Pedido de federalização

STJ decide federalização do caso de Dorothy Stang nos próximos dias

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23 de março de 2005, 14h48

As informações solicitadas pelo ministro Arnaldo Esteves Lima, da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, sobre o pedido de federalização da investigação a morte da irmã Dorothy Stang, chegaram nesta terça-feira (22/3) ao Tribunal. O ministro é relator do Incidente de Deslocamento de Competência apresentado pelo procurador-geral da República Cláudio Fonteles.

No pedido, o procurador-geral pede que a investigação, o processamento e o julgamento dos mandantes, intermediários e executores do assassinato da missionária norte-americana, naturalizada brasileira, sejam feitos pela Justiça Federal no Pará. As informações são do STJ.

Fonteles apontou dois requisitos para justificar a federalização: a grave violação de direitos humanos e a garantia de que o Brasil cumpra com as obrigações decorrentes de pactos internacionais firmados sobre direitos humanos. Com a chegada das informações, o ministro Arnaldo Esteves Lima deve decidir se acolhe o pedido nos próximos dias.

O Ministério Público do Pará enviou um volume de quase 70 páginas com informações ao ministro. O MP paraense, após narrar passo a passo a investigação, defende a desnecessidade e a inconstitucionalidade de deslocar para a Justiça Federal a competência para apreciar a questão.

O Tribunal de Justiça do Pará também enviou informações ao STJ sobre o assassinato da missionária. Segundo o desembargador Milton Augusto de Brito Nobre, presidente do tribunal paraense, o que se pretende com é, em última análise, colocar em julgamento a atuação do estado do Pará, especialmente nos aspectos de segurança pública estadual e da atuação do Ministério Público e do Judiciário estadual.

Nobre afirma que o pedido é inconsistente e aponta incorreção nos termos da formulação da causa de pedir e do conjunto de documentos juntados. Isso, segundo ele, fica evidente da simples leitura dos documentos juntados sem qualquer critério lógico.

Para o desembargador, qualquer análise prudente e sensata dos documentos deixa claro que a única utilidade deles é provar que, segundo o próprio MPF, se tivesse havido alguma omissão, esta não seria apenas do aparelho de segurança do estado do Pará, mas sobretudo, das autoridades federais encarregadas dos problemas agrários e ambientais.

O TJ paraense entende que não há previsão legal para o processamento do Incidente — pois “não há lei editada sobre a matéria e sequer existe norma em nível regimental” — e que a norma viola o princípio do juiz e promotor naturais.

O presidente do TJ-PA considera também que não há como se falar em grave violação dos direitos humanos apesar de ser extremamente lamentável e reprovável o episódio do assassinato da irmã Dorothy. Essa expressão, afirma ele, é de um conceito indeterminado, “quer pelo uso do qualitativo grave, quer pela própria terminologia do que pode vir a ser considerado como direitos humanos, o que já impõe, para finas penais, uma interpretação restritiva, segundo o princípio da tipicidade”. A amplitude da expressão encerra “vagueza e indeterminação”.

Ele ressalta que a denúncia foi apresentada antes do prazo legal, indiciando quatro dos acusados: Clodoaldo Batista e Rayfran Sales como executores do assassinato, Amair Cunha como intermediário e Vitalmiro como mandante. Este último, o único foragido. E aponta a celeridade do processo e o fato de testemunha estar sobre proteção, com oitivas de testemunhas e de acusados marcadas, algumas já realizadas.

Apoio a Fonteles

O presidente do STJ, ministro Edson Vidigal, recebeu do presidente nacional da Comissão Pastoral da Terra, Dom Tomás Balduíno, documento conjunto da Comissão, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e de outras entidades que integram o Fórum Nacional pela Reforma Agrária com pedido para federalização do caso do assassinato da irmã Dorothy.

“Nós viemos para que esse sistema de federalização prossiga, uma vez que a impunidade é o que reina no estado do Pará”, afirmou dom Balduíno. De acordo com o presidente da Pastoral da Terra, o índice de impunidade chega a 90% dos processos instaurados no estado e em apenas cinco municípios paraenses não chega a 100% de impunidade.

Um caso que a Comissão classifica como exemplar é o da morte do advogado Gabriel Sales Pimenta, em 1982. O processo, da comarca de Marabá, foi concluído em 2002 e o julgamento marcado para maio daquele ano, mas Manoel Cardoso Neto, suposto mandante, não compareceu. Ele teve a prisão preventiva decretada, mas, 23 anos depois do crime, nunca foi detido.

Outros 24 casos são listados, alguns com várias vítimas e nenhum inquérito ou processo instaurados. Entre as mais de 700 vítimas citadas em 33 anos, aparece o “Massacre de Eldorado dos Carajás”, que envolveu, segundo a Comissão, mais de 150 policiais militares, mas restaram apenas dois comandantes condenados.

Leia a íntegra do documento

A CPT, a CNBB e as Entidades abaixo mencionadas, reiteram que são a favor da federalização dos crimes ligados aos direitos humanos e exigem que o julgamento dos envolvidos no assassinato de irmã Dorothy Stang seja na esfera federal. Ao mesmo tempo, denunciam a articulação política, envolvendo o Governo Federal e o Governo do Estado para manter o processo que apura o assassinato de Dorothy na Justiça paraense.

