Culpa do cigarro

Justiça gaúcha define posição contra indenização a fumante

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23 de novembro de 2005, 19h45

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul uniformizou jurisprudência entre as Câmaras e decidiu que a fabricante de cigarros não tem de pagar indenização para a família de fumante que morreu vítima de câncer no pulmão. O entendimento foi firmado pelo 5º Grupo de Câmaras Cíveis do TJ e reformou acórdão da 9ª Câmara Cível.

A decisão do 5º Grupo (formado pelos desembargadores da 9ª e da 10ª Câmaras Cíveis) está de acordo com outros acórdãos do 3° e 5 ° Grupo.

Neste caso específico, Maria de Oliveira Bernardo e seus filhos entraram na Justiça alegando que o câncer de pulmão, que vitimou seu marido, estava associado ao consumo de cigarros fabricados pela Souza Cruz. A família pretendia receber indenização de R$ 150 mil por danos morais e mais uma pensão mensal de R$ 600.

A manifestação do 5º Grupo foi motivada por decisões divergentes da 5ª e da 9ª Câmaras. A primeira tem se posicionado contrária ao pagamento de indenização para ex-fumantes. Já a 9ª Câmara entendeu que, quando a doença é causada pelo tabagismo, o ex-fumante deve ser indenizado.

Culpa do cigarro

Em outubro deste ano, a 9ª Câmara condenou a Souza Cruz a pagar indenização de R$ 300 mil para um ex-fumante que sofria de doença vascular. Para a desembargadora Marilene Bonzanini Bernardio, este caso seria diferente dos demais porque há relação direta entre a doença do fumante e o consumo de cigarro. De acordo com a medicina, o ex-fumante Michel Eduardo da Silva Martins,sofreu obstrução de artérias e veias por uma inflamação causada pelo tabagismo. Marilene explicou que a medicina indica que “o tabagismo é conditio sine qua non para o desenvolvimento da doença.”

Mesmo sem absoluta certeza do diagnóstico do perito oficial, na opinião da desembargadora, todos os elementos indicam a presença da doença, “desde as suas condições pessoais até os sintomas, e as conseqüências experimentadas se amoldam às lições da literatura médica acerca da moléstia.”

O argumento de que o fumante tem livre arbítrio para decidir se quer ou não fumar não invalida a culpa da indússtria de cigarro, segundo Marilene. “O livre arbítrio não serve para afastar o dever de indenizar das companhias fumageiras pelas mesmas razões que não se presta para justificar a descriminalização das drogas. O homem precisa ser protegido de si mesmo, mormente porque lidamos com produtos que podem minar a capacidade de autodeterminação.”

Mesmo que o doente tenha começado a fumar no mesmo ano em que percebeu os sintomas da doença, para a desembargadora, isso não invalida a culpa da indústria. Segundo sua decisão, a publicidade sempre foi bastante vinculada com “idéias, ainda que contraditórias, de saúde, de intelectualidade, de cultura, de beleza, de charme e de sedução, atributos que todo jovem busca a qualquer custo”.

Os desembargadores Odone Sanguiné e Miguel Ângelo da Silva também concordaram com a argumentação da relatora. Sanguiné acrescentou que “nem todos os casos de responsabilidade fumageira serão procedentes. Vai depender sempre de cada caso.”

Culpa do Fumante

Por outro lado, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul tem decidido favoravelmente à Souza Cruz, entendendo que as fabricantes de cigarros não têm obrigação de indenizar ou pagar danos morais a fumante que se diz intoxicado pelos componentes químicos do fumo.

Para o desembargador Umberto Guaspari Sudbrack, relator do recurso, uma vez que os fumantes são alertados sobre os riscos do fumo, quem consome o produto assume a responsabilidade por qualquer dano à sua saúde.

O consumidor Mario de Souza Rocha entrou com ação pedindo o pagamento de indenização por danos morais, materiais e pessoais. Rocha, um fumante de 60 anos, diz estar completamente intoxicado pelos componentes químicos do cigarro. Rocha disse ainda que nunca conseguiu parar com o vício.

Utilizando argumento de um caso semelhante, de relatoria do desembargador Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, o desembargador Umberto Guaspari Sudbrack alegou que, “para que haja responsabilização civil, a conduta não precisa ser necessariamente ilícita, deve ser uma conduta que causa dano a outrem. O que está em jogo não é a natureza jurídica da conduta das empresas fabricantes de cigarro, mas sim os danos causados por essa conduta, seja ela lícita ou não”.

Sudbrack comparou a questão do consumo do cigarro à situação da montanha russa em um parque de diversões que pode causar malefícios a pessoas com hipertensão. Para o desembargador, o gerente do parque pode tomar três atitudes em relação ao uso da montanha russa: 1) colocar um aviso com a informação falsa de que não há restrição ao uso do brinquedo; 2) colocar um aviso alertando que o brinquedo oferece riscos para hipertensos; 3) não colocar aviso nenhum.

No caso da informação falsa, não há dúvida do ato ilícito. No caso da informação verdadeira, as pessoas que decidirem entrar na roda gigante são responsáveis por sua própria decisão. O problema estaria na ausência do aviso, já que não contém informação falsa mas também não faz nenhuma advertência.

Para o desembargador Sudbrack, já que os fumantes são orientados dos riscos, a responsabilidade é da a pessoa que consome o produto. “A situação dos autos em nada difere do que acaba de ser descrito, porque livre arbítrio supõe conhecimento integral das circunstâncias inerentes a determinado produto, o qual, no período que interessa, não foi objeto de esclarecimento por parte das rés.”

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