Resgate de valores

Lembo: A solução dá Justiça está no sistema processual

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20 de novembro de 2005, 12h01

Cláudio Lembo é um político brasileiro. Mas ao contrário da maioria dos políticos brasileiros ele é — e tem coragem de dizer que é — conservador. Num país em que ser liberal é visto como defeito, Lembo se assume como conservador e liberal. “Se conservar valores como o respeito às tradições históricas e à dignidade humana é ser conservador, então eu sou conservador”, afirma ao clamar por uma recuperação dos verdadeiros valores da civilização.

Professor de Direito Constitucional e de Direito Processual Civil na Universidade Mackenzie de São Paulo, de onde também foi reitor, Cláudio Lembo não leva muita fé na reforma constitucional do Judiciário e espera pela reforma processual, para ele a única capaz de resolver os problemas da Justiça brasileira: “Nosso Código de Processo Civil foi feito por intelectuais que importaram modelos da Europa e complicaram tudo”, afirma.

Inimigo da Súmula Vinculante, Lembo revela ter pavor do que considera a pior das ditaduras: a do Judiciário. “A ditadura da toga é a mais perigosa, porque é difícil de ser combatida”, afirma ele. O vice-governador, que já chefiou o departamento jurídico do Banco Itaú, afirma que a solução para os problemas do Judiciário não está no poder Executivo, mas no próprio Judiciário. O grande desafio da justiça brasileira, diz, está na simplificação do sistema processual.

Aos 71 anos, Cláudio Lembo tem uma longa história ligada à política. Como presidente da Arena, o partido do regime militar de 64, tornou-se um interlocutor do general Golbery do Couto e Silva no processo de abertura. Voltaria a freqüentar o Planalto Central em momentos mais favoráveis à democracia, primeiro como um dos articuladores da frente que tirou a presidência da República das mãos do candidato do regime, Paulo Maluf, depois como assessor do vice-presidente dos governos FHC, Marco Maciel.

Elegeu-se vice-governador de São Paulo em 2002, o que deverá levá-lo ao governo do mais importante estado da federação em abril do ano que vem, quando o titular Geraldo Alckmin se afastar do cargo para disputar as eleições.

Participaram da entrevista os jornalistas Márcio Chaer, Maurício Cardoso, Adriana Aguiar e Maria Fernanda Erdelyi.

Leia a entrevista

ConJur — Ser conservador no Brasil costuma ser visto como defeito. É defeito ser conservador?

Cláudio Lembo — Não. Eu me considero um liberal conservador. Considero importante conservar valores, respeitar tradições históricas, respeitar as pessoas. Quem ia para a fogueira na Idade Média eram os conservadores quando diziam que a dignidade humana é o que vale, é o que importa. Então eu sou um conservador e me orgulho disso.

ConJur — O Brasil tem uma história de conservadorismo que vem do período colonial, do império, da primeira república. De repente, nas décadas recentes, entramos em um período de saltos liberalizantes. O senhor diria que está faltando uma onda conservadora para o Brasil se reposicionar?

Cláudio Lembo — Não é que está faltando, ela é inevitável. A história ocorre por um processo de ciclos. O Brasil precisava conhecer um ciclo de total democratização, liberalização dos costumes. Temos o passado de um país escravocrata, de um país de carga autoritária pesada. Então era preciso que houvesse uma plena liberalização das estruturas nacionais. O que felizmente aconteceu. Agora é tempo, dentro da liberdade, da democracia, voltar a ter relacionamentos onde há valores: valor de dignidade, valor de respeito humano, valor de respeito à inteligência e à cultura.

ConJur — O senhor diria que os anti-valores estão mais em evidência do que os valores?

Cláudio Lembo — Houve uma crise que nos levou ao anti-valor, ou seja, ao niilismo, à destruição dos valores médios brasileiros. Agora é preciso reconstruí-los, porque eles ficaram no inconsciente. A sociedade vai poder pedir pela volta dos valores com as eleições. Por isso é bem provável que os partidos tidos como conservadores tenham resultados nas urnas muito melhores do que o passado recente. Nas eleições passadas o Brasil estava lamentavelmente dividido entre os que eram classificados como os bons e os maus, aqueles que tinham estrelinhas e aqueles que eram capetinhas, e isso não é verdade. Os seres humanos são razoavelmente iguais.

