Justiça gratuita

Trabalhador não precisa provar que precisa de Justiça gratuita

Autor

18 de novembro de 2005, 19h28

Trabalhador tem direito à Justiça gratuita mesmo assistido por advogado particular e sem comprovar que recebe menos de dois salários mínimos. Basta afirmar que sua renda é insuficiente para arcar com as custas processuais.

O entendimento é da Seção Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo) e foi aplicado no julgamento de Mandado de Segurança de 15 portuários contra decisão da 1ª Vara do Trabalho de Santos. Ainda cabe recurso.

A primeira instância negou pedido de isenção de custas. Entendeu que o grupo não comprovou atender os requisitos do artigo 14 da Lei 5.584/70 — ser assistido por sindicato e não receber mais do que dois salários mínimos mensais.

Inconformados, os 15 portuários recorreram ao TRT de São Paulo. A relatora, juíza Wilma Nogueira de Araújo Vaz da Silva, esclareceu que a gratuidade da Justiça está prevista no artigo 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal, e exige da parte somente “simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo”.

Segundo a juíza, esta declaração de insuficiência econômica deve ser firmada “pelo empregado, ou por procurador, ainda que sem poderes especiais, podendo ser solicitada inclusive na fase recursal, sendo irrelevante também o fato de a parte estar assistida por advogado particular”.

Segundo a decisão, a assistência sindical “é sim requisito indispensável para o deferimento de honorários advocatícios, mas não o é para a concessão dos benefícios da justiça gratuita, onde a exigência se faz apenas quanto à declaração de insuficiência de recursos, devidamente implementada pelo impetrante”. Por maioria de votos, os juízes da isentaram os portuários das custas processuais.

Leia a decisão

Processo TRT/2a Região nº 10049200500002002 (49/2005-2)

MANDADO DE SEGURANÇA

Impetrantes: Domingos Jorge dos Santos e Outros (14)

Impetrado: Ato do Exmo. Juiz da 1ª Vara do Trabalho de Santos

Litisconsorte: Órgão de Gestão de Mão-de-obra do Trabalho Portuário do Porto Organizado de Santos – OGMO

VOTO DIVERGENTE

Mandado de segurança. Justiça Gratuita. Isenção de custas. A gratuidade da justiça, na forma prevista no artigo 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal, ou seja, integral, exige da parte somente “simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo”, sem prejuízo próprio ou de sua família (art. 4º, da Lei nº 1.060/50), podendo ser firmada inclusive por procurador, independentemente de poderes específicos, no termos da Orientação Jurisprudencial nº 331 da SDI 1do C. TST. Caracterizada a ofensa ao direito líquido e certo do impetrante na decisão que indefere os benefícios da justiça gratuita, ao fundamento de que além da referida declaração seria indispensável a assistência sindical.

Segurança que se concede em definitivo.

Adoto o relatório do Exmo. Juiz Sorteado, nestes termos:

“Insurgem-se os Impetrante às fls. 02/11 contra a Decisão da D. Autoridade coatora, que indeferiu os benefícios da Justiça Gratuita, porquanto restaram preenchidos os requisitos estabelecidos pela Lei 10.537 de 27/08/2002; além disso, tiveram negado o amplo acesso à Justiça, eis que houve recusa no recebimento do Recurso Ordinário por deserção; requerem a concessão da segurança, a fim de que sejam concedidos os benefícios da Justiça Gratuita, com o regular recebimento do Recurso Ordinário interposto.

Não houve pedido de liminar.

Informações da D. Autoridade impetrada à fl. 93.

Manifestação do litisconsorte passivo às fls. 95/96.

Parecer do D. Ministério Público do Trabalho às fls. 113/114, pela denegação da segurança.

VOTO DIVERGENTE

Data vênia dos bem lançados fundamentos adotados pelo Exmo. Juiz Relator, divirjo por entender cabível os benefícios da justiça gratuita na hipótese sub judice.

