Direito da ciência

Não cabe à Constituição definir o que é vida, diz especialista

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6 de novembro de 2005, 6h00

Quando se discute aborto de fetos sem cérebro e pesquisas com células-tronco embrionárias, assuntos que estão na moda atualmente, as divergências sempre caem num mesmo ponto: em que momento começa a vida? A decisão quanto à permissão tanto do aborto de anencéfalo quando das pesquisas com as embrionárias está nas mãos do Supremo Tribunal Federal, mas, para o especialista em biodireito Erickson Gavazza Marques, não cabe ao STF decidir onde começa a vida. A tarefa é da medicina. “A Constituição garante o direito à vida, mas não diz o que é vida e nem quando ela começa”, diz.

Em entrevista à Consultor Jurídico, Marques defendeu os avanços da biotecnologia que, a seu ver, só tendem a favorecer à humanidade. Marques critica o ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles que pretende que sejam considerados inconstitucionais dispositivos da Lei de Biossegurança que permitem os estudos com células-tronco embrionárias e a produção de transgênico. Para ele, não cabe a um representante oficial da nação tentar impor um aspecto religioso em questões que dizem respeito à toda comunidade brasileira. Isso é válido, pelo menos, em se tratando de um país que, na teoria, se diz laico.

Erickson Gavazza Marques tem 43 anos e é formado em Direito pela Universidade Mackenzie, com mestrado pela Université de Paris II. Atualmente faz doutorado em Biotecnologia no Instituto de Ciências Médicas da Universidade de São Paulo.

Além de sócio do escritório Demarest & Almeida Advogados, é presidente da Comissão de Bioética, Biodireito e Biotecnologia da seccional paulista da OAB — Ordem dos Advogados do Brasil. Também faz parte da SBPC — Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, do IIIC — Instituto Interamericano de Direitos Autorais, do conselho da Câmara de Arbitragem de São Paulo e da Comissão de Direito Ambiental da OAB Federal.

Na entrevista, o advogado falou de questões polêmicas como o aborto de fetos anencéfalos, pesquisas com células-tronco e produção e comércio de alimentos transgênicos. Participaram da entrevista os jornalistas Aline Pinheiro, Leonardo Fuhrmann, Maria Fernanda Erdelyi e Maurício Cardoso.

ConJur — A grande polêmica em torno das pesquisas com células-tronco e do aborto de anencéfalos é justamente a questão de se estabelecer onde há vida. A Constituição define o que é vida?

Erickson Marques — Em nenhum momento, a Constituição diz o que é vida, e nem poderia. As leis tratam das conseqüências da vida. A partir do momento em que o ser humano nasce, está sujeito a direitos e obrigações.

ConJur — Quem deve estabelecer, então, onde começa a vida?

Erickson Marques — Não cabe à Justiça decidir isso, e sim à medicina, à ciência. E nem a ciência já definiu quando começa a vida.

ConJur — Não deveria ser aplicado o mesmo princípio que é usado para decretar a morte no caso dos transplantes, por exemplo?

Erickson Marques — No caso dos transplantes, o Conselho Federal de Medicina determinou quando se considera o término da vida. Segundo resolução do CFM, o individuo morre quando tem morte encefálica, ou seja, quando não há mais nenhuma atividade no seu cérebro. É esse o entendimento que é usado pela Lei de Transplante. Mas, para o começo da vida, ainda não há uma posição.

ConJur — Como o STF deve agir nessas questões polêmicas, como o aborto de anencéfalo e pesquisas com células-tronco? O tribunal não corre o risco de virar legislador?

Erickson Marques — Se existe controvérsia em torno da questão, o STF tem de necessariamente decidir, mas sempre de acordo com a Constituição. Cabe ao Supremo dar a interpretação às leis. No caso específico da anencefalia, o principal é saber se é ou não considerado crime o aborto de fetos sem cérebro. É uma garantia do cidadão que vive em um estado democrático saber aquilo que constitui ilícito ou não. Os Estados autoritários primeiro vislumbram quem eles querem punir e depois baixam a norma sobre o que é crime. No Estado democrático, a lei não pode ser concomitante com a punição. Não se pode criar uma norma criminal punitiva ao mesmo tempo em que tramita o processo. Por isso, seria complicado para o STF dizer que é considerado crime o aborto de fetos sem cérebro. Ele correria o risco de estar legislando. Mas, o Supremo pode decidir que o aborto por anencefalia pode ser enquadrado em uma das exceções previstas para a prática do aborto no Código Penal. Qualquer interpretação da norma penal que venha a beneficiar o réu é válida. Só não pode piorar a sua situação.

