Vínculo de emprego

Usar cooperativa para não pagar direito trabalhista é fraude

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4 de novembro de 2005, 9h33

A cooperativa deve ser formada por pessoas físicas que exerçam a mesma atividade, dirigida e administrada pelos próprios cooperados. Se, a cooperativa é administrada por “empresários”, então se trata apenas de sociedade comercial que tem por objetivo fraudar os direitos trabalhistas.

O entendimento é da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo). Os juízes condenaram a Internacional Restaurantes do Brasil, administradora da rede de pizzarias Pizza Hut, a reconhecer o vínculo de emprego com um motoboy cooperado da Cootra — Cooperativa de Trabalho de Profissionais Prestadores de Serviços do Estado de São Paulo.

O entregador de pizzas. entrou com processo na 39ª Vara do Trabalho de São Paulo reclamando vínculo de emprego com a rede de fast food. Alegou que mantinha relação de emprego com a pizzaria, embora fosse contratado pela Cootra.

Uma testemunha ouvida no processo confirmou que os entregadores eram entrevistados e selecionados pela pizzaria e depois encaminhados para se associarem à cooperativa. A primeira instância reconheceu o vínculo do motoboy. A empresa recorreu ao TRT paulista, sustentando que não contratava os entregadores, mas sim o serviço da cooperativa.

A juíza Rosa Maria Zuccaro, relatora do recurso, considerou que os documentos comprovaram que a Cootra não era uma “cooperativa no sentido puro do termo”, mas uma “sociedade comercial capitaneada por alguns empresários apenas e tão somente para fraudar direitos trabalhistas”.

“Para que a relação de emprego fosse descartada, a recorrente deveria carrear prova robusta de que o trabalhador não foi por ela substancialmente dirigido ou remunerado”, observou. A decisão da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região foi unânime.

A Turma determinou que a Pizza Hut pague ao motoboy todas as verbas decorrentes do vínculo empregatício. O TRT-SP ainda determinou a expedição de ofícios à Caixa Econômica Federal, ao INSS e à Delegacia Regional do Trabalho, “tendo em vista a fraude noticiada nessa demanda”. Cabe recurso.

Jurisprudência

No Tribunal Superior do Trabalho o entendimento é o mesmo adotado pelo TRT paulista: a contratação irregular de trabalhadores por meio de cooperativa implica na formação de vínculo de emprego entre o contratado e a empresa.

Para pacificar esse entendimento, os ministros editaram a Súmula 331. De acordo com o texto, “a contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei 6.019, de 3.1.1974)”.

No caso concreto, os ministros declararam a existência de vínculo entre uma empresa de construção civil e um pedreiro. Quando foi contratado pela construtora, o pedreiro sequer sabia da existência da cooperativa de trabalho e que faria parte dela como associado. Tanto que sua filiação à cooperativa ocorreu cinco dias após a contratação.

Essa era uma prática comum adotada pela empresa: primeiro selecionava os empregados e depois procedia a filiação à cooperativa. Como filiado à cooperativa, o pedreiro recolhia INSS como autônomo, recebia por produção e prestava serviços em diversas obras da construtora.

RO 00755.2003.039.02.00-3

Leia a íntegra da decisão

PROCESSO TRT/SP N.º00755.2003.039.02.00-3 – 2ª TURMA

RECURSO ORDINÁRIO

ORIGEM: 39ª Vara do Trabalho de São Paulo

1º RECORRENTE: INTERNACIONAL RESTURANTE DO BRASIL LTDA. (PIZZA HUT)2º RECORRENTE: JOSÉ RICARDO GONÇALVES DE OLIVEIRA

RECORRIDA: COOTRA – COOPERATIVA DE TRABALHO DE PROFISSIONAIS PRESTADORES DE SERVIÇOS DO ESTADO DE SÃO PAULO

COOPERATIVA- Vínculo empregatício- moto boys- A verdadeira Cooperativa é aquela das pessoas físicas que exercem a mesma atividade, sendo que a formação e administração deve ser por elas mesmas exercidas, descaracterizando-se, portanto, quando em sua constituição surgem “empresários” que, longe de exercerem a mesma função dos cooperados (no caso, moto-boys), apenas e tão somente capitaneiam e conduzem os destinos da sociedade, a demonstrar de forma inequívoca, que não se trata de cooperativa pura, mas apenas de sociedade comercial que tem por objetivo fraudar os direitos trabalhistas e previdenciários.

