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Plantio de maconha sem provas de tráfico caracteriza porte

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17 de novembro de 2005, 10h04

O plantio de maconha pode caracterizar tanto tráfico de drogas como posse de substância entorpecente. Diante da insuficiência de prova de tráfico, com o simples cultivo da maconha, entende-se que o cultivador tem a posse da substância, no caso, destinada ao uso próprio. Para se configurar tráfico seria necessário prova de venda ou fornecimento a terceiros.

Com essa tese, a Justiça de Cotia (SP) desclassificou para porte de entorpecente as acusações de tráfico que pesavam contra três réus e absolveu um outro por insuficiência de provas. A sentença foi proferida pelo juiz José Tadeu Picolo Zanoni, da 1ª Vara de Cotia.

O juiz condenou Floriano Andrade dos Santos e Alexandre Tessione dos Santos a seis meses de detenção, em regime aberto, e ao pagamento de 20 dias-multa, podendo a pena de detenção ser trocada por multa. Na mesma sentença, condenou Junio Duarte que, por ser reincidente, recebeu pena seis meses agravada de um sexto (sete meses). Neste caso o juiz não permitiu a conversão da pena em multa. Outro acusado, Adno Ruas de Abreu, foi absolvido.

Os fatos

Segundo a denúncia, no início de 2003, os réus associaram-se para semear, plantar e colher maconha numa área localizada na Estrada do Morro Grande, em Cotia. Até 15 de junho daquele ano, foram cultivados 35 pés da erva. Naquela data, dois acusados foram surpreendidos por guardas civis perto do local com fracos contendo sementes para o plantio. Foram detidos e levaram os guardas até os outros dois réus.

A defesa alegou que os interrogatórios foram feitos sem a presença de advogado e defendeu a fragilidade da prova, a atipicidade do plantio para uso próprio e a desclassificação do delito para porte de entorpecente (para Junio Duarte) e a absolvição de Floriano e Alexandre.

Decisão

O juiz entendeu que as plantas ficavam dispersas no terreno e que, por isso, é impossível concluir, no caso, que se tratava de uma plantação de droga, capaz de ser enquadrada no tipo penas do artigo 12 da Lei de Tóxicos. “Vale dizer que não foram encontrados apetrechos de beneficiamento da droga e nem droga prensada, circunstâncias que, em outros casos, determinaram o reconhecimento do tráfico”, afirmou Zanoni.

No caso da acusação de associação para o tráfico, o juiz entendeu que no caso em questão tal dispositivo não pode ser aplicado por causa do caráter eventual, fortuito e casual do cultivo. “Não se provou haver associação entre ao acusados para o cultivo e tráfico da droga, mesmo porque não há a menor prova de mercancia da droga”, concluiu o juiz.

Leia a íntegra da sentença

PRIMEIRA VARA DA COMARCA DE COTIA

Processo n. 411/03

VISTOS

A JUSTIÇA PÚBLICA move ação penal contra FLORIANO ANDRADE DOS SANTOS, qualificado a fls. 19, ALEXANDRE TESSIONE DOS SANTOS, qualificado a fls. 25, JUNIO DUARTE, qualificado a fls. 33 e ADNO RUAS DE ABREU, qualificado a fls. 42, como incursos nas sanções dos artigos 12, parágrafo primeiro, inciso II e também artigo 14, ambos da lei n. 6368/76. Segundo consta da denúncia, a partir do começo do ano de 2003, na Estrada do Morro Grande, 12, Chácara Morro Grande, nesta cidade, os réus associaram-se para semear, cultivar e fazer colheita de plantas destinadas à preparação de substância entorpecente, capaz de determinar dependência física ou psíquica. Os réus semearam até o dia 15 de junho de 2003 e cultivaram 35 pés de maconha. No dia 15 de junho de 2003 guardas civis avistaram os réus Junio e Adno trafegando numa moto Honda CBS 200 Strada em atitude suspeita. Junio jogou ao chão um frasco contendo sementes de maconha. Confessaram que faziam o plantio da erva e levaram os guardas até o local supra mencionado, onde faziam a plantação. Os guardas encontraram os outros dois réus também. Foram juntados laudos relativos à droga (fls. 90/92) e ao local (fls. 256/266).

