Questão de saúde

Correios têm de reintegrar demitido viciado em cocaína

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23 de novembro de 2005, 10h00

Trabalhador viciado em cocaína não pode ser demitido por fazer uso contínuo da droga. Com este entendimento, a 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo) mandou a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos reintegrar um ex-funcionário, dispensado por justa causa depois que a empresa soube de seu vício.

Para os juízes, como o uso habitual de cocaína é doença catalogada no Código Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde, o toxicômano demitido em virtude do vício deve ser imediatamente reintegrado ao emprego.

A empresa demitiu o funcionário depois de concluir procedimento administrativo, “com o intuito de averiguar, em especial, as alterações ilícitas promovidas em atestados médicos (rasuras)”, além da “reincidência em faltas injustificadas”.

O trabalhador entrou com processo na 24ª Vara do Trabalho de São Paulo reclamando que a demissão foi arbitrária e discriminatória. Segundo ele, sua dispensa só teria ocorrido depois de a ECT descobrir que era viciado em cocaína.

Por julgar que o vício “carece de cuidados médicos em decorrência de necessidade intransponível e inabalável do uso da substância”, a primeira instância acolheu o pedido, aplicando a Lei 9.029/95 — que prevê limitações ao direito do empregador.

A sentença invocou ainda os princípios constitucionais da “dignidade da pessoa humana” e do “valor social do trabalho”. Com isso, a 24ª Vara determinou a reintegração imediata do trabalhador. Em caso de descumprimento, foi fixada multa diária de R$ 1 mil.

A ECT entrou com Medida Cautelar no TRT paulista, em vão. A juíza Mariângela de Campos Argento Muraro, relatora da questão, afirmou que a demissão teve caráter preconceituoso, além de ter causado “danos irreversíveis que adviriam da exoneração do toxicômano, suscetível de interdição por incapacidade, causando-lhe extrema penúria e inviabilizando fosse albergado no manto protetor da previdência social”. A 2ª Turma do TRT-SP, por unanimidade, determinou a reintegração imediata do trabalhador.

Leia a decisão

PROCESSO TRT/SP Nº 00044.2005.000.02.00-1

MEDIDA CAUTELAR

ORIGEM: 24ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO

REINTEGRAÇÃO. TOXICÔMANO. LEI Nº 9.029/95. CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA. PERTINÊNCIA. Tratando-se de ação em que o autor detém a expectativa de obter direito assegurado pelo ordenamento jurídico, devem ser propiciados todos os meios a que o seu anseio não se fruste por fatos outros que não a completa prestação jurisdicional. No caso, a característica satisfativa que, em princípio, desautorizaria a tutela antecipada, afigura-se no sentido inverso – antes de consolidar prejuízo irreparável a quem obriga, garante a eficácia acautelatória a quem a busca. Deve-se preservar a estruturação tida por essencial à recuperação do trabalhador, até a pronúncia definitiva da Justiça, acerca da pertinência ou não de se onerar a empregadora diante do caso concreto.

Questiona, o requerente, consoante as razões de fls. 02/12, a ordem, em sede de antecipação de tutela, à reintegração do requerido no emprego, sob pena de multa diária equivalente a R$ 1.000,00 (mil reais), valor que reputa excessivo e desproporcional, pugnando seja atribuído efeito suspensivo ao recurso ordinário que interpôs, sob o argumento de irreversibilidade da obrigação prestada em obediência a tal comando, com a concessão de liminar inaudita altera pars, pela configuração do fumus boni juris e do periculum in mora.

Concedida a liminar, sustaram-se os efeitos do cumprimento do mandado de reintegração (fls. 120).

Determinada a citação do requerido, este oferece contestação às fls. 131/150.

Relatados.

V O T O

a) Do cabimento da via eleita

A justificativa à insurgência é a própria característica preventiva que a modalidade de ação proposta ostenta, portanto, cabível, nos termos do parágrafo único do artigo 800 do CPC e na exata dimensão do contido na Orientação Jurisprudencial nº 51 da SDI-II, recentemente convertida na Súmula nº 414 do Colendo TST, verbis:

“…I – A antecipação da tutela concedida na sentença não comporta impugnação pela via do mandado de segurança, por ser impugnável mediante recurso ordinário. A ação cautelar é o meio próprio para se obter efeito suspensivo a recurso. (ex-OJ nº 51 – inserida em 20.09.2000) II – … III – …”

b) Do mérito

Profligado o desiderato da requerente, de suspensão da obrigação de fazer a reintegração imediata do requerido determinada em r. sentença proferida pela d. 24ª Vara do Trabalho de São Paulo, nos autos do Processo nº 02493.2004.024.02.00-3, que vislumbrou, com espeque na Lei nº 9.029/95, prática de ato discriminatório na ruptura contratual com dependente de droga de uso proscrito no Brasil (cocaína).