ConJur — A coisa é mais complexa do que dividir os que são de esquerda como bons e os de direita como maus.

Cláudio Lembo — É muito mais complexa. Em 64 a democracia que era muito incipiente, mas que avançava com seus partidos políticos, foi rompida. Primeiro tivemos uma onda de direita na ditadura e depois passamos por uma visão de esquerda, e foi nesse momento que tudo se perdeu. Agora estamos em um período de reequilíbrio social. Esses episódios todos de corrupção em Brasília assistidos pela sociedade, que examina, analisa e reflete, faz com que possamos voltar a ter equilíbrio de forças políticas, onde os partidos possam conflitar dentro de um processo pacífico. Assim, um precisa sempre fiscalizar o outro para manter o país em ordem.


ConJur — O senhor disse em uma palestra recente que já está na hora de o Brasil voltar a valorizar a sabedoria, o conhecimento e o aperfeiçoamento intelectual. Como seria isso?

Cláudio Lembo — Com a eleição do presidente Lula, espalhou-se pelo país a idéia de que não é preciso estudar, que não é preciso ter educação racionalizada. Isso não é verdade, esta idéia está destruindo a dignidade nacional. A juventude precisa estudar, os velhos precisam continuar estudando, a vida precisa ser levada a sério, as pessoas tem que ter mais respeito. Isso tudo não quer dizer que eu seja quadrado, mas que existem formas de interagir de uma maneira mais elegante.

ConJur — O Lula é de direita ou de esquerda?

Cláudio Lembo — O Lula não é de esquerda nem de direita. Ele é apenas a figura que somou todas as vontades da nacionalidade em determinado momento. O Lula é ele, é um símbolo. E os símbolos penetram muito rapidamente, mas símbolos de ocasião acabam.

ConJur — A Justiça brasileira é conservadora, no sentido de não querer que as coisas mudem?

Cláudio Lembo — Não diria que a Justiça é conservadora na aplicação da lei. O que é altamente arcaico é o processo civil brasileiro que foi feito por intelectuais europeus, que chegaram durante a Segunda Guerra e criaram o que se chamou de Escola Paulista de Direito. Eles, que freqüentaram institutos italianos, austríacos e alemães, trouxeram o que havia desses países e colaram no nosso Código de Processo Civil esquecendo as raízes do processo brasileiro. Foi quando inventaram um monte de recursos, complicaram todo o funcionamento e criaram um processo de execução impossível, desprezando o que tínhamos no país. Hoje em dia estamos percebendo o que deixamos para trás e voltando às raízes. Por exemplo, está se falando muito em mediação e conciliação, que é algo previsto no regulamento 737 do tempo do Império aqui no Brasil. A vinda desses intelectuais estragou o nosso processo civil que era muito mais simples e eficaz.

ConJur — O senhor diria que o Código do Processo Civil feito por esses intelectuais europeus é responsável pelo acúmulo de 550 mil recursos no Tribunal de Justiça de São Paulo?

Cláudio Lembo — Claro, houve uma complicação desnecessária. Antes, por exemplo, era usado o agravo nos autos do processo, que era de baixo custo e simples de usar. E então, inventaram o Agravo de Instrumento que tem um custo infernal e complica todo o processo. Já ouvi de pessoas bem qualificadas que às vezes os juízes de primeira instância são mal preparados e por isso é necessário o Agravo de Instrumento. É legitimo se dizer isso em função dos interesses das partes, mas o processo tem que andar. E mais, temos meios, como a computação, que poderiam simplificar o processo. Mas até hoje o auto do processo é um monte de papel amarrado com cordinha, como se fazia na Idade Média. Quando a Igreja Católica instituía os tribunais da Inquisição, o processo tinha que ser muito demorado, porque assim o réu, que era um herético, pagava custas continuadamente. E assim a maquina ficava sobrevivendo. É o que nós estamos fazendo no Brasil, nós todos ficamos presos nos autos como heréticos da Idade Média.

