Prazo limite

Leia voto de Celso de Mello sobre excesso de prazo em prisão cautelar

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23 de março de 2005, 17h42

Nada justifica a permanência de uma pessoa na prisão por quatro anos e meio sem que seja julgada pelo crime do qual é acusada, mesmo que se trate de crime hediondo. O entendimento é do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, que determinou a libertação do réu.

O voto do ministro foi proferido em julgamento, na semana passada, no Pleno do STF. O ministro Celso de Mello aprofundou a discussão sobre excesso de prazo em prisão cautelar, citou diversos precedentes e afirmou que o excesso de prazo “quando exclusivamente imputável ao aparelho judiciário traduz situação anômala que compromete a efetividade do processo”.

Para o ministro, o fato, além de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: “o direito à resolução do litígio, sem dilações indevidas (CF, art. 5º, LXXVIII) e com todas as garantias reconhecidas pelo ordenamento constitucional, inclusive a de não sofrer o arbítrio da coerção estatal representado pela privação cautelar da liberdade por tempo irrazoável ou superior àquele estabelecido em lei”.

Celso de Mello sustentou que a prisão de qualquer cidadão não pode nem deve perdurar, sem justa razão, por período excessivo. Quando isso acontece, afirmou, afronta o Estado Democrático de Direito.

No caso concreto, detido em 2000, o réu é acusado por homicídio duplamente qualificado e formação de quadrilha armada. O voto do ministro foi acompanhado por todos os membros do Plenário do Supremo Tribunal Federal.

Leia a íntegra do acórdão e o voto do ministro Celso de Mello

17/03/2005 TRIBUNAL PLENO

HABEAS CORPUS 85.237-8 DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

PACIENTE(S): RICARDO PEIXOTO DE CASTRO

IMPETRANTE(S): ATAÍDE JORGE DE OLIVEIRA

COATOR(A/S)(ES): PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

E M E N T A: PROCESSO PENAL – PRISÃO CAUTELAR – EXCESSO DE PRAZO – INADMISSIBILIDADE – OFENSA AO POSTULADO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (CF, ART. 1º, III) – TRANSGRESSÃO À GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL (CF, ART. 5º, LIV) – “HABEAS CORPUS” CONHECIDO EM PARTE E, NESSA PARTE, DEFERIDO.

O EXCESSO DE PRAZO, MESMO TRATANDO-SE DE DELITO HEDIONDO (OU A ESTE EQUIPARADO), NÃO PODE SER TOLERADO, IMPONDO-SE, AO PODER JUDICIÁRIO, EM OBSÉQUIO AOS PRINCÍPIOS CONSAGRADOS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, O IMEDIATO RELAXAMENTO DA PRISÃO CAUTELAR DO INDICIADO OU DO RÉU.

Nada pode justificar a permanência de uma pessoa na prisão, sem culpa formada, quando configurado excesso irrazoável no tempo de sua segregação cautelar (RTJ 137/287 – RTJ 157/633 – RTJ 180/262-264 – RTJ 187/933-934), considerada a excepcionalidade de que se reveste, em nosso sistema jurídico, a prisão meramente processual do indiciado ou do réu, mesmo que se trate de crime hediondo ou de delito a este equiparado.

O excesso de prazo, quando exclusivamente imputável ao aparelho judiciário – não derivando, portanto, de qualquer fato procrastinatório causalmente atribuível ao réu – traduz situação anômala que compromete a efetividade do processo, pois, além de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio, sem dilações indevidas (CF, art. 5º, LXXVIII) e com todas as garantias reconhecidas pelo ordenamento constitucional, inclusive a de não sofrer o arbítrio da coerção estatal representado pela privação cautelar da liberdade por tempo irrazoável ou superior àquele estabelecido em lei.

A duração prolongada, abusiva e irrazoável da prisão cautelar de alguém ofende, de modo frontal, o postulado da dignidade da pessoa humana, que representa – considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) – significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Constituição Federal (Art. 5º, incisos LIV e LXXVIII). EC 45/2004. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, ns. 5 e 6). Doutrina. Jurisprudência.

– O indiciado ou o réu, quando configurado excesso irrazoável na duração de sua prisão cautelar, não podem permanecer expostos a tal situação de evidente abusividade, ainda que se cuide de pessoas acusadas da suposta prática de crime hediondo (Súmula 697/STF), sob pena de o instrumento processual da tutela cautelar penal transmudar-se, mediante subversão dos fins que o legitimam, em inaceitável (e inconstitucional) meio de antecipação executória da própria sanção penal. Precedentes.


A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em conhecer, em parte, do “habeas corpus” e, na parte conhecida, deferi-lo, nos termos do voto do relator. Votou o Presidente, Ministro Nelson Jobim. Ausentes, justificadamente, os Senhores Ministros Carlos Velloso e Carlos Britto. Falou pelo paciente o Dr. Ataíde Jorge de Oliveira.