RELATÓRIO:

Adoto o relatório da r. sentença de fls. 199/204 da E.39ª Vara do Trabalho de São Paulo/SP, que julgou PROCEDENTE EM PARTE a ação.

Recurso interposto pela segunda reclamada às fls. 206/227, argüindo preliminarmente incompetência da Justiça do Trabalho em razão da matéria e carência de ação, requer, no mérito, a reforma da r. decisão de 1º Grau no que pertine ao vínculo empregatício, ao adicional noturno, ao seguro desemprego, à expedição de ofícios.

Recurso interposto pelo reclamante às fls. 231/233 insurgindo-se contra a r. sentença com relação às horas extras .

Contra-razões da segunda reclamada às fls.235/238; da primeira às fls. 239/241, e do reclamante às fls.249/252.

Manifestação da Douta Procuradoria às fls.253, pelo prosseguimento e invocando a Lei Complementar número 75 de 20 de maio de 1993.

V O T O:

Conheço dos recursos, pois presentes os pressupostos de admissibilidade.

RECURSO DA SEGUNDA RECLAMADA

Preliminares

1. Incompetência em razão da matéria

Não há se falar em incompetência desta Justiça Especializada sob o argumento de que o reclamante admitiu ser membro da Cooperativa, na medida em que o que se pretende é o reconhecimento do vínculo empregatício diretamente com a tomadora de seus préstimos.

Assim, considerando os termos do artigo 114, da CF, rejeito.

2. carência de ação

Afasta-se igualmente a preliminar de carência de ação, pois restaram preenchidos todos os requisitos para a formação da pretendida relação processual.

MÉRITO

1. Vínculo Empregatício

Insurge-se a recorrente contra a r. sentença de primeiro grau que, declarando a relação de emprego e a responsabilidade solidária da cooperativa de trabalho, deferiu as verbas e títulos postulados na exordial

Da análise dos autos, porém, verifica-se que sua insurgência não merece guarida.

Com efeito, de ressaltar a inexistência de documentação comprobatória de adesão do recorrido à Cooperativa, bem como a imprestabilidade daquela acostada à vestibular no pertinente, vez que se encontram em branco (fls.17/26). Assim, despiciendas as declarações da testemunha patronal (fls.195), além de contrariadas pela prova oral produzida pelo recorrido.

Tem-se como verdadeira, pois, a afirmação vestibular no sentido de que, após entrevista e aprovação da segunda reclamada, foi o reclamante admitido na primeira (item 4, fls.4), a qual foi ratificada por sua testemunha (fls.194), também contratada como motociclista, o que revela a existência do poder diretivo da empresa Internacional Rest do Brasil.

A testemunha obreira comprovou igualmente o recebimento de ordens e fiscalização por parte do gerente da recorrente, bem como ausência de participação em assembléias por parte dos “cooperados” (fls.194). Arnaldo Sussekind, in Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, vol. I, 2a edição, Livraria Freitas Bastos, p. 98 e seguintes, esclarece que “… haverá empregado sempre que o contrato celebrado criar para o patrão o direito de dar ordens. Assim o empregado opera sempre dirigido e fiscalizado, isto é, subordinado às ordens emanadas do empregador e que não podem ser discutidas, …” (sem grifos no original).

Apenas por amor à fundamentação, deve-se salientar que a matéria tratada nestes autos vem sendo reiteradamente trazida a este Judiciário Especializado, em face das profundas alterações enfrentadas pelo mercado de trabalho e da complexidade das relações entre o cooperado e a cooperativa e, ainda, diante da dúvida quanto à legitimidade desta.

O saudoso VALENTIN CARRION, em seu artigo “Cooperativas de Trabalho – Autenticidade e Falsidade”, publicado na Revista LTr, v. 63-02/167, p. 168, preleciona que:

“A cooperativa de trabalho ou de serviço é a que nasce espontaneamente da vontade de seus próprios membros, todos autônomos, que assim continuam e que, distribuindo-se as tarefas advindas ao grupo com igualdade de oportunidades, repartem-se os ganhos proporcionalmente ao esforço de cada um.” (negritei)

Estas são as características do cooperativismo, como descritas no art. 4o Lei nº 5.764/71, relevando sua natureza jurídica, diversa das sociedades civis e que permitem a aplicação do disposto no parágrafo único do art. 442, da CLT, suscitado pelas recorridas.

