se deve a existência de equívocos: o STJ solicitou informações ao Tribunal de Justiça de São Paulo, enquanto a ação penal contra ele tramita no TJ capixaba.

Ao conceder o HC, o ministro Marco Aurélio afirmou que mostra-se adequada “a impetração quando configurado o cerceio, por ato ilegal ou fruto de abuso de poder, à liberdade de ir e vir”. Ele observou que a prisão preventiva foi decretada em ação penal por corrupção, após o juiz ter obtido liminar no Habeas Corpus 86.213, proveniente da ação penal em que Teixeira responde por homicídio.

De acordo com Marco Aurélio, o TJ do Espírito Santo, ao decretar a prisão preventiva do juiz pelo crime de corrupção, sustentou a reiteração de práticas delituosas contra a sociedade, além da possibilidade do acusado tumultuar o andamento da ação penal.

O ministro do STF discordou desse argumento. Para ele, “o magistrado, distanciado do ofício judicante, não tem, a princípio, como interferir sendo indispensável, de qualquer forma, para dar-se ênfase ao enfoque a existência de ato concreto”.

Veja a íntegra da decisão

HABEAS CORPUS 87.076-7 ESPÍRITO SANTO

RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO

PACIENTE(S) : ANTÔNIO LEOPOLDO TEIXEIRA

IMPETRANTE(S) : PEDRO AURELIO ROSA DE FARIAS E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES) : RELATOR DO HC 46.965 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO

PRISÃO PREVENTIVA – FUNDAMENTOS E EXCESSO DE PRAZO – LIMINAR – DEFERIMENTO.

1. Os advogados Pedro Aurelio Rosa de Farias, Rodrigo Otávio Guimarães e Fabrício de Oliveira Campos ajuízam este habeas corpus em favor de Antônio Leopoldo Teixeira. Em síntese, revelam a protocolação de idêntica ação no Superior Tribunal de Justiça, tendo em conta ato praticado pelo relator da Ação Penal Originária nº 100.050.020.070, em curso no Tribunal de Justiça do Espírito Santo.

Sob o ângulo da cronologia de medidas judiciais, apontam a impetração no Supremo, em face de ato diverso, também a consubstanciar a custódia, do Habeas Corpus nº 86.213-6/ES, no qual deferida liminar. Seguira-se nova ordem de prisão, decretada pela Justiça Estadual, não frutificando reclamação em que se diz desrespeitada a decisão deste Tribunal. Asseveram que, naquela Corte Superior, o habeas vem tramitando lentamente, ocorrendo equívocos, como a solicitação de informações ao Tribunal de Justiça do São Paulo, quando em jogo ato de relator integrado ao Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo. Datada a custódia de 1º de abril de 2005, estaria ultrapassado o prazo a ela inerente.

Afirmam que a segunda ordem de prisão resultara da circunstância de se haver logrado êxito no habeas corpus anterior. Então, em processo a envolver não o assassinato do juiz Alexandre Martins de Castro Filho, mas imputação de corrupção passiva, restara implementada a ordem de prisão. Refutam as premissas do ato argüido como ilegal, ressaltando que o paciente fora acusado tendo em vista a titularidade da Vara de Execuções Penais de Vitória – ES, sendo que, por último, quando ainda em atividade, era titular da Vara de Órfãos e Sucessões da Comarca da Capital. Articulam com a impossibilidade de se ter como subsistentes os fundamentos relativos à preservação da ordem pública. No tocante à instrução criminal, argumentam que não se aludiu a ato concreto revelador da tentativa de tumultuar o processo. Dessa forma, não caberia cogitar, como o fez o desembargador relator da ação penal, de questões atinentes ao sentimento da população. Requerem a concessão de medida acauteladora, visando à liberdade do paciente, tornando-se definitiva a providência no julgamento de fundo. Acompanharam a

inicial os documentos de folha 35 a 375. À folha 392, lancei o seguinte despacho:

1. Solicitem-se informações.

2. Tragam os impetrantes ao processo o relatório de andamentos do habeas impetrado no Superior Tribunal de Justiça.

3. Corrija-se a autuação. Os profissionais da advocacia atuam como impetrantes.

4. Segue, em fita, esboço de relatório.

Em 7 do corrente mês, o impetrante Pedro Aurelio Rosa de Farias trouxe ao processo o relatório de andamentos do habeas existente no Superior Tribunal de Justiça e cuja demora na apreciação deu ensejo a esta medida. Em 17 último, voltou a peticionar, requerendo o exame do pleito de concessão de medida acauteladora.

2. Retorna-se ao questionamento sobre o alcance do Verbete nº 691 da Súmula desta Corte. Afigura-se com relevância ímpar a Lei Fundamental. Desta decorre o acesso do cidadão e de estrangeiros residentes no País ao Judiciário, considerada a ação de envergadura maior, o habeas corpus. Ante o pressuposto do inciso LXVIII do artigo 5º da Carta Federal, mostra-se adequada a impetração quando configurado o cerceio, por ato ilegal ou fruto de abuso de poder, à liberdade de ir e vir. À luz da regra, pouco importa seja o ato de colegiado ou individual, definitivo ou precário, que se trate de autoridade administrativa ou do Judiciário. O que cumpre perquirir é a existência, em si, de prática à margem do ordenamento jurídico em vigor, alcançando a liberdade.

Daí assentar que, caso a caso, cabe ao Supremo distinguir e, surgindo violência enquadrável na situação abrangida pela garantia constitucional, pronunciar-se, temperando, portanto, o verbete da Súmula, que, até aqui, não tem eficácia vinculante.