Brasília, 17 de março de 2005.

NELSON JOBIM – PRESIDENTE

CELSO DE MELLO – RELATOR

Leia o voto de Celso de Mello

17/03/2005 TRIBUNAL PLENO

HABEAS CORPUS 85.237-8 DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

PACIENTE(S): RICARDO PEIXOTO DE CASTRO

IMPETRANTE(S): ATAÍDE JORGE DE OLIVEIRA

COATOR(A/S)(ES): PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO – (Relator) : Trata-se de “habeas corpus” originariamente impetrado, perante o Supremo Tribunal Federal, contra decisão denegatória de igual “writ”, que, emanada do E. Superior Tribunal de Justiça, acha-se consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 11):

“PROCESSO PENAL – HOMICÍDIO QUALIFICADO – FORMAÇÃO DE QUADRILHA – EXCESSO DE PRAZO – RÉU PRONUNCIADO.

Pronunciado o réu, fica superada a alegação de constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo na instrução (Súmula 21, desta Corte).

Ordem denegada.”

(HC 21.345/DFRel. Min. JORGE SCARTEZZINI)

Sustenta-sena presente impetração, que a manutenção da prisão cautelar do ora paciente – que já ultrapassa o período de 4 (quatro) anos e 5 (cinco) meses de duração – configuraria situação de ilegal constrangimento, seja em face do alegado excesso de prazo que se revelaria configurado, seja em virtude da suposta ausência, no caso, dos requisitos legais autorizadores da adoção dessa excepcional medida de privação da liberdade de locomoção física do réu (fls. 02/10).

Consta da impetração que o ora paciente, que ainda se acha preso, está submetido à custódia cautelar do Estado desde 09/09/2000data em que sofreu a imposição de prisão temporáriaquando se realizavam as investigações policiais (fls. 02).

O ora pacientejuntamente com outras 17 (dezessete) pessoas, veio a ser denunciadopelo Ministério Público, perante a Vara do Júri da Circunscrição Judiciária de Planaltina/DF, pela suposta prática dos crimes de homicídio duplamente qualificado (CPart. 121, § 2º, incisos IV e V) e de quadrilha armada (CPart. 288, parágrafo único), em concurso material (CPart. 69) (Processos nº 2000.05.1.002835-0 e 2001.05.1.000093-7).

Em 06/11/2000, data em que recebida a denúncia penal em questão, a prisão temporária do ora paciente convolou-semediante decisão judicial, em prisão preventiva (fls. 16).

Posteriormenteem 06/08/2001, sobreveio a sentença de pronúncia do ora paciente, pelos mesmos delitos capitulados na denúncia, sendo certo que o magistrado pronunciante, por entender subsistentes as razões justificadoras da prisão preventiva, manteve a privação cautelar da liberdade individual de Ricardo Peixoto de Castro (fls. 77).

Os autos registram que o ora paciente vem sofrendo a privação cautelar de sua liberdade de locomoção física, sem qualquer solução de continuidade, desde 09/09/2000, muito embora não tenha sido levadoaté a presente data, a julgamento perante o Tribunal do Júri, o que significa que essa prisão processual perdura por quase 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses.

Daí as razões que dão suporte à presente impetração, na qual o ilustre autor deste “writ” constitucional, além de censurar a duração excessiva da prisão cautelar do ora paciente ( decretação inicial de sua prisão temporária, posteriormente convolada em prisão preventiva e agora transformada em prisão processual decorrente da sentença de pronúncia), sustenta a ilegalidade das decisões judiciais que ordenaram tal extraordinária medida, considerado o fato de que se achariam desprovidas de fundamentação idônea ( fls. 04/09):

“(…)

RICARDO PEIXOTO DE CASTRO está preso há quase 5 anos por causa de FATO praticado por outra pessoa. Tal conclusão é inevitável, eis que, a par do abuso em atribuir fato de um co-réu a outro, o atual título da prisão cautelar está na ‘Sentença de Pronúncia’ (DOC. 02), e a fundamentação deste título se resume em palavras vazias da Lei: ‘A CUSTÓDIA OBJETIVA ASSEGURAR A APLICAÇÃO DA LEI PENAL E GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA’

……………………………………………

A custódia preventiva ainda que temporária, por se tratar de restrição máxima da liberdade individual, valor maior que de ‘per si’ define a dignidade da pessoa humana, só pode ser decretada se presentes os requisitos da Lei (CPP, 311 e 312), ‘in genere’ o ‘fumus boni iuris’ e o ‘periculum in mora’. (…).

