Ensaio fotográfico

Deborah Secco não consegue indenização em ação contra Playboy

Autor

23 de março de 2005, 15h26

A atriz Deborah Secco não conseguiu indenização de mais de R$ 280 mil em ação movida contra a revista Playboy. O juiz da 33ª Vara Cível de São Paulo, Sang Duk Kim, negou os pedidos de dano moral no valor de R$ 120 mil e multa contratual de R$ 167 mil, além de danos materiais. A atriz vai recorrer da sentença. O caso corre em segredo de justiça. A sentença foi publicada nesta quarta-feira (23/3) no Diário Oficial.

Deborah Secco alegou, na Justiça, que a revista da Editora Abril descumpriu contrato firmado para seu ensaio publicado em agosto de 2002. Ela argumentou que Playboy usou, em edição especial, número maior de fotografias que o permitido pelo contrato. Segundo a atriz, o contrato não previa a republicação de fotos em capa como aconteceu.

Ela pediu a condenação da Editora Abril ao pagamento de indenização por danos morais e materiais, pagamento de multa contratual e ainda uma diferença de remuneração pela venda da edição regular de agosto — R$ 11 mil.

A Editora Abril, representada pelos advogados Luís Arbex e Mariana Cobra, do escritório Lourival J. Santos Advogados, argumentou que a atriz interpretou equivocadamente o contrato. Segundo eles, o contrato foi cumprido integralmente. Os advogados alegaram, ainda, que não havia impedimento para a republicação de fotos na capa da edição especial.

De acordo com os advogados, a limitação sobre o número de fotografias foi respeitada. Luís Arbex e Mariana Cobra afirmaram também que os pedidos de pagamento de multa, de indenização e de diferença de remuneração são indevidos.

O juiz acatou os argumentos da Editora Abril e negou os pedidos da atriz. Na sentença, o juiz lembrou que a atriz foi “assistida por sua mãe, de livre e espontânea vontade” quando tirou as fotos e recebeu R$ 250 mil para fazer o ensaio.

O advogado da atriz — André Tostes — disse que vai recorrer da sentença ao Tribunal de Justiça de São Paulo por entender que a revista descumpriu o contrato.

Leia a sentença:

Processo 000.03.068757-8 – Indenização (ordinário) – D. F. S. – E. A. S. A. – Sentença Registrada no Livro 400, fls. 30/40, sob nº 544/05, em 18/03/05: Vistos. D. F. S. pleiteou a condenação da E. A. S/A nas perdas e danos decorrentes do descumprimento do contrato de exibição e cessão de sua imagem firmado anteriormente em que autorizou a publicação de fotografias realizadas para esse fim na revista denominada `playboy`, que edita, distribui e vende, pois não recebeu corretamente o estipulado e não obstante republicou as fotografias, inclusive com a utilização de sua capa em número superior ao permitido com o reconhecimento do direito à indenização reclamada, incluída a parcela do dano moral com o acréscimo da multa estabelecida para esse fim. Pediu, ainda, a expedição da tutela interinal para impedir a utilização de suas fotografias à revelia do convencionado.

Deferida parcialmente a antecipação da tutela, desta decisão foi interposto e provido o recurso de agravo de instrumento, sendo depois colhida a citação e apresentada a contestação em que defendeu a observância do contrato como fora avençado com a exclusão de qualquer direito em contrário, notadamente se republicara as fotografias como estava autorizada e pagou em conformidade com o estabelecido para tanto, não havendo como construir o direito às verbas pleiteadas com a extensão do dano moral, que é inaplicável à espécie (fls. 129/144). Reformuladas as pretensões com o saneamento do processo, houve recurso de agravo de instrumento contra esta decisão, provido em parte pelo v. acórdão relatado pelo eminente Desembargador Carlos Stroppa para reduzir os salários periciais em R$ 3.500,00. Realizada depois a perícia, que foi criticada e complementada, renovaram as pretensões deduzidas (fls. 241/300, 312/319, 321/346, 354/360, 365/370). E a suma do necessário.

O pedido é cumulativo e reclama, sucessivamente, a diferença que teria sido quitada incorretamente em cumprimento ao contrato celebrado e às vendas ocorridas com a revista em que foram publicadas as fotografias da autora, que é atriz, a multa contratual estabelecida pelo descumprimento ocorrido com a publicação de fotografias em contradição com o permitido, e, a final, o dano moral decorrente dos abusos cometidos com a sua perturbação psíquica.

A existência do contrato é certa para esse fim e nele foi estabelecido em sua cláusula 1.1. verbis : `Fica, desde logo, assegurado à contratante o direito de republicar, em edições futuras, mensais e/ou especiais, da revista `playboy`, nacional e internacional, fotos da reportagem mencionada no `caput` desta cláusula e de publicar outras pertencentes ao mesmo ensaio fotográfico, bem como a sua utilização no site da revista `playboy` na internet, inclusive vídeo de `making off` e fotos de divulgação nos leilões de peças de vestuário e adereços utilizados na produção do ensaio fotográfico a serem realizados nesse mesmo site`.