ConJur — No caso do TJ de São Paulo, com 550 mil processos na fila de espera, um processo leva cinco anos em média para ser julgado. E a fila tende a aumentar porque continuam entrando mais ações do que saem. O que o governo do estado de São Paulo pode fazer para ajudar o Poder Judiciário?

Cláudio Lembo — O estado tem transferido o que pode de verbas para o Poder Judiciário e para o Ministério Público. Mas o problema não está no estado. O Poder Judiciário tem que se debruçar sobre si mesmo. O Judiciário na sua autonomia deve ter consciência de que é preciso oferecer novos elementos para mudar as leis processuais e mesmo as leis substantivas. É ele que deve oferecer projetos aos parlamentares ou às mesas das assembléias e do Congresso Nacional.

ConJur — Mas por que o Poder Executivo foi ao Supremo para impedir o repasse automático das verbas do Judiciário?

Cláudio Lembo — Esta é uma decisão que depende da vontade de cada Poder Judiciário e de cada estado federado. O Judiciário nos manda a sua proposta orçamentária e essa é integrada no orçamento dentro das limitações financeiras. Eu acho que as custas devem ficar no Judiciário; mas precisa saber se o Judiciário quer também. No Rio de Janeiro, a folha é paga pelo Executivo e as custas são preservadas pelo Judiciário. É uma hipótese de trabalho. Eu sou simpático a ela.

ConJur — Mas o TJ quis aplicar a Emenda Constitucional 45 para conseguir que a verba seja repassada diretamente e a Procuradoria-Geral do Estado foi ao Supremo para declarar a inconstitucionalidade da lei. Por quê?

Cláudio Lembo — Porque a Constituição é maior e nós temos que respeitar. Se a Procuradoria achou que ela rompia com a constitucionalidade, ela tem, até por um dever de civismo, que ir ao Supremo.


ConJur — Por mais que os poderes respeitem seus limites, nós estamos em uma situação em que é preciso adotar medidas para melhorar o funcionamento do Judiciário. O que o estado tem feito nesse sentido?

Cláudio Lembo — Está em curso um projeto de conciliação e mediação na Assembléia Legislativa de São Paulo, apresentado pelo PFL, pelo PT e mais outros partidos. O procedimento está previsto na Constituição Federal e nenhum estado até agora, que eu saiba, tomou providências para permitir que esse meio de solucionar conflitos seja usado. Com a aprovação desse projeto, o Judiciário poderá fazer muito mais. Outra providência tomada em São Paulo é a consolidação das leis do estado. Os poderes Judiciário, Legislativo e Executivo e o Ministério Público estão trabalhando para isso. A última vez que houve uma tentativa dessa foi no governo do João Goulart.

ConJur — O governo Fernando Henrique Cardoso fez um projeto muito interessante de consolidação da legislação federal.

Cláudio Lembo — Mas não terminou porque não houve pressão da sociedade.

ConJur — No governo Lula, foi devidamente engavetado.

Cláudio Lembo — No governo Lula o ministro da Justiça preocupa-se mais com a Polícia Federal em situações específicas do que com uma reestruturação do Poder Judiciário. Quando pensa em reestruturação, já cria uma coisa complexa, como o caso do Conselho Nacional de Justiça. O Poder Judiciário já tinha uma cúpula que era o Supremo e ele poderia ter uma corregedoria.

ConJur — O senhor criticou a importação de modelos. É verdade que na área criminal nós contribuímos para solucionar uma crise espanhola?

Cláudio Lembo — A Espanha teve como Código Penal durante muitos e muitos anos o Código Criminal do Império Brasileiro. Uma vez eu fiz um elogio aos espanhóis porque nos deram as Ordenações Filipinas, que estiveram em vigor no Brasil desde Filipe II até 1919. Eles me retribuíram falando sobre o Código Penal. Mas o que eu critiquei na importação dos modelos é que eles foram buscar o Código de Processo Civil austríaco, alemão e italiano, do fascismo e do nazismo. Os institutos que eles trouxeram não são institutos que têm uma raiz profunda brasileira. A Faculdade de Direito São Francisco é obliterada pela visão européia ou americana, e isso é um erro.