……………………………………………

A demora em julgar, devida exclusivamente aos promotores de justiça e aos juízes de direito, é ato de indignidade contra a justiça (…). Afinal, são três tentativas vãs, e nenhuma esperança de pôr fim ao processo. (…).

Ora, veja-se, então, se os 5 anos já gastos nos preparativos para julgar o paciente forem insuficientes e a justiça da Capital da República exigir mais 10 anos, o paciente continuará preso?

……………………………………………

As hesitações de todos os juízes que atuaram até aqui evidenciam total e absoluto desacerto. Marca-se o júri, por mais de uma vez, para em seguida desmarcar, sem explicação condizente para decisão de tamanha gravidade.

(…).” ( grifei)


Neguei o pedido de medida liminar, por reputar inocorrentes em juízo de estrita delibação, os pressupostos necessários ao acolhimento da postulação cautelar ( fls. 109/111).

O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República, Dr. EDSON OLIVEIRA DE ALMEIDA (fls. 113/116), ao opinar pela denegação da ordem de “habeas corpus”, assim concluiu o seu pronunciamento ( fls. 115/116):

“A impetração insisteno pedido de revogação da prisão.

Não lhe assiste razão. Tal como bem explicitado no acórdão impugnado, o excesso de prazo ficou superado com a superveniência da sentença de pronúncia que, também, manteve a prisão preventiva, fundamentadamente decretada, com satisfatório exame das circunstâncias concretas do caso, verbis,:

‘Os réus Oséas Inácio de Aquino, Ricardo Peixoto de Castro, Ricardo Cardoso e José Adeguimar Rodrigues, ao que consta de suas folhas penais, não possuem bons antecedentes, (…).À hipótese, a liberdade provisória é vedada, nos termos do § 2º do art. 408 do CPP, além do que os três primeiros réus são acusados de homicídio duplamente qualificado, considerado hediondo, insuscetível a concessão do benefício. Soma-se, ainda, a gravidade do delito e sua repercussão negativa, mormente em relação ao fato de terem ocorrido sérias ameaças às testemunhas, e é certo que a custódia objetiva assegurar a aplicação da lei penal e garantia da ordem pública.’

Isso posto, opino pela denegação da ordem.” (grifei)

É o relatório.

V O T O

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO – (Relator) : A presente impetração, como precedentemente referido, apóia-se nos seguintes fundamentos: (a) suposta ilegalidade da decisão que decretou a prisão cautelar do ora paciente, eis que desprovida – segundo sustentado neste “writ” – de fundamentação jurídica idônea; e (b) alegada ocorrência de excesso de prazo na manutenção da custódia cautelar do paciente, que já se prolonga por quase quatro (4) anos e meio, sem que, nesse ínterim, tenha ocorrido qualquer julgamento do réu pelo Tribunal do Júri.

Cabe analisar, preliminarmente, a cognoscibilidade, ou não, da presente impetração, no ponto em que se pretende o reconhecimento da ilegalidade , da decretação da prisão cautelar, sob a alegação de que a sentença de pronúncia – que lhe dá suporte – apresentar-se-ia destituída de fundamentação jurídica idônea.

Impende acentuar, desde logo, que o exame desse específico ponto da impetração não se revela possível, considerado o estrito âmbito temático delineado no acórdão em questão, emanado do Tribunal ora apontado como coator, eis que não cabe, a esta Suprema Corte – em face de sua própria jurisprudência (RTJ 136/230 – RTJ 141/570 – RTJ 148/732 – RTJ 164/213 – RTJ182/243-244 – HC 73.390/RS, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – HC 81.115/SP, Rel. Min. ILMAR GALVÃO) -, apreciar, em sede originária, fundamentos diversos daqueles que deram suporte à decisão denegatória de “habeas corpus” impugnada perante o Supremo Tribunal Federal.

Isso significa, portanto, que se impõe o não-conhecimento, em parte, deste pedido de “habeas corpus”, no ponto em que a impetração se apóia em fundamento não apreciado na decisão ora impugnada, vale dizer, na parte em que o impetrante sustenta a ilegalidade do ato de privação cautelar da liberdade do paciente, sob a alegação (não examinada pelo Superior Tribunal de Justiça) de que a decisão não se mostraria adequadamente motivada.

É que, seassim não fosse, registrar-se-ia indevida supressão de instância, consoante tem advertido a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 182/243-244, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – HC 73.390/RS, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – HC 81.115/SP, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, v.g.):

“IMPETRAÇÃO DE ‘HABEAS CORPUS’ COM APOIO EM FUNDAMENTO NÃO EXAMINADO PELO TRIBUNAL APONTADO COMO COATOR: HIPÓTESE DE INCOGNOSCIBILIDADE DO ‘WRIT’ CONSTITUCIONAL.

