Direito a vistoria

Entidades vão à Justiça para ter acesso a unidades da Febem

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11 de novembro de 2005, 8h54

Organizações de Direitos Humanos e de defesa da criança e do adolescente entraram nesta quinta-feira (10/11) com uma Ação Civil Pública para que seja permitido o ingresso das entidades da sociedade civil nas unidades de internação da Fundação Estadual do Bem Estar do Menor de São Paulo. A ação protocolada na Vara Central da Infância e Juventude da Capital questiona a legalidade e a constitucionalidade da Portaria 90/05, editada pela presidência da Febem em setembro deste ano.

Segundo a portaria, as entidades só terão acesso às unidades se tiverem contratos ou convênio com a Febem e realizarem atividades sócio-educativas dentro das unidades. As pessoas ligadas a tais entidades terão acesso em horários previstos nos acordos. Assim, estão impedidas de ingressar nas unidades da Febem as organizações de direitos humanos que têm como missão fiscalizar o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente

Exige ainda que os advogados só podem ter acessos aos internos se tiverem procuração para defendê-los. Em versões anteriores, a portaria condicionava a entrada de juízes e promotores nas unidades da instituição a uma decisão dos diretores de cada unidade. Após manifestação do procurador-geral de Justiça, Rodrigo César Rebello Pinho, a portaria foi modificada neste ponto.

As entidades sustentam que, para cumprir os princípios do Estado Democrático de Direito, os órgãos públicos devem permitir que organizações da sociedade civil promovam a fiscalização de suas atividades. Ressaltam, ainda, que a própria Constituição Federal co-responsabiliza a sociedade civil na promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente, assim como faz o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente. Como exemplo desta necessidade, as organizações informam que as últimas grandes denúncias de maus tratos, tortura e outros crimes e irregularidades foram feitas por ONGs.

O objetivo da ação civil pública é obrigar a Febem a promover, dentro de 10 dias, mecanismos que permitam que as organizações da sociedade civil fiscalizem as unidades de internação, sob pena de multa ao patrimônio pessoal de sua presidente, Berenice Gianella.

Assinam a ação a AMAR – Associação de Mães e Amigos de Crianças e Adolescentes em Risco, CDH — Centro de Direitos Humanos, os Cedeca — Centro de Defesa da Criança e do Adolescente de Sapopemba, Interlagos, Santo Amaro e Belém, Condepe — Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, Conectas Direitos Humanos, Instituto Pro Bono e Fundação Projeto Travessia.

Leia a íntegra da Ação:

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA MM ___ JUSTIÇA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DE SÃO PAULO – SP

AMAR – ASSOCIAÇÃO DE MÃES E AMIGOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM RISCO, associação civil sem fins lucrativos, devidamente constituída na forma da lei, com sede na Rua Pedro Américo, 32, 13° andar, Centro, São Paulo/SP, neste ato representada por sua Presidente e bastante representante legal nos termos de seu estatuto, Sra. Maria da Conceição Andrade Paganele Santos (DOC.1/2),

CDH – CENTRO DE DIREITOS HUMANOS, associação civil sem fins lucrativos, inscrita no CNPJ sob nº 03.895.316/0001-87, com sede na Rua Araújo, 124 – 3º andar, São Paulo/ SP, neste ato representado por seu Diretor Presidente e bastante representante legal nos termos de seu estatuto, Sr. Fernando de Oliveira Camargo (DOC.2/3),

CEDECA SAPOPEMBA – CENTRO DE DEFESA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE “MONICA PAIÃO TREVISAN”, associação civil sem fins lucrativos, inscrita no CNPJ sob o nº 67.143.818/0001-34, com sede na Rua Vicente Franco Tolentino, 45, Parque Santa Madalena, São Paulo/ SP, neste ato representada por sua Presidente e bastante representante legal nos termos de seu estatuto, Sra. Cândida Martins Manso Amaro (DOC.3/4)

CEDECA SANTO AMARO – CENTRO DE DEFESA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – ASSOCIAÇÃO CULTURAL CORRENTE LIBERTADORA, associação civil sem fins lucrativos, inscrita no CNPJ sob o nº 02.254.698/0001-05, com sede na Rua Cerqueira César, 185, Santo Amaro, São Paulo/ SP, neste ato representado por seu Vice-Presidente e bastante representante legal nos termos de seu estatuto, Sr. Michel Vanderlei Coutinho da Silva (DOC.5/6);


CEDECA INTERLAGOS – CENTRO DE DEFESA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DE INTERLAGOS, associação civil sem fins lucrativos, inscrita no CNPJ sob o nº 03.129.195/0001-62, com sede na Rua Nossa Senhora de Nazaré, 51, Interlagos, São Paulo/ SP, neste ato representado por seu bastante representante legal, Sr. Fábio Silvestre da Silva (DOC.7/8);

CEDECA BELÉM – CETRO DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS “PE. EZEQUIEL RAMIN”, associação civil sem fins lucrativos, inscrita no CNPJ sob o nº 56.561.889/0001-30, com sede na Rua Eloi Cerqueira, 46, Belém, São Paulo/ SP, neste ato representada por seu Coordenador e bastante representante nos termos de seu estatuto social, Pe. Júlio Renato Lancelotti (DOC.9/10);

CONDEPE – CONSELHO ESTADUAL DE DEFESA DOS DIREITOS DA PESSOA HUMANA, órgão autônomo criado pela Lei Estadual 7.576/92 e artigo 110 da Constituição Estadual, com sede no Pátio do Colégio, 148/184, Centro, São Paulo/SP, por seu Presidente e bastante representante, Sr. João Frederico dos Santos (DOC.11/12),

