Centavo da discórdia

Justiça afasta caráter salarial de lanche pago pela empresa

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8 de novembro de 2005, 11h26

A 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho afastou o caráter salarial do café da manhã oferecido pela Agip do Brasil aos empregados. A empresa descontava R$ 0,01 por mês do salário do empregado para que tomasse um copo de café com leite e comesse um sanduíche.

A Turma adotou nova orientação sobre os casos em que o empregador concede alimentação e depois desconta no salário qualquer valor irrisório para custear os gastos. Com o novo entendimento, qualquer contribuição do empregado, ainda que de pouco valor, é suficiente para afastar a natureza salarial da parcela.

Na ação, o trabalhador pediu, entre outros itens, que o valor do café da manhã fosse computado em seu salário para todos os efeitos e reflexos legais. A 2ª Vara do Trabalho de Canoas (Rio Grande do Sul) rejeitou o pedido. O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região reformou a sentença, determinando que o valor do café da manhã fosse integrado ao salário.

Para os juízes, o desconto mensal de R$ 0,01 revelou a intenção da Agip de fraudar direitos previstos na CLT — neste caso, o artigo 82 que estabelece a forma para cálculo das parcelas do salário pagas in natura (salário utilidade).

A 4ª Turma do TST considerou que o benefício não foi ônus econômico exclusivo da empresa, o que a desfigura como salário in natura. “Se o empregador fornece o café da manhã, corre o risco de ver o benefício transformar-se em salário direto. Se efetua um desconto irrisório no salário do empregado para custear o benefício, pode ser acusado de estar fraudando a CLT. Com isso, vai desistir de conceder qualquer benefício”, salientou o relator, ministro Antonio José Barros Levenhagen.

RR 96.190/2003-900-04-00.5

Leia a íntegra da decisão

NÚMERO ÚNICO PROC: RR – 96190/2003-900-04-00

PUBLICAÇÃO: DJ – 04/11/2005

PROC. Nº TST-RR-96190/2003-900-04-00.5

A C Ó R D Ã O

UTILIDADE-ALIMENTAÇÃO. A concessão da alimentação não foi suportada apenas pelo empregador, pois a utilidade recebida pelo empregado implicou desconto de seu salário, o que a desfigura como salário in natura, sendo irrelevante que tenha sido ínfima a participação do empregado, pois o dispositivo legal não acoberta tal distinção. Não sendo, portanto, ônus econômico exclusivo do empregador, está afastado o caráter salarial da utilidade prestada. Não há falar em integração desta verba na remuneração do empregado para os efeitos legais.

Recurso provido.

DEVOLUÇÃO DE DESCONTOS GRÊMIO, FARMÁCIA E EMPRÉSTIMOS. A decisão recorrida deixa claro que o empregado autorizou os descontos a título de “Grêmio Recreativo dos Funcionários, farmácia e empréstimos”, atraindo a aplicação do entendimento consubstanciado na Súmula nº 342 desta Corte, que assim dispõe, verbis: “Descontos salariais efetuados pelo empregador, com a autorização prévia e por escrito do empregado, para ser integrado em planos de assistência odontológica, médico-hospitalar, de seguro, de previdência privada, ou de entidade cooperativa, cultural ou recreativo-associativa de seus trabalhadores, em seu benefício e de seus dependentes, não afrontam o disposto no art. 462 da CLT, salvo se ficar demonstrada a existência de coação ou de outro defeito que vicie o ato jurídico”.

Recurso provido.

PRÉ-CONTRATAÇÃO DE HORAS EXTRAS. O Tribunal Regional concluiu pela nulidade da pré-contratação ao fundamento de que as horas extraordinárias não possuíam vinculação direta com a jornada cumprida, concluindo pela evidência de desdobramento do salário. Não há no acórdão recorrido qualquer menção de que a pré-contratação não encontra respaldo na lei ou que o ajuste prévio não tenha provocado prejuízo aos direitos do trabalhador. Estas são as teses ventiladas nos arestos apresentados a cotejo, que se revelam inespecíficos.

Recurso não conhecido.

HORAS EXTRAS. CONFISSÃO DO RECLAMANTE. Apesar de inusual em sede de recurso extraordinário, verifico das razões de recurso ordinário que a reclamada não formulou tese relacionada à confissão do reclamante de sua jornada de trabalho, o que implica preclusão do exame do tema em sede recursal extraordinária ante a ausência do necessário prequestionamento. Incidência da Súmula 297 desta Corte.

Recurso não conhecido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nº TST-RR-96190/2003-900-04-00.5, em que é Recorrente AGIP DO BRASIL S.A. e Recorrido PEDRO SOUZA ROSADO.

