Culpa do ladrão

Banco não é responsável por seqüestro de empregado

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8 de novembro de 2005, 9h48

A responsabilidade pelo seqüestro de funcionários em cargo de confiança não pode ser atribuída ao banco que os emprega. O entendimento, da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo), é o de que como a empresa não fez nenhuma ameaça ao funcionário, ele “deveria pedir indenização por dano moral aos seqüestradores”.

Com essa tese os juízes rejeitaram o pedido de um tesoureiro do banco Itaú, vítima de seqüestro. Para o relator, juiz Sérgio Pinto Martins, não é legítimo o pedido de indenização por danos morais porque “não foi violada a honra, a vida privada, a intimidade ou a imagem do autor por parte do banco”.

O bancário, que era chefe de tesouraria de uma agência, entrou com ação na 65ª Vara do Trabalho de São Paulo, reclamando, entre outras verbas, indenização por danos morais por ter sido vítima de seqüestro. Ele argumentou que foi seqüestrado por causa das funções que exercia.

Testemunhas na ação confirmaram que o ex-chefe de tesouraria do Itaú mantinha cópia da chave do cofre e tinha acesso ao alarme da agência. O banco chegou a oferecer o apoio de assistente social e o afastamento ou a transferência de agência, mas o bancário recusou as ofertas.

Em primeira instância o pedido foi rejeitado e o tesoureiro recorreu ao TRT de São Paulo. O pedido foi novamente negado. O relator do recurso ressaltou também que não houve “imprudência ou negligência do banco em relação ao autor”. A decisão da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo foi unânime.

Leia a íntegra da decisão

Proc. n.º 20040329628 (01198.2002.065.02.00-3)

65ª Vara do Trabalho de São Paulo

Recorrente: ORLANDO RODRIGUES DE CAMARGO

Recorrido: BANCO ITAÚ S/A

EMENTA

Dano moral. Seqüestro.

A empresa não deu causa ao seqüestro. A empresa não fez nenhuma ameaça ao autor. Quem fez ameaça ao autor foi o seqüestrador. Assim, o autor deveria pedir indenização por dano moral aos seqüestradores. Não houve violação à integridade física do autor ou de sua família por parte da empresa. Não foi violada a honra, a vida privada, a intimidade ou a imagem do autor por parte do banco.

RELATÓRIO

Interpõe o reclamante recurso ordinário afirmando que o juízo decidiu contrariamente a todo o conjunto probatório nos autos, pois não havia o exercício de cargo de confiança, cuja prova era do banco réu, do qual não se desincumbiu; entende que são devidas as horas extras postuladas, não estando enquadrado o recorrente na disposição do “caput” do artigo 224 da CLT; aduz que a gratificação percebida constitui apenas o comissionamento de cargo diverso do efetivo; argumenta que não foi registrada a totalidade do labor em sobrejornada; o acordo de compensação não foi regularmente cumprido; em face da habitualidade das horas extras são devidos os reflexos nas verbas rescisórias e DSRs, inclusive Sábado, sendo o caso de aplicação do § 1º do art. 457 da CLT, integrando a base de cálculos de horas extras a globalidade salarial; o salário-substituição é devido, conforme prova testemunhal; argúi que o recorrente esteve exposto à ação dos meliantes em decorrência de as vinculação bancário, não tendo a ré adotado medidas preventivas e eficazes para promover a segurança de seus obreiros; requer os benefícios da Justiça gratuita; pretende seja a remuneração, para todos os fins legais, sendo observada a globalidade salarial do reclamante; a correção monetária e juros de mora deve observar a época do fato gerador da obrigação, nos termos do §1º, art. 459 da CLT); requer sejam acolhidos os descontos previdenciários e fiscais. Deve ser dado provimento ao recurso para modificar a sentença.

Contra-razões de fls. 257/262.

Parecer do Ministério Público de fls. 263. É o relatório.

II — CONHECIMENTO

O recurso é tempestivo. Houve pagamento das custas e do depósito recursal, na forma da lei (fls. 242). Conheço do recurso por estarem presentes os requisitos legais.

III — FUNDAMENTAÇÃO

VOTO

Fundamentação

O juiz apresentou a fundamentação do seu entendimento. Se a fundamentação está certa ou errada ou não convence a parte, deve ser objeto de recurso e não de embargos de declaração.

A sentença é fundamentada e atende os requisitos legais (art. 93, IX da Constituição e art. 832 da CLT). A fundamentação da sentença não precisa ir de encontro ao interesse da parte, mas indicar os motivos de convencimento do juiz. O que pretende a recorrente é a modificação da sentença e não nulidade por falta de motivação.

O STF já entendeu que

O que a Constituição exige, no art. 93, IX, é que a decisão judicial seja fundamenta, não, que a fundamentação seja correta, na solução das questões de fato ou de direito da lide: declinadas no julgado as premissa, corretamente assentadas ou não, mas coerentes com o dispositivo do acórdão, está satisfeita a exigência constitucional (STF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, RTJ 150/269).