CONECTAS DIREITOS HUMANOS, associação civil sem fins lucrativos, devidamente constituída na forma da lei, inscrita no CNPJ sob o n. 04.706.954/0001-75, com sede na Rua Pamplona, 1197, casa 4, Jardins, São Paulo/SP, representado por seu Diretor Executivo e bastante representante legal nos termos de seu estatuto, Sr. Oscar Vilhena Vieira (DOC.13/14),

FUNDAÇÃO PROJETO TRAVESSIA, organização social não governamental, reconhecida como entidade de Utilidade Pública Federal, pela Portaria 620 do Ministério da Justiça, publicada no Diário Oficial da União, de 09/07/2001, declarada de Utilidade Pública Municipal nos termos do Decreto 38.888/99, conforme publicado no Diário Oficial do Município edição de 25/12/1999, com sede na Rua Líbero Badaró, 471 – 19º Andar, Centro, São Paulo/SP, neste ato representada por seu bastante procurador, Sr. Ariel de Castro Alves, advogado inscrito na OAB/SP 177.955, (DOC.15/16);

INSTITUTO PRO BONO, associação civil sem fins lucrativos, inscrito no CNPJ sob o nº 04.613.118/0001-46, com sede na Rua Pamplona, 1197, casa 2, São Paulo/ SP, por seu Diretor Executivo e bastante representante legal nos termos de seu estatuto social, Sr. Marcos Roberto Fuchs; (DOC.17/18)

vêm respeitosamente à presença de V. Exa., por seus advogados e bastante procuradores que esta subscrevem (DOC.19), no artigo 129, III, § 1° da Constituição Federal de 1988, na Lei n. 7347/85 e Lei 8069/90, propor a seguinte:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido liminar

em desfavor da FUNDAÇÃO DO BEM ESTAR DO MENOR – FEBEM-SP, a ser citada na sede na Rua Florêncio de Abreu, n. 848 – 8º andar, Luz, nesta Capital, pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos:

FATOS

A Fundação do Bem Estar do Menor – FEBEM-SP, pessoa jurídica de direito público vinculada ao Governo do Estado de São Paulo através da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, é a entidade responsável pela execução da medida sócio-educativa de internação, prevista no artigo 112, VI, do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei 8.069/90.

No intuito de regular a administração das unidades de execução da medida sócio educativa de internação, a FEBEM-SP possui um Regimento Interno das Unidades de Internação (DOC.20).

Aos 14 de setembro p.p., a atual Presidente da FEBEM, Sra. Berenice Maria Giannella, editou a Portaria Normativa 90 (DOC.21), revogando o Regimento Interno anterior, especificamente o artigo 46, e estabelecendo novas regras para o ingresso nas unidades da FEBEM.


Portaria Normativa Febem – 90, de 14-9-2005

A Presidente da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor – Febem/SP, Considerando a necessidade de aperfeiçoar as disposições referentes aos procedimentos acerca do ingresso nas unidades da FEBEM, de autoridades, membros de Conselhos e Representantes da Sociedade Civil e,

Considerando a necessidade de preservar a segurança dos funcionários, adolescentes e autoridades, determina:

Artigo 1º – Os membros do Poder Judiciário, do Ministério Público, Parlamentares Estaduais e Federais, estes dois últimos quando no desempenho de missão específica ou integrantes de Comissões Permanentes ou Especiais, Membros do Conanda – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Membros do Condeca – Conselho Estadual de Direitos da Criança e do Adolescente, Membros do Condepe – Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana e Membros dos Conselhos Tutelares terão acesso imediato a Unidades desta Fundação.

Parágrafo Único. Os membros do Conanda, do Condeca, do Condepe e dos Conselhos Tutelares referidos no "caput" deste artigo, deverão proceder ao seu credenciamento junto ao Gabinete da Presidência da FEBEM, ao início de cada mandato.

Artigo 2º – Os membros dos Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente somente terão acesso às Unidades situadas na região na qual exercem seu poder fiscalizador ou em Unidade localizada em outra região desde que esta acolha adolescentes cuja residência seja na região de desempenho do respectivo Conselho.

Parágrafo Único – Os membros dos citados Conselhos deverão proceder ao seu cadastramento junto aos Diretores das Unidades da FEBEM.

Artigo 3º – Os integrantes de entidades da sociedade civil somente terão acesso às unidades da FEBEM em que, mediante prévio contrato ou convênio, realizem atividades sócio-educativas e nos horários estipulados no Termo contratual, observando-se o credenciamento individual junto ao Diretor da Unidade.

Artigo 4º – Em todas as hipóteses previstas nos artigos 2o e 3º desta Portaria, a FEBEM deverá verificar a conveniência e oportunidade do ingresso nas Unidades, considerando a segurança, o perfil e a rotina dos adolescentes em decorrência das atividades sócio-educativas, bem como situações de intranqüilidade ou tensão, incumbindo ao Diretor da Unidade, no momento da visita, verificar as condições de segurança e uma vez detectada qualquer situação atípica poderá viabilizar o ingresso apenas em áreas que não apresentem qualquer risco ao visitante, aos adolescentes e aos servidores.


§ 1º – Em todos os casos o visitante deverá ser informado sobre os requisitos de acesso na respectiva Unidade, explicitando suas normas de convivência e a proibição de ingresso, portando:

a) celulares, armas e demais objetos que possam representar riscos à segurança;

b) filmadoras ou máquinas fotográficas, preservando-se o direito à privacidade do adolescente;

c) cigarros e presentes, visando garantir a observância das normas de convivência da Unidade.

