Falta de diligência

Delegado é condenado por descumprir ordem do Ministério Público

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15 de novembro de 2005, 6h00

A Justiça Federal condenou um delegado da Polícia Federal por improbidade administrativa por ter se negado a cumprir uma diligência pedida pelo Ministério Público. Ele terá de pagar multa, mas não perderá a função pública. O procurador da República e o delegado divergiam sobre a necessidade do procedimento. Diante da resistência do delegado, o procurador entrou com uma Ação Civil Pública.

Sobre a sua legitimidade, o Ministério Público Federal afirma que é sua função institucional zelar pelo controle externo da atividade policial e que o caso deve ser tratado pela Justiça Federal porque o comportamento do delegado, em suas funções, feriu os princípios da legalidade e lealdade das instituições, pois interferiu no poder requisitório do MP.

O autor da denúncia é o procurador da República no Rio de Janeiro Rodrigo Ramos Poerson. Nela, o procurador narra que o delegado federal Robson Papini Mota se negou a fazer uma diligência para apurar o valor do prejuízo causado ao INSS por determinado golpe, por considerar que a apuração era prescindível para o oferecimento da denúncia.

“Caso o ilustríssimo membro do MPF ainda ache importante que seja oficiado o INSS para que informe o valor total do prejuízo causado aos cofres públicos pelo benefício irregular, poderá requisitar ao coordenador da força-tarefa, lotado dentro do próprio MPF, para que forneça esta informação”, escreveu o delegado em seu despacho.

Em sua defesa, o delegado afirmou que o Ministério Público não tinha competência para apurar disciplinarmente se houve ato de improbidade administrativa. Sustentou ainda que a diligência pedida era realmente desnecessária.

O juiz Fabrício Fernandes de Castro, da 26ª Vara Federal do Rio, entendeu que o delegado descumpriu intencionalmente o seu dever funcional ao se negar a fazer a diligência. Em razão disso, ele arbitrou uma multa a Mota no valor de R$ 500. O MPF já anunciou que não deve recorrer, pois considera a condenação mais importante que o valor da multa.

Leia a sentença

26ª. VARA FEDERAL

AÇÃO CIVIL PÚBLICA nº. 2004.51.01.024276-7

Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

(Rodrigo Ramos Poerson, Procurador da República)

Réu: ROBSON PAPINI MOTA

JUIZ FABRÍCIO FERNANDES DE CASTRO

S E N T E N Ç A

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ajuizou a presente ação de improbidade administrativa em face de ROBSON PAPINI MOTA, pleiteando a condenação do réu nas sanções administrativas previstas no art. 12, inciso III, na Lei n.º 8.429/92.

Alega, como fundamento de seu pedido, que nos autos do inquérito policial n.° 1155/2003 requisitou diligência ao réu à qual foi negado cumprimento sob o fundamento de que não se tratava de diligência imprescindível e de que a diligência poderia ser requisitada ao Coordenador da Força-Tarefa do INSS, lotado dentro do Ministério Público Federal.

A petição inicial veio acompanhada dos documentos de fls. 12/83.

À fl. 85 foi determinada a emenda da petição inicial, o que foi parcialmente atendido às fls. 88/90.

À fl. 91 foi determinada nova emenda, o que foi atendido à fl. 93, verso.

À fl. 94 foi determinada a notificação do réu, nos termos do art. 17§7º, da Lei n.° 8.429/92.

Informações prévias às fls. 97/107 pugnando pela rejeição da petição inicial ao argumento de que o ato praticado não caracteriza ato de improbidade.


Com as informações vieram os documentos de fls. 108/253, dos quais foi dada vista ao Ministério Público Federal, conforme determinado à fl. 254.

Manifestação do Ministério Público Federal às fls. 257/258 pelo recebimento da petição inicial.

Decisão à fl. 262 recebendo a petição inicial e determinando a citação.

À fl. 271 foi noticiada a interposição de agravo de instrumento.

Contestação às fls. 302/325, argüindo preliminares de ilegitimidade ativa, ao argumento de que o Ministério Público Federal não possui competência para apurar disciplinarmente se houve ou não o cometimento de ato de improbidade administrativa; de ausência de justa causa e, no mérito, pugnando pela improcedência, aos fundamentos de que a diligência requisitada era desnecessária, motivo pelo qual foi justa a recusa no seu cumprimento e de que não houve lesão ao erário. Sustentou, ainda, que em outros inquéritos policiais envolvendo questões semelhantes, o Ministério Público Federal adotou exatamente as providências sugeridas pelo réu em sua resposta à requisição.