– Revela-se insuscetível de conhecimento, pelo Supremo Tribunal Federal, o remédio constitucional do ‘habeas corpus’, quando impetrado com suporte em fundamento que não foi apreciado pelo Tribunal apontado como coator.

Se se revelasse lícito ao impetrante agir ‘per saltum’, registrar-se-ia indevida supressão de instância, com evidente subversão de princípios básicos de ordem processual. Precedentes.”


(HC 83.842/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

“Em habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, a inconformidade deve ser com o acórdão proferido pelo STJ e não contra o julgado do Tribunal de Justiça.

O STF só é competente para julgar habeas corpus contra decisões provenientes de Tribunais Superiores.

Os temas objeto do habeas corpus devem ter sido examinados pelo STJ. ,

……………………………………………

Caso contrário, caracterizaria supressão de instância.

Habeas Corpus não conhecido. ,”

(HC 79.551/SP, Rel. Min. NELSON JOBIM – grifei,)

Por isso mesmo, e considerando – como já assinalado – que esse específico fundamento da impetração não constituiu objeto de expressa análise por parte do E. Superior Tribunal de Justiça, resta inviabilizado, quanto a tal aspecto, o conhecimento do presente “writ” constitucional.

Desse modo, não conheço desta impetração no ponto em que se sustenta a ilegalidade da decretação da prisão processual decretada contra o ora paciente.

Conheço, no entanto, da presente ação de “habeas corpus”, no ponto em que o ilustre impetrante sustenta a ocorrência de excesso de prazo na manutenção da prisão cautelar do ora paciente.

Cumpre acentuar, por oportuno, que o paciente – pronunciado por suposta prática dos crimes de homicídio duplamente qualificado (CP, art. 121, § 2º, incisos IV e V) e de quadrilha armada (CP, art. 288, parágrafo único), em concurso material (CP, art. 69) – veio a ser preso, em 09/09/2000, por efeito de decisão judicial que lhe decretou a prisão temporária, assim permanecendo até o presente momento, eis que a privação cautelar de sua liberdade foi renovada, em 06/11/2000, com a convolação daquela prisão temporária em prisão preventiva, a qual, por sua vez, transmudou-se em prisão processual decorrente da sentença de pronúncia, proferida em 06/08/2004.

Impende enfatizar, de outro lado, que, até a presente data, o julgamento, perante o Tribunal do Júri, não obstante decorrido tão longo período de tempo, ainda não se realizou em virtude de obstáculo processual causado pelo próprio Estado eis que o desaforamento do julgamento da causa penal foi provocado, não pelo paciente mas, sim, por exclusiva iniciativa do Ministério Público (fls. 152/155).

É que o ilustre representante do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, em atuação perante a Vara do Tribunal do Júri da Circunscrição Judiciária de Planaltina/DF, valendo-se da possibilidade ensejada pelo art. 424 do CPP, formulou pedido de desaforamento do feito, dirigido ao E. Tribunal de Justiça local, propondo – e conseguindo – o desaforamento do julgamento da causa penal em referência (Processo nº 2004.01.1.110381-6, Tribunal do Júri da Circunscrição Especial Judiciária de Brasília).

Embora o pedido de desaforamento – deduzido pelo Ministério Público em 04/12/2003 (DES nº 2003.00.2.010692-0, Rel. Desª. APARECIDA FERNANDES) – houvesse sido julgado, pelo E. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, em 14/04/2004, cabe ressaltar que os autos do procedimento penal em questão, instaurado contra o ora paciente, somente foram encaminhados ao Juízo de primeira instância (Circunscrição Especial Judiciária de Brasília) em 25/11/2004.

Vê-se desse modo, considerado o retardamento causado pelo próprio Estado que o ora paciente – precisamente em decorrência desse fato – ainda não foi julgado, até o presente momento, pelo Tribunal do Júri.

O que me parece grave no caso ora em análise, considerados todos os aspectos que venho de referir, é que o exame destes autos evidencia que o paciente – que possui domicílio certo no distrito da culpa – permanece presocautelarmente, até agora, não obstante decorridos quase (4) anos e seis (6) meses, sem que sequer tenha sido julgado por seu juiz natural.

Se se computar tal prazo apenas a partir da sentença de pronúncia, ainda assim ter-se-á que o período de duração da prisão cautelar do ora paciente continua sendo excessivo pois, mesmo em tal hipótese a sua prisão cautelar perdura por (longos) três (3) anos e seis (6) meses sem qualquer julgamento.

Não desconheço que o Supremo Tribunal Federal, em reiteradas decisões, já assentou que a superveniência da sentença de pronúncia, por importar em superação de eventual excesso de prazo, afasta a configuração quando ocorrente, da situação de injusto constrangimento (HC 80.325/RJ Rel. Min. MOREIRA ALVES – RHC 80.741/PARel. Min. MAURÍCIO CORRÊA – HC 84.372/ES Rel. Min. CARLOS VELLOSO, v.g.).