O TRT da 4ª Região, pelo acórdão de fls. 634/649, deu provimento parcial ao recurso ordinário da reclamada para absolvê-lo da condenação ao aviso prévio proporcional e, quanto ao recurso do reclamante, deu-lhe provimento parcial para acrescer à condenação uma hora extra três vezes por semana, com adicional de 100% e reflexos, diferenças decorrentes da integração da alimentação fornecida em repousos e feriados, devolução dos valores descontados do salário do reclamante a título de “Grêmio recreativo dos funcionários, farmácia e empréstimos”, e para cassar o comando quanto aos critérios de correção monetária relegando sua definição à fase de liquidação.


Foram interpostos embargos declaratórios, aos quais foi negado provimento, nos termos do acórdão de fls. 655/656.

O reclamado interpõe recurso de revista às fls. 658/668, com arrimo na alínea “a” do artigo 896 da CLT.

O apelo foi admitido pelo despacho de fls. 672/673, não tendo recebido razões de contrariedade.

Os autos não foram encaminhados à Procuradoria-Geral da Justiça do Trabalho.

É o relatório.

V O T O

1 — CONHECIMENTO

1.1 — UTILIDADE-ALIMENTAÇÃO

Para o Tribunal Regional, a participação, mesmo ínfima, do empregado no custeio da parcela “café matinal” não lhe retira o caráter salarial. O apelo credencia-se ao conhecimento em face da transcrição do primeiro aresto de fls. 661, indicativo da tese de que, para a configuração do salário in natura, necessária a gratuidade do fornecimento da utilidade.

Conheço, por divergência.

1.2 — DEVOLUÇÃO DE DESCONTOS GRÊMIO, FARMÁCIA E EMPRÉSTIMOS

O Regional determinou a restituição dos valores descontados a título de “grêmio recreativo dos funcionários, farmácia e empréstimos” ao fundamento de que a autorização do empregado não tem o efeito de tornar lícitos os descontos que não atendem aos requisitos legais, afrontando os princípios de proteção ao salário, os quais não podem ser objeto de renúncia pelo empregado.

Sustenta a recorrente a impossibilidade da devolução dos descontos ao fundamento de que eles reverteram em favor do autor, tendo havido autorização expressa do empregado para a sua realização.

O apelo credencia-se ao conhecimento da Corte, por divergência jurisprudencial com o aresto de fls. 662, no qual se adotou tese diametralmente oposta à da decisão recorrida, de que, tendo o empregado autorizado os descontos realizados em seu salário, não há infringência ao art. 462 da CLT.

Conheço, por divergência jurisprudencial.

1.3 — PRÉ-CONTRATAÇÃO DE HORAS EXTRAS

O TRT manteve a sentença que condenara a reclamada ao pagamento de horas extras, asseverando, in verbis:

“Não se pode admitir como válido ajuste prévio de pagamento de horas extras que não tenham vinculação direta com a jornada cumprida. Segundo a inicial e pelo que se observa das questões formuladas pelo reclamante ao perito contábil (fls. 454/455), a alegada supressão do número de horas extras teria sido procedida em fevereiro de 1998. Os esclarecimentos do perito dão conta que variadas eram as horas extras prestadas e sempre igual a uma hora por dia útil. Há evidente desdobramento do salário, destinando-se parte dele a satisfazer pretensas horas extras não merecendo reforma a sentença”. (Fls. 640/641).

O recorrente aduz que a pré-contratação não encontra obstáculo na lei, somente podendo ser declarada nula quando há finalidade de prejudicar o empregado. Transcreve arestos.

Como se infere do trecho acima reproduzido, o Tribunal Regional posicionou-se a favor da nulidade da pré-contratação ao fundamento de que as horas extraordinárias não possuíam vinculação direta com a jornada cumprida, concluindo pela evidência de desdobramento do salário.

Do exposto, verifica-se que não há no acórdão recorrido qualquer menção de que a pré-contratação não encontra respaldo na lei ou que o ajuste prévio não tenha provocado prejuízo aos direitos do trabalhador. Essas são as teses ventiladas nos arestos de fls. 664/665, que, portanto, revelam-se inespecíficos.

Assim, com fundamento no Enunciado nº 296/TST, não conheço do apelo.

1.4 — HORAS EXTRAS. CONFISSÃO DO RECLAMANTE

A recorrente embasa seu recurso em divergência jurisprudencial, insistindo em que o depoimento pessoal deve prevalecer sobre a prova testemunhal em matéria de comprovação de jornada de trabalho. Traz alguns paradigmas em arrimo de sua tese, com os quais busca o conhecimento do recurso de revista, na forma da alínea “c” do artigo 896 consolidado.

Apesar de inusual em sede de recurso extraordinário, verifico nas razões de recurso ordinário que a reclamada não formulou tese relacionada à confissão do reclamante de sua jornada de trabalho, o que implica preclusão do exame do tema em sede recursal extraordinária ante a ausência do necessário prequestionamento. Incidência da Súmula 297 desta Corte.

Não conheço.

2 — MÉRITO

2.1 — UTILIDADE-ALIMENTAÇÃO

A discussão trazida à baila diz respeito à configuração ou não do caráter salarial do café da manhã, considerando a premissa fática registrada no âmbito do Tribunal Regional, de que a alimentação era fornecida em caráter oneroso, sendo que a participação do empregado no custeio era ínfima.