Com a contestação vieram os documentos de fls. 326/600.

Réplica às fls. 604/608.

Oportunizada a especificação de provas à fl. 609, o réu requereu a produção de prova testemunhal à fl. 612 e o Ministério público Federal nada requereu à fl. 613, verso.

À fl. 614 este Juízo manteve a decisão agravada, pelos seus próprios fundamentos e indeferiu a produção de prova testemunhal.

Manifestação do réu às fls. 619/624, com os documentos de fls. 625/665, sobre os quais se manifestou o Ministério Público Federal à fl. 667, verso.

É o relatório D E C I D O.

I I – fundamentação

Das preliminares

Da preliminar de ilegitimidade ativa

Nos termos do art. 129, inciso VII, da Constituição da República, é função institucional do Ministério Público exercer o controle externo da atividade policial, na forma estabelecida em lei complementar.

A Lei Complementar n.° 75/93, em seu art. 3º, a seu turno, determina que o Ministério Publico da União exerça o controle externo da atividade policial com vistas à prevenção e correção de ilegalidade (item “c”) e à indisponibilidade da persecução penal (item “d”).

Por fim, o art. 17, da Lei n.° 8.429/92 expressamente estabelece a legitimidade do ministério Público para ajuizar a ação de improbidade administrativa.

Apóia-se, contudo, o réu, ao argüir sua preliminar, no fato de que, nos termos do art. 14 daquela Lei, o Ministério Público não teria atribuições para investigar a prática de ilícito administrativo.

Nesse ponto, faz-se pertinente a lição de Mário Pazzaglini Filho, no sentido de que:

“Importante, inicialmente, enfatizar que a instauração de inquérito civil é facultativa, pois, além de não se constituir em pressuposto ao aforamento de ação civil pública ou de improbidade administrativa, pode ser desnecessário quando o Ministério Público já dispuser de elementos de convicção suficientes para instruir a petição inicial da ação civil, em especial quanto à autoria, ao fato, aos fundamentos jurídicos do pedido com suas especificações (arts. 282, II, III, e IV, do CPC), tais como peças de informações remetidas por autoridades judiciárias, administrativas e legislativas extraídas de processos civis e criminais; de procedimentos administrativos promovidos pela Administração Pública, no exercício da autotutela do controle da atuação de seus agentes; de autos dos Tribunais de Contas; e de inquérito parlamentar conduzido por Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).


Aliás, seria despropositada, nesses casos, a instauração de inquérito civil, que tem por destinação a coleta de subsídios suficientes para o ajuizamento de ação civil pública e de improbidade administrativa fundamentada e idônea a provocar a atuação jurisdicional e a satisfação do interesse de agir do Ministério Público” (Lei de improbidade administrativa comentada. São Paulo : Atlas. 2002 p. 143-144).

Verifica-se, portanto, que ainda que fosse admitida a alegada ilegitimidade ministerial na fase inquisitiva, tal vício não seria apto a contaminar a ação judicial, visto que o referido inquérito sequer se constitui em pressuposto processual.

Note-se, outrossim, que os elementos documentais que instruíram a petição inicial foram simplesmente as cópias do inquérito policial n.° 1155/2003, com as quais o órgão ministerial entendeu comprovada a prática de ato de improbidade e ajuizou a presente demanda, não havendo que se falar, sequer, em verdadeiro inquérito civil ou de procedimento para apuração dos fatos, conforme previsto no art. 14, da Lei de Improbidade Administrativa.

Rejeito, pois, a preliminar.

Da preliminar de ausência de justa causa

A preliminar de ausência de justa causa não merece acolhida, visto que os fatos narrados na petição inicial foram devidamente comprovados e, inclusive, admitidos por ocasião das alegações preliminares, sendo certo que a valoração jurídica sobre se estes constituem ou não ato de improbidade administrativa guardam pertinência, em verdade, com o mérito desta demanda.

Rejeito, pois, a preliminar.

Do mérito

O cerne da questão posta está em se determinar se houve ou não violação aos princípios da administração pública pela recusa do réu em cumprir requisição do Ministério Público Federal.