À sua vez, prescreve a cláusula 1.2. verbis : `A publicação e a republicação a que se refere o item anterior dizem respeito a um máximo de 4 (quatro) fotos por edição e publicadas num prazo máximo de 2 (dois)anos a contar da primeira publicação`. A autorização dada em tais condições para a inicial não incluiria a da publicação na capa que indevidamente utilizada pela revista violou o contrato além da utilizar número superior ao permitido de fotografias em proveito do direito à diferença apurada para esse fim, incluída a parcela da multa, que é devida cumulativamente, à reparação do dano moral e a diferença da parte variável recebida com as edições vendidas e omitidas para esse fim.

O âmbito cognitivo da questão controvertida tem fomento na interpretação do contrato formalizado entre as partes sob a égide do Código Civil de 1.916, por envolver negócio jurídico relativo à cessão do direito de imagem sem qualquer vinculação, direta ou indireta, à Lei 9.610, de 1.998, que é destinada à proteção do direito do autor ao relevar a obra intelectual como criação do espírito.

Com efeito, há que se determinar inicialmente como será interpretado o contrato firmado entre as partes, que tem por finalidade a exibição das fotografias da autora desnuda em revista destinada ao público masculino, com inegável apelo à sexualidade e à exploração do seu corpo em seus dotes plásticos. Para a exegese da avença firmada, dentre os diversos métodos apontados pela doutrina, prevalece o teleológico, consistente, no ramo do direito das obrigações, pela determinação da finalidade econômica buscada pelas partes. Carlos Maximiliano já defendida, em 1.924, relativamente ao tema controvertido da interpretação do contrato em geral, a preponderância desse critério exegético sobre os demais, pois se o fim inspirou o surgimento da avença, há também de servir para aclarar-lhe o seu conteúdo como resulta por injunção lógica (`Hermenêutica e Aplicação do Direito, 18a edição, 1.999, págs. 152 e 349). Por isso, não há como o intérprete da norma, no momento de conceder a tutela devida, apartar os fins objetivados e o contrato firmado. `A intenção comum, muita vez, torna-se inequívoca ao considerar-se a finalidade econômica do contrato. Esta, como motivação das deliberações volitivas, assume, na verdade, papel importantíssimo, na atividade interpretativa` (Darcy Bessone, Do Contrato – Teoria Geral, Saraiva, 1.997, São Paulo, 4a ed., pg. 174).

Aliás, não é outra a orientação do nosso ordenamento como deflui do art. 85 do Código Civil, ao dispor, verbis : `Nas declarações de vontade se atenderá mais à sua intenção que ao sentido da linguagem`. A questão que se coloca, portanto, é a seguinte : ao ser firmado o contrato e nele disciplinada a cessão do direito de imagem para ilustrar a reportagem a ser publicada na época, com a permissão de republicar as fotografias em edições futuras, mensais, especiais, nacionais ou internacionais, incluído o vídeo `making off` – traduz a gravação das principais cenas dos ensaio fotográfico -, leilões e até mesmo o endereço eletrônico da revista na rede mundial da `internet`, estava excepcionada a capa ou fora abrangida para esse fim também?

O contrato de cessão passou a prever a possibilidade de ser republicada qualquer fotografia assim obtida, desde que fosse observado o limite de dois anos e o máximo de quatro exemplares, constituindo-se daí na regra aplicável que não quis estabelecer qualquer outra restrição a respeito, direta ou indireta, palpável. É do conhecimento comum que a publicação de fotografias em tais condições no endereço eletrônico da revista, que é dirigida preponderantemente ao público masculino, onde se projeta o apelo à sexualidade com a exposição de fotografias de mulheres em poses sensuais, desnudas, desperta, por si só, amplo interesse sobre o seu conteúdo que pode ser conhecido por qualquer pessoa no mundo a qualquer hora, bastando que utilize o computador e o conecte à rede mundial da `internet`. Para a inicial a permissão não incluiria as fotografias na capa, que se constituiria em uma outra edição.

Para tanto, diz que a autorização tem como destinatárias apenas as fotografias que foram realizadas no `D. S. Especial` impedindo-se o emprego da interpretação extensiva, tanto que se nada fora disposto a respeito da capa não se poderia admitir a permissão em tais condições, especialmente se é aplicável a interpretação restritiva e a propósito fala-se em edição e não no plural como então sucederia com a supressão do seu direito à remuneração correlata. A autorização nada diz a respeito. Diz, apenas, que a republicação deveria ocorrer em dois anos da primeira publicação, não poderia exceder a quatro fotografias e deveria estar consoante o assentimento da autora que ao ceder o direito de sua imagem àquele fim pela remuneração ajustada, que recebera, renunciara, implicitamente, ao direito de excepcionar o uso que viesse a ter em tais condições, por corolário lógico.