Depreende-se dos autos que a r. sentença originária, fl. 71, julgando improcedente a reclamatória, indeferiu os benefícios da justiça gratuita, não obstante as declarações de insuficiência econômica juntada pelos reclamantes, ora impetrante, fls. 40-47, e impondo-lhes o recolhimento de custas no montante de R$ 220,00, consignando que:

“Não são concedidos os benefícios da justiça gratuita por não comprovados os requisitos do artigo 14 da lei 5.584/70, de 26/06/1970 (não está assistido pelo Sindicato e, uma vez na ativa, não comprovou perceber menos de dois salários mínimos mensais)”

Na seqüência, apresentaram os autores recurso ordinário, obstado por deserção em 1ª instância, consoante se infere da cópia encartada à fl. 88.

No caso ofensa a direito líquido e certo resulta do fato de que a gratuidade da justiça, na forma prevista constitucionalmente (art. 5º, LXXIV) e nas Leis nºs 1.060/50 (art. 4º) e 7.510/86, ou seja, integral, englobando custas processuais (CLT, art. 790-A), exige somente a simples declaração de insuficiência econômica firmada pelo empregado, ou por procurador, ainda que sem poderes especiais (Orientação Jurisprudencial nº 331, SDI 1/TST), podendo ser solicitada inclusive na fase recursal, sendo irrelevante também o fato de a parte estar assistida por advogado particular, de acordo com os seguintes precedentes do c. TST: RR n° 478452, 2ª T, Rel. Min. José Simpliciano Fernandes, DJU: 04.04.2003, RR n° 647762, 3ª T, Rel. Min. Carlos Alberto Reis de Paula, DJU: 27.08.2004.

Enfatize-se ainda que os entendimentos sedimentados nos Enunciados 219 e 329 e na Orientação Jurisprudencial 304 da SDI 1, todos do c. TST, assinalam que a assistencial sindical é sim requisito indispensável para o deferimento de honorários advocatícios, mas não o é para a concessão dos benefícios da justiça gratuita, onde a exigência se faz apenas quanto à declaração de insuficiência de recursos, devidamente implementada pelo impetrante, reclamante na ação originária, à fl. 17. Nesse sentido, merece destaque as seguintes ementas:

“CUSTAS PROCESSUAIS – BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA – A declaração de pobreza firmada pela parte, nos termos da lei, assegura-lhe, até prova em contrário, o direito à justiça gratuita, consoante dispõe a nova redação do art. 4º, § 1º, da Lei nº 1060/50. Agravo provido parcialmente.” (TST – AROMS 417112 – SBDI 2 – Rel. Min. Ronaldo José Lopes Leal – DJU 23.02.2001)”

“ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA – REQUISITOS LEGAIS PARA SUA CONCESSÃO – MERA AFIRMAÇÃO DE INSUFICIÊNCIA ECONÔMICA – HONORÁRIOS PERICIAIS – ISENÇÃO – A teor do disposto no artigo 4º da Lei nº 1060/50, a simples declaração de pobreza por parte do trabalhador é suficiente para assegurar o direito à Justiça gratuita, cuja veracidade é presumida na forma da Lei nº 7115/83. Assim sendo, tendo a reclamante requerido o benefício da Justiça gratuita, nos moldes exigidos pela referida Lei, atendido restou o requisito necessário a sua concessão, pelo que está isenta do pagamento dos honorários periciais, nos termos do art. 3º, inciso V, da Lei nº 1060/50. (TST – RR 771237 – 1ª T. – Rel. Min. Conv. Aloysio Corrêa da Veiga – DJU 14.02.2003)”

“BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA. DECLARAÇÃO DE POBREZA QUE NÃO CONTÉM A EXPRESSÃO “SOB AS PENAS DA LEI”. VALIDADE. A partir da edição da Lei nº 7.510/86, que deu nova redação ao art. 4º, e parágrafos, da Lei nº 1.060/50, passou-se a exigir a simples afirmação da parte no sentido de que não tenha recursos para pagar as despesas processuais. Sendo a Lei nº 7.510/86 posterior à Lei nº 7.115/83 (a qual falava no formalismo da expressão “sob as penas da Lei”), e tratando da mesma matéria, conclui-se que revogou quaisquer disposições em contrário constantes da última. A sistemática da simples afirmação a que se refere a Lei nº 7.510/86, não se contabiliza com o formalismo previsto na Lei nº 7.115/83. Recurso de revista conhecido e provido. (TST, RR 816192, 5ª Turma, Rel. Min. Rider Nogueira de Brito – DJU 06.02.2004).