§ 2º – Em se tratando dos instrumentos previstos na alínea "b" do § 1º deste artigo, poderá o diretor autorizar o seu ingresso na unidade, desde que previamente justificado.

§3º – Em todos os casos, esclarecer-se-á ao visitante para evitar observações ou quaisquer tipos de diálogos que possam ocasionar incitamentos e/ou conflitos entre os adolescentes, bem como entre adolescentes e servidores, visando resguardar a ordem interna.

Artigo 5º – Os visitantes, referidos nesta Portaria, deverão identificar-se com a documentação pessoal e profissional antes de seu ingresso nas Unidades, devendo ser acompanhados, durante toda a visita, pelo Diretor da Unidade ou por responsável por ele designado.

§ 1º – Fica assegurado aos adolescentes o direito de, a seu pedido, entrevistar-se reservadamente com representantes do Ministério Público ou seu Defensor legalmente constituído.

§ 2º – Encerrada a visita, o Diretor da Unidade deverá relatá-la, por escrito, em documento circunstanciado anexando o relatório no livro de ocorrência, remetendo cópia à Diretoria Técnica da FEBEM, que, em sendo necessário, comunicará a Presidência.

Artigo 6º – Os Procuradores do Estado e Advogados, nos termos do disposto no inciso VI, alínea "c" do Artigo 7o da Lei n. 8.906, de 13 de julho de 1994, poderão avistar-se reservadamente com seus clientes internados na respectiva Unidade, independentemente de autorização prévia, respeitadas as regras contidas na presente Portaria.

§ 1º – Os advogados dos adolescentes deverão identificar-se mediante apresentação da Carteira da Ordem dos Advogados do Brasil e demonstrar sua qualidade representativa mediante apresentação de procuração "ad judicia" que lhe conceda os poderes específicos como defensor do adolescente.


§ 2º – Os Advogados dativos deverão identificar-se mediante a apresentação da Carteira da Ordem dos Advogados do Brasil, acompanhado de sua Designação Judicial que demonstre sua qualidade de defensor do adolescente.

§ 3º – Os Procuradores do Estado deverão identificar-se mediante apresentação de suas Carteiras Funcionais.

Artigo 7º – Fica autorizado o ingresso nas Unidades Operacionais, quando no exercício de suas funções, dos Delegados de Polícia, Oficiais de Justiça e Policiais Civis e Militares.

Artigo 8º – Incumbe às Direções de Unidades, Assessorias e Supervisões anexar nesta Portaria a " Norma de Procedimentos Administrativos" e, ainda, promover a divulgação e orientação dos responsáveis no trato com os visitantes.

Artigo 9º – O acesso nas Unidades da FEBEM às pessoas citadas nos artigos 2º e 3º desta Portaria ficará restrito ao horário das 08:00 às 17:00, salvo as ocorrências emergenciais e o desenvolvimento de atividades específicas fora deste horário pelas entidades indicadas nos referidos artigos.

Artigo 10 – Fica revogado o artigo 46 e seus parágrafos do Regimento Interno – aprovado pela Portaria Normativa 76/04.

Artigo 11 – Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

(Republicado por ter saído com incorreções.)

O artigo 3° dessa Portaria restringe o acesso dos membros de entidades da sociedade civil às unidades de internação, prevendo que somente será permitido o ingresso de integrantes de entidades que tiverem contrato ou convênio com a Fundação para realizarem atividades sócio-educativas, para executar as atividades e nos horários estipulados no Termo contratual.

Com esta medida, foi extinto o controle social da FEBEM a ser realizado por organizações não governamentais, vez que só permite o ingresso de organizações conveniadas, cuja atuação não pode ser considerada totalmente autônoma, além de contar, eventualmente, com missão diversa da fiscalização.

A atuação das organizações não governamentais na fiscalização das unidades de internação da FEBEM se faz ainda mais necessária diante do histórico de violações de direitos humanos por parte da Fundação.

Só nestes últimos dois anos, foram 23 adolescentes mortos e inúmeras situações de tortura e maus tratos. (DOC.22)

Vale ressaltar também que o acesso, ainda que restrito, das organizações da sociedade civil às unidades de internação da FEBEM neste último ano possibilitou a fiscalização das unidades e a descoberta e denúncia de diversas situações de violações aos direitos humanos dos adolescentes custodiados, inclusive de tortura.


Como exemplos, podemos citar as denúncias realizadas na Unidade de Internação UI-41 de Vila Maria, na Unidade de Internação Tietê, na Unidade de Internação Emergencial de Tupi Paulista (DOC.23/24/25/26/27/28), todas provenientes de organizações não governamentais que, durante vistorias e fiscalizações depararam-se com situações de violações de direitos humanos aos adolescentes internados.

De fato, ainda que diversas entidades tenham por atribuição legal a fiscalização das unidades de internação, como os Conselhos e até o próprio Ministério Público, isto não pode servir de pretexto para afastar a fiscalização proveniente das organizações não governamentais, dada sua atuação diferenciada.

Ademais, cumpre destacar que a sociedade civil, através de movimentos sociais e organizações não governamentais, é vista e encarada como interlocutor legítimo perante as instâncias internacionais, fazendo parte da agenda de Relatores Especiais da Organização das Nações Unidas e de Comissionados da Organização dos Estados Americanos, justamente por constituir esfera autônoma perante o Poder Público e capaz, portanto, de exercer a fiscalização e o controle de seus atos. (DOC.29/30/31)

Assim, afastar por completo a possibilidade de fiscalização das unidades de internação pelas organizações não governamentais é contrariar a diretriz democrática do Estado de Direito brasileiro, firmados na Constituição Federal, bem como fere as disposições traçadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA e normativa internacional.