Leciona Cândido Rangel Dinamarco que “a exigência de inteireza da motivação (Michele Taruffo) não chega ao ponto de mandar que o juiz se manifeste especificamente sobre todos os pontos, mais relevantes ou menos, ou mesmo sem relevância alguma ou quase sem relevância, que as partes hajam suscitado no processo. O essencial é motivar no tocante aos pontos relevantes e essenciais, de modo que a motivação lançada em sentença mostre que o juiz tomou determinada decisão porque assumiu determinados fundamentos com que esta guarda coerência. A regra de equilíbrio é esta: motiva-se no essencial e relevante, dispensa-se relativamente a motivação no periférico e circunstancial” (Instituições de direito processual civil. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 242).

Não se pode confundir falta de prestação jurisdicional com orientação contrária ao entendimento da parte. Nesse caso, a matéria é de recurso. No STF há julgamentos no mesmo sentido:

A prestação jurisdicional que se revela contrária ao interesse de quem a postula não se identifica, não se equipara e nem se confunde, para efeito de acesso à via recursal extraordinária, com a ausência de prestação jurisdicional (STF, 1ª T., RE 97.557-8/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 1.7.93).

Negativa de prestação jurisdicional: não há confundir decisão contrária aos interesses da parte com negativa de prestação jurisdicional. Inocorrência de ofensa do art. 5.º, XXXV da Constituição (STF, 2ª T., AGRAI 146602-2-SC, Rel. Min. Carlos Velloso).

A sentença de primeiro grau obedeceu às formalidades legais e constitucionais, contendo relatório, motivos do convencimento em face das provas produzidas nos autos e dispositivo (arts. 458 do CPC; 832 da CLT; 93, IX da Constituição).

2. Cargo de confiança

A prova do exercício do cargo de confiança era da reclamada (art. 333, II, do CPC).

Afirma Nélio Reis que “O conceito de cargo de confiança em se tratando de bancário é, e deve ser, necessariamente mais amplo que na maioria das outras categorias em que a tendência é para sua restrição” (Contratos especiais de trabalho. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1955, p. 117).

Declarou a testemunha do reclamante que não sabe se o autor tinha alçada para atuar como gerente operacional.

O reclamante confirmou em depoimento pessoal o exercício das tarefas de chefe de tesouraria, apontadas pela reclamada à fl. 78. O próprio reclamante afirmou que os caixas sanavam as dúvidas com o depoente; às vezes ficava com a chave do cofre; também tinha o alarme da agência; fazia o controle de freqüência dos funcionários de subordinados juntamente com o gerente operacional.

A testemunha da reclamada afirmou que os caixas estavam subordinados ao reclamante, tendo poderes para puni-los. Declarou que o reclamante tinha por atribuição coordenar as atividades dos caixas, planejando o turno dos funcionários, controlando o numerário, supervisionando, abrindo e fechando os caixas.

O reclamado declarou em depoimento pessoal que o reclamante podia advertir funcionários.

O exercício do cargo de confiança diz respeito às responsabilidades e poderes que o empregado detém.

Verifica-se dos depoimentos colhidos que o reclamante tinha função de confiança na empresa. As atividades ligadas à tesouraria já revelam por si mesmas essa condição. Ademais, os depoimentos demonstraram que o reclamante tinha poderes para advertir, era a pessoa que coordenava os caixas, repassando numerário e planejando os turnos dos funcionários. Tinha ainda o autor a chave do cofre e acesso ao alarme da agência.

Tendo o autor subordinados, não é requisito do exercício do cargo de confiança a empresa outorgar mandato ao empregado.

O aspecto burocrático ou técnico não é requisito para demonstrar a confiança na função, mas a natureza das atribuições e os poderes e autonomia que envolvem as tarefas do cargo.

A função de confiança ficou nitidamente configurada.

A prova foi examinada no seu conjunto e não isoladamente, como pretende o autor.

Nos termos da Súmula 102, IV, do TST, bancário no exercício do cargo de confiança cumpre jornada de 8 horas, sendo extraordinárias as trabalhadas além destas. Estava o autor enquadrado no parágrafo 2.º do artigo 224 da CLT. O divisor é 220.

3. Horas extras

A jornada de trabalho do reclamante é a registrada nos cartões de ponto, havendo anotação de horário de saída até mesmo superior àqueles indicados na inicial, como, por exemplo, 20h15, 20h25, 20h32 (anotação mecânica), 20h32, 20h40, 21h35, 22h05 (ponto eletrônico). Isso revelando que toda a jornada efetivamente laborada podia ser anotada nos controles de ponto.

A testemunha do reclamante declarou que marcava sua hora extra no cartão de ponto, informação confirmada pela testemunha da reclamada.


Assim, todas as horas trabalhadas estão anotadas nos cartões de ponto.

4. Gratificação

A verba de gratificação recebida pelo reclamante, em razão do exercício do cargo de confiança, era muito superior ao terço do seu salário, já tendo as horas excedentes da sexta diária remuneradas (Súmula 102, II, do TST).

No caso do reclamante, restou provado nos autos a função de confiança, devendo ser utilizado o divisor 220, nos termos da Súmula 343 do TST.