Frise-se que a matéria ora analisada, mesmo se já submetida a reexame em sede recursal, mediante apelos próprios, não torna incabível a utilização do remédio heróico, não se aplicando a essa hipótese específica o óbice do artigo 5º, II, da Lei nº 1.533/51. A possibilidade de apreciação do objeto desta ação mandamental se deve ao fato de que a denunciada violação do direito líquido e certo à justiça gratuita, e, por conseqüência, à dispensa do recolhimento de custas, é intemporal e independente de apreciação como matéria recursal, sequer transitando em julgado, consoante estatui o atual parágrafo 3º do artigo 790 da CLT. Essa conclusão é corroborada por acórdão do c. TST, in verbis:

“CUSTAS PROCESSUAIS – MUNICÍPIO – ISENÇÃO DE PAGAMENTO – ART. 790-A DA CLT ACRESCENTADO PELA LEI Nº 10.537/2002 – As custas têm natureza de taxa, remuneratória de serviços públicos pelo exercício da atividade estatal, que se inclui no rol de tributo. O fato gerador das custas é a condenação por sentença. Desse modo, a Lei nº 10.537/2002, de aplicação imediata, que acrescentou o art. 790-A da CLT, isentando os municípios do pagamento das custas, pressupõe que o fato gerador alcançado pela isenção já tenha ocorrido. Assim, tratando-se de relação continuativa, ainda que tivesse ocorrido o trânsito em julgado da sentença, existindo o fato gerador para a isenção das custas, exclui-se o seu pagamento, não se tratando de retroatividade da lei. Recurso conhecido e provido.” (TST, RR 789, 4ª T., Rel. Min. Barros Levenhagen – DJU 07.05.2004)

As custas, como se sabe, têm natureza de taxa remuneratória de serviços públicos, de modo que seu trânsito em julgado ocorre em sede administrativa, peculiaridade que, na lição de Hely Lopes Meirelles, equivale apenas a uma preclusão de efeitos internos, sem o alcance da coisa julgada judicial, “porque o ato jurisdicional da Administração não deixa de ser um simples ato administrativo decisório, sem a força conclusiva do ato jurisdicional do Poder Judiciário” (cf. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo:Malheiros Editores, 2004, p.655). Esse é o motivo pelo qual a lesão se faz suscetível de reparação mediante mandado de segurança, independentemente da fase em que se encontre a tramitação do processo judicial originário. Nesse sentido, aliás, encontram-se redigidas as ementas assentadas na Orientação Jurisprudencial da SDI-1 do c. TST 269, conforme transcrita a seguir: “OJ 269. Justiça Gratuita. Requerimento de Isenção de Despesas Processuais. Momento Oportuno. O benefício da justiça gratuita pode ser requerido em qualquer tempo ou grau de jurisdição, desde que, na fase recursal, seja o requerimento formulado no prazo alusivo ao recurso.”

Logo, confirmo a liminar deferida à fl. 60, concedendo em definitivo a segurança para isentar os reclamantes do recolhimento de custas processuais.

Quanto ao pedido de processamento do recurso ordinário, deverá ser apreciado pela instância competente, porquanto que refoge ao âmbito do mandado de segurança, via processual apta a analisar apenas afronta a direito líquido e certo, nos termos do artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal e do artigo 1º da Lei nº 1.533/51.

Do exposto, concedo parcialmente a segurança, nos termos da fundamentação. Sem custas processuais, em virtude do deferimento da justiça gratuita.

WILMA NOGUEIRA DE ARAÚJO VAZ DA SILVA

Juíza Relatora Designada

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!