A denúncia foi recebida (fls. 65, em 03 de julho de 2003). Os réus pediram a liberdade provisória (fls. 98/123, com documentos), sendo o pedido indeferido (fls. 125). Citados (fls. 127v.), foram interrogados (fls. 128/129 – Floriano; fls. 130/131- Alexandre; fls. 132/133- Adno; fls. 176/177- Junio). Adno pediu a liberdade provisória (fls. 141/160, com documentos), que foi acolhido (fls. 162/162v.).

Os três réus presos reiteraram o pedido de liberdade (fls. 187/188), sendo indeferido (fls. 190). Apresentaram suas defesas (fls. 207/208 – Adno; fls. 209/211 – os demais).

Foram ouvidas testemunhas de acusação (fls. 219/222) e de defesa (fls. 223/225, 237/239). Os réus reiteraram o pedido de soltura (fls. 247/249), que foi indeferido (fls. 253). Posteriormente, concedeu-se liberdade provisória para os réus Floriano e Alexandre (fls. 270/270v., em 19 de novembro de 2003).

Foi ouvida mais uma testemunha de defesa (fls. 295). O MP ofertou exceção de impedimento (fls. 298), que está apensada ao terceiro volume dos autos.


Em alegações finais, o órgão acusatório pediu a procedência parcial da denúncia, com a condenação de todos os réus, com exceção de Adno (fls. 306/310). A pena de Junio é pedida acima do mínimo legal, ante sua reincidência. Junio, Floriano e Alexandre apresentaram alegações finais (fls. 312/319), invocando: a) realização dos interrogatórios de forma antecipada sem a presença dos defensores; b) fragilidade da prova no que se refere a Alexandre e Floriano; c) atipicidade do plantio para uso próprio; d) desclassificação do delito para o tipo do artigo 16 no tocante a Junio e absolvição de Floriano e Alexandre.

Foi concedida segurança para determinar a realização de novo interrogatório dos réus Alexandre, Floriano e Junio (fls. 328/331). Os réus foram interrogados novamente (fls. 350/351- Floriano; fls. 352/353- Adno; fls. 354/355 – Alexandre; fls. 377/378- Junio).

Finalmente, o réu Adno apresentou alegações finais (fls. 441/444). Foi determinada a reabertura de vista dos autos para as partes para novas alegações finais, tendo em vista a realização de novos interrogatórios (fls. 445/445v.). O MP e Adno reiteraram as alegações anteriores (fls. 456 e 456v.). Os demais réus falaram a fls. 458/460.

É o relatório. DECIDO.

Depois da instrução dos autos e dos dois interrogatórios dos réus, é o caso de analisar a prova colhida, proferindo-se a decisão aguardada. Desde já, considerando a prova colhida e o pedido ministerial, fica aceito o pedido de absolvição de Adno Ruas de Abreu. A prova será examinada apenas no que se refere aos outros três acusados.

O réu Floriano de Andrade dos Santos, quando interrogado a fls. 129, reconheceu que plantava a droga para uso próprio. Junio e Alexandre também faziam uso da droga plantada. Já Alexandre (fls. 131), disse que a droga era plantada por Junio, que trabalhava com o pai, Floriano. Deixaram que Junio plantasse porque era usuário. Junio reconheceu que a plantação era dele. A plantação ocorria no terreno em que Floriano e Alexandre também moravam. Disse que os outros réus não tinham relação com os fatos.

Posteriormente, no segundo interrogatório, Floriano confirmou o anterior, mas disse que jogava as sementes, sem querer plantar (fls. 351). Disse que fumava, mas não o faz mais. Alexandre, por outro lado, disse que ao chegar em casa no dia da prisão a polícia já estava por lá (fls. 355). Disse também que somente Junio e Floriano, seu pai, faziam uso dos pés plantados. Junio, novamente interrogado, negou que plantasse a droga. Disse, por outro lado, que ia sempre ao sítio de Floriano, onde fazia uso da droga.