Impende registrar por relevante, que esta Suprema Corte – embora assinalando que a prisão cautelar fundada em sentença de pronúncia não tem prazo legalmente predeterminado – adverteno entanto, que a duração dessa prisão meramente processual está sujeita a um necessário critério de razoabilidade no que concerne ao tempo de sua subsistência, como o evidenciam decisões proferidas por este Tribunal:

“O encerramento da instrução criminal supera o excesso de prazo para a prisão processual que antes dele se tenha verificado, mas não elide o que acaso se caracterize pelo posterior e injustificado retardamento do término do processo.”

(RHC 71.954/PARel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei)

“Prisão por pronúncia: duração que, embora não delimitada em lei, sujeita-se ao limite da razoabilidade (…).”

(HC 83.977/RJ Rel. p/ o acórdão Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei)

É por essa razão que o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o HC 80.379/SP Rel. Min. CELSO DE MELLO, em que o paciente se encontrava cautelarmente preso há 2 (dois) anos e 3 (três) meses (bem menosportanto, que o ora paciente, que se acha recolhido ao sistema prisional há quase quatro anos e meio), proferiu decisão consubstanciada em acórdão assim ementado:

O JULGAMENTO SEM DILAÇÕES INDEVIDAS CONSTITUI PROJEÇÃO DO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.

– O direito ao julgamento, sem dilações indevidas, qualifica-se como prerrogativa fundamental que decorre da garantia constitucional do ‘due process of law’.

O réu – especialmente aquele que se acha sujeito a medidas cautelares de privação da sua liberdade – tem o direito público subjetivo de ser julgado pelo Poder Público, dentro de prazo razoável, sem demora excessiva e nem dilações indevidas. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, ns. 5 e 6). Doutrina. Jurisprudência.

– O excesso de prazo quando exclusivamente imputável ao aparelho judiciário – não derivandoportanto, de qualquer fato procrastinatório causalmente atribuível ao réu – traduz situação anômala que compromete a efetividade do processo, pois, além de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio, sem dilações indevidas e com todas as garantias reconhecidas pelo ordenamento constitucional.

O EXCESSO DE PRAZO, NOS CRIMES HEDIONDOS, IMPÕE O RELAXAMENTO DA PRISÃO CAUTELAR.

Impõe-se o relaxamento da prisão cautelar, mesmo que se trate de procedimento instaurado pela suposta prática de crime hediondo, desde que se registre situação configuradora de excesso de prazo não imputável ao indiciado/acusado. A natureza da infração penal não pode restringir a aplicabilidade e a força normativa da regra inscrita no art. 5º, LXV, da Constituição da República, que dispõe, em caráter imperativoque a prisão ilegal ‘será imediatamente relaxada’ pela autoridade judiciária. Precedentes.”

(RTJ 187/933-934Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Nada pode justificar a permanência de uma pessoa na prisão, sem culpa formada, quando configurado excesso irrazoável no tempo de segregação cautelar do acusado, considerada a excepcionalidade da prisão processual, mesmo que se trate de crime hediondo (RTJ 137/287 – RTJ 157/633 – RTJ 180/262-264, v.g.).

É que a prisão de qualquer pessoa, especialmente quando se tratar de medida de índole meramente processual, por revestir-se de caráter excepcional, não pode nem deve perdurar, sem justa razão, por período excessivo, sob pena de consagrar-se inaceitável prática abusiva de arbítrio estatal, em tudo incompatível com o modelo constitucional do Estado Democrático de Direito.

É preciso reconhecer, neste ponto, que a duração prolongada, abusiva e irrazoável da prisão cautelar de alguém, como sucede na espécie, ofende de modo frontal, o postulado da dignidade da pessoa humana, que representa – considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) – significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo.


Ouem outras palavras, cumpre enfatizar que o excesso de prazo na duração irrazoável da prisão meramente processual do réu, de qualquer réu, notadamente quando não submetido a julgamento por efeito de obstáculo criado pelo próprio Estado, revela-se conflitante com esse paradigma ético-jurídico conformador da própria organização institucional do Estado brasileiro.

Cabe referir ainda, por relevante, que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos – tendo presente o estado de tensão dialética que existe entre a pretensão punitiva do Poder Público, de um lado, e a aspiração de liberdade inerente às pessoas, de outro – prescreveem seu Art. 7º, n. 5, que “Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade…” (grifei).

Na realidade, o Pacto de São José da Costa Rica constitui instrumento normativo destinado a desempenhar um papel de extremo relevo no âmbito do sistema interamericano de proteção aos direitos básicos da pessoa humana qualificando-se, sob tal perspectiva, como peça complementar e decisiva no processo de tutela das liberdades públicas fundamentais.