ConJur — O que o senhor acha do quinto constitucional?

Cláudio Lembo — O quinto constitucional tem uma motivação doutrinária, que é o arejamento dos tribunais com a chegada daqueles que militam no fórum como advogados ou no Ministério Público. É preciso que a OAB tenha sempre muito cuidado na escolha das pessoas que integram a lista para que o tribunal e o Poder Executivo se sintam à vontade para fazer a escolha. É uma escalada que passa pela OAB, pelo Poder Judiciário e pelo Poder Executivo. Mesmo assim, as seções estaduais da Ordem devem se preocupar sempre na escolha de bons elementos para o quinto.

ConJur — O processo de escolha dos nomes é adequado?

Cláudio Lembo — Hoje é muito mais adequado do que foi no passado. Antes era uma escolha dos grupos dirigentes da OAB e hoje há uma audiência pública com indagação e exigência intelectual do candidato. Portanto, o quinto já está mais elaborado e sofre censuras da sociedade civil. Ainda assim pode apresentar alguns problemas e isso é o que tem que ser evitado.

ConJur — Problemas como o enfrentado em São Paulo recentemente, em que o TJ ignorou uma das listas apresentadas pela OAB?

Cláudio Lembo — A situação é complexa, já que o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que uma das listas seria desconsiderada e das outras quatro listas seriam aproveitados os nomes restantes para formar uma nova. Esse não é o procedimento previsto na Constituição do Estado e da República, nem no regimento do Tribunal de Justiça.

ConJur — Na sua opinião, o Tribunal agiu corretamente?

Cláudio Lembo — O Tribunal rompeu padrões de natureza legal, e, por isso, é necessário uma analise do próprio Poder Judiciário sobre a matéria. Agora cabe ao Supremo Tribunal Federal decidir sobre o mérito da questão.

ConJur — A reforma do Judiciário já trouxe algum beneficio?

Cláudio Lembo —Tenho muito medo quando projetos internacionais são aplicados abruptamente. O mundo todo está adotando essa idéia do Conselho Nacional de Justiça, como a Espanha e a Itália. Agora a moda pegou no Brasil e eu fico muito preocupado que se viole a autonomia do Poder Judiciário ou que se use politicamente o Conselho para qualquer sensibilização do Poder Judiciário. Este é o ponto alto da reforma, que por enquanto não tem nada de notável. Por exemplo, o princípio da celeridade processual, existe na Constituição americana desde 1680. A celeridade é mais uma declaração de vontade do que uma realidade efetiva.


ConJur — Com relação ao CNJ, o que o senhor achou da decisão para a eliminação do nepotismo?

Cláudio Lembo — Eu acho que o nepotismo não é o grande problema. Os cargos de confiança podem ser exercidos por pessoas da família desde que sejam competentes e capacitadas. Eu não tenho ninguém da minha família em posto público. Nem permito que a minha família freqüente meu trabalho. O CNJ pegou um caso pequeno e transformou em um grande caso nacional. É importante que não se abuse da utilização de parentes, nem que se deva utilizar, mas eu acho que é um caso meramente simbólico, sem profundidade.

ConJur — Qual o grande problema que deveria ser analisado no CNJ?

Cláudio Lembo — O grande problema é o processo civil, o processo penal, a qualificação dos juízes, os juízes respeitarem as diretivas da Lei Orgânica da Magistratura. Os juízes respeitarem os advogados. Os advogados respeitarem os juízes. Isso sim, mas não uma coisa menor. Isso é para criança.

ConJur — E qual a sua opinião sobre a Súmula Vinculante?

Cláudio Lembo — Isso é apavorante, já que a pior ditadura é a ditadura do Judiciário. A ditadura da toga é a mais perigosa das ditaduras, porque é difícil de ser combatida. A Súmula Vinculante pode ser uma camisa de força perigosíssima, porque um governo eventualmente pode sensibilizar o Poder Judiciário. E por isso eu estou feliz que o nosso Supremo até agora não editou nenhuma Súmula Vinculante. Seria muito melhor um trabalho de aculturamento, de valorização do precedente. Súmula não vinculante se aplica para evitar que esse processo se estenda loucamente, mas vinculante é uma coisa meio complexa.