Para a caracterização da utilidade in natura, é necessário perquirir a que título a utilidade foi fornecida.


Se o empregador concede a utilidade a título gratuito, de forma habitual, em função do contrato de trabalho (princípio da causalidade), em tese, caracterizado está o salário in natura, que se integra ao salário contratual para todos os efeitos.

In casu, a concessão da alimentação não foi suportada apenas pelo empregador, pois a utilidade recebida pelo empregado implicou desconto de seu salário, o que a desfigura como salário in natura, sendo irrelevante que tenha sido ínfima a participação do empregado, pois o dispositivo legal não acoberta tal distinção.

Não sendo, portanto, ônus econômico exclusivo do empregador, está afastado o caráter salarial da utilidade prestada. Assim, não há falar em integração desta verba na remuneração do empregado para os efeitos legais.

Dou provimento ao recurso para restabelecer a sentença.

2.2 — DEVOLUÇÃO DE DESCONTOS GRÊMIO, FARMÁCIA E EMPRÉSTIMOS

A decisão recorrida deixa claro que o empregado autorizou os descontos a título de “Grêmio Recreativo dos Funcionários, farmácia e empréstimos”, atraindo a aplicação do entendimento consubstanciado na Súmula nº 342 desta Corte, que assim dispõe, verbis:

“DESCONTOS SALARIAIS. ART. 462 DA CLT. Descontos salariais efetuados pelo empregador, com a autorização prévia e por escrito do empregado, para ser integrado em planos de assistência odontológica, médico-hospitalar, de seguro, de previdência privada, ou de entidade cooperativa, cultural ou recreativo-associativa de seus trabalhadores, em seu benefício e de seus dependentes, não afrontam o disposto no art. 462 da CLT, salvo se ficar demonstrada a existência de coação ou de outro defeito que vicie o ato jurídico”. (Res. 47/1995, DJ 20.04.1995)

Ante o exposto, dou provimento ao recurso para restabelecer a sentença.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista da reclamada quanto aos temas “utilidade-alimentação” e “devolução de descontos grêmio, farmácia e empréstimos”, ambos por divergência jurisprudencial, e, no mérito, dar-lhe provimento para restabelecer a sentença quanto aos dois temas.

Brasília, 19 de outubro de 2005.

MINISTRO BARROS LEVENHAGEN

Relator

EMENTA

UTILIDADE-ALIMENTAÇÃO. A concessão da alimentação não foi suportada apenas pelo empregador, pois a utilidade recebida pelo empregado implicou desconto de seu salário, o que a desfigura como salário in natura, sendo irrelevante que tenha sido ínfima a participação do empregado, pois o dispositivo legal não acoberta tal distinção. Não sendo, portanto, ônus econômico exclusivo do empregador, está afastado o caráter salarial da utilidade prestada. Não há falar em integração desta verba na remuneração do empregado para os efeitos legais.

Recurso provido.

DEVOLUÇÃO DE DESCONTOS GRÊMIO, FARMÁCIA E EMPRÉSTIMOS. A decisão recorrida deixa claro que o empregado autorizou os descontos a título de “Grêmio Recreativo dos Funcionários, farmácia e empréstimos”, atraindo a aplicação do entendimento consubstanciado na Súmula nº 342 desta Corte, que assim dispõe, verbis: “Descontos salariais efetuados pelo empregador, com a autorização prévia e por escrito do empregado, para ser integrado em planos de assistência odontológica, médico-hospitalar, de seguro, de previdência privada, ou de entidade cooperativa, cultural ou recreativo-associativa de seus trabalhadores, em seu benefício e de seus dependentes, não afrontam o disposto no art. 462 da CLT, salvo se ficar demonstrada a existência de coação ou de outro defeito que vicie o ato jurídico”.

Recurso provido.

PRÉ-CONTRATAÇÃO DE HORAS EXTRAS. O Tribunal Regional concluiu pela nulidade da pré-contratação ao fundamento de que as horas extraordinárias não possuíam vinculação direta com a jornada cumprida, concluindo pela evidência de desdobramento do salário. Não há no acórdão recorrido qualquer menção de que a pré-contratação não encontra respaldo na lei ou que o ajuste prévio não tenha provocado prejuízo aos direitos do trabalhador. Estas são as teses ventiladas nos arestos apresentados a cotejo, que se revelam inespecíficos.

Recurso não conhecido.

HORAS EXTRAS. CONFISSÃO DO RECLAMANTE. Apesar de inusual em sede de recurso extraordinário, verifico das razões de recurso ordinário que a reclamada não formulou tese relacionada à confissão do reclamante de sua jornada de trabalho, o que implica preclusão do exame do tema em sede recursal extraordinária ante a ausência do necessário prequestionamento. Incidência da Súmula 297 desta Corte. Recurso não conhecido.

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