O réu – especialmente aquele que se acha sujeito a medidas cautelares de privação de sua liberdade – tem o direito público subjetivo de ser julgado, pelo Poder Público, dentro de um prazo razoável sob pena de caracterizar-se situação de injusto constrangimento ao seu “status libertatis”, como já o reconheceu esta Suprema Corte ao deferir o HC 84.254/PI Rel. Min. CELSO DE MELLO, em julgamento no qual a Colenda Segunda Turma, por votação unânime, concedeu liberdade ao paciente que se encontrava submetido à prisão cautelar há 4 (quatro) anos1 (um) mês e 4 (quatro) dias, sem julgamento perante órgão judiciário competente, entendimento esse reiterado também pela Egrégia Segunda Turma do Tribunal, quando da concessão do HC 83.773/SP Rel. Min. CELSO DE MELLO, em face de excesso de prazo da prisão cautelar do paciente, que se prolongava, abusivamentenaquele caso, por 4 (quatro) anos e 28 (vinte e oito) dias.

Como bem acentua JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI (“Tempo e Processo – Uma análise empírica das repercussões do tempo na fenomenologia processual – civil e penal” p. 87/88, item n. 3.5, 1998, RT), “o direito ao processo sem dilações indevidas” – além de qualificar-se como prerrogativa reconhecida por importantes Declarações de Direitos (Convenção Americana sobre Direitos Humanos, art. 7º, n. 5 e 6; Convenção Européia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, art. 5, n. 3, v.g.) – representa expressiva conseqüência de ordem jurídica que decorre da cláusula constitucional que a todos assegura a garantia do devido processo legal.

Isso significa portanto, que o excesso de prazo analisado na perspectiva dos efeitos lesivos que dele emanam – notadamente daqueles que afetam, de maneira grave, a posição jurídica de quem se acha cautelarmente privado de sua liberdade – traduz na concreção de seu alcance, situação configuradora de injusta restrição à garantia constitucional do “due process of law”, pois evidencia de um lado, a incapacidade de o Poder Público cumprir o seu dever de conferir celeridade aos procedimentos judiciais e representa, de outro, ofensa inequívoca ao “status libertatisde quem sofre a persecução penal movida pelo Estado.

A respeito desse específico aspecto da controvérsia, revela-se valiosa a observação de LUIZ FLÁVIO GOMES ( “O Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos e o Direito Brasileiro”, p. 242/245, 2000, RT), cujo magistério – expendido a propósito da garantia que assiste, a qualquer acusado de ser julgado em prazo razoável, sem demora excessiva ou sem dilações indevidas – expõe as seguintes considerações:

“Nossa Constituição Federal expressamente não prevê a garantia do encerramento do processo em prazo razoável, mascomo sabemos, contemplou não somente a previsão genérica do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV), senão também a regra de que os direitos e garantias nela expressamente contemplados não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais (art. 5º, § 2º).

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A Convenção Americana sobre Direitos Humanospor seu turno, enfatiza que ‘Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável…’ (art. 8.1). No que diz respeito ao preso: ‘Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade…’ (art. 7.5); ‘Toda pessoa privada da liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida, sem demora…’ (art. 7.6).

Em harmonia com esses textos internacionais, é bem verdade que o nosso Código de Processo Penal contém um conjunto de dispositivos (CPP, art. 799 a 801) que cuida da necessidade do cumprimento dos prazosestabelecendo inclusive sanções em caso de violação. Porém o que mais sobressai em conformidade com a valoração doutrinária é sua total e absoluta ‘inocuidade’: os prazos não são, em geral, cumpridos e muito raramente aplica-se qualquer sanção.

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De um aspecto da garantia de ser julgado em prazo razoável, a jurisprudência brasileiraem geral, vem cuidando com certa atenção: trata-se do excesso de prazo no julgamento do réu preso. Há constrangimento ilegal (CPP, art. 648) quando alguém está preso por mais tempo do que determina a lei. Com base nesse preceito, o direito jurisprudencial criou a regra de que o julgamento do réu preso, em primeiro grau, tem que acontecer no prazo de 81 dias (que é a soma de todos os prazos processuais no procedimento ordinário; são outros os prazos nos procedimentos especiais). Havendo excesso sem justificação, coloca-se o acusado em liberdade sem prejuízo do prosseguimento do processo.” (grifei)


Extremamente oportuno referir ainda, neste ponto, o douto magistério do eminente Professor ROGÉRIO LAURIA TUCCI (“Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro” p. 249/254, 2004, RT), que oferece importante reflexão sobre o tema, que traduz uma das múltiplas projeções que emanam da garantia constitucional do devido processo legal:

“Outra ‘garantia’ que se encarta no ‘devido processo penal’ é a referente ao desenrolamento da ‘persecutio criminis’ em ‘prazo razoável’.

