Trabalho de risco

Vigilante se demite por falta de segurança no trabalho

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2 de novembro de 2005, 6h00

Um vigilante demitido por não querer trabalhar em local perigoso e não possuir armas de fogo para se defender, teve revertida a demissão por justa causa determinada pela Justiça Trabalhista. A decisão é do juiz do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, Rovirso A. Boldo que ainda decidiu pela justa causa do empregador, já que este não cumpriu às exigências do contrato de trabalho.

O vigilante Fernando Pedro de Melho foi designado pela empresa Guarda Patrimonial de São Paulo para fazer a vigilância de um depósito próximo a uma favela. Não lhe foi fornecido equipamento de comunicação ou qualquer arma. O vigilante se recusou a trabalhar no posto e entrou com ação na Justiça reclamando que não tinha condições mínimas de trabalho para garantir a sua segurança pessoal e para exercer função.

A empresa de vigilância alegou que o local era cercado de muros e que o depósito tinha telefone que poderia ser usado em caso de perigo. A instrução nesse caso era entrar em contato com a empresa e aguardar dentro do depósito até a chegada de reforços. Por isso sustentou que a recusa do vigilante não tinha justificativa e que a recusa em trabalhar caracterizaria a justa causa.

A empresa também alegou ainda que com exceção dos vigilantes em agências bancárias os demais trabalham desarmados.

Esse argumento apresentado pela defesa, contraria literalmente a disposição do artigo 19, inciso II, da Lei 7.102/83, de acordo com o juiz, já que o porte de arma não é garantido apenas aos vigilantes de banco, mas a todos os vigilantes sem distinção. Até porque “a violência é muito presente no dia-a-dia da categoria”.

“Não é razoável supor que um profissional encarregado de zelar pelo patrimônio alheio (artigo 10, inciso I, da Lei 7.101/83), que tem assegurado o direito de portar arma de fogo e utilizar colete à prova de balas, sem nenhum desses dois itens, ao perceber a invasão do local, conseguisse exercer sua função sem confronto, apenas adentrando ao depósito onde estava o telefone; entrasse em contato com a empresa e aguardasse a chegada de reforços, enquanto os marginais agissem” afirmou o juiz. Para ele, num eventual confronto, “a primeira vítima seria justamente aquele que tem a função de proteger o patrimônio cobiçado pelos bandidos”.

Para o juiz, “colocar um vigilante sem qualquer meio eficaz para exercer sua função, é atentar contra a vida.” Ele considerou que a recusa do vigilante foi legítima, já que a ordem de trabalhar em local perigoso sem meios de se defender colocaria em risco sua vida.

Leia a íntegra da decisão:

Recurso Ordinário

Recorrente: Fernando Pedro de Melho

Recorrido: GP – Guarda Patrimonial de São Paulo S/C Ltda

Origem: 2ª Vara do Trabalho de Guarujá

EMENTA: VIGILANTE. AUSÊNCIA DE EQUIPAMENTOS E CONDIÇÕES MÍNIMAS PARA ASSEGURAR A INCOLUMIDADE PESSOAL E O EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PARA A QUAL É TREINADO. RECUSA LEGÍTIMA. RESCISÃO INDIRETA CONFIGURADA.

O risco é inerente à atividade do vigilante; por isso é exigido desse profissional grau de escolaridade mínimo; sujeição a curso de formação específica, bem como, aprovação em exame de saúde física, mental e psicotécnico (Lei n. 7.102/83, art. 16). A exigência de um profissional equilibrado para a função se justifica pela garantia ao porte de arma de fogo (Lei n. 7.102/83, art. 19) e, por disposição normativa, o uso do colete à prova de balas. Todas essas garantias só se justificam pela certeza de que o risco de morte é uma constante a esses profissionais, sendo obrigatório, senão por disposição contratual ou legal, mas por injunção constitucional de proteção à vida e à segurança (CF/88, art. 5º, caput), o fornecimento de elementos mínimos que assegurem ao vigilante, em primeiro, a incolumidade física, e depois, os meios necessários de proteção ao patrimônio. A determinação para o trabalho em local sabidamente objeto de incursões criminosas, sujeitando o trabalhador a um risco despropositado, e sem garantir um mínimo de segurança, constitui hipótese autorizadora de rescisão indireta do contrato de trabalho (CLT, art. 483, “c” e “d”).