1. Dos fatos

É fato incontroverso nos autos que o réu, ao receber requisição do Ministério Público Federal, nos autos do inquérito policial n.° 1155/2003, para que oficiasse ao INSS a fim de que fosse informado o total do prejuízo causado pelo delito que se buscava apurar (fl. 79, verso), respondeu no sentido de que, como não havia novas diligências imprescindíveis ao oferecimento da denúncia, conforme dispõe o art. 16, do Código de Processo Penal, deixaria de dar cumprimento à cota ministerial e que, caso o Ministério Público entendesse importante a expedição de ofício ao INSS, poderia requisitá-lo ao Coordenador da Força-Tarefa do INSS, lotado dentro do próprio MPF.

2. Da valoração jurídica dos fatos apresentados

De início, cumpre fixar que, na qualidade de dominus litis[1], o Ministério Público é o dono da ação penal pública.

Por tal motivo, somente a ele cabe avaliar a necessidade ou não de novas diligências para o oferecimento da denúncia.

Diante desse quadro, não há qualquer dúvida de que a recusa da autoridade policial em dar cumprimento às requisições ministeriais viola o disposto no art. 13, inciso II, do Código de Processo Penal.


A lei, em nenhum momento, atribuiu à autoridade policial, portanto, o poder de avaliar a pertinência, oportunidade, razoabilidade, eficiência ou qualquer outro aspecto da requisição.

Nem se diga que o art. 16 do Código de Processo Penal permite conclusão diversa, pois, em nenhum momento, o referido dispositivo atribui à autoridade policial a fiscalização da imprescindibilidade das requisições ministeriais.

Note-se que, mesmo que estabelecesse, estaria em dissonância com o disposto no art. 129, inciso VIII, da Constituição da República, que fixa, dentre as funções institucionais do Ministério Público, a requisição de diligências investigatórias.

Ressalte-se, também, que não se confunde requisição com requerimento, sendo certo que àquelas não se pode negar cumprimento quando presentes os elementos essenciais do ato praticado, a saber, competência, finalidade, forma, motivo e objeto.

Tampouco cabe, nesta sede, perquirir acerca da pertinência da diligência cujo cumprimento foi negado, visto que o que se avalia aqui é se o réu poderia negar-se a cumpri-la, como se negou.

Como já verificado, é de se concluir em sentido negativo. Sobre essa questão, soma-se, ainda, a seguinte ementa:

PROCESSUAL PENAL. "HABEAS-CORPUS". REQUISIÇÃO JUDICIAL DIRIGIDA A AUTORIDADE POLICIAL. NÃO ATENDIMENTO. FALTA FUNCIONAL. ATIPICIDADE PENAL.

EMBORA NÃO ESTEJA A AUTORIDADE POLICIAL SOB SUBORDINAÇÃO FUNCIONAL AO JUIZ OU AO MEMBRO DO MINISTERIO PUBLICO, TEM ELA O DEVER FUNCIONAL DE REALIZAR AS DILIGENCIAS REQUISITADAS POR ESTAS AUTORIDADES, NOS TERMOS DO ART. 13, II, DO CPP.

l A RECUSA NO CUMPRIMENTO DAS DILIGENCIAS REQUISITADAS NÃO CONSUBSTANCIA, SEQUER EM TESE, O CRIME DE DESOBEDIENCIA, REPERCUTINDO APENAS NO AMBITO ADMINISTRATIVO-DISCIPLINAR.

l RECURSO ORDINARIO PROVIDO. STJ. 6ª Turma. RHC n.° 6511. Relator Ministro Vicente Leal.

Pelo acima exposto, concluo que o réu praticou voluntariamente ato ilegal ao deixar de cumprir dever funcional.

Nesse ponto, entendo pertinente fazer breve reflexão sobre a crise de autoridade que assola o nosso País.

De fato, aqui e acolá, a todo momento, a autoridade pública é desrespeitada. Até mesmo as decisões judiciais são descumpridas, passando à população a imagem de que o Brasil se tornou um navio desgovernado, à deriva, e, portanto, prestes a naufragar.

Tal fenômeno não ocorre por acaso e ganha força pelo mau exemplo passado através do próprio Poder Público e, especificamente, através do sistema judiciário, este formado pelo Poder Judiciário e pelos demais órgãos e instituições auxiliares, dentre os quais a Polícia Judiciária e o Ministério Público.


