Consultor Jurídico

Banco não pode se sujeitar a diferentes interpretações

16 de novembro de 2005, 11h06

Por Ives Gandra da Silva Martins

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Como um dos advogados que patrocinam a Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre a aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao setor financeiro — ao lado dos eminentes professores Arnoldo Wald e Fátima Fernandes Rodrigues de Souza —, tenho me surpreendido com manifestações de analistas em artigos e programas de rádio e televisão sobre o que estaria sendo discutido na ação proposta — que, de rigor, não corresponde ao que nela é pleiteado.

Toda a argumentação — emocional, de resto — tem sido no sentido de que os bancos pretendem afastar qualquer direito do consumidor em suas relações com o sistema financeiro.

Apesar de, pessoalmente, entender que as relações dos bancos com seus usuários (aplicadores e tomadores de dinheiro) não são relações de consumo, visto que essas instituições não aplicam, usualmente, dinheiro próprio, mas de terceiros — vale dizer, recebem de A e emprestam a B, sendo, pois, meros trocadores de dinheiro —, o que se pretende discutir na ação é, primeiramente, se os bancos estariam sujeitos a dois regimes jurídicos distintos, o do Código de Defesa do Consumidor e a resolução do Banco Central que criou um Código de Defesa do Consumidor Bancário.

O primeiro ponto da ação objetivou, portanto, que o Supremo Tribunal Federal, guardião da lei maior, definisse a qual dos dois regimes estaria o sistema financeiro subordinado, sendo indiferente se a este ou àquele regime.

Há, entretanto, necessidade de essa definição por parte do Supremo Tribunal Federal, a partir do exame da constitucionalidade, ou não, do Código de Defesa do Consumidor e da existência de um CDC editado pelo Banco Central, para que, nas relações dos usuários do sistema (aplicadores e tomadores), haja uniformidade de normas a seguir.

Esta, todavia, é a questão menor, visto que um dos regimes será efetivamente aplicável na defesa do consumidor.

A grande questão que se discute na referida ação — e que diz respeito à própria saúde da moeda e do sistema financeiro — é saber se a política monetária e cambial está ou não está sujeita ao Código de Defesa do Consumidor.

Cumpre declarar se, à luz da Constituição Federal, cabe ao Banco Central definir essas políticas, estabelecendo, por exemplo, a taxa de juros, ou se esta matéria pode ser definida por qualquer um dos mais de 12 mil ilustres magistrados brasileiros, dada a multiplicidade de sentenças proferidas nos mais variados sentidos.

Em outras palavras, pede-se que o Supremo Tribunal Federal se pronuncie sobre se podem os bancos captar recursos, por exemplo, na taxa definida pelo Copom, de 18%, e ser obrigados a emprestar aos tomadores a 12%, por determinação judicial, como vinha ocorrendo em inúmeras decisões da Justiça de primeiro grau.

Se se admitir que podem os magistrados brasileiros, com fundamento no Código de Defesa do Consumidor, substituir-se ao Banco Central em matérias próprias da política monetária e cambial, à evidência o Copom tornar-se-á uma comissão constituída para tertúlias acadêmicas, e assistiremos à implosão da moeda e das instituições financeiras, obrigadas a tomar o dinheiro mais caro e emprestar mais barato.

É de se lembrar que o próprio Título sete da Constituição Federal fala em ordem econômica (artigos 170 a 191), em que trata do direito do consumidor, e em ordem financeira (artigo 192 da Constituição), vinculada à gestão exclusiva do Banco Central (artigo 164) -matérias distintas, portanto.

À proponente da ação será bem-vinda a “definição definitiva”, pelo Supremo Tribunal Federal, quanto ao regime jurídico a que o sistema estará sujeito (se ao CDC ou ao Código de Defesa do Consumidor Bancário, do Banco Central), que seguirá de muito bom grado.

Considera, todavia, que, em face do que dispõe a lei maior, para estabilidade da moeda, o controle da inflação e a segurança jurídica, a definição da política monetária e cambial deve ser de exclusiva competência do Banco Central, único a determinar as taxas de juros básicas para o sistema financeiro, não podendo tais taxas ficarem sujeitas à interpretação subjetiva de cada membro do Poder Judiciário brasileiro.

*Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S.Paulo