A luta pela federalização dos crimes contra os direitos humanos no Pará não é recente. Essa discussão faz parte da pauta dos trabalhadores rurais, principais vítimas da violência no campo paraense, e é ensejo das entidades de defesa dos direitos humanos.

A pergunta óbvia que se faz quando se discute essa temática é: quais as razões que justificam a federalização no Pará? Em primeiro lugar, pode-se dizer que o índice de violência é tão alarmante quanto os números da impunidade. Centenas de trabalhadores rurais foram vítimas da problemática agrária e mais de 90% dos casos nem chegaram a julgamento. Em apenas 5 municípios do Estado, a impunidade em relação aos crimes no campo não atinge 100%. A responsabilidade pela impunidade reinante é do Poder Judiciário paraense.

Nos últimos 33 anos foram 772 assassinatos, com a realização de apenas três julgamentos de mandantes dos crimes: o caso exemplar de Expedito Ribeiro, que o condenado, Jerônimo Alves de Amorim, cumpre, lamentavelmente, a sentença em prisão domiciliar, em sua luxuosa residência em Goiânia; o caso do julgamento dos mandantes do assassinato de João Canuto, que, apesar de condenados, fazem dois anos que respondem aos recursos em liberdade e o processo ainda continua na presidência do Tribunal; e o caso de Eldorado do Carajás onde apenas os dois comandantes da operação foram condenados, Coronel Pantoja e o Major Oliveira, e presos no quartel da Policia Militar de Belém.

Outro dado alarmante é o fato de que mesmo esses crimes onde ocorrem julgamentos, tais fatos só foram possíveis depois de longos anos de luta, pressão e denúncias das entidades de direitos humanos nacionais e internacionais. Isso mostra, claramente, a morosidade da justiça paraense, calcada em empecilhos nas comarcas do interior e da capital, onde a pressão do poder político e econômico acaba influenciando no andamento dos processos e dos julgamentos.

Outros processos exemplares que apuram assassinato de lideranças e chacinas de trabalhadores rurais continuam parados nas comarcas do interior, sem qualquer previsão dos acusados irem a júri. Exemplo: assassinato do Advogado Gabriel Pimenta em Marabá – 24 anos, chacina de 8 trabalhadores na Fazenda Ubá em São João do Araguaia – 20 anos, chacina de 5 trabalhadores na Fazenda princesa em Marabá – 19 anos, assassinato do sindicalista Braz em Rio Maria – 15 anos, assassinato do sindicalista Arnaldo Delcídio em Eldorado – 12 anos, assassinato de Onalício Barros e Valetim Serra em Parauapebas – 7 anos. Se o Tribunal de Justiça do Pará promete levar o caso Dorothy a júri em seis meses, como explica o total abandono desses outros casos exemplares? Acrescente-se ainda que no processo de Expedito Ribeiro, três juízes abandonaram o caso e se negaram a presidir o júri e, também no caso Eldorado do Carajás, todos os juízes da capital se negaram a presidir o julgamento, alegando “razão de foro íntimo”.

É preciso também considerar que, caso o processo fique sob a responsabilidade da justiça paraense, irá tramitar na comarca de Pacajá. Um pequeno município de difícil acesso, localizado à margem da Transamazônica, que sofre forte influência de madeireiros e latifundiários.

Apesar do Governo Federal, através dos Ministros Nilmário Miranda e Miguel Rosseto, ter se comprometido com os Movimentos Sociais e as entidades de direitos humanos em defender a federalização do crime que ceifou a vida da missionária e agente da CPT, Dorothy Stang, lamentavelmente, voltou atrás e se aliou ao governo do Estado, em função de acordos de interesses políticos, para que o processo fique com a justiça paraense. Novamente o Governo Federal se coloca contra os interesses dos trabalhadores, das entidades de direitos humanos e, também contraria a vontade primeira dos familiares de Dorothy Stang, manifestada pelo irmão, David Stang, em sua passagem pelo Brasil e da Congregação religiosa a que pertencia Dorothy.

A condução dos inquéritos policiais que investigam crimes no campo no Pará também deixa latente a necessidade de Federalização dos crimes ligados à posse da terra. Na maioria dos casos, os inquéritos feitos pela polícia civil são tão falhos que prejudicam os rumos do processo na justiça. No caso do assassinato de Dorothy, ocorreram alguns fatos suspeitos, que evidenciaram tal preocupação. Um deles foi a divulgação, pela polícia civil, a partir do depoimento do pistoleiro Rayfran das Neves, de que Francisco de Assis, o Chiquinho do PT, era acusado de ser mandante do crime. Uma tentativa clara de tumultuar as investigações. Outro fato foi a conclusão do inquérito sem que a investigação sobre uma possível cadeia de mandantes do crime tivesse sido concluída.

O descaso do governo paraense com a segurança pública também deixa evidente a necessidade da federalização. Irmã Dorothy Stang por várias vezes solicitou segurança para os trabalhadores e lideranças que atuavam na luta pelos PDSs e que, seguidamente, eram ameaçados de morte por pistoleiros e grileiros, e a Secretaria de Segurança do Estado não tomou nenhuma iniciativa no sentido de evitar a violência e as mortes. Se o governo não tem interesse em prevenir e coibir a violência, qual o seu interesse em julgar seriamente os casos de mortes resultantes dessas ameaças?

Belém, 3 de março de 2005.

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB Regional Norte II.

Comissão Pastoral da Terra – CPT Regional Pará

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