5. Horas extras/jornada de trabalho

A prova da jornada de trabalho era do autor, nos termos do artigo 818 da CLT, por se tratar de fato constitutivo do seu direito (art. 333, I, do CPC). Não basta serem feitas meras alegações (allegatio et non probatio quasi non allegatio).

A prova revelada nos autos demonstra que o reclamante exercia o cargo de confiança, devendo cumprir jornada de 8 horas, recebendo comissão pelo exercício da função (S. 102, IV do TST).

Por meio da prova documental e testemunhal, a reclamada demonstrou que o reclamante exercia sua atividade em cargo de confiança.

A própria testemunha do reclamante disse que anotava a hora extra no ponto. A testemunha da reclamada ratificou o fato, sendo que nas folhas de ponto existem até mesmo horários superiores aos indicados pelo reclamante na inicial.

A testemunha do autor não declarou quando o autor saiu às 19 ou 19h30 min. e qual foi a periodicidade que isso ocorreu.

O julgado não violou o artigo 332 do CPC, pois o depoimento pessoal do autor não faz prova a seu favor, mas apenas contra, quando confessa algo desfavorável ao seu interesse.

O reclamante assinou o acordo de compensação juntado e recebia horas extras além da oitava, não existindo as diferenças mencionadas pelo autor.

Não foram demonstradas diferenças de minutos às fls. 214/6, além do que a jornada do reclamante era de 8 horas e o divisor 220.

Não exige a lei que o cartão de ponto esteja assinado para ter validade.

Não foram apontadas diferenças às fls. 217 relativas à globalidade salarial para efeito do cálculo das horas extras.

São indevidas horas extras e reflexos.

6. Reflexos das horas extras/dsr

Não há que se falar em reflexos com base na hora extra excedente da sexta diária, que não foi deferida, em razão do exercício do cargo de confiança do autor.

Não foram deferidas horas extras. São indevidos os reflexos.

7. Substituição de empregados

Não fez o reclamante a prova das alegadas substituições, pois sua própria testemunha informou apenas que quando a gerente Ivone saía de férias o reclamante a substituía. Não soube dizer se o reclamante tinha alçada para atuar como gerente operacional.

A testemunha Francimar Martins declarou que o reclamante não tinha autonomia para exercer a função de gerente operacional (fls. 71).

A testemunha Alice Pinto informou que na saída do gerente operacional as função são transferidas para o tesoureiro, por ata, e quanto à alçada é passada para um cargo superior. Quase todo o serviço do gerente operacional é feito pelo tesoureiro.

O autor não fazia todo o serviço do funcionário que estaria sendo substituído. Logo, não houve a substituição plena.

Não se pode admitir, portanto, como correta a afirmação da testemunha do reclamante no sentido de que quando a gerente Ivone saía em férias, o reclamante a substituía.

O artigo 450 da CLT não contém previsão no sentido do pagamento de salário substituição, pois não é expresso nesse sentido.

Não há violação ao caput do artigo 5.º ou ao inciso XXX do artigo 7.º da Constituição. Não é o caso de se observar a Súmula 159 do TST.

O artigo 460 da CLT trata de equivalência salarial e não de salário substituição.

O conjunto probatório foi examinado. São indevidas diferenças.

8. Dano moral

A testemunha do autor nada disse quanto ao seqüestro.

A testemunha do banco informou que foi oferecido afastamento ao reclamante, assim como transferência de agência, tendo o recorrente recusado referidos benefícios e não conversou com a assistente social da empresa. Afirmou também que a gerente sra. Ivone sofreu seqüestro e permanece trabalhando no banco. Declarou ainda que na época do reclamante havia um sistema de segurança.

A empresa não deu causa ao seqüestro. A empresa não fez nenhuma ameaça ao autor. Quem fez ameaça ao autor foi o seqüestrador. Assim, o autor deveria pedir indenização por dano moral aos seqüestradores.

Não houve violação à integridade física do autor ou de sua família por parte da empresa. Não foi violada a honra, a vida privada, a intimidade ou a imagem do autor por parte do banco.

Não houve imprudência ou negligência do banco em relação ao autor.

O depoimento pessoal do autor não faz prova a seu favor, mas apenas contra.

Não houve a prova do alegado dano moral.

9. Justiça gratuita

Não foi juntada declaração de pobreza aos autos.

O autor ganhava mais de dois salários mínimos por mês.

O reclamante não comprovou os requisitos do parágrafo 3.º do artigo 790 da CLT, o artigo 14 da Lei n.º 5.584/70 e Lei n.º 1.060/50, para a concessão dos benefícios da justiça gratuita.

10. Remuneração

Não houve deferimento da postulação do reclamante relativa à hora excedente da sexta diária e divisor 180, não havendo que se falar na globalidade salarial pretendida nestes termos.

Atentem as partes para a previsão do parágrafo único do artigo 538 do CPC e artigos 17 e 18 do CPC, não cabendo embargos de declaração para rever fatos e provas e a própria decisão.

IV — DISPOSITIVO

Pelo exposto, conheço do recurso, por atendidos os pressupostos legais, e, no mérito, nego-lhe provimento, mantendo a sentença. Fica mantido o valor da condenação. É o meu voto.

Sergio Pinto Martins

Juiz Relator

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