As questões abordadas na esfera da evidência, partindo do pressuposto de que o que culminou na dispensa do empregado ‘foi a reincidência em faltas injustificadas’ (fls. 06), atendem, restritivamente, ao mérito da causa trabalhista, tornando inviável qualquer elucubração pela via estrita da ação cautelar.

Assim sendo, a eventual concessão de eficácia à postulação nos moldes propostos se mostraria admissível apenas no equacionamento da tese de urgência, pela consolidação de prejuízo irremediável em decorrência do decurso do tempo ao completo provimento jurisdicional.

E, na configuração do periculum in mora, impõe-se a rejeição do requerimento cautelar.

Extrai-se, sinteticamente, dos fundamentos da r. sentença cuja cópia consta de fls. 77/81, a detecção, na iniciativa rescisória, de ato discriminatório da empregadora, trilhado o entendimento pela mantença do emprego do portador de patologia catalogada no Código Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde.

Pois bem. A conjuntura delineada em primeira instância, obrigatoriamente, remete à análise, como requisito indispensável à ratificação da ordem reintegratória, do real estado de saúde do empregado dispensado. E isso obriga a aferição dos argumentos lançados na reclamação trabalhista com pedido de tutela antecipada proposta.

Naquela, como se aquilata de fls. 16/41, depois de tecidas ponderações quanto à inobservância do direito de defesa do acusado num processo administrativo disciplinar instaurado no âmbito empresarial, ao abuso e à arbitrariedade no procedimento rescisório, o caráter preconceituoso em que este teria se fulcrado, bem como os danos irreversíveis que adviriam da exoneração do toxicômano, suscetível de interdição por incapacidade, causando-lhe extrema penúria e inviabilizando fosse albergado no manto protetor da previdência social.

A situação posta – indiscutivelmente delicada – faz erigir o conceito absoluto da natureza alimentar, eminentemente protecionista, do processo no âmbito da Justiça do Trabalho.

E é esse o objetivo único que se buscou assegurar na concessão da reintegração provisoriamente. A conduta do Julgador, portanto, encontra respaldo no artigo 273, inciso I, do CPC.

No caso, a característica satisfativa que, em princípio, desautorizaria a tutela perseguida pelo obreiro, exsurge no sentido inverso – antes de consolidar prejuízo irreparável a quem obriga, garante a eficácia tutelar a quem a busca.

Nesse diapasão, mister se considerar que a ordem questionada é de reintegração – envolve as duas partes – um trabalhará; o outro fará a contraprestação destes serviços, até porque, as considerações lançadas sobre anterior conduta desidiosa do hipossuficiente, não é, rigorosamente, impediente desta convicção.

Ademais, não se pode negar que, por si, eventual concessão de efeito suspensivo ao recurso ordinário fará cair por terra toda a estruturação tida por essencial à recuperação do ora requerido, e isso não pode ser concebido ou tolerado.

A base deve ser preservada, então, até que possam ter, os litigantes, pronúncia da Justiça, inarredável, acerca da pertinência ou não de se onerar a empregadora frente à hipótese que se configurou no caso concreto.

Tratando-se de ação em que o trabalhador detém expectativa de obter direito que entende assegurado pelo ordenamento jurídico, devem ser propiciados todos os meios a que o seu anseio não se fruste por fatos outros que não a completa prestação jurisdicional.

Do exposto, CONHEÇO da medida cautelar proposta pela EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS e, no mérito, JULGO-A IMPROCEDENTE, pelos fundamentos acima alinhavados, restaurando, de corolário, a ordem reintegratória imediata exarada no r. decreto condenatório objurgado. Custas pela requerente, sobre o valor da causa de R$ 1.000,00 (mil reais), no importe de R$ 20,00 (vinte reais).

MARIANGELA DE CAMPOS ARGENTO MURARO

Juíza Relatora

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