Por este motivo se propõe a presente ação civil pública.

DIREITO

PRELIMINAR

1. DA LEGITIMIDADE ATIVA DAS AUTORAS

As associações possuem legitimidade, com fundamento na Constituição Federal, art. 129, § 1º, para propor ações civis públicas para a proteção de direitos difusos e coletivos, se não vejamos:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: (…)

III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

§ 1º – A legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei.

A lei que regula a Ação Civil Pública, Lei nº 7.347/85 dispõe expressamente as associações em seu rol de legitimados a propor a ação, não deixando dúvidas:

Art. 5º A ação principal e a cautelar poderão ser propostas pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios. Poderão também ser propostas por autarquia, empresa pública, fundação, sociedade de economia mista ou por associação que:

I – esteja constituída há pelo menos um ano, nos termos da lei civil;

II – inclua entre suas finalidades institucionais a proteção ao meio ambiente ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)

A Lei n. 8.069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente, dispõe sobre as ações civis fundadas em interesses difusos e coletivos de crianças e adolescentes no seguinte sentido:

“Art. 210. Para as ações cíveis fundadas em interesses coletivos ou difusos, consideram-se legitimados concorrentemente:


(…)

III – as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por esta Lei, dispensada a autorização da assembléia, se houver prévia autorização estatutária”.

Diante da análise da legislação e de acordo com a jurisprudência verifica-se que são dois os critérios de legitimação das associações para a ação civil pública, quais sejam: (i) constituição há pelos menos 1 ano; (ii) inclusão, dentre suas finalidades institucionais, da proteção de direitos e interesses difusos. As autoras preenchem, sem sombra de dúvidas, tais requisitos, se não vejamos:

A CONECTAS DIREITOS HUMANOS também cumpre o critério temporal uma vez que foi constituída em 11 de setembro de 2001. No que se refere aos objetivos estipulados em seu estatuto, esses i prevêem promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais, bem como a promoção e defesa dos direitos humanos, da democracia, da ética, da paz e da cidadania. (www.conectas.org)

A AMAR – Associação de Mães e Amigos de Crianças e Adolescentes em Risco está constituída há pelo menos 1 ano uma vez que essa foi fundada em 10 de abril de 1999, e também possui entre seus objetivos institucionais o de proteção de direitos e interesses tutelados na presente ação tendo em vista o estabelecido no artigo 2º, inciso IV de seu estatuto, que prevê como finalidade da associação zelar pela defesa dos direitos das crianças, dos adolescentes e seus familiares.

O CDH – Centro de Direitos Humanos, constituído em 2000, tem como finalidades estatutárias promover, difundir e garantir os Direitos Humanos Civis, Políticos, Econômicos, Sociais, Culturais, a Paz e o Desenvolvimento, especialmente através dos seguintes pontos: VII – defender, judicial e extrajudicialmente, interesses referentes à garantia dos direitos humanos; e VIII – promover a ética, a paz, a cidadania, os direitos humanos, a democracia e outros valores universais (www.cdh.org.br).

O CEDECA – Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente “Mônica Paião Trevisan” preenche o critério temporal e tem como objetivos a promoção e a defesa dos direitos da criança e do adolescente, através do monitoramento de políticas públicas e proposição de procedimentos judiciais e administrativos (www.cedecasmpt.org.br).

O CEDECA INTERLAGOS – Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Interlagos, fundado em 1999, tem como missão institucional atuar na defesa da criança e do adolescente, promovendo ações locais referentes à defesa de direitos individuais, difusos e coletivos, especialmente dos adolescentes em situação de risco social e pessoal.

O CEDECA SANTO AMARO – Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente – Associação Cultural Corrente Libertadora, constituído em 1997, tem como objetivos promover o amparo à criança e ao adolescente, podendo, para tanto, promover intervenção para efetivação de políticas sociais públicas, participação controle social.

CEDECA BELÉM – Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente “Padre Ezequiel Ramin”, constituído em 1986, possui como objetivos estatutários a atuação como órgão de defesa da pessoa humana e dos direitos sociais dos marginalizados, crianças e adolescentes em todos os campos que esses direitos vierem a ser violados, especialmente no campo da violência.

O CONDEPE – Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana tem como finalidade investigar as violações de direitos humanos no território do estado de São Paulo, podendo, para cumprimento de sua missão, encaminhar denúncias, representações e propor ações administrativas e judiciais para defesa e promoção dos direitos humanos (artigos1º, 2º, I e II, 4º, III da Lei 7.576/91 alterada pela Lei 8.032/92).

A Fundação Projeto Travessia foi criada por iniciativa de sindicatos de trabalhadores e empresas privadas, para atendimento das crianças e adolescentes que vivem em situação de rua na região central da cidade de São Paulo, procurando sua inclusão social e vida digna (www.travessia.org.br).


O Instituto Pro Bono, constituído em 2001, tem como objetivos a promoção do voluntariado e da justiça social, em especial através da promoção e defesa dos direitos humanos e ampliação do acesso à justiça. (www.probono.org.br).

Vale trazer lição do ilustre jurista Nelson Nery Junior, para quem:

“A legitimidade é aferível ope legis, bastando à associação preencher os requisitos contidos na lei para considerar-se legitimada ativa para a Ação Civil Pública (…). Não tem lugar, por ser ilegal, outra exigência ou distinção, principalmente tendo em vista a qualidade da entidade, que restrinja a legitimação para agir das associações, fora das hipóteses expressamente enunciadas na norma sob exame”. (in Código de Processo Civil Comentado, p.1320, RT, 2003 – grifamos).