Pois bem, tais órgãos, no lugar de comporem um sistema harmônico, se constituem em verdadeiras ilhas, isoladas umas das outras, e sem a consciência do dever de coordenação que deve existir entre elas.

Tal isolamento acaba por fomentar a construção de doutrinas nefastas para todo o sistema, mediante as quais cada órgão procura se atribuir poderes que a lei não lhe confere, em invasões de competências as mais absurdas, e, aqui, refiro-me expressamente à atual disputa judicial travada entre a Polícia e o Ministério Público para saber quem pode o quê em sede de investigação criminal.

Essas disputas, lamentavelmente, acabam por agradar exatamente os inimigos do Estado e da ordem, os marginais, que se riem das disputas travadas, nas quais encontram fontes inesgotáveis de nulidades a serem argüidas no processo penal.

Com isso a impunidade e o descrédito institucional se eternizam, em um ciclo vicioso que não se sabe onde vai parar.

Não se pode deixar de ter em conta, por outro lado, que em tais disputas há sempre envolvido um quê de vaidade, em que cada um quer ser mais e maior, ficando de lado, contudo, o pobre do interesse público.

Ora, em um Estado Democrático de Direito como nosso, é de se esperar que as funções dos agentes públicos estejam delineadas na lei, como estão, e que cada um cumpra devidamente com o seu papel.

Dentro desse contexto, cuido que é de ser entendido como ato de improbidade previsto no art. 11, II, da lei n.° 8.429/92 o ato praticado pelo réu, de se negar em cumprir requisição regularmente expedida por órgão ministerial com atribuição legal para tanto.

Irrelevante, aqui, por outro lado, o fato de não ter ocorrido lesão ou prejuízo visto que aquela norma funciona, justamente, como soldado de reserva para repressão dos fatos que violam princípios da administração pública, mas que não geram aqueles efeitos.

Nesse sentido, a lição de Pazzaglini Filho:

“Conclui-se, pois, que o art. 11 da lei Federal n.° 8.429/92 funciona como regra de reserva, para os casos de improbidade administrativa que não acarretam lesão ao erário nem importam enriquecimento ilícito do agente público que a pratica. Compreende-se que assim seja, visto que o bem jurídico tutelado pelo diploma em questão é a probidade administrativa, objetivo revelado no art. 21, quando aventa a possibilidade de se caracterizar ato de improbidade, ainda que sem a ocorrência de efetivo prejuízo”(ob. cit. p. 124-125).

A improbidade aqui, portanto, se constituiu na vontade livre e consciente do réu de deixar de praticar ato de ofício. O aspecto normativo do tipo, consubstanciado no vocábulo “indevidamente”, se consumou, a seu turno, no fato de que o réu se valeu, para justificar sua recusa, de avaliação estranha a sua competência e invadiu deliberadamente a opinio delicti ministerial.

1. Das sanções


Quanto ás sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa, o atos praticado atrai a incidência do disposto no seu art. 12, inciso III, in verbis:

Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:

(…)

III – na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.

Convém, então, individualizar as sanções acima previstas, levando-se em conta sua natureza, bem como critérios de razoabilidade e de proporcionalidade.

A esse respeito, Pazzaglini Filho, quando trata da cumulatividade das sanções nos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da Administração Pública, esclarece que:

“A punição desses atos só excepcionalmente comporta a aplicação cumulativa das sanções do art. 12, inciso III da LIA. Quando, por exemplo, a ação dolosa do agente público de afronta a princípio constitucional que rege a atuação da Administração Pública for grave e causar sérios transtornos para a gestão pública ou para a coletividade, tais como frustrar intencionalmente a licitude de concurso público de vulto, negar reiteradamente a publicidade de atos oficiais, revelar a terceiros teor de medida econômica, antes de sua divulgação oficial, que afeta preço de mercadoria, bem ou serviço, é admissível a imposição acumulativamente de sanções.

Nos demais casos, a escolha e a graduação das sanções devem obedecer a critérios de razoabilidade e de proporcionalidade, evitando-se excessos” (ob. cit. p. 127).

De fato, é de se dizer que os atos de improbidade, como categoria dos atos ilícitos, a meu sentir, são passíveis de gradação, havendo aqueles que merecem maior reprimenda e aqueles cuja sanção mais branda é suficiente para atingir os fins visados pelo legislador.