ConJur — Mas hoje já existe a aplicação dos precedentes.

Cláudio Lembo — A Súmula do Supremo é aplicada, mas se o juiz não quiser, ele não aplica.

ConJur — Atualmente nós temos uma figura carismática e uma liderança bastante expressiva, que é o Márcio Thomaz Bastos. Agora, independentemente dele, o Brasil precisa de Ministério da Justiça?

Cláudio Lembo — Claro, o Ministério da Justiça é o Ministério do Interior dos outros países, que cuida da segurança pública. Só que essa função não está sendo exercida, nem agora e nem no passado. O Ministério da Justiça não é o Ministério do Poder Judiciário. Muito pelo contrário, tem por função a análise e a elaboração dos textos legais. Eu acho que o Ministério da Justiça não tem preservado a sua competência efetiva e tem se perdido nas suas funções.

ConJur — Que governo respeitou mais a Constituição, Fernando Henrique ou Lula?

Cláudio Lembo — Desde o governo Sarney a Constituição tem sido respeitada no Brasil, também não é o caos total. A Constituição de 1988 é excepcional, porque ela captou tudo que havia na sociedade. E até agora tem 48 emendas constitucionais e 6 de revisão. O que não tem nenhum problema, já que a Constituição não é um documento estático. Ele é estático no que diz respeito aos direitos humanos, no artigo 5º e sobre a República e o Presidencialismo. De resto ela pode mudar, porque é reflexo da sociedade.

ConJur — Podemos dizer que a nossa Constituição garante a estabilidade do Brasil?

Claudio Lembo — A nossa Constituição nos dá segurança porque não há a possibilidade de mudanças abruptas. No Brasil, não é o Supremo que costuma declarar o que é inconstitucional, a alteração tem que ser pelo próprio Congresso e por isso é mais difícil, mais longo e mais seguro. Com a dificuldade de mudar a Constituição, o Congresso permite que a sociedade viva com certo equilíbrio. O Supremo também garante essa estabilidade, portanto o Brasil tem instituições fortes. Além do mais, não dá para desrespeitar a Constituição, porque o mundo está de olho. O Ocidente está de olho no Ocidente. Por exemplo, esses populistas da América Latina não dão mais golpe porque o mundo inteiro está vigiando. O mundo contemporâneo tem essa qualidade, de zelar para que todos os governantes vivam de acordo com uma Constituição.

ConJur — E o STJ tem seguido a Constituição?

Cláudio Lembo — O STJ foi uma criação da Constituição de 1988. Ele tem uma qualidade, que é a uniformização da jurisprudência em todos os estados brasileiros. Mas penso que tira um pouco a autonomia dos estados. Eu preferia o modelo antigo, em que havia os tribunais locais e pelo Recurso Extraordinário era feita a uniformização da jurisprudência junto ao Supremo.

ConJur — Qual a sua opinião sobre a enorme quantidade de cursos de Direito?

Cláudio Lembo — Tem duas faces. Uma é que por pior que sejam, sempre oferecem um mínimo de cultura. E a cultura dos cursos de Direito é boa para a vida, para melhorar a reflexão. A outra face é que a qualidade de alguns cursos é péssima. Isso faz com que o estudante perca cinco anos da vida em um curso que não tem nenhuma validade, o que é grave, porque é um estelionato.


ConJur — O que o senhor acha dos recentes resultados do Exame de Ordem, em que a larga maioria dos bacharéis em Direito não consegue passar?

Cláudio Lembo — Todos podem ser bacharéis em Direito, mas nem todos podem ser operadores do Direito, porque este vai lidar com valores fundamentais do ser humano: a liberdade, a honra, a dignidade, o patrimônio, a vida. Por isso, precisa ser qualificado. O exame é difícil, mas precisa ser. A alta reprovação é preocupante, já que mostra que existem escolas sem nenhuma qualidade técnica.

ConJur — Uma pesquisa da AMB mostrou que um terço dos juízes acha que um dos grandes problemas da advocacia é a falta de conhecimento técnico.O senhor concorda?