ConJur — Pelo Código Penal, só é permitido aborto em caso de estupro ou risco de vida para a mãe. Em qual desses casos, então, a questão do anencéfalo se enquadraria?

Erickson Marques — Em princípio, pela interpretação literal da lei, em nenhum dos dois casos. Mas, na minha opinião, manter a gravidez de um feto sem cérebro prejudica sim a saúde da mãe, mesmo que não implique em risco de vida. Prejudica a saúde psicológica da mulher. Por isso, eu entendo que, nesses casos, o aborto estaria em uma das exceções previstas pelo Código Penal. Além disso, dar a luz a uma criança sem cérebro também fere a dignidade da mulher, que se sente indigna por não ter sido capaz de gerar uma criança normal.


ConJur — Mas não caberia ao Congresso aprovar uma lei que abordasse a questão específica do anencéfalo?

Erickson Marques — No Brasil, há um excesso de legislação que faz com que as leis não sejam cumpridas. São tantas normas que o indivíduo não consegue ter conhecimento de todas. O problema do Brasil, então, é se fazer cumprir as leis que já existem. No caso dos anencéfalos, eu acho que é uma questão de interpretação pelo STF, e não de se fazer uma nova lei.

ConJur — Qual a expectativa do senhor sobre a decisão do STF na ação que pede a inconstitucionalidade das pesquisas com células-tronco embrionárias?

Erickson Marques — A decisão do STF não poderia ser outra a não ser votar pela constitucionalidade do artigo 5º da Lei de Biossegurança, que permite a pesquisa com células-tronco embrionárias. Como eu expliquei, em nenhum momento a Constituição define o que é vida. Essa ação quer fazer com que o STF diga em qual momento se inicia a vida. Repito: isso cabe à medicina. E, mesmo se não forem usados para pesquisas, esse embriões excedentes, que não serão mais usados para a reprodução, são destruídos, normalmente. O artigo 5º da Lei de Biossegurança pretende dar uma destinação mais nobre a esses embriões ao invés de sua simples destruição. Vale lembrar também que o embrião não pode ser considerado uma pessoa.

ConJur — O que ele é, então?

Erickson Marques — Se por um lado o embrião não pode ser considerado uma pessoa, ele também não é uma coisa. É algo muito mais importante do que um produto, mas não é ser humano. Está numa situação intermediária, que deve ser protegida e ter a importância que merece. Mas, daí a considerar como ser humano perfeito e acabado vai uma diferença muito grande.

ConJur — Por que as células-tronco embrionárias são mais produtivas nas pesquisas do que as células-tronco retiradas de adultos?

Erickson Marques — As embrionárias estão no estágio do blastocisto, ou seja, ainda não estão diferenciadas umas das outras. São chamadas de totepotentes porque têm a capacidade de se diferenciar em qualquer tipo de célula para formar qualquer organismo do corpo, seja um fígado, um rim, ou qualquer outro órgão. As células-tronco adultas, retiradas do cordão umbilical ou da coluna cervical, podem se diferenciar em apenas alguns tipos de células, e não em todos, como as embrionárias. Por isso as embrionárias são mais úteis nas pesquisas. O importante para os pesquisadores é descobrir qual é o momento em que as embrionárias começam a se diferenciar e produzir outro tipo de células.

ConJur — Qual é a importância dessas pesquisas?

Erickson Marques — O principal objetivo é resolver o problema da rejeição nos transplantes de órgãos e tecidos. Às vezes, mesmo se o doador e receptor tem compatibilidade absoluta, pode haver rejeição. E essas pesquisas são um meio de desenvolver um método terapêutico capaz de driblar esse problema.

ConJur — Como estão as pesquisas com células-tronco no Brasil?

Erickson Marques — As pesquisas estão sendo feitas, os cientistas estão progredindo, mas faltam recursos. É lamentável que determinados órgãos de financiamento à pesquisa não tenham contemplado as pesquisas com células-tronco. Não sei o porquê disso. Para mim, isso é uma discriminação arbitrária. A lei que permite as pesquisas está em vigor. Existe apenas uma ação pedindo a inconstitucionalidade da norma, mas enquanto o STF não se manifestar, ela continua valendo.

