Seqüestro e assassinato

Juiz condena assassinos de advogada a 25 anos de prisão

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3 de novembro de 2005, 12h43

A Justiça paulista condenou Noé Ferreira Santos e Cícero Soares de Oliveira a 25 anos de reclusão pelos crimes de extorsão mediante seqüestro e ocultação de cadáver. Os primeiros 24 anos deverão ser cumpridos em regime integral fechado, por tratar-se de crime hediondo. A sentença determina que os réus não poderão recorrer da condenação em liberdade.

Noé teve a mesma pena agravada por mais dois meses, que serão cumpridos em regime semi-aberto, pelo crime de resistência. A sentença foi proferida pelo juiz José Tadeu Picolo Zanoni. Os réus foram denunciados pelo seqüestro e morte da advogada Maria Luiza Machado. Os crimes ocorreram em 13 de fevereiro do ano passado.

Na noite do dia 13, os dois abordaram a advogada e a levaram para uma chácara abandonada no Residencial Recanto Verde, km 39 da rodovia Raposo Tavares. Para libertá-la, pediram à própria vítima R$ 20 mil. Ela teria se recusado a pagar a quantia. No mesmo dia do seqüestro, Cícero e Noé mataram a advogada a socos e pontapés. Depois, jogaram o corpo dela em um poço de cerca de 38 metros de profundidade, no mesmo terreno onde ocorreu o crime.

Noé decidiu, então, entrar em contato com a família da vítima e pedir dinheiro. Com o telefone de Maria Luiza exigiu dos familiares R$ 20 mil como resgate. Nas negociações, o valor foi reduzido para R$ 300 e depois para R$ 100.

No dia 14 de fevereiro foi acertado o pagamento de R$ 100. A irmã da vítima deixou o dinheiro na frente da sede da OAB de Cotia. Investigadores seguiram Noé e depois o prenderam. Ele indicou onde estava o corpo da advogada e denunciou o parceiro.

A defesa de Noé apresentou a tese de dois crimes distintos. O argumento era o de que teria ocorrido homicídio seguido de extorsão. O juiz não aceitou a tese. “É evidente que a vítima foi seqüestrada para exigirem resgate. A morte dela ocorreu durante o cativeiro e transporte da vítima. Mesmo depois da morte exigiram o pagamento do resgate, mas não diziam que estava morta. Diziam que estava viva, dando até a entender que poderiam comprar remédio que precisasse. Assim não pode ser aceito o argumento de que seriam dois crimes distintos”, afirmou o juiz.

Leia a íntegra da sentença

VISTOS.

A JUSTIÇA PÚBLICA move ação penal contra NOÉ FERREIRA SANTOS, qualificado a fls. 33, e CÍCERO SOARES DE OLIVEIRA, qualificado a fls. 39, como incursos nas sanções dos arts. 159, parágrafo terceiro em concurso material com o 211, ambos do Código Penal. O primeiro réu também é processado pelo artigo 329, também do C. Penal. Segundo consta da denúncia, no dia 13 de fevereiro de 2004, por volta das 19h, na rua Santo Antonio, nesta cidade, os réus agindo previamente conluiados e com identidade de propósitos entre si e com a participação de um terceiro, seqüestraram a vítima Maria Luiza Machado Talarico com o fim de obter, para todos, vantagem patrimonial como preço de resgate. O seqüestro resultou na morte da vítima. No mesmo dia, em horário incerto, na rua Recanto Sudeste, sem número, no Recanto Verde, nesta cidade, os réus, previamente conluiados e com identidade de propósitos, ocultaram o cadáver da referida vítima. No dia 15 de fevereiro de 2004, na região central desta cidade, o réu Noé Ferreira Santos opô-se à execução de ato legal mediante violência a funcionário competente para isso. Consta que a vítima foi abordada quando estava no seu carro e forçada a entrar no Monza conduzido por Noé. O terceiro, participante do crime, tinha a função de vigiar o carro da vítima. A vítima foi levada para uma estrada de terra e morta com socos e pontapés. O corpo dela foi jogado dentro de um poço num sítio. Com o telefone dela o réu Noé exigiu resgate dos familiares dela, no montante de vinte mil reais. No dia 14 de fevereiro de 2004 foi acertado o pagamento de cem reais. A irmã da vítima deixou o dinheiro na frente da OAB de Cotia. Investigadores seguiram Noé após ele ter pego. Depois disso, ele foi preso e o dinheiro apreendido. Noé indicou onde estava o corpo da vítima, bem como o outro parceiro. Foram juntados: fls. 62 (auto de reconhecimento de pessoa); fls. 120/122 (exame de peças); fls. 125 (necroscópico); fls. 198/224 (degravação de fita); fls. 256/257 (exame pericial em carro); fls. 258/280 (local do crime); fls. 313/319 (exame de DNA); fls. 320/323 (exame em carro).