É que, se o fim do contrato fora o uso da imagem física fixada pelas fotografias com a publicação em edições da revista, no Brasil ou no exterior, mensais ou especiais, em vídeo e até no portal da `internet` mantido pela revista, com amplo acesso a todos com se sabe, à republicação deve ser compreendido o mesmo tratamento jurídico que fora dado para tanto de maneira que, além das exceções já examinadas, nenhuma outra poderia se opor a respeito por solução de hermenêutica. Na condução de qualquer processo o juiz interpreta o Direito aplicável a cada questão que lhe é submetida para solucionar e ao examinar qualquer texto de lei ou de um contrato deve compreendê-lo sem que corrija ou substitua a própria intenção que norteou a sua criação com a finalidade de regulamentar determinada situação em particular, pois se a norma fora criada para ser aplicada no futuro deve dar interpretação consentânea com a realidade em que se pretende aplicá-la. Mário Guimarães ensina , em seu clássico, que anteriormente à prolação da sentença o juiz exercita os seus conhecimentos (`..`) de ordem geral e atua com os atributos que lhe são pessoais de perspicácia, de bom senso, de objetividade, de homem experiente`, pouco interferindo a sua condição de jurista, procedendo a investigações, como se fosse um historiador, quando (`..`) coteja documentos, compulsa datas, esmiúça indícios, examina declarações e, levanta, com base nos autos, a versão que por verdadeira`, calcando nela a sua sentença.

A prova recai sobre os fatos controvertidos com a exclusão da dúvida sobre aqueles que permaneceram intangíveis, ou seja, todos aqueles que, diretamente ou não, expressamente ou não, forem reconhecidos como verdadeiros por uma das partes com a observância de determinado comportamento e o aparecimento da presunção natural, pois se o normal se presume e o extraordinário comprova-se como ensina Malatesta, dando-se aí precisamente as máximas da experiência comum e até certas normas de interpretação, a autorização dada à época confirma que não se pretendia restringir a capa de outra edição, se fosse o caso, havendo, pelo revés, a sua permissão também para esse fim desde que ocorrida em dois anos da primeira publicação e fosse observada a limitação de quatro fotografias. Para a mesma razão que ensejou a autorização da publicação deve prevalecer o mesmo direito – `ubi eadem causa, ibi idem jus statuendum`.

Ora, se não seria compreendida como exceção à republicação em outra edição, nacional ou internacional, em vídeos `making off`, ou com a sua fixação no endereço eletrônico na rede mundial da `internet`, não seria possível compreensível assimilar o inverso senão excepcionando em circunstâncias diversas daquelas que, a seu juízo, a autora entendera compatível com a remuneração recebida à época. O direito de imagem é expressão da personalidade e confere ao seu titular o direito de utilizá-la como lhe aprouver e o de cedê-la quando entender conveniente, sob as condições que vier a estipular.

O seu titular tem o direito publicá-la, vedá-la, cedê-la e nesse caso a de limitar ou não o acesso e os meios de difusão que serão utilizados para esse fim. Assim, se como titular do direito personalíssimo de sua imagem, que fora reproduzida nas fotografias realizadas na ocasião em cumprimento ao contrato avençado para esse fim, assistida por sua mãe, de livre e espontânea vontade, cedeu o seu uso pela quantia de R$ 250.000,00 acrescida da parte variável por edições publicadas acima do limite estabelecido para esse fim – como está disciplinado pela cláusula 4ª, letras `a` e `b` -, em remuneração tanto da publicação das fotografias como as que viessem a ser objeto de republicações na forma estabelecida, não se mantém o direito às diferenças reclamadas.

Com o afastamento do direito pela republicação ocorrida na capa da revista, que está em consonância com o permitido, fica prejudicado o segundo pedido, relativo à apuração da diferença pela parte variável que seria exigível em decorrência, e, por injunção lógica, também o dano moral, que se impõe apenas quando houver o ato ilícito perturbando as relações psíquicas daquele que é lesado e que, por isso mesmo, não poderia ser compreendido como ocorrido à revelia de qualquer razão, independente de se perquirir os motivos dados como determinantes.

Posto isto, rejeito a demanda a promovida por D. F. S. em face de E. A. S/A condenando-a no reembolso das despesas, custas e honorários de advogado que fixo por eqüidade em R$ 6.000,00 (art. 20, §4º, do Código de Processo Civil), atualizados pela tabela prática do Egrégio Tribunal de Justiça dos desembolsos e desta sentença, respectivamente. PRI. – Preparo R$ 6.540,80 – Porte de Remessa R$ 53,34. – ADV: SÉRGIO TOSTES, OAB 14.954/RJ; JORGE LUIZ MACHADO, OAB 39.131/RJ; LUÍS FERNANDO ARBEX, OAB 156.655; LOURIVAL JOSÉ DOS SANTOS, OAB 033.507/SP.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!