Este também tem sido o entendimento de nossos tribunais:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Ajuizamento por associações de defesa da saúde do fumante contra fábrica de cigarros – Pretensão fulcrada nos artigos 81 e 82 do Código de Defesa do Consumidor e na Lei de Ação Civil Pública – Legitimidade ativa ad causam. (TJ/SP – Agr.I n. 221154-4 – 14/05/2002).

Por fim, vale ressaltar que a Ação Civil Pública configura-se em uma importante ferramenta colocada a disposição da sociedade civil para que ela possa demandar de forma direta seus direitos difusos e coletivos perante o poder judiciário, constituindo assim um instrumento de concretização da cidadania. Na análise do ilustre professor Moutari Ciocchetti de Souza:

“(…) a resposta do Direito aos anseios sociais somente será satisfatória se a vontade social puder efetivamente participar de sua elaboração, se tiver o condão de direcioná-la – e não apenas de fornecer estímulos ao subsistema jurídico e de ficar no aguardo de uma decisão (…) Destarte, o Direito somente pode ser visto como um fenômeno social, que necessita captar os fatos e eventos da vida em comunidade e com eles interagir, de forma a assegurar a pacificação e ser um efetivo instrumento de distribuição de justiça”. (in Ação Civil Pública, p.32, Malheiros, 2003 – grifamos).

2. DA ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA – AÇÃO CIVIL PÚBLICA

A ação civil pública é destinada à proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, nos termos do artigo 129, inciso III da Constituição Federal.

A Lei n. 7.347/85, que dispõe sobre a ação civil pública, mantém este objetivo, especificando os seus objetos de proteção em seu artigo 1º:

Art. 1º. Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:

I – ao meio ambiente;

II – ao consumidor;

III – aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;

IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;

V – por infração da ordem econômica e da economia popular;

VI – à ordem urbanística.

A ação civil pública ora proposta tem por objetivo obrigar a Ré a adotar uma política de transparência, criando mecanismos que garantam a entrada das entidades da sociedade civil que possuam a função de defesa dos direitos das crianças e adolescentes nas Unidades de Internação.


Neste sentido, refere-se à proteção do direito da sociedade de fiscalizar a atuação estatal quando do acautelamento de adolescentes em unidades de internação, buscando, portanto, o cumprimento do Princípio da Publicidade e a conseqüente proteção do direito desses adolescentes, bens juridicamente tuteláveis pela ação civil pública, de acordo com as disposições legais pertinentes.

MÉRITO

O objeto da presente ação é buscar a tutela jurisdicional para que a Ré seja condenada a adotar uma política de transparência, criando mecanismos que garantam a entrada das entidades da sociedade civil que possuam a função de defesa dos direitos das crianças e adolescentes e dos direitos humanos nas Unidades de Internação.

1. DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO DA PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL NO CONTROLE DOS ATOS DO PODER PÚBLICO

A democracia e a participação cidadã são fundamentos do Estado brasileiro, que tem assim definido em sua Constituição Federal de 1988:

Art. 1. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em um Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (…)

II – a cidadania.

Parágrafo único: Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

É um engano, no entanto, acreditar um Estado submisso às leis é um Estado Democrático de Direito. Para atingir tal status, é necessário que o Estado atue, em todas as suas formas, de acordo com os princípios sobre os quais foi constituído, que no caso brasileiro são a democracia, o republicanismo, a dignidade humana e a cidadania. Assim já alertava Geraldo Ataliba:

“É corrente a afirmação de Estado de Direito é o que se subordina à lei. Tal concepção, entretanto, é equivocada, porque insuficiente. (…).

A partir da consciência cívica da titularidade da res publica e da convicção da igualdade fundamental entre todos os cidadãos, estruturou-se o Estado brasileiro na base da idéia de que o governo seria sujeito à lei e esta haveria de emanar do órgão de representação popular. Destarte, o formidável poder que os cidadãos conferiram ao Estado há de ser exercido por órgãos autônomos e independentes entre si, com funções delimitadas e jamais poderá ser exercitado de modo a sobrepassar certas barreiras, postas como seu limite no próprio texto expressivo dessa manifestação de vontade criadora do Estado”. (in ATALIBA, G., República e constituição, 2ª ed. Malheiros, São Paulo, p. 120)

De fato, não só a forma, mas sobretudo o conteúdo dos atos adotados pelo Estado compõe o parâmetro de legalidade dos mesmos, isto é, não basta o ato estar de acordo com as regras formais para sua elaboração; é imprescindível que, no mérito, tais atos não contrariem disposições da lei e, também, os princípios e as diretrizes do Estado Democrático de Direito.

Neste sentido, o Estado deve praticar atos que atendam aos ditames da democracia e da participação popular para que estes tenham validade. Respostas e medidas autoritárias e repressivas, ainda que formalmente revestidos de legalidade, contrariam o espírito da Constituição e do que deve ser o Estado Democrático de Direito. Assim ensina Luigi Ferrajoli:


“Efectivamente, las dos clases de normas sobre la producción jurídica que se han distinguido – las formales que condicionan la vigencia, y las sustanciales que condicionan la validez – garantizan otras tantas dimensiones de la democracia: (…) la dimensión material de la que bien podría llamarse ‘democracia sustancial’, puesto que se refiere al qué es lo que no puede decidirse o debe ser decidido por cualquier mayoría, y que está garantizado por las normas sustanciales que regulan la sustancia o el significado de las mismas decisiones, vinculándolas, so pena de invalidez, al respecto de los derechos fundamentales y de los demás principios axiológicos establecidos por aquélla”. (in FERRAJOLI, L., Derechos y garantías – la ley del más débil, Ed. Trotta, Madrid, 1999, p. 23)

É sob esta perspectiva que deve ser analisada a Portaria 90/05 ora em comento. Não obstante não contrariar expressamente texto legal, não condiz com os ditames democráticos que a Constituição impõe aos atos públicos. A não previsão e, portanto, a proibição do controle social das unidades de execução de medida sócio educativa de internação, por parte de organizações não governamentais, é uma postura autoritária que contraria os princípios da democracia e da participação cidadã previstos na Constituição Federal de 1988.