Constato que, no presente caso, não é o que ocorreu, pois a ata da Assembléia Geral da Constituição da COOTRA nos dá conta de que tal cooperativa é formada por diversos “empresários”, a saber, Sr. Francisco de Salles Teixeira do Couto Valle, Sra. Fátima Aparecida Marialva do Couto Valle, Sra. Márcia Braga Marialva D’Eredita, Sra. Albertina Petrone do Couto Valle e Sr. Francisco do Couto Valle Neto, sendo que, a Presidente da Cooperativa, Sra. Albertina, que pelo endereço único, bem como pelas datas de nascimento (1927 e 1928), imagina-se esposa da primeira pessoa citada (Sr. Francisco), além do que, destaca-se, também, que pertencem todos à mesma família, quer pelo sobrenome “Couto Valle”, quer pelo sobrenome “Marialva”, a demonstrar com clareza que não se trata de uma Cooperativa no sentido puro do termo, mas de uma sociedade comercial capitaneada por alguns empresários apenas e tão somente para fraudar direitos trabalhistas.

Assim, como beneficiária do trabalho do reclamante, incumbia à recorrente demonstrar, sem qualquer sombra de dúvida, a autonomia do trabalho realizado. Ao contrário, o que exsurge cristalino é o intuito de fraudar os direitos trabalhistas e sociais dos “cooperados”, arregimentados em decorrência do desemprego que grassa nos tempos atuais, como devidamente comprovado pela instrutória, às fls. 193/196.

De conseguinte, para que a relação de emprego fosse descartada, a recorrente deveria carrear prova robusta de que o trabalhador não foi por ela substancialmente dirigida ou remunerada, de molde a afastar inexoravelmente a aplicação do art. 9o consolidado, que prevê a nulidade dos atos praticados em fraude aos preceitos trabalhistas, sujeitando a relação jurídica à tutela do Direito do Trabalho.

É evidente, portanto, que o recorrido desvencilhou-se a contento de comprovar os fatos alegados na inicial e que conduzem à existência dos requisitos elencados no art. 3o da CLT, de forma cumulativa restando claramente configurado o vínculo reconhecido pelo MM. Juízo de origem.

Mantenho o julgado.

2. Adicional Noturno e Hora Reduzida

Deve a reclamada arcar com a redução da hora noturna, a qual subsistiu após a edição da Constituição Federal de 1988 (OJ 127, TST).

Nada a reformar.

3. Seguro Desemprego

Nos termos das Leis 7.998/90 e 8.019/90, bem como das resoluções pertinentes, o empregador está obrigado à liberação da guia de Comunicação de Dispensa, ao empregado, a fim de que possa pleitear, junto ao órgão competente, o benefício ora em questão.

Assim, em face ao tempo decorrido, e não sendo possível o soerguimento das quantias, a reclamada deve arcar com o valor correspondente a título de indenização por prejuízos causados, vez que, ao não entregar as guias no momento oportuno, a empregadora impediu o seu recebimento.

Destarte, mantenho a r. sentença.

4. Expedição de Ofícios

Tendo em vista a fraude noticiada nessa demanda, mantenho a expedição de ofícios à CEF, ao INSS e à DRT.

RECURSO DO RECLAMANTE

Horas Extras – Intervalo de 15 minutos

Com base na jornada reconhecida em origem (das 18:00 às 23:30 horas), pretende o recorrente a condenação patronal ao pagamento de 15 minutos decorrentes do intervalo previsto no artigo 71, §1º, da CLT.

Não tem razão.

Inicialmente, cumpre ressaltar a inovação à lide, na medida em que a causa de pedir discorrida em vestibular fala em labor “…sem hora para descanso/refeição…” (fls. 05, item 7), em face da alegada jornada das 11:00 às 23:30 horas (fls. 05, item 6)’.

Ademais, apenas para argumentar, frise a declaração em depoimento pessoal sobre o fornecimento de um lanhe pela segunda reclamada, restando inaceitável a tese de que se alimentava em quatro minutos (fls. 194).

Nada a reformar.

Ante o exposto, rejeito as preliminares de incompetência da Justiça do Trabalho e de carência de ação e, no mérito, NEGO PROVIMENTO AO AMBOS OS APELOS; mantendo-se a sentença recorrida, por seus próprios fundamentos, inclusive quanto ao valor arbitrado, pois condizente com as verbas mantidas.

ROSA MARIA ZUCCARO

Juíza Relatora

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