Fraude na bomba

Posto é responsável pelo combustível que vende

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19 de novembro de 2005, 11h37

Um posto de Bauru (SP) terá de devolver aos consumidores o dinheiro que gastaram com gasolina adulterada vendida entre os dias 6 e 10 de janeiro deste ano. A Justiça também determinou que o posto pague os prejuízos mecânicos que os motoristas tiveram por causa do combustível fraudado.

O juiz Roberto Lemos dos Santos Filho, da 1ª Vara da Justiça Federal de Bauru, decidiu que têm direito ao ressarcimento todos os consumidores que comprovarem que abasteceram seus carros no Posto Redentor de 6 a 10 de janeiro deste ano, período em que o combustível adulterado foi vendido. O estabelecimento deverá publicar uma convocação para os consumidores em três jornais da região.

Segundo denúncia do Ministério Público Federal, o posto recebeu, nos dias 6 e 7 de janeiro, gasolina adulterada. No dia 10, a Polícia Militar e o Ministério Público, movidos pela denúncia de um consumidor, colheram amostras do combustível e lacraram as bombas. O material foi submetido à análise do Instituto de Pesquisas Tecnológicas, que confirmou a adulteração. O MPF e a ANP – Agência Nacional de Petróleo, então, entraram com Ação Civil Pública conta o posto e seus representantes legais.

Os acusados alegaram que não poderiam figurar no pólo passivo, já que eram apenas fornecedores, e que o combustível não trouxe danos aos veículos. Eles apresentaram relatório de outro laboratório, que foi rejeitado pela Justiça por não ser autorizado nem credenciado ao ANP.

Em sua decisão, o juiz Santos Filho rejeitou os argumentos dos proprietários do posto. Ele citou o artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor, que afirma que “os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo”. Santos Filho também argumentou que, pelo artigo 23 do CDC, “a ignorância do fornecedor sobre os vícios de qualidade por inadequação dos produtos e serviços não o exime da responsabilidade”.

Caso os consumidores não reclamem o dinheiro a que têm direito, a quantia referente à venda da gasolina adulterada deverá ser paga ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.

Leia a íntegra da decisão

Autos nº 2005.61.08.003633-7

1ª Vara Justiça Federal Bauru/SP

Vistos.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e a AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO – ANP ajuizaram a presente ação civil pública contra ANDREA DE CARVALHO COMBUSTÍVEIS – nome fantasia CONVENIÊNCIA E POSTO REDENTOR LTDA., ANDREA DE CARVALHO e MAURÍCIO DE CARVALHO, visando assegurar ressarcimento de danos causados a consumidores em razão da oferta a comércio de gasolina não conforme aos padrões de qualidade fixados pela Agência Nacional do Petróleo – ANP.

Em suma, os autores descreveram que, no dia 10.01.2005, Agentes da Polícia Militar compareceram ao estabelecimento do Posto Redentor, atendendo denúncia de consumidor que afirmou ter abastecido seu veículo no mencionado estabelecimento, após o que o veículo passou a apresentar problemas mecânicos, fato esse também levado ao conhecimento do Ministério Público Federal.

Acompanhados de um estagiário químico, os policiais militares e o representante do Ministério Público Federal colheram amostras de gasolina comercializada, referentes aos bicos 01, 02, 03 e 04, e lacraram as bombas após constatarem a adulteração do combustível comercializado, o que foi realizado mediante teste de proveta para a determinação da porcentagem de álcool na gasolina C.

As amostras colhidas foram enviadas ao IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas, onde foi verificada a adulteração do combustível, sendo constatada a existência de teor de álcool com percentuais de 58% + e de 51 +, respectivamente, superiores ao permitido pela Portaria nº 309/01 da ANP que é de 25% +, em prejuízo aos consumidores e à ordem econômica.

Pleitearam a condenação dos réus ao ressarcimento do correspondente a 100% do valor gasto pelos consumidores na aquisição da gasolina adulterada, bem como eventuais danos causados aos veículos, mediante comprovação do abastecimento de veículos no período compreendido entre a data da aquisição da gasolina até a data em que tenha ocorrido a venda da totalidade desse combustível, de acordo com registros constantes do Livro de Movimentação de Combustíveis, onde obrigatoriamente o comerciante deve registrar as entradas e saídas de combustíveis.

Regularmente citados e intimados a apresentar os registros constantes do Livro de Movimentação de Combustíveis referentes ao combustível comercializado entre 06.01.2005 a 11.01.2005, bem como as notas fiscais nºs 250.699 e 250.845 emitidas por Flag Distribuidora de Petróleo Ltda. (fl. 60), os requeridos trouxeram aos autos os registros do Livro de Movimentação de Combustíveis e notas fiscais emitidas pela distribuidora de petróleo, e apresentaram contestação às fls. 84/101.