Assim, ao constituir-se como medida autoritária, perde a legitimidade frente ao Estado Democrático de Direito, como ensina J. J. Gomes Canotilho:

“O Estado constitucional é ‘mais’ que o Estado de direito. O elemento democrático não foi apenas introduzido para ‘travar’ o poder (to check the power); foi também reclamado pela necessidade de legitimação do mesmo poder (to legitimize State power). Se quisermos um Estado constitucional assente em fundamentos não metafísicos, temos de distinguir claramente duas coisas: (1) uma é a da legitimidade do direito, dos direitos fundamentais e do processo de legislação do sistema jurídico; (2) outra é a legitimidade de uma ordem de domínio e da legitimação do exercício do poder político. O Estado ‘impolítico’ do Estado de direito não dá resposta a este último problema: donde vem o poder. Só o princípio da soberania popular segundo o qual ‘todo poder emana do povo’ assegura e garante o direito à igual participação na formação democrática da vontade popular. Assim, o princípio da soberania popular concretizado segundo procedimentos juridicamente regulados serve de ‘charneira’ entre o ‘Estado de direito’ e o ‘Estado democrático’, possibilitando a compreensão da moderna fórmula Estado de direito democrático”. (in CANOTILHO, J.J.G, Direito constitucional e teoria da constituição, Almedina, Coimbra, 1998, p. 94).

Além de contrariar o princípio democrático e de participação cidadã, a não previsão de formas de controle por parte de organizações não governamentais, sem qualquer justificativa plausível, viola o dever de transparência e publicidade que recai sobre a coisa pública.

A FEBEM é uma pessoa jurídica de direito público e, portanto, esta sob a égide do regime jurídico administrativo o qual é regido pelo princípio da publicidade previsto expressamente no artigo 37, caput:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (…).

O princípio da publicidade é inerente ao próprio conceito de República uma vez que aquele que administra está administrando coisa pública. Sobre o tema afirma Lucia Valle Figueiredo:

“Demais disso, a república (res publica) demanda transparência. O art. 1°, parágrafo único, da Constituição, que possibilita ao povo a participação direta, pro facto, postula transparência”. (in FIGUEIREDO, L.V., in Curso de direito administrativo, 6ª ed., Malheiros, São Paulo, 2003, p. 60).

Dessa forma, o conceito do Princípio da Publicidade em nosso Estado Democrático de Direito traduz-se na obrigação do administrador em agir de forma transparente, permitindo que o verdadeiro titular do poder – o povo – fiscalize sua atuação. Nesse sentido dispõe o Professor Celso Antônio Bandeira de Mello:


“Consagra-se nisto o dever administrativo de manter plena transparência em seus comportamentos. Não pode haver em um Estado Democrático de Direito, no qual o poder reside no povo (art. 1°, parágrafo único, da Constituição), ocultamento aos administrados dos assuntos que a todos interessam, e muito menos em relação aos sujeitos individualmente afetados por alguma medida”. (in MELLO, C.A.B., Curso de direito administrativo, 10 ed., Malheiros, São Paulo).

Portanto, a Portaria 90/05 desrespeita o princípio democrático da publicidade ao impossibilitar o controle dos atos do poder público por organizações da sociedade civil através da atividade de fiscalização, uma vez que somente permite a atuação de entidades que realizem atividades em parceria com o Estado que, no que pese sua importância, não são suficientes para a garantia dos direitos dos adolescentes.

A sociedade civil, neste caso, através da atuação de organizações não governamentais, com respaldo nos princípios do Estado Democrático de Direito, merece ter acolhida sua pretensão de exercício de fiscalização da atividade pública, a fim de proteger os direitos dos jovens custodiados, impedir, prevenir e denunciar violações aos direitos humanos e controlar o Poder Público.

2. DA DIRETRIZ DA PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL NA TEMÁTICA DA INFÂNCIA

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu em seu artigo 227, caput, que a responsabilidade em assegurar os direitos das crianças e adolescentes é compartilhada entre a família, sociedade e o Estado.

Dispõe a Constituição:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Seguindo a linha traçada por nossa carta maior o Estatuto de Criança e do Adolescente – ECA determina, em seu artigo 86, que a política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente seja realizada por meio de uma articulação entre ações governamentais e não-governamentais, a saber:

Art. 86. A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.

Exa, não é possível se classificar como “um conjunto articulado de ações” a situação firmada pela a portaria sub judice. Tal portaria tira as entidades da sociedade civil de seu imprescindível papel fiscalizador, impossibilitando-as de exercerem tal atividade na sua completude.

Além disso, artigo 87 do ECA prevê a proteção jurídico-social por entidades de defesa dos direitos da criança e do adolescente como linha de ação da política de atendimento a ser realizada, já apontando, dessa forma, uma diretriz para a concretização da articulação entre as ações do governo e das entidades da sociedade civil prevista no artigo anterior, se não vejamos:

Art. 87. São linhas de ação da política de atendimento: (…)

V – proteção jurídico-social por entidades de defesa dos direitos da criança e do adolescente.