A denúncia foi recebida (fls. 80, em 10 de março de 2004). Houve pedido de liberdade provisória de Cícero (fls. 82/103), que foi indeferido (fls.106/106v.).

Os réus foram citados (fls. 127v.) e interrogados (fls. 128/135). Noé apresentou a defesa prévia (fls. 137/138, 140/145), bem como Cícero (fls. 152/157).

Foram ouvidas testemunhas de acusação (fls. 171/182). Noé pediu sua soltura (fls. 238/240) e o pedido foi indeferido (fls. 245/246).

Foram ouvidas testemunhas de defesa (fls. 288/295), sendo homologada a desistência de testemunhas e indeferido o pedido de soltura dos réus (fls. 296).


Em alegações finais, o órgão acusatório pediu a procedência da denúncia (fls. 344/351). Foi juntada a folha de antecedentes dos réus (fls. 360/365). A defesa do réu Noé pediu: a) a improcedência; b) a desclassificação para homicídio seguido de extorsão (fls. 367/379).Cícero (fls. 386/397) pediu a absolvição posto que não provada a participação no crime.

É o relatório. DECIDO.

O acusado Noé, quando interrogado judicialmente, disse que estava dentro do carro que conduzia a vítima. Negou que estivesse aderindo ou de acordo com os outros executores do crime, mas isso não é plausível. Ainda mais que tentou inocentar Cícero da participação no crime. Noé, de qualquer forma, negou que tenha participado da morte da vítima, sendo que teria ficado ao volante do carro, parado. Recebeu, no entanto, o celular da vítima e falaram para ele pedir vinte mil reais (fls. 131). “Pediu o resgate e fez tudo o que os indivíduos pediram. Quando ia entregar o dinheiro no Supermercado Extra, chegaram três veículos atirando para cima. Era a Polícia. Não chegou a entrar no Extra, embora continuasse seguindo. Foi pego pela Polícia de frente ao caixa rápido do Extra. Estava levando o valor de cem reais.” (fls. 131). Disse, mais adiante, que jogou o celular da vítima na prateleira do supermercado quando a Polícia chegou. Disse também que a vítima devia para ele.

Já Cícero, quando interrogado, disse que foi preso quando estava dormindo com sua família. Noé estava na viatura com os policiais. Noé seria seu conhecido, mas não amigo. Negou qualquer participação no crime.