Cláudio Lembo — Mas os juízes são produto das mesmas escolas, portanto todos os operadores do Direito são “ruinzinhos”. Pronto.

ConJur — Não é uma questão de advogado.

Cláudio Lembo — Assim como os juízes e os promotores fazem concurso, os advogados fazem o Exame de Ordem. Portanto estão empatados. É muito fácil para os juízes falar mal dos advogados. Era melhor que todos mantivessem respeito recíproco, porque são todos operadores do Direito.

ConJur — Um juiz de 24 anos é qualificado para exercer suas funções?

Cláudio Lembo — Eu não acho que juventude é doença. Ainda porque é passageiro. Tem gente jovem muito bem qualificada e que sabe das eventuais deficiências próprias da idade e supera com trabalho e com estudo. Não tenho preconceitos não.

ConJur — Tem havido muitas reclamações de interferência entre os poderes. Como o senhor vê esse tipo de conflito?

Cláudio Lembo — A Medida Provisória é uma interferência do Executivo na área do Legislativo. Por isso é uma tragédia. Mesmo porque tem outras formas de resolver como o Decreto-Lei. O Decreto-Lei, que está na Constituição italiana, é melhor porque uma vez revogado, os atos praticados durante sua vigência permanecem. No caso da Medida Provisória, se ela não é aprovada, todos os atos são anulados. É uma loucura, eu não sei como o caos não é maior no Brasil. É que o Congresso tem bom senso. A MP é um instituto mal acabado e teria que ser reformulado. Acham que o Decreto-Lei é um dispositivo autoritário, mas não é. A Itália não é autoritária, ao contrário, é o caos liberal. Quanto ao Supremo, a Corte tem exagerado em algumas situações. Os ministros esqueceram que hoje as sessões do Supremo são transmitidas pela televisão e qualquer ato deles é analisado pela população. Isso é excepcionalmente bom, porém o ministro não percebeu o risco de atitudes exageradas dos seus votos.

ConJur — O senhor quer dizer que, diante da visibilidade proporcionada pela televisão, um ministro do Supremo pode eventualmente sacrificar o técnico, o jurídico, para cortejar a sociedade?

Cláudio Lembo — Não, muito pelo contrário. Por homenagem à sociedade, a gente não tem que ser histriônico no exercício das funções. Esse é o ponto. Tem que ser recatado na colocação técnica, na colocação jurídica. Porque a sociedade não quer populismo. A sociedade quer que as pessoas sejam respeitosas no que fazem.

ConJur — Nós temos um problema hoje no Brasil que é a demagogia.

Cláudio Lembo — Menos que no passado. Hoje o país está muito mais equilibrado quanto a seus políticos do que foi antes de 1946, quando o populismo era total. A campanha era feita distribuindo saquinho de farinha. Era uma tragédia! O Brasil melhorou muito, mas temos que ser exigentes para que melhore mais. As campanhas eleitorais hoje, apesar do Duda Mendonça, são bem melhores, porque se tem mais respeito.

ConJur — O político em tese é um profissional assim como o médico, um engenheiro, arquiteto ou professor.

Cláudio Lembo — Alguns acham que é feio dizer que o político é um profissional. Ele é um profissional sim, capaz de captar a vontade popular e fazer com que essa vontade seja efetivada nas funções que ele exerce. Não vejo nenhum mal em formar políticos profissionais. O perigo é o político pára-quedista, aquele que é político sempre, está sempre na busca do voto, na busca do diálogo para se promover.

ConJur — Embora a história já tenha mostrado a importância do político em diversos momentos, existe uma visão de que todo político é picareta. Estão errados os políticos ou está errada a visão?

Cláudio Lembo — Podem estar errados os dois. O político quando é efetivamente picareta tem que ser marcado como malandro e safado. Mas está errado dizer que todo político é picareta. Há pessoas muito idôneas, que preservam a dignidade e o respeito na sua vida política toda.

ConJur — O senhor também acha que o poder corrompe?

Cláudio Lembo — Se não houver transparência o poder corrompe sim. Não é a corrupção só de roubar dinheiro público, é a corrupção do caráter. A pessoa começa a ser bajulada, começa a ser tratada diferenciadamente e não consegue administrar isso.