Aqui, nessa linha de raciocínio, entendo serem merecedoras de consideração as alegações da defesa no sentido de que, realmente, são precárias as condições materiais de trabalho de que dispõe a Polícia Federal.

Tal fato é notório, tendo ganho, inclusive, recente destaque na imprensa com o até agora insolúvel roubo de dinheiro apreendido do narcotráfico dentro da própria sede da Polícia Federal na Praça Mauá, episódio em que foi amplamente veiculado o estado lastimável do prédio daquela sede, merecendo total credibilidade as ponderações defensivas nesse ponto.

Relevante também o fato de que o réu não visou, com sua atitude e de acordo com as provas colhidas nestes autos, favorecer criminosos, mas, tão somente, se imiscuir de poder que não possui, em arroubo de rebeldia contra o poder requisitório ministerial.

Tal fato, embora lamentável, não está apto, a meu sentir, a atrair as sanções de suspensão de direitos políticos, perda da função pública ou de proibição de contratar com o Poder Público.

Cuido ser pertinente, neste caso concreto, apenas a aplicação da sanção de pagamento de multa civil, em valor módico, com vistas a que atos dessa natureza não sejam mais praticados, mas sem penalizar demasiadamente aquele que, aparentemente, em seu atuar diuturno, é um bom agente público, mas que, apenas em um determinado momento de sua carreira, sofreu de delírio institucional.


Diante dos argumentos acima, entendo razoável arbitrar a multa civil em R$ 500,00 (quinhentos reais).

I I I – DISPOSITIVO

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE, EM PARTE, O PEDIDO, com base no art. 269, I, CPC, e condeno o réu ao pagamento de multa civil no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais).

Sem honorários, diante da sucumbência recíproca, ressaltando-se que não é caso de incidência do parágrafo único daquele dispositivo, visto que a questão principal, ou seja, o reconhecimento da prática de ato de improbidade, foi acolhida. Apenas o valor da multa foi bem inferior àquele pleiteado com a petição inicial.

Sem custas, ante o art. 18 da lei n.° 7.347/85.

P. R. I. Dê-se ciência ao Ministério Público Federal.

Rio de Janeiro, 30 de setembro de 2005.

Juiz FABRÍCIO FERNANDES DE CASTRO

Leia a integra da denúncia

Exmo. Sr. Juiz Federal da ___ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro

Ref.: Procedimento 1.30.011.002943/2004-95

“A improbidade administrativa tem como peculiaridade seu grave potencial lesivo. Mais que sua nociva repercussão sobre a vida social, pelo mau exemplo que dissemina e pelo rótulo de descrédito que aplica a classe dirigente, agride agudamente os princípios nucleares da ordem jurídico-constitucional positiva” (Pazzaglini Filho, Marino; Rosa Márcio F. Elias e Fazzio Jr., Waldo, In Improbidade Administrativa – Aspectos Jurídicos da Defesa do Patrimônio Público, ed. Atlas, 4ª edição, 1999).

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, presentado pelo Procurador da República no exercício de suas atribuições constitucionais e legais, com fundamento nos artigos 127, caput e 129, II e III da Constituição Federal, nas disposições da Lei nº 7.347/85, na Lei nº 8429/92 e, também, no art. 6º, 3°, 9°, 10 e 38, IV da Lei Complementar 75/93, vem propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

em face de ROBSON PAPINI MOTA, Delegado de Polícia Federal, lotado na Delegacia de Prevenção e Repressão a Crimes Previdenciários – DELEPREV/SR/RJ, pelas razões fáticas e jurídicas a seguir alinhadas.

I – Preliminarmente: Da Legitimidade Ativa Do Ministério Público Federal

Ao Ministério Público, por disposição expressa legal, foi atribuída a legitimidade para a propositura das ações coletivas que visem à aplicação das sanções pelo cometimento de atos ímprobos, dentre os quais aqueles que lesem Princípios da Administração Pública, a teor do art. 11da Lei 8.429/92.


Confira-se a literalidade do art. 17 da Lei 8.429/92:

Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.