A testemunha de fls. 219/220 disse que Junio reconheceu que plantava a droga para uso próprio. “Floriano e seu filho disseram que plantavam os pés para uso próprio” (fls. 219). Já Adno disse desconhecer as sementes. O depoente de fls. 221 disse que foi Junio quem dispensou o frasco com as sementes de maconha. Segundo tal testemunha, Alexandre e Floriano também disseram que os pés eram para uso próprio.

Considerando a prova colhida, temos que é clara uma coisa: os réus não vendiam a droga para terceiros. Alexandre e Floriano eram os ocupantes do imóvel e a droga, com maior ou menor grau de cuidado, crescia ali. O laudo descreve assim a propriedade (grifos nossos): “Ofereceu interesse a perícia a horta, onde os canteiros separados por madeira, havia couve, pés de pimenta e dispersos entre os canteiros pés de planta arbustiva aparentemente de maconha, alguns tinham cerca de quinze centímetros de altura e outros com quarenta centímetros aproximadamente. A planta possuía folhas afiladas e serrilhadas nas bordas, galhos com três folhas grandes e duas pequenas, as nervuras eram aparentes. Os pés foram arrancados, perfazendo um total de 21 pés”. A droga era usada somente pelos réus, Floriano, Alexandre e Junio. Houve divergências entre eles a respeito da origem da plantação mas todos eles reconheceram o uso da droga por eles plantada.

É certo que boa parte da jurisprudência determina que, havendo cultivo da droga, existe o crime ora imputado. Com o devido respeito, no presente caso, tal solução está longe de justa. Como dito e frisado acima, as plantas ficavam dispersas do terreno. É impossível dizer que isso é uma plantação de droga, digna de ser enquadrada em tipo penal como o artigo 12 da lei de Tóxicos. Um dos réus disse que jogava as sementes e depois regava as plantas. Se isso é crível ou não, é certo que as plantas estavam dispersas pelo terreno, como dito, não por este Juiz, mas pelo perito do Instituto de Criminalística. É correto afirmar que isso caracterizava uma plantação? Parece que não.

Apesar da defesa afirmar que a desclassificação para porte é ilegal, fundada em V. Acórdão proferido em caso de Barueri, temos que a desclassificação para delito do artigo 16 da lei n. 6368/76 é a solução que se coloca como mais correta e com amparo jurisprudencial. Vale dizer que não foram encontrados apetrechos de beneficiamento da droga e nem droga prensada, circunstâncias que, em outros casos, determinaram o reconhecimento do tráfico. Vejamos alguns casos (grifos nossos):


TÓXICO – Tráfico – Semeadura e cultivo no quintal da residência – Ausência de prova da venda ou fornecimento a terceiros – Desclassificação para a figura do artigo 16 da Lei n.º 6.368/76 – Recurso parcialmente provido. Punir-se alguém com o mínimo de três anos de reclusão desde que plante maconha, seja em que circunstância for, é objetivo que não se compadece com o estágio de evolução do Direito Penal moderno, franca e escancaradamente subjetivista. (Apelação Criminal n.º 176.722-3 – Dracena – Relator: POÇAS LEITÃO – CCRIM 5 – V.U. – 16.03.95)

TÓXICO – Uso próprio – Cultivo de plantas de maconha destinadas à manutenção do próprio vício – Ato que pressupõe a posse da substância entorpecente – Adequação ao artigo 16 da Lei n. 6.368/76 – Inexistente a prova do destino ao comércio ou a terceiros – Condenação – Recurso provido. Com o simples cultivo da maconha, o cultivador tem a posse da substância entorpecente, no caso, destinada ao próprio uso diante da absoluta insuficiência de prova do tráfico. (Apelação Criminal n. 255.681-3 – Casa Branca – 1ª Câmara Criminal Extraordinária – Relator: Pereira da Silva – 26.04.00 – V.U.)