ConJur — Pesquisas com células-tronco são um passo para se produzir o primeiro clone humano. Qual é o limite da ética na pesquisa? Quem deve estipular esse limite?

Erickson Marques — O limite da ética é permitir que essas pesquisas sejam uma tentativa de beneficiar o ser humano que é atingido por alguma doença. A finalidade tem de ser terapêutica. O artigo 5º da Lei de Biossegurança já estabelece esse limite ao não só proibir como criminalizar as pesquisas com a finalidade da clonagem humana.

ConJur — Mas por que a clonagem deve ser proibida?

Erickson Marques — Para que a identidade do indivíduo, que é um objeto jurídico, seja protegida. Eu tenho direito de ser único e ninguém pode reproduzir essa minha individualidade.

ConJur — Nem se a pessoa autorizar a produção de um clone seu?

Erickson Marques — Essa autorização seria nula de pleno direito porque a questão da clonagem faz parte de norma de ordem pública. São normas que não interessam só a uma determinada pessoa, mas interessam a toda a coletividade. A transgressão por uma pessoa pode ser nefasta para a comunidade como um todo.

ConJur — Por que?

Erickson Marques — Entre os princípios em que a coletividade se pauta para garantir a convivência harmônica, está o respeito à individualidade de cada um. Para isso, existem sistemas de identificação, como impressão digital, por voz e pela íris dos olhos. A permissão para que a individualidade de alguém seja duplicada pode trazer vários prejuízos para a convivência em sociedade. A individualidade é a base do sistema de identificação necessário para que a sociedade possa coabitar e viver dignamente. Caso contrário, seria complicado, por exemplo, de estabelecer normas e punir quem desobedecê-las. Como saber se quem cometeu determinado crime foi a pessoa original ou seu clone?


ConJur — O senhor fala que existe um excesso de leis no Brasil. Nesse contexto, a nova Lei de Biossegurança era necessária mesmo?

Erickson Marques — A Lei 8.974, de 1995, já tinha grandes orientações sobre a exploração do patrimônio genético. Ela precisava apenas de regulamentação. Não era necessária uma nova lei. Foi votada uma nova lei (Lei 11.105/05) por questões políticas. Infelizmente, toda vez em que se fala em ciência e técnica, brotam dois tipos de sentimento: religioso e ideológico. Ambos estão estreitamente ligados a questões políticas.

ConJur — Mas esta nova lei já foi regulamentada?

Erickson Marques — A regulamentação está em um processo longo e difícil porque alguns órgãos governamentais, como o Ministério do Meio Ambiente, querem usar a regulamentação para mudar a lei. Isso é ilegal. O decreto tem de servir para regulamentar a lei que foi instituída, não para mudá-la. Deve ser obedecido o sistema de hierarquia de normas. Se o decreto for contra a lei, pode ser considerado ilegal.

ConJur — Os argumentos contrários à pesquisa com células-tronco, aborto anencéfalo e outras questões sempre têm um fundo religioso. Até que ponto a religião influencia o Judiciário e o Legislativo?

Erickson Marques — No Brasil, existe a liberdade de culto religioso. Portanto, órgãos oficiais não podem defender este ou aquele ponto de vista religioso. É por isso que eu censuro a atuação do ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles (autor das ações que contestam as pesquisas com células-tronco e a produção de transgênico). Ele era o representante da Procuradoria-Geral do Brasil e, por isso, não poderia agir em benefício do pensamento de uma determinada parcela da religiosidade brasileira. Mas, no Legislativo e no Judiciário, a influência não é tão forte porque as questões são decididas por colegiados, e não por uma só pessoa. Um determinado parlamentar pode aprovar determinada legislação baseado em seu sentimento religioso ou ideológico. Mas os outros parlamentares não terão os mesmos sentimentos. O mesmo vale para o Judiciário. Por isso, a importância do colegiado. Seria ingênuo da minha parte dizer que a religião não é levada em consideração, mas a sua influência é menor do que aquilo que nós pensamos.

ConJur — O que é transgênico?

Erickson Marques — É um organismo que foi objeto de modificação no seu material genético e, depois dessa modificação, foi dotado de uma característica até então não presente em organismos da mesma espécie. Por exemplo: o tomate tem o seu momento de maturação e apodrecimento. Por meio de uma modificação genética, criou-se um tomate que é mais resistente ao amadurecimento e demora mais tempo para apodrecer. Essa característica de conservação maior era inexistente na espécie.