Contra a sentença que julgou procedente em parte o pedido, recorre o autor alegando que a recusa em trabalhar no local designado foi legítima em razão do risco de morte; que a ré simulou justo motivo, pois pelo mesmo fato aplicou punição e a dispensa motivada; que os controles de ponto não são fidedignos; que é credor de horas extras e adicional noturno; que são indevidos os descontos previdenciários e fiscais; e que faz jus aos honorários advocatícios.

Contra-razões da ré às fls. 190/206.

Manifestação do Ministério Público do Trabalho à fl. 207.

V O T O

Presentes os pressupostos de admissibilidade (fl. 173), conheço do recurso.


Rescisão Contratual

A recusa em trabalhar no novo posto de vigilância não é objeto de discordância; a controvérsia está na motivação. Para o autor, o local era um depósito da Telefônica que armazenava cabos, fios, veículos e, em face da proximidade de uma favela, o risco de violência era iminente, sem que tivesse condições físicas de proteção, tais como, arma de fogo ou rádio de comunicação. A ré, por sua vez, sustenta que o local era cercado por muros e o autor tinha as chaves do depósito onde havia telefone, permitindo, em caso de perigo, entrar em contato com a empresa ou funcionários da tomadora de serviços (Telefônica) e aguardar no interior da edificação a chegada de reforços (itens 12 e 13, fl. 40). Segundo a defesa, portanto, a recusa foi injustificada e a ausência ao trabalho caracterizou justa causa.

O serviço de vigilância não pode ser exercido livremente. O profissional está sujeito a uma série de exigências, tais como, ter idade mínima de 21 anos; instrução correspondente à quarta série do primeiro grau; ter sido aprovado em curso de formação de vigilante realizado em estabelecimento com funcionamento autorizado, bem como, ter sido aprovado em exame de saúde física, mental e psicotécnico (art. 16 da Lei n. 7.102/83). Só a iminência de confrontos com marginais e a constante exposição de sua própria vida e de outros em sua atividade é que asseguram ao vigilante a prisão especial por atos cometidos em razão do serviço, além da obrigatoriedade de seguro de vida em grupo feito pela empresa (art. 19, III e IV, da Lei n. 7.102/83).

Todos esses cuidados do legislador não revelam mero capricho, mas traduzem requisitos coerentes com o grau de risco a que se sujeitam esses profissionais. Tanto isso é verdade que ao vigilante, incumbido de segurança patrimonial privada (art. 10, I c/c art. 15, ambos da Lei n. 7.102/83), é assegurado o porte de arma de fogo em serviço (art. 19 da Lei n. 7.102/83).

A violência é fator de tamanha presença no dia-a-dia dessa categoria profissional que a norma coletiva elegeu o colete a prova de balas como equipamento de proteção individual (cláusula 9ª, fl. 61), e vedou os descontos salariais em razão da subtração de armas decorrentes de crimes ocorridos no local de trabalho ou no trajeto de ida e volta ao serviço (cláusula 21, fl. 75).

Segundo essa realidade, a defesa, sem qualquer constrangimento, informa que, à exceção dos vigilantes em agências bancárias, os demais vigilantes trabalham desarmados, inclusive o autor, contrariando literalmente a disposição do artigo 19, II, da Lei n. 7.102/83, que não comporta exceção, como se apenas ao vigilante bancário fosse garantido o porte de arma. O artigo 15 da mesma lei não faz distinção, não cabendo ao intérprete fazê-lo.

A ré não negou o risco do novo local de trabalho do autor, dada a proximidade com traficantes, à suscetibilidade de tiroteios; apenas sustentou a existência de muros e telefone no interior do depósito, cujo acesso estava garantido pela posse das chaves pelo autor.