Nota-se que, em agosto, foi distribuído o Habeas Corpus nº 46.965/ES, não havendo ocorrido, até agora, o julgamento final pelo Superior Tribunal de Justiça. A liminar foi indeferida, mencionando-se, após dizer-se da criação da jurisprudência a respeito, a falta de nitidez quanto ao constrangimento ilegal. A esta altura, o paciente já se encontra sob a custódia do Estado, como frisado na inicial desta impetração, por mais de duzentos e dez dias, e não há previsão de julgamento do habeas pela referida Corte.

Projeta-se no tempo prisão preventiva que foi decretada, em processo específico a versar sobre corrupção, após o paciente obter, neste Tribunal, medida acauteladora em ação penal em que acusado de ser o autor intelectual do crime de homicídio de colega magistrado. Em suma, ante a nova ordem de custódia, não conseguiu, o paciente, a liberdade.

Está-se diante de situação concreta a exigir o crivo neste habeas corpus. Assim o é porquanto, em exame inicial, observase o excesso de prazo, pouco importando que a custódia projetada no tempo seja fruto da junção de dois pronunciamentos. Relativamente ao envolvido neste processo, constata-se a insubsistência dos fundamentos. No que concerne à ordem pública, cogitou-se da possibilidade de reiteração de práticas delituosas contra a sociedade em geral. O paciente está sendo acusado, no processo que deu origem à ordem de prisão, por corrupção, levando em conta os atos praticados quando à frente da Vara de Execuções Criminais.

Encontra-se ele afastado da atividade judicante, o que faz ruir a premissa, a discrepar de capacidade intuitiva minimamente aceitável.

Não se mantém, sob tal aspecto, o que asseverado quanto à necessidade de se resguardar a imagem dos poderes constituídos. Por eventual crime cometido responderá o paciente se vier a ser condenado, sendo certo que o prestígio do Judiciário decorre do teor, em si, das respectivas decisões, da sintonia destas com a ordem jurídica, e não de rigor implementado à margem do arcabouço normativo.

Também não prospera o que consignado quanto à conveniência da custódia durante a instrução criminal. Lançou-se, de forma pouco concreta, em vista do processo em curso, que os denunciados poderiam atuar para fazer desaparecer provas, ameaçando testemunhas ou tumultuando as investigações, servindo essas assertivas a todo e qualquer processo, e aí bastaria a denúncia, o surgimento da ação penal para ter-se, sempre e sempre, a prisão preventiva.

Não vinga, de igual modo, ante o subjetivismo, o que assentado acerca da possibilidade de os denunciados exercerem influência sobre as testemunhas. Há de se presumir o que normalmente ocorre, e não o extravagante, o excepcional, sendo que, sob tal prisma, indispensável é que se tenha, no processo em curso, ato a evidenciar a influência, ato concreto que então respalde a prisão preventiva.

Citou-se, como exemplo dessa possibilidade, o que veiculado pelos jornais relativamente a certo preso que, após prestar depoimento em processo diverso, em que se apura o homicídio do magistrado Alexandre Martins de Castro Filho, estaria correndo risco de morte dentro da casa de custódia. Então, buscou-se estabelecer elo com a situação do paciente, no que também acusado naquela ação.

O passo é demasiadamente largo, nada se tendo indicado como capaz de respaldar essa presunção. Aludiu-se ainda a determinada testemunha arrolada naquele outro processo, afirmando-se que sofrera intimidação. Mais uma vez, mencionou-se situação que, ocorrida, ficou restrita a outro processo, e não ao de corrupção a que responde o paciente. O mesmo se diga no tocante à intangibilidade do desembargador Pedro Valls Feu Rosa.

Apontaram-se ameaças sem revelar o veículo, remetendo-se, novamente, a notícia de periódicos do Estado. Também aqui o citado desembargador teria funcionado no processo atinente ao homicídio e não no ligado à corrupção, no qual decretada a prisão. Não prospera a alegação de que a maioria das pessoas arroladas como testemunhas estão no Judiciário ou são internos.

O magistrado, distanciado do ofício judicante, não tem, a princípio, como interferir, sendo indispensável, de qualquer forma, para dar-se ênfase ao enfoque, a existência de ato concreto. Aliás, levando em conta a quadra vivida pelo paciente, há de se imaginar, isso sim, a derrocada, em termos de prestígio. É de reiterar a excepcionalidade da prisão preventiva, fato a desaguar na exigência de se mostrar fundamentada em dados reais, e não em simples suposições, muito menos ainda ante o fato de, em certo processo, haver-se logrado concessão de liminar a implicar a expedição do alvará de soltura.

3. Reafirmando, quer sob o ângulo do excesso de prazo, quer considerados os fundamentos da prisão preventiva – decisão de folha 70 a 78 -, a existência de peculiaridades, defiro a medida acauteladora para afastar a prisão preventiva formalizada na Ação Penal nº 100.050.020.070, do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo.

4. Expeça-se o alvará de soltura, a ser cumprido com as cautelas próprias, ou seja, caso o paciente não se encontre sob a custódia do Estado por motivo diverso do retratado na referida ação penal, presente a circunstância de estar ainda em vigor a liminar concedida no Habeas Corpus nº 86.213-6/ES e que resultou no afastamento da custódia determinada na Ação Penal Originária nº 100050005931.

5. Estando no processo as peças indispensáveis à compreensão da matéria, colha-se o parecer da Procuradoria Geral da República.

6. Publique-se.

Brasília, 21 de novembro de 2005.

Ministro MARCO AURÉLIO

Relator

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