ConJur — Quais são as vantagens dos transgênicos?

Erickson Marques — Existe uma série de produtos e cada um contempla um tipo de vantagem. Dentre elas, podemos destacar: melhora na qualidade protéica, maior multiplicação, possibilidade de crescimento em determinadas áreas até então desfavoráveis, aumento quantitativo e resistência a produtos químicos e as pragas.

ConJur — E as desvantagens?

Erickson Marques — Os argumentos contrários não falam de desvantagens específicas dos transgênicos, mas da biotecnologia como um todo. Os religiosos afirmam que ao homem não foi dado o direito de modificar a natureza, que é de ordem divina e apenas foi ofertada aos humanos. Existem argumentos supostamente técnicos, por exemplo: alguns dizem que a modificação genética mexe no equilíbrio ambiental. É verdade que, em princípio, qualquer modificação no material genético poderia implicar em modificação da natureza. Mas isso não implica necessariamente em prejuízo ao ecossistema. Não dá para dizer que, porque há modificação da estrutura genética, haverá necessariamente prejuízo à natureza. Desde que mundo é mundo, a natureza passa por processos de modificação. Charles Darwin, desde 1865, quando relatou a origem das espécies, demonstrou que o processo de evolução natural faz parte da natureza. Algumas mutações são feitas pela natureza de modo aleatório e outras induzidas. Ela não é imutável. O problema, então, não é a modificação, mas saber se ela traz algum prejuízo à natureza. Se ela não causar prejuízo algum, por que impedir essa modificação que é benéfica à comunidade?

ConJur — O consumo de alimentos transgênicos traz algum risco para a saúde do homem?

Erickson Marques — Não há nenhuma comprovação de prejuízo à saúde do homem. Nos Estados Unidos, os cidadãos consomem transgênicos há mais de uma década e nenhuma doença ou anomalia foi detectada. É o primeiro e único caso que o hemisfério norte serviu de cobaia para o hemisfério sul.


ConJur — No Brasil, hoje, estão liberados o plantio e o comércio de transgênicos?

Erickson Marques — Está, desde que sejam obedecidas as condições estabelecidas na Lei da Biossegurança. Uma delas, é a especificação como alimento transgênico no rótulo.

ConJur — O senhor acredita que a rotulagem é segura?

Erickson Marques — Eu acredito que sim, porque os meios de detecção de elemento de transgenia são muito sensíveis, capazes de detectar a presença de um organismo geneticamente modificado no produto. É verdade que existem produtos cuja detecção se revela praticamente impossível como óleo de soja. Isso porque a modificação genética da soja que gerou o óleo acaba se diluindo no processo de industrialização.

ConJur — Quais são os argumentos do ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles para dizer que a produção de transgênicos é inconstitucional?

Erickson Marques — Ele questiona a falta de obrigatoriedade do estudo prévio de impacto ambiental para manipulações de OGMs (organismos geneticamente modificados). O argumento é que a Constituição, em seu artigo 225º, parágrafo 1º, inciso IV, diz que o estudo prévio de impacto ambiental deve ser exigido em toda e qualquer circunstância em se tratando de OGM. Portanto, se a Lei de Biossegurança permite que esse estudo seja dispensado, é inconstitucional. Mas o que a Constituição diz não é exatamente isso. Não é uma questão de interpretação, é sim de alfabetização. Basta saber ler para se compreender que o artigo 225, parágrafo 1º, inciso IV, não tem o alcance que o ex-procurador quer dar. Está dito textualmente que compete aos poderes públicos exigir, se entenderem necessário, para as atividades que impliquem em significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental. Portanto, se entenderem necessário. É uma faculdade atribuída aos poderes públicos de exigirem ou não. As atividades que não implicam, por si só, em significativa degradação do meio ambiente, não precisam desse estudo prévio.

ConJur — Como está a produção de transgênico hoje no Brasil?

Erickson Marques — Está muito aquém do que poderia estar porque a produção e a comercialização estavam impedidas por decisão judicial. E decisão judicial não se questiona, se cumpre. Por causa dessa proibição brasileira, a produção de alguns países se tornou um destaque no cenário internacional. A Argentina, por exemplo, em determinado períodos, chegou a superar a produção brasileira de soja. Só voltou a ser permitido a produção de transgênico no Brasil a partir de uma apelação da União Federal e das empresas Monsanto e Monsoy no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que conseguiram vencer o Greenpeace e o Instituto de Defesa do Consumidor.

