Queda com elegância

Cair de salto alto é acidente de trabalho, decide Justiça

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22 de novembro de 2005, 11h32

Cair de salto alto é acidente de trabalho. Assim entendeu a Justiça do Trabalho de São Paulo que determinou a uma empresa de Taboão da Serra (SP) que reintegrasse uma empregada demitida por ter “grande facilidade de levar tombos”. Cabe recurso.

Em sua decisão, a 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo) esclareceu que a empresa deve cuidar para que o empregado não utilize roupas ou sapatos que coloquem em risco sua integridade física.

A empresa Planarc demitiu a trabalhadora que torceu o tornozelo depois de sofrer uma segunda queda durante o expediente de trabalho. A empregada, na ocasião, procurou o INSS que constatou a lesão e concedeu o auxílio doença. Mesmo assim foi demitida. A empregada entrou então com ação na Vara do Trabalho de Taboão da Serra reclamando direito a estabilidade por acidente de trabalho.

A empresa sustentou que a empregada se acidentou por imprudência, pois, mesmo se recuperando de uma torção anterior no mesmo tornozelo, continuou usando sapatos de salto alto. “Não restou outra alternativa senão dispensá-la imediatamente, pois corria-se o risco de novo acidente estar ocorrendo, visto que a reclamante tem grande facilidade de levar tombos”, afirmou. A empresa alegou também que não lhe cabia culpa, já que a escada tem corrimão e piso anti-derrapante.

A primeira instância determinou a reintegração da trabalhadora no emprego. Inconformada, a empresa recorreu ao TRT-SP. O juiz Plínio Bolívar de Almeida, relator do Recurso Ordinário, não acolheu os argumentos da empresa.

Para o juiz, “soa como mórbida” a alegação e “mais insensata ainda é a justificativa para a demissão de uma empregada estável”, de que ela teria provocado seu acidente para evitar a dispensa e de que teria “grande facilidade de levar tombos”.

“Para a caracterização do acidente do trabalho não se exige a culpa do empregador, de forma que se torna irrelevante o fato de a escada possuir corrimão e piso anti-derrapante”, decidiu. “Em última análise, o acidente decorreu de omissão da própria empregadora”, concluiu o juiz.

RO 00908.2003.501.02.00-0

Leia a íntegra da decisão

RECURSO ORDINÁRIO DA VARA DO TRABALHO DE TABOÃO DA SERRA/ SP

RECORRENTE: Plamarc Ltda

RECORRIDA: Debora Santos Figueiredo

EMENTA: “ACIDENTE DO TRABALHO. CARACTERIZAÇÃO. A imprudência alegada pela Reclamada deve ser vista com restrições, vez que compete à empregadora dirigir a prestação de serviços, devendo valer-se de seu poder disciplinar quando verificado que o vestuário utilizado pela empregada coloca em risco sua integridade física. Em última análise o acidente decorreu de omissão da própria empregadora.”

RELATÓRIO

Irresignada com a r. sentença de fls. 93/95 que julgou procedente em parte a reclamatória, recorre ordinariamente a Reclamada pelas razões alinhadas às fls. 100/106, sustentando que a Reclamante provocou o acidente sofrido, não tendo direito à garantia de emprego.

Embargos de declaração rejeitados às fls. 98.

Contra-razões da Reclamante às fls. 111/114, que sustenta o acerto do decisório.

Tempestividade observada.

Custas e depósito recursal às fls. 107/108, a tempo e modo.

Procurações às fls. 12 (Autora) e fls. 53 (Ré).

O d. Ministério Público do Trabalho, ressalva a possibilidade de, se necessário, vir a se manifestar na sessão de julgamento (fl. 116).

É o relatório do necessário.

CONHECIMENTO

Presentes os pressupostos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, conheço do recurso.

VOTO

Reconheceu a r. sentença o direito à reintegração da empregada acometida por acidente do trabalho.

Sustenta a Reclamada que o acidente foi provocado pela própria obreira, que se recuperando de uma torção no tornozelo direito, estaria trajando um sapato de salto alto na escada do estabelecimento.

De fato, o acidente do trabalho é um acontecimento ou evento imprevisto, em que não há a vontade do empregado em se machucar.

Se houve a concessão do auxílio-doença pelo INSS, este verificou a ocorrência de acidente do trabalho, sendo garantida a estabilidade. A imprudência alegada pela Reclamada deve ser vista com restrições, vez que compete à empregadora dirigir a prestação de serviços, devendo valer-se de seu poder disciplinar quando verificado que o vestuário utilizado pela empregada coloca em risco sua integridade física. Ou seja, em última análise, o acidente decorreu de omissão da própria empregadora.

Cumpre ressaltar que para a caracterização do acidente do trabalho não se exige a culpa do empregador, de forma que se torna irrelevante o fato de a escada possuir corrimão e piso anti-derrapante.

Ademais, soa mórbida a alegação de que a Reclamante ao ser cientificada de que seria demitida provocou o acidente. Mais insensata ainda é a justificativa para a demissão de uma empregada estável: “após a alta médica da reclamante, em razão do segundo acidente não restou outra alternativa a reclamada senão dispensá-la imediatamente, pois corria-se o risco de novo acidente estar ocorrendo, visto que a reclamante tem grande facilidade de levar tombos” (fls. 74).

Saliente-se que a Reclamante permaneceu incapacitada por três meses, não sendo crível que uma pessoa lesione sua própria integridade física para garantir o emprego.

DISPOSITIVO

Do exposto, nos termos da fundamentação, nego provimento ao recurso.

É o meu voto.

P. BOLÍVAR DE ALMEIDA

Juiz Relator

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