Na resposta ofertada suscitaram, em síntese, a ilegitimidade do estabelecimento comercial, bem como a ilegitimidade de seus representantes legais para figurar no pólo passivo da ação. Argumentaram, também, a ausência de lesão a consumidores, sobretudo diante das conclusões de análise do combustível apreendido, cuja cópia foi trazida aos autos, onde consta que não houve adulteração por percentagem de álcool excessiva.

É o relatório.

Reputo bem caracterizada a legitimação ativa do Ministério Público Federal, e entendo adequada a via processual eleita, em razão da questão posta estar bem aperfeiçoada às definições constantes dos arts. 1º, 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor e, por conseguinte, ao regulado nos arts. 1º, inciso II, 5º e 21 da Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/1985), ao disposto no art. 82 inciso I, e 92, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), e aos ditames dos arts. 5º, XXXII, e 129, inciso III, da Constituição da República.

Por outro prisma, ao contrário do aduzido na contestação, emerge inquestionável a legitimidade passiva de ANDREA DE CARVALHO COMBUSTÍVEIS – nome fantasia CONVENIÊNCIA E POSTO REDENTOR LTDA., de ANDREA DE CARVALHO e de MAURÍCIO DE CARVALHO diante dos expressos termos do art. 18, § 6º, incisos II e III, e dos arts. 23 e 28, § 5º, todos do Código de Defesa do Consumidor, dispositivos esses que possuem a seguinte redação:

“art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

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§ 6° São impróprios ao uso e consumo:

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II – os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação;

III – os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam.

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art. 23. A ignorância do fornecedor sobre os vícios de qualidade por inadequação dos produtos e serviços não o exime de responsabilidade.

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art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

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§ 5º. Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.” (grifei).

Ao tratar da questão posta nestes autos, vale consignar, responsabilidade por vício do produto e do serviço, Carlos Roberto Gonçalves ensina :

“Os bens ou serviços fornecidos podem ser afetados por vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária (art. 18).

O referido art. 18 do Código de Defesa do consumidor estabelece a responsabilidade solidária de todos aqueles que intervierem no fornecimento dos produtos de consumo de bens duráveis ou não-duráveis, em face do destinatário final.

O consumidor, em razão da solidariedade passiva, tem direito de endereçar a reclamação ao fornecedor imediato do bem ou serviço, quer se trate de fabricante, produtor, importador, comerciante ou prestador de serviços, como também pode, querendo, acionar o comerciante e o fabricante do produto, em litisconsórcio passivo.

Se o comerciante for obrigado a indenizar o consumidor, poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação no evento danoso (sem perquirição de culpa), nos termos do art. 13, parágrafo único, do mesmo Código.”

Diante da clareza das disposições legais citadas, e com apoio na lição transcrita, rejeito as preliminares, e procedo a análise do mérito.


Perquirindo o mérito, registro que conforme os documentos anexados às fls. 37/44, relatório de ensaio emitido pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas, as amostras de gasolina colhidas no estabelecimento comercial réu foram analisadas, ocorrendo a constatação do material não atender a Portaria nº 309/01-ANP.

Cabe salientar que, como consignado pelo Ministério Público Federal na manifestação de fl. 116 e documento que a acompanha, o laudo do laboratório INTECQ apresentado pelos réus em sua defesa não pode ser considerado, posto que não elaborado sob o manto do contraditório, e pelo fato de referido laboratório não ser autorizado ou credenciado pela Agência Nacional do Petróleo para realizar análises de combustíveis.

Registro, outrossim, que de acordo com o documento juntado à fl. 117, a amostra foi conduzida ao laboratório pelos réus, o laboratório INTECQ não realizou a coleta da amostra, não se responsabilizando, assim, pelo estoque do produto. Deve prevalecer, pois, a conclusão do estudo técnico produzido pelo IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas trazido com a inicial. Como pondera James Marins em estudo sobre a responsabilidade do fornecedor:

“… as questões afetas à saúde e segurança estão entre as mais relevantes suscitadas pela disciplina de proteção ao consumidor.

Parra Lucan expressa seu entendimento no sentido de que a proteção à saúde e segurança dos consumidores representa inequívoca manifestação do próprio direito à vida, internacionalmente reconhecido pelos textos constitucionais modernos. A inclusão da proteção à saúde e segurança dos consumidores neste contexto levaria ao dever do Estado em estabelecer adequada regulamentação da responsabilidade civil dos fabricantes pelos danos causados por seus produtos aos consumidores.