ConJur — Como o senhor avalia o desempenho da imprensa atual?

Cláudio Lembo — Um livro que li dizia que vocês jornalistas escrevem uns para os outros, e não escrevem para a sociedade. Eu achei essa frase amarga e triste, mas deve ser repetida para que os jornalistas possam fazer uma reflexão. Outro problema é que a imprensa tem que se integrar ao mundo capitalista. Isto diminui os grandes jornais e faz com se tenha menos opiniões para refletir, para debater. Não existe mais imprensa de combate, que foi uma coisa notável na França, na Itália e no Brasil nos anos 60. Mas também tenho observado nas minhas viagens pelo estado de São Paulo que a imprensa do interior está incrível, está muito presente na vida das pessoas da cidade.

ConJur — A reprovação pública do governo do PT vai representar, dentro da visão histórica, uma polarização no arco ideológico?

Cláudio Lembo — Não, porque havendo liberdade as pessoas fazem a reflexão individualmente. O referendo das armas foi um exemplo notável. Cada um votou de acordo com a sua consciência. Não adiantou artista simpático dar beijinho em propaganda, não adiantou nada, quiseram nos conduzir, mas as pessoas decidiram de acordo com sua consciência. A democracia é um processo educativo.

ConJur — Mecanismos de democracia direta, como o referendo, devem ser usados mais freqüentemente no Brasil?

Cláudio Lembo — A política tem sempre como suporte a comparação. A Itália conheceu na Constituição de 1978 os métodos de democracia direta, mas não aplicou logo, demorou uns 10 ou 20 anos para aplicar. Depois aplicou em tudo que se possa imaginar e foi uma loucura. O último, sobre genética, foi uma grande confusão porque a população não entendia do assunto, que era muito técnico. O assunto técnico não pode ser jogado para sociedade, porque é transferir um ônus que é dos parlamentares para a cidadania. O uso de referendos tem que ser feito com grande parcimônia, sem exageros.

ConJur — Com o longo e penoso processo das CPIs sobre o mensalão, o Congresso não está perdendo a oportunidade de deixar que a Polícia vá prender os ladrões?

Cláudio Lembo — A Polícia não tem agido e o Ministério Publico até agora também não tomou nenhuma atitude quanto a essas pessoas que estão sendo referidas nas CPIs. O Congresso está agindo com muita dignidade e as CPIs estão prestando um serviço notável. A única instituição que está funcionando em preservação da cidadania é o Congresso, além da imprensa. As outras instituições estão paradas.

ConJur — Como está o sistema penitenciário no estado de São Paulo?

Claudio Lembo — As coisas estão melhorando. São Paulo hoje tem uma rede de penitenciárias incrível, mas tem 120 mil presos. É um custo altíssimo e um problema social amargo. Não podemos esquecer que quem começou a fazer penitenciária foi o Mário Covas, já que o Maluf não fez uma cela. Nós estamos implantando agora novas unidades da Febem.

ConJur — O que o senhor achou do governo Fernando Henrique?

Cláudio Lembo — Eu acho que teve momentos bons e outros que merecem críticas. Nenhum governo é perfeito, porque é humano. O problema da Justiça foi um problema grave.O governo Fernando Henrique teve 11 ministros da Justiça. É um número muito ruim, mesmo se pensarmos em oito anos. A Justiça não foi bem tratada nesses anos todos, desde o governo Sarney. Até nisso os governos militares tinham mais preocupação, não houve figuras mais preocupadas com a segurança pública do que eles. Depois da redemocratização, acho que a segurança social não foi tratada com cuidado.

ConJur — Existe possibilidade de o poder público acabar com crime organizado?

Cláudio Lembo — Isso é um processo demorado, porque as máfias são muito poderosas, são estruturas que ingressam em todos os segmentos da sociedade e fragilizam principalmente as pessoas. É muito difícil, mas acho que as polícias mundiais têm condições de combater o narcotráfico.

ConJur — Como se colocar nessa guerra em que o crime organizado não tem limites morais e o Estado tem que obedecer regras civilizadas para combatê-lo?