A primeira testemunha de acusação, Carlos Roberto Mota, disse que foram feitas diversas ligações para uma pessoa da família da vítima, sendo que eram feitas a partir do celular dela. Falavam que a vítima tinha sido seqüestrada e pediam resgate no montante de vinte mil reais. Acompanhou quando o valor foi reduzido para trezentos reais e depois para cem. Uma irmã da vítima, monitorada pela polícia, foi deixar o dinheiro na frente do fórum, depois alterado para a frente da OAB de Cotia. Viram quando uma pessoa pegou o dinheiro e foi para o supermercado Extra. Era Noé. Este, segundo o policial, acabou confessando que, juntamente com mais duas pessoas seqüestrou a vítima na quinta-feira. Ela foi levada para uma chácara “com o intuito de obter resgate e pagar uma dívida que ela tinha com Noé” (fls. 172). “Segundo Noé, “China” havia ajudado a render a vítima e a levar para o cativeiro onde teriam acabado por matar a vítima. Segundo Noé contou, a vítima discutiu com eles, sendo que eles acabaram por bater nela, deixando-a desacordada. Depois a jogaram em poço de trinta metros de profundidade (…) No momento da prisão, o celular da vítima e o dinheiro estavam com Noé (…) “China” é o apelido do réu Cícero. Noé reagiu no momento da prisão e teve que ser detido por um Policial(…) Foi Noé quem indicou o lugar onde estava o cadáver da vítima. A dívida era com Noé. Segundo ele disse, “China” ia lucrar com isso porque o resgate seria em valor superior” (fls. 172).

Ricardo Dantas Dias, outro policial que participou da operação, foi cientificado dos fatos pelo policial Mota, seu superior. Disse que: “O réu Noé deixou nas prateleiras o celular da vítima e parte do dinheiro(…) O réu de início negou tudo, mas acabou, por fim, confessando que havia matado a vítima e que de inicio a tinha sequestrado porque pretendia que a família pagasse uma dívida que a vítima tinha para com ele. Noé também narrou que a teve ajuda de Cícero, vulgo “China” e “risadinha”. O réu também narrou que a vítima devia dinheiro a “China” (fls. 173). Disse também que a vítima foi morta porque era muito bocuda e discutiu com os autores do crime. A relação com o “China” seria em razão de dívida com drogas.

O depoente seguinte, também policial, disse que Noé soltou a confissão depois que disseram que a vítima merecia um enterro decente (fls. 176). Ele disse onde estava o corpo e também entregou o co-réu Cícero. Disse também que a mãe de Cícero admitiu que o apelido dele era “China”.

A irmã da vítima disse que a primeira ligação foi na sexta-feira, mas avisou a polícia somente no sábado (fls. 177). Foi pedido vinte mil reais de resgate. Era sempre a mesma pessoa que ligava. Conhecia Noé porque ele fazia pequenos reparos para a família da vítima.

Outra testemunha, Josivaldo Barbosa de Lima, disse que Noé e a vítima eram amigos, mas Noé comentava que a vítima ficou devendo dinheiro para ele (fls. 179). “Pode afirmar que Noé foi procurar Luiza na oficina do depoente na quinta-feira ou sexta-feira imediatamente anterior aos fatos. Ficou sabendo de Luiza no domingo seguinte” (fls. 179). “Noé chegou a dizer, de brincadeira, referindo-se a Luiza: ‘se ela não pagar, eu mato aquela gorda’” (idem).


Em razão de tudo isso, claro está que os dois réus participaram do crime. As evidências contra Noé são mais do que evidentes e claras. Noé indicou Cícero como participante e não há razão para duvidar disso, também.

Além disso, temos também a transcrição das gravações feitas, sendo que falam em dívida da vítima (fls. 207/208). A fls. 209 também falam a respeito da vítima ser “doutora” e isso é objeto de desprezo. Logo em seguida fala que a vítima não vai sofrer um arranhãozinho. Na mesma página (fls. 209), fala que a vítima envergonhou a irmão, que seria honesta, ao contrário da vítima. A fls. 210 a irmã da vítima fala que ela precisa de remédio e a pessoa do outro lado fala que pode comprar.

Enfim, por tudo isso, questões como o horário do crime são de menor importância. A imputação foi claramente deduzida e os fatos foram claramente provados. Indícios e elementos do crime foram periciados e tudo isso está nos autos. O horário do seqüestro não é incerto. No que diz respeito a Cícero, temos que o fato dele estar em casa quando foi preso não diz nada. Poderia e deveria estar em casa posto que quem estava na rua, cuidando do recebimento do dinheiro, era Noé. Tal argumento, repito, nada acrescenta.