O senso comum é o que basta para confrontar a tese da defesa. Não é razoável supor que um profissional encarregado de zelar pelo patrimônio alheio (art. 10, I, da Lei n. 7.101/83), que tem assegurado o direito de portar arma de fogo e utilizar colete à prova de balas, sem nenhum desses dois itens, ao perceber a invasão do local, conseguisse exercer sua função sem confronto, apenas adentrando ao depósito onde estava o telefone; entrasse em contato com a empresa e aguardasse a chegada de reforços, enquanto os marginais agissem.

A primeira vítima seria justamente aquele que tem a função de proteger o patrimônio cobiçado pelos bandidos. Não é de se esperar uma ação benemérita desses elementos em favor daquele, que, se tiver oportunidade, impedirá a ação, ou, ao menos, dará notícia à central da empresa ou à polícia.

Não é essa a realidade vivida por quem está próximo de bandidos. Qualquer pessoa de mediana informação sabe o grau de arrojo e ousadia das ações de delinqüentes, assim como a perversidade empregada contra quem quer que se oponha ou seja considerado risco pelos marginais.

Colocar um vigilante sem qualquer meio eficaz par exercer sua função, como se vê mais especificamente dos equipamentos exigidos no sistema de segurança bancário, dentre os quais, alarme capaz de permitir comunicação entre estabelecimentos da mesma instituição, empresa de vigilância ou órgão policial mais próximo, além da previsão de “artefatos que retardem a ação de criminosos, permitindo, sua perseguição, identificação ou captura” (art. 2º da Lei n. 7.102/1983), é atentar contra a vida.

A vida é sim o maior bem de proteção jurídica do ser humano, sendo relativizada, apenas, quando confrontada com outra vida em risco, nas hipóteses de legítima defesa. A inoportuna menção feita pela sentença de um ditado de gosto duvidoso “de que para morrer basta estar vivo”, além de injurídico, desconsidera um sem número de normas que colocam o ser humano e sua intangibilidade como principal foco de proteção do ordenamento jurídico. Para ficar no mais elementar e abrangente, vale a leitura do artigo 5º, caput, da CF/88: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, e à propriedade, nos termos seguintes” (pus os grifos).


Concluo, pois, que a recusa do autor foi legítima. A ordem colocaria em risco sua vida, pois não dispunha de arma, colete, ou meios de comunicações eficazes para pedir reforço. A existência de muros ao redor e do telefone no interior do depósito não atende às exigências legais e normativas que asseguram ao vigilante instrumentos adequados para o exercício da função.

Outra alegação da defesa que não se sustenta é a configuração da desídia do autor. Passando ao largo do confronto dos documentos, apenas as datas servem para demonstrar a insubsistência da tese. O reclamante foi admitido em 01/08/1996, e o término do contrato ocorreu em maio de 2002. Destarte, em quase seis anos sofreu uma advertência em 1997; suspensão de 01 dia em 1999 e de 05 dias em 2001 (fl. 52), para só em maio de 2002 ocorrer o fato que dá causa a esta lide. As faltas anteriores tiveram, no mínimo, dois anos de intervalo, não sendo legítima a argüição de um comportamento reiterado, tanto que entre a última ausência e a extinção do contrato decorreram mais de 06 meses, sendo lícita a conclusão de que as anteriores foram irrelevantes, a ponto de o contrato ter sido mantido.