Então vejamos: a Constituição Federal, no caput do artigo 227, co-responsabiliza a sociedade civil pela proteção dos direitos da criança e do adolescente; a legislação ordinária prevê que as organizações não governamentais devem promover a proteção jurídico-social das crianças e adolescentes e a Portaria 90/05 impede que as organizações não governamentais exerçam atividade de controle e fiscalização da execução de medida sócio educativa de internação.


Como podem as organizações não governamentais cumprirem com seu dever de proteger a infância e juventude impostas por determinação constitucional e legal se há ato regulamentar que impede a atividade de fiscalização?

3. DA DESPROPORCIONALIDADE E NÃO RAZOABILIDADE DA PORTARIA 90/05

Ademais de toda argumentação desenvolvida, que deixa evidente a necessidade de exercício de fiscalização e controle por organizações não governamentais para atender à diretriz democrática, de participação cidadã e de co-responsabilização promovida pela Constituição, impedir o ingresso de tais organizações não se mostra medida razoável, tampouco proporcional.

Medida razoável e proporcional é aquela que obedece ao requisito do devido processo legal material, sendo meio adequado para atingir determinado interesse público. Afinal, qual o interesse público em impedir que organizações não governamentais exerçam seu papel de fiscalização do Estado, ainda mais no contexto de instituição conhecidamente violadora de direitos humanos como a FEBEM?

Por outro lado, o raciocínio inverso, qual seja, de qual o interesse público em permitir a fiscalização das unidades de internação da FEBEM por organizações da sociedade civil, permite identificar claramente a presença de interesse público, consubstanciado na proteção e promoção dos direitos da criança e do adolescente, na medida em que a presença de organizações fiscalizadoras certamente inibe a prática de violência por agentes do Estado – como de fato ocorre.

Além disso, a fiscalização das unidades de internação por organizações não governamentais visa ao interesse público na medida em que colabora para a descoberta de crimes e responsabilização de agentes violadores de direitos humanos.

É evidente que o ambiente das unidades de internação, por constituírem locais de real privação de liberdade, estão sujeitas a normas de segurança, ordem e contenção que exigem um disciplinamento por parte do Estado, inclusive de visitas e vistorias a serem realizadas.

Este disciplinamento, no entanto, não pode afastar por completo a fiscalização das unidades de internação pelas organizações – como faz a Portaria 90 -, assim como não pode impor regras tais que impeçam a realização dos objetivos de tal fiscalização, como apurar denúncias.

Neste sentido, é claro que pode haver condicionantes de horários e procedimentos de segurança a serem adotados, mas o Poder Público deve estar obrigado a permitir a fiscalização imediata em casos de denúncias de violações de direitos humanos cuja constatação dependa da celeridade e prontidão da visita, como ocorre nos casos de tortura e maus tratos, onde as marcas das lesões deixadas nos corpos ficam prejudicadas com o passar dos dias.

Enfim, é preciso que o Poder Público estabeleça, sob critérios de razoabilidade e proporcionalidade, formas de fiscalização por parte de organizações não governamentais.

Discorre o Professor Celso Antônio Bandeira de Mello sobre os parâmetros da proporcionalidade:

“Este princípio enuncia a idéia – singela, aliás, conquanto frequentemente desconsiderada – de que as competências administrativas só podem se validamente exercidas na extensão e intensidade proporcionais ao que seja realmente demandado para cumprimento da finalidade de interesse público a que estão atreladas. (…) Sobremodo quando a Administração restringe situação jurídica dos administrados além do que caberia, por imprimir às medidas tomadas uma intensidade ou extensão supérfluas, prescindendas, ressalta a ilegalidade de sua conduta. É que ninguém deve estar obrigado a suportar constrições em sua liberdade ou propriedade que não sejam indispensáveis à satisfação do interesse público.

Logo, o plus, o excesso acaso existente, não milita em benefício de ninguém. Representa, portanto, um agravo inútil de cada qual. (…) Ora, já se viu que a inadequação a finalidade da lei é inadequação à própria lei. Donde, atos desproporcionais são ilegais e, por isso, fulmináveis pelo Poder Judiciário, que, sendo provocado, deverá invalidá-los quando impossível anular unicamente a demasia, o excesso detectado”. (in MELLO, C.A.B., Curso de direito administrativo, 10 ed., Malheiros, São Paulo).


Ademais, a proporcionalidade e a razoabilidade de medidas legislativas e administrativas devem ser apreciadas de acordo com o princípio o devido processo legal substantivo, cuja interpretação tem sido desenvolvida pelo Supremo Tribunal Federal e constitui parâmetro para análise de coerência constitucional dos referidos atos.

Nos dizeres de Celso de Mello, quando do julgamento da ADIn 1158:

“Todos sabemos que a cláusula do devido processo legal – objeto de expressa proclamação pelo art. 5º, LIV, da Constituição – deve ser entendida, na abrangência de sua noção conceitual, não só sob aspecto meramente formal, que impõe restrições de caráter ritual à atuação do Poder Público, mas, sobretudo, em sua dimensão material, que atua como decisivo obstáculo à edição de atos legislativos de conteúdo arbitrário ou irrazoável.

A essência do substative due processo of law reside na necessidade de proteger os direitos e as liberdades das pessoas contra qualquer modalidade de legislação [ou ato] que se revele opressiva ou, como no caso, destituída do necessário coeficiente de razoabilidade”. (ADIMC 1158, STF, relator Celso de Mello – observação nossa)

Com isso, necessário se faz que a FEBEM adote uma política de atuação transparente, tornando possível que a sociedade civil execute seu papel fiscalizador, garantindo, dessa forma, a entrada em suas Unidades de Internação, das entidades não governamentais, que possuírem como objetivo a defesa dos direitos das crianças e adolescentes e dos direitos humanos.