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Ora, nosso País é um dos signatários da ‘Convenção americana sobre direitos humanos’assinada em San José, Costa Rica, no dia 22.11.1969, e cujo art. 8.º 1, tem a seguinte (também ora repetida) redação: ‘‘Toda pessoa tem direito de ser ouvida’ com as devidas garantias e ‘dentro de um prazo razoável’ por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei anterior, ‘na defesa de qualquer acusação penal contra ela formulada’ (…).

Por via de conseqüênciadúvida não pode haver acerca da determinação (…)na Carta Magna brasileira em vigor, do término de qualquer procedimento, especialmente o relativo à persecução penal, em ‘prazo razóavel’.

Essaaliás, é concepção que se universalizou, sobretudo a partir da ‘Convenção Européia para salvaguarda dos direitos do homem e das liberdades fundamentais’, como anota JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI, asserindo que, desde a edição, em 04.11.1950, desse diploma legal supranacional, ‘‘o direito ao processo sem dilações indevidas’ passou a ser concebido como um direito subjetivo constitucional, de caráter autônomo, de todos os membros da coletividade (incluídas as pessoas jurídicas) à ‘tutela jurisdicional dentro de um prazo razoável’, decorrente da proibição do ‘non liquet’, vale dizer do dever que têm os agentes do Poder Judiciário de julgar as causas com estrita observância das normas de direito positivo’.

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Afigura-secom efeito, de todo inaceitável a delonga na finalização do processo de conhecimento (especialmente o de caráter condenatório), com a ultrapassagem do tempo necessário à consecução de sua finalidade, qual seja a de definição da relação jurídica estabelecida entre o ser humano, membro da comunidade, enredado na ‘persecutio criminis’, e o Estado: o imputado tem, realmente, direito ao pronto solucionamento do conflito de interesses de alta relevância social que os respectivos autos retratam, pelo órgão jurisdicional competente.

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Realmentetendo-se na devida conta as graves conseqüências psicológicas (no plano subjetivo), sociais (no objetivo), processuais, e até mesmo pecuniárias, resultantes da persecução penal para o indivíduo nela envolvido, imperiosa torna-se a agilização do respectivo procedimento, a fim de que elastanto quanto possível, se minimizem pela sua conclusão num ‘prazo razoável’.” (grifei)

Esse entendimento encontra pleno apoio na jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria ora em exame, tanto que se registrou, nesta Corte, em diversas decisões, a concessão de ordens de “habeas corpus”, em situações nas quais o excesso de prazo – reconhecido em tais julgamentos – foi reputado abusivo por este Tribunal (RTJ 181/1064Rel. Min. ILMAR GALVÃO).

Refiro-me particularmente, aos casos nos quais a duração da privação cautelar da liberdade do acusado era claramente inferior ao período de encarceramento processual a que ainda está submetidona espécie, o ora paciente: 3 (três) anos 7 (sete) meses e 5 (cinco) dias (HC 82.761/PIRel. Min. NELSON JOBIM); 3 (três) anos1 (um) mês e 24 (vinte e quatro) dias (HC 78.978/PIRel. Min. NELSON JOBIM, v.g.).

Tal entendimento também foi reiterado pelo Supremo Tribunal Federal – e a ordem de “habeas corpus” igualmente deferida -, em hipóteses nas quais o excesso de prazo pertinente à prisão cautelar revelava-se substancialmente inferior ao que se registra na presente impetração: 2 (dois) anos 4 (quatro) meses e 8 (oito) dias (HC 84.662/BARel. Min. EROS GRAU); 1 (um) ano 5 (cinco) meses, e 15 (quinze) dias (HC 79.789/AMRel. Min. ILMAR GALVÃO); 1 (um) ano e 3 (três) meses (HC 84.907/SPRel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE); 1 (um) ano e 5 (cinco) dias (HC 84.181/RJRel. Min. MARCO AURÉLIO); 10 (dez) meses e 21 (vinte e um) dias (HC 83.867/PBRel. Min. MARCO AURÉLIO); 4 (quatro) meses e 10 (dias) (RTJ 118/484Rel. Min. CARLOS MADEIRA).


Cabe também assinalar que o Supremo Tribunal Federal, revelando extrema sensibilidade a propósito de situações anômalas derivadas da superação abusiva e irrazoável do prazo de duração de prisões meramente cautelares, tem conhecido do pedido de “habeas corpus”, até mesmo quando não examinada essa específica questão pelo Tribunal de jurisdição inferior, como resulta claro das decisões a seguir mencionadas:

“RECURSO EM HABEAS CORPUS. LIBERDADE PROVISÓRIA. EXCESSO DE PRAZO. CONHECIMENTO DE OFÍCIO DA MATÉRIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. EXTENSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA.