No caso em tela, não bastassem os argumentos que já soterraram discussões acerca da legitimidade do Ministério Público para a tutela dos interesses da Administração Pública, cumpre salientar que se está diante de improbidade praticada por autoridade policial federal, sujeito que se encontra ao controle externo exercido pelo Ministério Público, na forma do art. 129, VII da Carta Magna e do art. 3º, “c” e “d” da Lei Complementar n.º 75/93, verbis:

CRFB – Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

(…)

VII – exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;

LC 75/93 – Art. 3º. O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial tendo em vista:

(…)

c) a prevenção e a correção de ilegalidade ou abuso de poder;

d) a indisponibilidade da persecução penal;

Dessa forma, é outorgado ao Parquet o poder-dever de agir em matérias de interesses difusos e coletivos relevantes, especialmente no zelo pela probidade administrativa no trato das atividades persecutórias criminais.

II – Da Competência da Justiça Federal

Trata a presente ação da responsabilização por ato de improbidade administrativa perpetrado por servidor público federal do Departamento de Polícia Federal, no exercício de suas funções, consistente na prática de ato que atenta contra princípios norteadores da Administração Pública, quais sejam o da LEGALIDADE e LEALDADE ÀS INSTITUIÇÕES.

Conforme dispõe o art.109, I, da Constituição Federal compete aos juizes federais processar e julgar as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes.

Por se verificar o cometimento de ato ímprobo por servidor de órgão federal, indelével a competência da Justiça Federal, ante o interesse direto da União lesionado.

III – Dos fatos

Conforme requisição do MPF, foi instaurado no âmbito da DELEPREV/SR/DPF/RJ, o Inquérito Policial n° 1155/2003, para apuração de crime contra o patrimônio, tipificado no artigo 171, § 3ª, do Código Penal, cometido em detrimento do INSS, sendo, então, designado o delegado federal, ora demandado, ROBSON PAPINI MOTA para presidi-lo.


Conduzidas as investigações, eis que se trata de lesão ao patrimônio da autarquia federal, consoante despacho de fls. 79-v, o Ministério Público Federal requisitou à autoridade policial, que apurasse o montante do prejuízo causado, com a finalidade de aferir a lesão ao bem jurídico penalmente tutelado.

Inusitadamente, a requisição ministerial foi expressa e voluntariamente desatendida, conforme despacho ILEGAL, nos seguintes termos:

“Como não existem mais novas diligências IMPRESCINDÍVEIS ao oferecimento da denúncia, conforme dispõe o art. 16 do CPP, deixo de dar cumprimento à cota Ministerial de fls. 76-verso, e caso o Ilmo. Membro do MPF, ainda, ache importante que seja oficiado o INSS para que informe o valor total do prejuízo causado aos cofres públicos através do benefício irregular, poderá requisitar ao Coordenador da Força-Tarefa do INSS, lotado dentro do próprio MPF, para que forneça esta informação.”

IV – ILEGALIDADE DO DESCUMPRIMENTO, SOB DUAS VERTENTES: 1. – Descumprimento de requisição investigatória – OFENSA À LEGALIDADE ESTRITA e usurpação da opinio delicti de exclusividade do Ministério Público; 2 – Conclusão do inquérito sem prova da materialidade do delito, ofensa ao PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA.

1. Perceba-se a ironia – e gravidade – do episódio: tanto se tem discutido acerca do poder investigatório das infrações criminais, o qual as autoridades policiais vêm bradando como de sua exclusividade e, contudo, abre-se o flanco para que nem mesmo as requisições ministeriais dirigidas “a quem de direito” sejam atendidas.

O poder requisitório do Ministério Público vincula seu destinatário: não há discricionariedade da autoridade policial no sentido de atender, ou não, a determinação, como se preconiza em um Estado Democrático de Direito.

A relevante atribuição de formação da opinio delicti é constitucionalmente salvaguardada, com exclusividade, ao Ministério Público. Como não há deveres sem poderes para a sua efetivação, o PODER REQUISITÓRIO é garantia de que a independência funcional do membro do Parquet será preservada.

Neste sentido, recorre-se uma vez mais à Lei Complementar n.º 75/93 dispõe, em seu art. 8º, § 3º, verbis:

§ 3º A falta injustificada e o retardamento indevido do cumprimento das requisições do Ministério Público implicarão a responsabilidade de quem lhe der causa.

Outrossim, é o CÓDIGO DE PROCESSO PENAL o diploma legal que, há décadas, dispõe sobre o tema, em seu art. 13, inciso II, devidamente recepcionado pela nova ordem constitucional.