Cláudio Lembo — Acho que as regras civilizadas vencem o crime desde que se tenha transparência. A sociedade deve fazer a opção pelo crime ou pelo Estado. E ela sempre opta pela segurança física e social. É inevitável. As pessoas não querem o caos.

ConJur — E sobre as recentes operações promovidas pela Polícia Federal?

Cláudio Lembo — Não gosto da forma que são feitas. Eu critiquei a postura da Polícia em um artigo que publiquei recentemente. Chamei as algemas de calcetas da República. Calcetas eram as bolas que se colocava na perna dos escravos. Existe uma lei para uso da algema. Não se pode algemar se o preso não é perigoso ou se ele não tem a intenção de fugir. O uso indevido é uma violação ao artigo 5º da Constituição, uma violação à intimidade, à privacidade, à dignidade pessoal. Isso não pode acontecer.


ConJur — Internacionalmente, não há uma resistência aos pilares dos direitos humanos?

Cláudio Lembo — Quando os americanos criaram as prisões para os árabes, iraquianos ,afegãos, eu fiquei apavorado, porque estavam rompendo sua tradição jurídica, que é rica e forte para o Ocidente. Depois de um ano, os americanos deram uma lição, quando a Suprema Corte exigiu de todos o devido processo legal. Essa atitude salvou a dignidade das tradições greco-romana-judaico-cristã e anglo-americana.

ConJur —Tem uma história que ainda não está registrada, mas que quase faz do senhor uma testemunha de um golpe de Estado que não houve. Como foi isso?

Cláudio Lembo — Eu entrei no Palácio do Planalto, era 12 de outubro de 1977 e não tinha ninguém na portaria. Dentro do Palácio tinha um monte de soldados. Tentei subir pelo elevador e ele não funcionava. Subi pela escada. Em todas as janelas havia sacos de areia. Cheguei no gabinete do ministro Golbery, e não tinha ninguém. Fui entrando. Ele estava na sua mesa. Quando me viu me perguntou: “O que você está fazendo aqui? Você está louco?”. E eu disse: “O senhor marcou uma audiência, eu estou aqui como pessoa responsável”. Aí ele explicou que estava havendo uma ameaça de golpe de Estado e que o [general Sylvio]Frota havia sido demitido do Ministério do Exército e queria matar todos nós. Então ele foi falar com o presidente [Ernesto] Geisel e quando voltou as coisas já tinham se acalmado. A situação estava feia, mas nossos episódios não têm heroísmo como o PT faz. Nós burgueses somos burgueses. As coisas acontecem normalmente.

ConJur — O que o ligava ao Golbery?

Cláudio Lembo — O presidente Geisel queria revogar o Ato Institucional nº 5 e por isso fez uma reunião no Palácio da Alvorada com os presidentes da Arena. Eu era o presidente do partido em São Paulo. Eu me mostrei mais interessado que os demais e por isso Geisel pediu que eu conversasse com o Golbery. Disso começou o diálogo do Estado com a nação. Nós íamos buscar figuras para dialogar para saber como se deveria fazer a abertura. Nessa época que conheci o presidente Lula, porque ele foi chamado pelo Estado para conversar. Me tornei amigo dele e tenho muito respeito por ele. Fiquei chateado com a crise que aconteceu no governo, mas eu esperava mais do presidente, eu achei que ele tivesse raízes.

ConJur — Quem o PFL apóia para presidente da República?

Cláudio Lembo — Nesse momento ainda temos candidato, que é o prefeito César Maia, mas ele já demonstrou que não deseja ir até o momento final. Se ele oportunamente deixar a campanha ou a pré-campanha, eu vejo no governador Geraldo Alckmin um grande candidato. Eu pessoalmente teria muita simpatia em vê-lo presidente da República. Convivi com ele esses três anos no governo. O Alckmin é um homem diferenciado pelo equilíbrio emocional, pelo bom senso, sem exagero, sem populismo, sem exasperações. Mas tem outro candidato no PSDB que é o prefeito José Serra. Assim, este ainda é assunto interno do PSDB. Eles vão decidir e nós do PFL vamos analisar depois o que fazer.

ConJur — Mas, provavelmente o senhor assume o governo do estado.

Cláudio Lembo — É possível.

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