O Tribunal tem admitido conhecer da questão do excesso de prazo quando esta se mostra gritante mesmo que o tribunal recorrido não a tenha examinado.

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Recurso provido em parte. Habeas corpus concedido de ofício.”

(RHC 83.177/PIRel. Min. NELSON JOBIM – grifei)

“- Habeas corpus. Excesso de prazo para o encerramento da instrução criminal.

Habeas corpus que não se conhece por não ser caso de pedido originário a esta Corte, mas que se concede, ex officiopor gritante excesso de prazo.”

(HC 59.629/PARel. Min. MOREIRA ALVES – grifei)

Todos os aspectos ora ressaltados põem em evidência um fato que assume extremo relevo jurídico, consistente na circunstância de que se registra na espécie, evidente excesso de prazo, eis que a prisão cautelar do ora paciente, sem causa legítima, excedeu período que chega a quase quatro (4) anos e meio de duração, sem que, até o presente momento, e por razões exclusivamente imputáveis ao Estadoesse mesmo paciente tenha sido julgado por seu juiz natural: o Tribunal do Júri.

Bem por isso é que a EC nº 45/2004 – que instituiu a “Reforma do Judiciário”introduziu o inciso LXXVIII no art. 5º da Constituição da República, consagrandode modo formal, uma expressiva garantia enunciada nos seguintes termos:

“LXXVIII – a todosno âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.” (grifei)

Nem se diga, finalmente, que a circunstância de a acusação penal envolver a suposta prática de crime hediondo (como o delito de homicídio qualificado, p. ex. ) impediria o réu de invocar, em seu favor, a prerrogativa da liberdade, especialmente naquelas situações em que o tempo de prisão cautelar excedede maneira abusiva, como no casoos limites razoáveis de duração.

É preciso enfatizaruma vez configurado excesso irrazoável na duração da prisão cautelar do acusado, que este não pode permanecer exposto a tal situação de evidente abusividade, ainda que se cuide de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo (Súmula 697/STF), sob pena de o instrumento processual da tutela cautelar penal transmudar-se, mediante subversão dos fins que o legitimam, em inaceitável (e inconstitucional) meio de antecipação executória da própria sanção penal:

“A gravidade do crime imputado, um dos malsinados ‘crimes hediondos’ (Lei 8.072/90), não basta à justificação da prisão preventiva, que tem natureza cautelar, no interesse dos interesses do desenvolvimento e do resultado do processo, e só se legitima quando a tanto se mostrar necessária: não serve à prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada, a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual, entretanto, ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’ (CF, art. 5º, LVII).”

(RTJ 137/287Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei)

“Caracterizado o excesso de prazo na custódia cautelar do paciente, mesmo em face da duplicação, instituída pelo art. 10 da Lei nº 8.072/90, dos prazos processuais previstos no art. 35 da Lei nº 6.368/76, é de deferir-se o ‘habeas corpuspara que seja relaxada a prisãojá que a vedação de liberdade provisória para os crimes hediondos não pode restringir o alcance do art. 5º, LXV, da Carta da República, que garante o relaxamento da prisão eivada de ilegalidade.”

(RTJ 157/633Rel. Min. ILMAR GALVÃO – grifei)

Prisão preventiva: à falta da demonstração em concreto do ‘periculum libertatis’ do acusado, nem a gravidade abstrata do crime imputado, ainda que qualificado de hediondo, nem a reprovabilidade do fato, nem o conseqüente clamor público constituem motivos idôneos à prisão preventiva: traduzem sim, mal disfarçada nostalgia da extinta prisão preventiva obrigatória.”

(RTJ 172/184Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei)

“A ACUSAÇÃO PENAL POR CRIME HEDIONDO NÃO JUSTIFICA A PRIVAÇÃO ARBITRÁRIA DA LIBERDADE DO RÉU.

– A prerrogativa jurídica da liberdade – que possui extração constitucional (CFart. 5º, LXI e LXV) – não pode ser ofendida por atos arbitrários do Poder Público, mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, eis que até que sobrevenha sentença condenatória irrecorrível (CFart. 5º, LVII), não se revela possível presumir a culpabilidade do réu, qualquer que seja a natureza da infração penal que lhe tenha sido imputada.”

(RTJ 187/933-934, 933Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Sendo assim tendo em consideração as razões expostas, conheço, em parte do presente pedido de “habeas corpus”, e, na parte de que conheço, defiro-o para conceder, ao ora paciente, se por “al” não estiver preso, a sua imediata soltura, relativamente à prisão cautelar que sofre em decorrência da sentença de pronúncia proferida nos autos do Processo-crime nº 2004.01.1.110381-6 (Tribunal do Júri da Circunscrição Especial Judiciária de Brasília).

É o meu voto.

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