Assédio judicial

Jornalistas querem reagir contra sua banda podre

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26 de março de 2005, 20h54

Réu em múltiplos processos por crimes contra a honra, o comentarista esportivo Jorge Kajuru foi condenado, na semana passada, por difamação, a 18 meses de detenção, em regime aberto, na Casa do Albergado de Goiânia. O processo foi aberto pela filial da Rede Globo em Goiás, onde a emissora é tocada pela Organização Jayme Câmara. Kajuru, cujo nome é Jorge Reis da Costa, responde por, pelo menos, mais 108 processos por dano moral.

Por ser definitiva, na área criminal, a decisão é incomum. Por ter sido movida por empresa jornalística, é emblemática. A condenação acontece em um contexto pouco favorável para a imprensa em geral e especialmente ruim para os jornalistas. Levantamento feito por este site, há pouco mais de 1 ano, mostra que para um universo de 2.783 jornalistas de 5 grupos jornalísticos havia 3.342 ações judiciais por dano moral.

O estudo mostra que a imprensa foi engolfada pelo alto grau de litigiosidade que atinge todos os setores do país. Esse fenômeno se constata pelo entupimento do sistema judicial. Mas mostra também as outras vertentes, típicas do setor. Uma é o assédio judicial movido por políticos, empresários, juízes e outros segmentos que pedem a ajuda do Judiciário para que suas mazelas fiquem em segredo. É neste capítulo que se encontra o maior volume de processos.

Não são poucos também os casos de erros, que mostram a precariedade da formação de jornalistas e que, mesmo depois de apontados, são arrogantemente encarados: não são corrigidos nem se pede desculpas ao ofendido injustamente. O quarto lote é o do abuso puro e simples. Fala-se da honra alheia como quem amaldiçoa o clima. Neste endereço residem os mais de cem processos contra Kajuru, que até hoje nunca teve a suspeita da venalidade levantada contra ele.

O vetor mais pernicioso vem agora: é o segmento de empresas e profissionais que usam o jornalismo para fazer negócios: suprimem ou dão notícias em troca de dinheiro, publicidade ou favores. É esse setor que contamina a imagem de toda a imprensa, contribuindo para o seu descrédito e para a multiplicação de processos e condenações. Em geral, usam-se acusações de supostos crimes imputadas a uma empresa ou empresário para enfraquecê-lo numa disputa de negócios. O patrono da notícia falsificada ou turbinada costuma ser a parte favorecida. E há também a velha extorsão.

Projeto Down

Um caso acabado de extorsão é descrito em detalhes nos autos de processo (000.02.226954-1), julgado pela 2ª Vara Cível Central de São Paulo. Enquanto um empresário e sua empresa eram alvejados por sucessivas notas consideradas mentirosas e ofensivas de um colunista, as vítimas foram procuradas por uma ONG do próprio jornalista para comparecer com uma “doação” de 30 mil reais. Como a doação não foi feita, os ataques recrudesceram.

A ONG em questão é uma entidade assistencial chamada Projeto Down, alegadamente voltada para o apoio a crianças acometidas da síndrome de Down. A entidade tem o mesmo endereço da empresa jornalística e o site do colunista direciona os leitores para o endereço da ONG.

Gilberto Luiz di Pierro, que atende pelo pseudônimo de “Giba Um“, e sua empresa, a Manager Comunicação, flagrados, foram condenados pelo juiz José Tadeu Picolo Zanoni a pagar 1.000 salários mínimos como reparação.

Em sua sentença, o juiz anota que o pedido de dinheiro “foi claramente confessado”. A coincidência de o endereço do recibo da ONG ser o mesmo da Manager, afirma Picolo Zanoni “derruba toda a argumentação dos requeridos em prol do trabalho social que eles acreditam desenvolver”.

O colunista Giba Um, em primeira instância, já foi condenado e recorre contra outras decisões que lhe impuseram as penas de três meses de detenção, uma reparação de 20 salários mínimos e outra de 500 salários. Outros processos estão em curso, como o da filha do presidente Lula, Lurian, e do prefeito Blumenau. Ambos pedem reparação de 1.000 salários mínimos. Todos os casos envolvem crime contra a honra. (Um leitor catarinense corrige a informação a respeito do prefeito de Blumenau, que moveu a ação no cargo, mas já não o ocupa).

Reação de classe

A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) reuniu-se neste final de semana para discutir suas diretrizes para 2005. Na pauta, uma campanha de revalorização profissional. O vice-presidente da Federação, Fred Ghedini, que também dirige o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, concorda que para recuperar o respeito da sociedade e do Judiciário a corporação deve reagir contra quem usa o jornalismo para atos de banditismo.

“Por isso vamos retomar a luta pela criação do Conselho Federal dos Jornalistas”, afirma Ghedini. O Conselho teria instrumentos disciplinares mais efetivos que as comissões de ética da Fenaj e dos sindicatos. Segundo o dirigente, “uma ação mais firme no âmbito profissional traria um ganho de qualidade nessas questões”, que hoje são arbitradas de forma descompensada pela magistratura.

Choque de corporações

Os juízes, é preciso que se diga, entendem tanto dos mecanismos da imprensa, quanto os jornalistas entendem do sistema judicial. Durante décadas, os dois setores mantiveram-se em respeitosa distância. Ultimamente, mais precisamente a partir da segunda metade da década de 90, a cumplicidade acabou — o que é bom para o país. Mas ao abrir-se a panela de pressão, o conteúdo espirrou longe. E o equilíbrio nesse relacionamento ainda não se estabeleceu.

O CFJ foi repelido no ano passado pelas empresas jornalísticas por ser visto como um possível órgão de cerceamento da liberdade de imprensa. Suas características de autarquia, que passaria a cobrar contribuições compulsórias da categoria, dona da licenciatura para o exercício da profissão, provocaram a repulsa também, da maior parte dos profissionais do ramo. A sua rejeição, contudo, não resolve o drama da falta de um órgão disciplinar. Sem um tribunal de ética, empresas e jornalistas ficam à mercê dos 15 mil juízes brasileiros, um colegiado majoritariamente resistente ao jornalismo que se pratica no país.

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