Confira-se:

Art. 13. Incumbirá ainda à autoridade policial:

(…)

II – realizar as diligências requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público;

Concluindo: nunca, em nenhuma hipótese, a autoridade policial poderá tolher a atuação ministerial, deixando de cumprir com as requisições que lhe forem destinadas, cabendo-lhe, tão-somente, o estrito cumprimento de seu dever legal.

2. Até aqui os argumentos esposados na presente inicial se aplicam a toda e qualquer requisição ministerial, a vincular, sempre, seu destinatário. Não há que se falar em discricionariedade da autoridade policial, para fins de “escolha” das determinações ministeriais na instrução do inquérito policial.

Não obstante, no caso concreto, sequer procedem as assertivas, açodadas, da autoridade policial em seu despacho ILEGAL.

O pano de fundo, a diligência requisitada pela ilustre Procuradora da República, é assaz pertinente e atende ao princípio magno da EFICIÊNCIA. O encaminhamento das peças de convencimento sem a mensuração do dano causado ao erário inviabiliza a escorreita valoração da ocorrência de fato típico penal.

A requisição determinou, em concreto, a mensuração do dano causado ao INSS, antes de tudo, para verificação da TIPICIDADE MATERIAL da conduta investigada.

É fato notório que os órgãos jurisdicionais vêm adotando o entendimento de que para se configurar conduta penalmente relevante há que se atentar não só para a tipicidade formal, como também para a efetiva lesão ao bem jurídico penalmente tutelado. É corolário do princípio da insignificância.

Finalmente, a mensuração do dano causado não é perfumaria, mas permite a própria constatação da materialidade do crime investigado. Ululante, portanto, que a requisição ministerial deve ser, simplesmente, cumprida.

V – Sanção aplicável

No presente caso, o Procedimento em referência evidenciou como ímproba a conduta do acusado, ao deixar de praticar ato de ofício, que se enquadra perfeitamente nas disposições do artigo 11, caput, e inciso I da Lei n.º 8.429/92:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente:

(…)

II – retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício


Assim agindo, o demandado incorreu na prática de ato de improbidade administrativa, eis que, ao se negar a praticar ato de ofício, previsto no âmbito de suas atribuições legais, ostensiva e frontalmente atentou contra o princípio da legalidade e de lealdade às instituições democraticamente orquestradas, base e pressuposto de orientação de o todo o sistema jurídico.

Celso Antonio Bandeira de Melo no tocante ao comportamento do administrador público, assim se refere ao princípio da legalidade:

“PRINCÍPIO DA LEGALIDADE – Assim, o princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão-somente obedecê-las, cumpri-las, pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, desde o que lhe ocupa a cúspide, isto é, o Presidente da República, até o mais modesto dos servidores, só pode ser a de dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no direito brasileiro.”

Com efeito, a ocorrência de improbidade administrativa não se restringe às hipóteses de prejuízo ao erário. A lei 8.429/92 divide as hipóteses de improbidade administrativa, que podem ser causadas por atos que importam enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário e, in casu, atos que atentam contra os princípios da Administração Pública.

Dessa forma, conforme ensina Maria Sylvia Di Pietro:

“(…) as sanções podem ser aplicadas mesmo que não ocorra dano ao patrimônio econômico. É exatamente o que ocorre ou pode ocorrer com os atos de improbidade previstos no artigo 11, por atentado aos princípio da Administração Pública. (in Curso de Direito Administrativo, 8. ed. Malheiros Ed. 1996, pp. 57)

Em suma, constatada a prática do ato de improbidade praticado pelo demandado, inarredável a incidência das normas legais e aplicação de penalidades à conduta ímproba, como decorrência lógica do comando constitucional (artigos 37, § 4º), e do artigo 12 da Lei n.º 8.429/92:

Art. 12. Independentemente da sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:

(…)

III – na hipótese do artigo 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 3 (três) a 5 (cinco) anos, pagamento de multa civil de até 100 (cem) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 (três) anos.

VI – CONCLUSÃO

Assim, o Ministério Público Federal requer:

a) seja determinada, na forma do art. 17, § 7º da Lei de Improbidade, a notificação do demandado para, querendo, oferecer manifestação;


b) após, seja recebida a presente inicial, pois devidamente instruída, determinando-se a conseqüente citação do demandado para apresentar defesa, bem como da União, na qualidade de litisconsorte necessária;

c) seja, afinal, condenado o demandado nas sanções previstas no inciso III do art. 12 da Lei 8.429/92, no que couber.

Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00

Rio de Janeiro, 09 de dezembro de 2004.

RODRIGO RAMOS POERSON

PROCURADOR DA REPÚBLICA

Veja a emenda à denúncia

Proc.: 2004.51.01.024276-7

MM. Juiz Federal Substituto,

Em atenção ao r. despacho (folha ainda não numerada), o Ministério Público Federal, presentado pelos Procuradores da República no exercício de suas atribuições constitucionais e legais, vem, expor, em termos sucintos, o seguinte.

Trata-se de ação de improbidade em que o órgão jurisdicional entendeu por bem proferir despacho visando à emenda da inicial, para que seja “formulado pedido certo e determinado (art. 282, IV do CPC) quanto às sanções que pretenda sejam aplicadas, inclusive, com relação à multa civil prevista no art. 12, III da Lei 8.429/92, especificando o seu valor, e adequando, se for o caso, o valor atribuído à causa.”

É o breve relatório. Passa-se à fundamentação.

Em matéria de improbidade, espécie do gênero ação coletiva, não há que se exigir a definição da sanção aplicável, uma vez que, à semelhança do que ocorre nas ações penais, o pedido é necessariamente genérico, de condenação, cabendo ao órgão jurisdicional adequar o preceito secundário abstrato às circunstâncias concretas e individuais de cada infrator.

Acontece que as sanções aplicáveis são indisponíveis pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, cabendo ao órgão jurisdicional adequá-las, à luz do princípio da razoabilidade, diante dos elementos fáticos que sejam carreados aos autos.

Aliás, em relação às sanções por atos ímprobos muito se tem escrito, aproximando-as das sanções criminais, conquanto já se tenha pacificado sua natureza civil. Vale mencionar que o legislador infraconstitucional optou, recentemente, por dar nova disciplina ao princípio do juiz natural em matéria de ações de improbidade, ampliando, no CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, parágrafo segundo do art. 84, o (nefasto) foro por prerrogativa de função.

No caso em tela, o ilustre órgão jurisdicional entendeu por bem determinar que se proceda à emenda da inicial, alegando que o pedido formulado não é certo ou determinado.

Ora, com todas as vênias, à semelhança do que ocorre em demandas criminais, onde o ESTADO, presentado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, deduz a pretensão da coletividade, sem delimitar o quantum da sanção aplicável, também nas ações coletivas por ato de improbidade não é dado ao Parquet reduzir, de antemão, os parâmetros legais para aplicação da justa sanção, a ser definida pelo JUDICIÁRIO, após o DEVIDO PROCESSO LEGAL.


E o fundamento desse proceder decorre de interpretação lógico-sistemática: o MINISTÉRIO PÚBLICO NÃO TEM A DISPONIBILDADE SOBRE A SANÇÃO APLICÁVEL, sendo certo que, de outra forma, implicar-se-ia o risco de se coarctar a tutela do interesse público, com base no princípio da congruência.

É de se explicitar: a se conceber que é de atribuição do Ministério Público fixar os lindes da punição, estaria adstrito o órgão jurisdicional a impor, eventualmente, sanções irrisórias, caso fossem as requeridas pelo Ministério Público ao propor ação de improbidade, independentemente da gravidade do ato ilícito apreciado.

Isto posto, o MPF requer a reconsideração do r. despacho, dando-se prosseguimento ao feito, na forma da lei e dos pedidos formulados na inicial.

Outrossim, não se entendendo suficientes os presentes argumentos, o MPF requer seja a presente manifestação recebida como emenda, para que valha o pedido inicial como de aplicação de todas as sanções aplicáveis, conforme estipuladas pelo legislador infraconstitucional, em seus patamares máximos, a saber:

1. Perda da função pública;

2. Suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos;

3. Pagamento de multa civil no valor de cem vezes o valor da remuneração percebida pelo demandado e, finalmente,

4. Proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Outrossim, dá-se a causa o valor de R$ 2.600,00 (dois mil e seiscentos reais).

Rio de Janeiro, 11 de janeiro de 2005.

Rodrigo Ramos Poerson Orlando Monteiro E. da Cunha

Procuradores da República


[1] TORNAGHI, Hélio. Curso de Processo Penal. São Paulo : Saraiva. 1997. p. 39.

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