TRÁFICO DE ENTORPECENTES – Cultivo – Inconfigurada a figura típica do art. 12, parágrafo 1º, II, da Lei de Tóxicos – Acusado que cultivava em vaso duas tenras plantas, identificadas como sendo maconha, com altura de quatro a quinze centímetros, sabidamente a desenvolver-se ao porte de arbusto, quando então passa a servir-se para a colheita de matéria prima (folhas). Ademais, não elucidada na perícia a presença do princípio ativo ou o específico elemento intoxicante – Recurso parcialmente provido. (Apelação Criminal n. 312.982-3 – Campos do Jordão – São Paulo – 3ª Câmara Criminal do Tribunal – Relator: Gonçalves Nogueira – 28.11.00 – M.V.)

CRIME CONTRA A SAÚDE PÚBLICA – Tráfico de entorpecente – Cultivo de maconha – Incerteza quanto à finalidade de traficância – Desclassificação do delito para o do art. 16 da Lei 6.368/76 (TJRS – Ement.) RT 610/410

CRIME CONTRA A SAÚDE PÚBLICA – Tráfico de entorpecente – Plantio de maconha – Ausência de prova nos autos de ser o acusado traficante – Condição de viciado, contudo, irretorquível – Desclassificação operada – Apelação provida – Inteligência dos arts. 12, § 1º, II, e 16 da Lei 6.368/76 (TJSC – Ement.) RT 544/422

No tocante ao delito do artigo 14 da mesma lei, temos que o mesmo não se aplica ao presente caso, dado o caráter eventual, fortuito, casual do cultivo. Não se provou haver associação entre os acusados para o cultivo e tráfico da droga, mesmo porque não há a menor prova de mercancia da droga. Também existe respaldo jurisprudencial para isso:

CRIME CONTRA A SAÚDE PÚBLICA – Cultivo de maconha – Co-autoria – Acusado que permite a semeadura em quintal de sua residência pelos co-réus – Figura do art. 14 da Lei 6.368/76, contudo, ausente na espécie – Recurso provido (TACrimSP – Ement.) RT 532/381

Considerando tudo isso, deve ocorrer a desclassificação para o delito de porte de entorpecente. Dois dos réus, Floriano e Alexandre, devem receber as penas mínimas, ou seja, seis meses de detenção, em regime aberto, e pagamento de vinte dias-multa. A pena detentiva deve ser trocada por multa, no seu piso mínimo, dez dias-multa. Junio, que é reincidente (fls. 17) do apenso próprio, deve receber a pena mínima, seis meses, agravada de um sexto, resultando em sete meses de detenção, em regime aberto. Incabível a conversão em multa por conta da reincidência.

Ante o exposto, julgo parcialmente procedente a denúncia para: a) absolver o réu ADNO RUAS DE ABREU, qualificado a fls. 42, das imputações sobre ele incidentes, com base no artigo 386, IV, do CPP; b) condenar os réus FLORIANO ANDRADE DOS SANTOS, qualificado a fls. 19, ALEXANDRE TESSIONE DOS SANTOS, qualificado a fls. 25, JUNIO DUARTE, qualificado a fls. 33, como incursos nas sanções dos artigos 16, caput da lei n. 6368/76, desclassificando a imputação feita, à pena de seis meses de detenção, em regime aberto, e ao pagamento de vinte dias-multa, para os dois primeiros, e sete meses de detenção, em regime aberto, e pagamento de vinte dias-multa, sendo cada um deles no valor legal mínimo. Para os dois primeiros, converto a pena detentiva em pecuniária, resultando em dez dias-multa, cada um deles no valor mínimo legal. Absolvo estes três réus da imputação feita relativamente ao artigo 14 da lei n. 6368/76, com base no artigo 386, VI, do CPP.

Os réus poderão recorrer em liberdade. Transitada esta em julgado, lancem-se os nomes dos três condenados no rol dos culpados e expeça-se o necessário.

P.R.I.C.

Cotia, 10 de agosto de 2005.

JOSÉ TADEU PICOLO ZANONI

Juiz de Direito

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