ConJur — No período em que a produção de transgênicos esteve proibida, as maiores prejudicadas foram as empresas, como a Embrapa, e os contrabandistas foram os mais favorecidos. Por quê?

Erickson Marques — Conforme aumentava a produção argentina de transgênico, já que lá não era proibida, os agricultores brasileiros passaram a contrabandear sementes geneticamente modificadas, principalmente no Rio Grande do Sul. Isso gerou um problema sério de ordem econômico-social, porque existiam varias lavouras de transgênico mas a sua comercialização estava proibida. O governo, então, foi obrigado a legalizar (entre aspas) o contrabando autorizando a venda das safras de produtos transgênicos daqueles anos. Se o governo mandasse destruir essas lavouras, o prejuízo seria muito grande, criaria um problema social grave. Mas as empresas, legítimas titulares da propriedade intelectual das sementes modificadas, continuaram impedidas de comercializar. Isso foi injusto, por isso que as empresas foram indenizadas depois.

ConJur — Além da soja, que outros alimentos transgênicos são produzidos no Brasil?

Erickson Marques — A soja ficou marcada porque foi o primeiro produto. Mas existem outros como o milho, o algodão e uma série de experimentos que estão sendo feitos, como, por exemplo, com eucaliptos e feijão.

ConJur — A patente é sobre a semente ou a produção?

Erickson Marques — Sobre o gene modificado. Patente é um privilégio no comércio dado àquele que inventou o produto para que seja remunerado quanto aos custos da invenção, estudos e pesquisas. Os royalties sobre a patente devem recair sobre a exploração daquele microorganismo transgênico ou mediante cessão da patente ou então mediante licença para um terceiro. São essas as formas de remuneração de uma patente de um organismo geneticamente modificado.

ConJur — Já existe definição legal no Brasil sobre isso?

Erickson Marques — Existe a Lei 9.279, de 1996, que disciplina os direitos de propriedade intelectual. Nessa lei, existe a disciplina de como se poderia auferir alguma receita com a exploração de uma patente em se tratando de um organismo geneticamente modificado.

ConJur — O Direito acompanha o avanço da tecnologia?

Erickson Marques — Não. A tecnologia avança em uma velocidade espantosa. Enquanto a tecnologia depende da mente e da imaginação dos homens, o direito depende de decisões políticas. Ele é construído sobre a experiência passada

ConJur — E como se preenche esse hiato entre a realidade e as leis?

Erickson Marques — É uma resposta difícil porque, até certo ponto, essa lacuna é desejável. O Direito não pode responder de imediato às mudanças que ocorrem na sociedade porque as mudanças são voláteis. Uma hora elas pendem para um lado, outra hora elas pendem para o outro. E o Direito tem de estar alicerçado em bases firmes. É necessário que os avanços tecnológicos se sedimentem para que o Direito discipline isso.

ConJur — É o momento certo de o STF discutir questões sobre biotecnologia?

Erickson Marques — Eu entendo que sim. Estamos em um estado atual da ciência que não dá mais para voltar. A engenharia genética chegou para ficar. O tempo necessário para que houvesse a sedimentação dessa parte do progresso científico já se escoou, por isso o STF tem de discutir esses temas.

ConJur — Como está o mercado de trabalho na área do biodireito?

Erickson Marques — Esse mercado está se revelando muito promissor. Há demandas por parte das empresas por profissionais dessa área. Mas faltam profissionais devidamente atualizados e instruídos. Por isso, a iniciativa da Comissão de Biodireito, Bioética e Biotecnologia da seccional paulista da OAB de patrocinar palestras e promover cursos sobre o assunto é muito salutar. Por conta da demanda, os escritórios têm criado áreas voltadas ao biodireito.

ConJur —Como o senhor avalia a posição do governo atual em relação a essas questões ligadas à ciência?

Erickson Marques — Inicialmente, eu achei que o atual governo deu sinais de que iria fazer em muito pouco tempo o que o governo anterior não fez em dois mandatos. Mas, o governo atual acabou se mostrando mais hesitante do que o seu antecessor.

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