A defesa de Cícero aponta para a prova oral colhida, dizendo que ele estava em casa e que trabalhou naquela semana toda. Tal prova, no entanto, não é suficiente para derrubar a palavra do co-réu, que o apontou para os policiais, apesar de, quando interrogado judicialmente, Noé ter desmentido a participação de Cícero. Por mais de uma vez foi dito que “China” participou do delito. Por mais de uma vez foi dito que esse era o apelido de Cícero.

A defesa de Noé apresenta a tese subsidiária de que teria ocorrido homicídio seguido de extorsão. Tal tese não pode ser aceita porque não está claro que houve o dolo de matar e depois teria havido o dolo de extorquir. É evidente que a vítima foi seqüestrada para exigirem resgate. A morte dela ocorreu durante o cativeiro e transporte da vítima. Mesmo depois da morte dela exigiram o pagamento do resgate, mas não diziam que estava morta. Diziam que estava viva, dando até a entender que poderiam comprar remédio que precisasse. Assim, não pode ser aceito o argumento de que seriam dois crimes distintos.

A defesa de Noé aponta elementos que descartariam a participação dele, mas isso não serve como prova conclusiva. O fato de não ter sido encontrado sangue da vítima nas vestes do réu nada quer dizer. Não serve para afastar diversos elementos de convicção fortes que estão presentes e que apontam para Noé, inclusive o depoimento da esposa dele, dizendo que ele estava contrariado no sábado em que foi preso. Disse também que a vítima devia quatro mil reais para ele.

A defesa diz que o réu Noé foi vítima de coação quando deram o telefone da vítima para ele e mandaram que pedisse vinte mil reais. Se não o fizesse, toda a família dele morreria. Com o devido respeito, a tese da coação não convence ninguém. Seqüestrar alguém e levar para o cativeiro são tarefas importantes. Exigir o resgate, dentro da empreitada criminosa, e negociar com a família da vítima talvez seja mais importante ainda. Não é crível que isso tudo fosse delegado a um terceiro coagido e, agravando tudo, longe da vista dos seqüestradores. Qual o seqüestrador com nível razoável de inteligência que faria isso? Ou o seqüestrador ficaria com essa tarefa para ele? É evidente que sim. Esse tipo de tarefa não se delega a alguém coagido e ameaçado. Tudo aponta para Noé como sendo o mentor e arquiteto de tudo isso.

A ocultação de cadáver ficou provada neste contexto todo. A resistência do réu Noé também.

Na fixação da pena, considerando que não temos certidões demonstrando condenações anteriores dos autores. Assim, devem receber as penas mínimas dos delitos em questão. São elas: vinte e quatro anos de reclusão, um ano de reclusão e detenção de dois meses. A reclusão deve ser cumprida em regime fechado, sendo integral para os primeiros 24 anos. A detenção deve ser cumprida em regime semi-aberto.

Ante o exposto, julgo procedente a denúncia para condenar os réus NOÉ FERREIRA SANTOS, qualificado a fls. 33, e CÍCERO SOARES DE OLIVEIRA, qualificado a fls. 39, às penas de 25 anos de reclusão e mais dois meses de detenção, em regime semi aberto, para o primeiro, e 25 anos de reclusão, para o segundo, como incursos nas sanções dos arts. 159, parágrafo terceiro, em concurso material com o 211, ambos do Código Penal e mais o artigo 329 do C. Penal para o primeiro réu. Os primeiros 24 anos de reclusão deverão ser cumpridos em regime integral fechado, posto que relativos a crime hediondo. Os réus não poderão recorrer em liberdade. Recomende-se eles nas cadeias em que se encontram. Transitada esta em julgado, lancem-se-lhes os nomes no rol dos culpados e expeça-se o necessário.

P.R.I.C.

Cotia, 31 de outubro de 2005 (com atraso em razão do grande número de feitos).

JOSÉ TADEU PICOLO ZANONI

Juiz de Direito

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