Afasto a justa causa do autor e reconheço a rescisão indireta por culpa da ré, nos termos do artigo 483, “c” e “d”, na data de 22/05/2002, a partir da qual o autor deixou de comparecer à empresa (item 44, fl. 53). Defiro as verbas rescisórias inerentes a essa modalidade resilitiva: saldo salarial de 10 dias, referentes ao período do suspensão (10 a 22 de maio de 2002), 13º salário e férias acrescidas do terço, ambos os títulos proporcionais, aviso prévio, FGTS + 40%. O seguro-desemprego deixou de ser pago por fato exclusivo da ré. O dano causado está sujeito a reparação compatível (Cód. Civil, art.927), pois a entrega das guias no momento da rescisão contratual asseguraria a fruição do benefício a tempo e modo (art. 13 da Resol. CODEFAT n. 392 de 2004). Respeitar-se-á o número de parcelas devidas (L. 8.900/64, art. 2º) e a forma de cálculo oficial (L. 7.998/90, art. 5º), sem prejuízo da correção específica (L. 8.880/94, art. 29, § 2º).

A ré procederá à baixa na CTPS, com data de 22/06/2002, em razão da projeção do aviso prévio (OJ/TST n. 82 da SDI – I), em 05 dias após a ciência de que o documento está nos autos, sob pena de multa diária de R$ 100,00 (CPC, art. 461, § 5º).

Horas Extras

A inversão do ônus da prova quanto à jornada de trabalho depende, pelo menos, da indicação de horários diversos daqueles registrados nos cartões de ponto impugnados, nos termos dos artigos 818 da CLT c/c art. 333, I, do CPC. A inicial não nega a jornada de 19h00 às 07h00 (fl. 08); apenas informa o recebimento parcial da sobrejornada. A idoneidade dos cartões, portanto, não é impugnada.

Cabia ao autor, diante das folhas de ponto e holerites, apontar com precisão as supostas diferenças de horas extras. A inconsistência da alegação de que as horas extras não eram pagas corretamente advém da análise aleatória de um período de trabalho colhido ao acaso. Cito como exemplo fevereiro de 1997; o autor cumpriu jornada de 12 horas, das 19h00 às 07h00, com apenas um intervalo semanal, resultando em 6 dias de trabalho o total de 72 horas, sendo 28 horas extras semanais. Esse mês contou com 04 semanas, importando o total de 112 horas extras (docs. 71 e 72, fl. 112), e o holerite desse mês registra o pagamento de 113 horas extras (44,00 + 69,00 (doc. 147, doc. 125).

A indicação de janeiro de 1997 é o único exemplo consistente de trabalho sem folga compensatória, pois no período entre 02 e 09 de janeiro, o autor trabalhou 08 dias seguidos, sem que o holerite desse mês ou do seguinte indicasse o pagamento de horas extras com 100% (docs. 146 e 147, fl. 125). Trata-se de pretensão sobre a qual se operou a prescrição. Já o dia 25/12/1996 consta como folga (doc. 69, fl. 111).

Assim, não há qualquer demonstração segura de diferenças de horas extras ou adicional noturno a favor do autor.

INSS e IR

Os descontos previdenciários e fiscais estão de acordo com o entendimento jurisprudencial consagrado na Súmula 368 do C. TST.

Honorários Advocatícios

O autor não é beneficiário da justiça gratuita e não está assistido por sindicato da categoria. Não estão implementado os requisitos para concessão dos honorários advocatícios (OJ/TST n. 305 da SDI – I).

Ante o exposto, dou provimento parcial ao recurso para declarar a rescisão indireta do contrato de trabalho do autor em 22/05/2002 e acrescer à condenação o que se fizer apurado a título de saldo salarial de 10 dias, referentes ao período de suspensão (10 a 22 de maio de 2002); 13º salário e férias acrescidas do terço, ambos os títulos proporcionais; aviso prévio; FGTS + 40%; indenização equivalente ao seguro-desemprego; horas extras no importe de 100% referentes ao DSR trabalhado em 08/01/1997.

Custas pela ré, sobre o acréscimo condenatório de R$ 15.000,00, no importe de R$ 300,00.

A ré dará baixa na CTPS do autor com data de 22/06/2005 em 05 dias após a ciência da juntada do documento aos autos, sob pena de multa diária de R$ 100,00 (CPC, art. 461, §5º).

ROVIRSO A. BOLDO

Juiz Relator

PODER JUDICIÁRIO

Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região

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