Pode-se ainda considerar que os riscos à saúde ou segurança dos consumidores, de que trata o art. 8º, têm também conteúdo patrimonial abrangendo o patrimônio dos consumidores além de sua integridade física e psíquica. Para Parra Lucan, conforme já visto; ‘Em este sentido, el concepto ‘seguridad’ sería más amplio que el de ‘salud’ e el de ‘seguridade física’, y equivaldría a uma garantia global de adequacion de los productos a las legítimas expectatvias de los consumidores’.”

Na contestação ofertada os réus aduziram a inexistência de prejuízos aos consumidores em razão da lacração dos tanques, o que acarretaria a impossibilidade de acolhimento do pleito deduzido na inicial, imbricado com indenização de consumidores lesados ao adquirirem gasolina adulterada. Como destacado pelo Ministério Público Federal às fls. 139/140:

“… cabe observar que, pelos documentos de fls. 105/106, a ré adquiriu um total de 6.000 litros de gasolina da FLAG nos dias 06 (3.000 litros) e 07 (3.000 litros) de janeiro deste ano; porém, a lacração dos tanques e bombas foi realizada somente no dia 10/01/2005 (fl. 32), tempo suficiente para comercializá-la, ainda que não totalmente. As cópias do LMC juntadas às fls. 112/113, aliás, confirmam a venda dessa gasolina adulterada já no dia do recebimento/carregamento.

Assim, as justificativas apresentadas pelos réus não são idôneas para eximi-los de suas responsabilidades, em razão do que devem ressarcir todos os consumidores que comprovem que abasteceram seus veículos no período de 06/01/2005 a 10/01/2005 no posto demandado, ou, caso tais consumidores não se manifestem, que a indenização a ser revertida ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, seja equivalente ao total de combustível adulterado comercializado no aludido lapso de tempo, volume esse a ser apurado com a juntada aos autos dos registros dos LMC’s referentes a todo o período, o que fica desde já requerido (tendo em conta que as cópias juntadas referem-se apenas ao dia do recebimento do produto).

Por fim, cabe consignar, a título de argumentação, que mesmo na ausência de comercialização do combustível adulterado, a responsabilidade do fornecedor instituída pelo CDC abrange até os consumidores em potencial. Deveras, a iminente comercialização de produtos impróprios aos fins a que se destinam alcançam, por inteiro, todos os potenciais consumidores, aos quais o legislador estendeu sua proteção, equiparando-os aos consumidores (Código de Defesa do Consumidor, art. 29);” (FLS. 139/140, grifo original).

Pelo exposto, emergindo dos autos certa a inidoneidade da gasolina colocada pelos réus no mercado consumidor, lembrando o escólio de Plauto Faraco de Azevedo no sentido de que “não sendo neutro, mas devendo ser imparcial, não pode o juiz admitir que os princípios constitucionais se tornem parte de um discurso retórico-ornamental”, atento ao disposto no art. 5º, inciso XXXII, e no art. 170, inciso V, ambos da Constituição, concluo impositivo o acolhimento do pleito deduzido na inicial.

Dispositivo.

Ante o exposto, com base no art. 269, inciso I, Código de Processo Civil, julgo procedente o pedido para condenar ANDREA DE CARVALHO COMBUSTÍVEIS – nome fantasia CONVENIÊNCIA E POSTO REDENTOR LTDA., ANDREA DE CARVALHO e MAURÍCIO DE CARVALHO a devolverem os valores cobrados dos consumidores que comprovem que abasteceram veículos no estabelecimento comercial réu no período compreendido entre 06.01.2005 a 10.01.2005, bem como a indenizarem todos danos materiais causados aos veículos dos consumidores que utilizaram o combustível adulterado.

Na hipótese de não haver manifestação por parte dos consumidores, ficam os réus condenados a pagar indenização equivalente ao valor de todo o combustível comercializado entre 06.01.2005 a 10.01.2005, conforme registros constantes do Livro de Movimentação de Combustíveis – LMC’s, devendo o valor ser vertido ao Fundo que trata o art. 100 do Código de Defesa do Consumidor.

Ficam os réus condenados, ademais, ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em dez por cento sobre o valor total da condenação, quantia essa que também deverá ser revertida ao Fundo que trata o art. 100 do Código de Defesa do Consumidor, bem como a publicarem editais em três jornais de circulação nesta região contendo resumo desta sentença, convocando os consumidores a apresentarem documentos comprobatórios de aquisição de combustíveis para ressarcimento, como requerido no item 2.b da inicial (fl. 22).

P.R.I.

Bauru/SP, 16 de novembro de 2.005.

Roberto Lemos dos Santos Filho

Juiz Federal

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