PEDIDO

DA PROVIDÊNCIA LIMINAR

O objeto da presente ação é buscar a tutela jurisdicional para que a Ré seja condenada a adotar uma política de transparência, criando mecanismos que garantam a entrada das entidades da sociedade civil que possuam a função de defesa dos direitos das crianças e adolescentes nas Unidades de Internação. Porém, para que o provimento jurisdicional possua utilidade e efetividade, presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, necessária se faz a concessão de liminar.

Fumus boni iuris

Nossa legislação constitucional e infraconstitucional estabelece a participação da sociedade na política de atendimento aos adolescentes, apontando para a proteção jurídico-social por parte das entidades defensoras dos direitos das crianças e adolescentes, assim como impõe ao administrador o dever de agir de forma transparente, permitindo a fiscalização pela população. Logo, o fumus boni iuris para a concessão da liminar pleiteada encontra-se presente.

Periculum in mora

O periculum in mora é notório e decorre do fato que deixar unidades de internação por um longo período de tempo sem qualquer fiscalização por parte da sociedade civil somente possibilitará a continuidade ou o aumento das violações aos direitos dos adolescentes internados, de modo a criar prejuízo irreparável ou de difícil reparação, caso se aguarde o tempo necessário para decisão definitiva da lide.

Assim, presentes os requisitos para o deferimento da antecipação do provimento jurisdicional, requer-se seja, inaudita altera pars, concedida medida liminar para que, em 10 dias, seja autorizado às organizações não governamentais de proteção dos direitos da criança e do adolescente e dos direitos humanos o ingresso nas unidades de internação da FEBEM, mediante prévia solicitação à diretoria de cada unidade que, com atenção aos critérios de conveniência e oportunidade, deverá emitir autorização e permitir o ingresso das organizações, observado o prazo máximo de 72 horas, a contar do momento da solicitação de ingresso, a fim de preservar a utilidade das visitas.


Requer-se ainda, com supedâneo no art. 12°, §2, da Lei n° 7.347/85, para o caso de descumprimento da ordem judicial, a cominação de multa liminar em valor a ser estipulado por Vossa Excelência, mas não inferior R$ 1.000,00 (hum mil reais) por dia, quantia mínima necessária para que se tenha um eficiente meio de pressão sobre a ré, com o fito de que sejam compelidos a cumprir a liminar concedida.

Requer-se que esta multa seja aplicada a pessoa física responsável pela pessoa jurídica – FEBEM, isto é, a Ilma Sra. Presidente Berenice Maria Giannella, os termos do artigo 70 e 73 do Estatuto da Criança e do Adolescente, como já foi determinado quando da concessão da liminar da Ação Civil Pública referente as condições de segurança e salubridade da Unidade de Internação 5 da FEBEM:

(…) Isto posto, CONCEDO MEDIDA LIMINAR para que no prazo de 90 (noventa) dias, contados da intimação da presente, a FUNDAÇÃO DO BEM ESTAR DO MENOR – FEBEM, providencie as medidas de segurança descritas no quadro juntado às fls. 308/309, explicitado às fls. 310, que passa a fazer parte integrante dessa medida, sob pena de arcar com multa pecuniária de R$ 1.000,00 (hum mil reais) por dia de descumprimento da ordem conforme os artigos 11 e 12, § 2°, ambos da Lei 7.347/85, recaindo a sanção sobre o patrimônio pessoal do Ilmo. Sr. Presidente da Fundação como preceitua o disposto no artigo 73, da Lei n° 8.069/90, sem prejuízo, ainda, se seu afastamento provisório, nos termos do artigo 97, inciso I, alínea “b” do citado Estatuto. (…) (Processo 000.04.900103-5 – Ação Civil Pública, AMAR E CONECTAS vs FEBEM, Vara Central da Infância e Juventude de São Paulo)

DOS PEDIDOS

a) concessão da medida liminar, nos termos acima;

b) citação da ré, para, querendo, contestar a ação, sob pena de revelia;

c) ao final, e de maneira definitiva, que a ação seja julgada procedente para condenar a ré à obrigação de fazer, em prazo a ser fixado por Vossa Excelência, mas não superior a 30 dias, consistente em adotar uma política de transparência, criando normas e mecanismos que permitam a entrada, em suas unidades de internação, de organizações não governamentais de proteção dos direitos da criança e do adolescente e dos direitos humanos, de maneira a permitir que estas promovam o controle e a fiscalização das unidades de internação;

d) seja cominada multa diária para o caso de descumprimento da decisão proferida nos termos do art. 11 da Lei n° 7.347/85, não inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).

e) seja estabelecido um prazo para que a Ré dê cumprimento da obrigação de fazer, e, na hipótese se descumprimento deste prazo, requer-se que Vossa Excelência estabeleça os parâmetros para permissão de ingresso das organizações não governamentais de proteção dos direitos da criança e do adolescente e dos direitos humanos às unidades de internação da FEBEM, de maneira a permitir que estas promovam o controle e a fiscalização das mesmas.

Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, especialmente documental.

Dá-se á presente, para efeitos fiscais, o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Nestes termos,

Pede deferimento

São Paulo, 10 de novembro de 2005.

Eloísa Machado de Almeida João Pedro Pereira Brandão

OAB/SP 201.790 OAB/SP 197.405

Ariel de Castro Alves Humberto Polcaro Negrão

Advogado Travessia OAB/SP 136.072-E

OAB/SP 177.955

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