Fora do cargo

Justiça anula nomeação de conselheiro do TCE de Rondônia

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22 de março de 2005, 10h45

A Justiça anulou a nomeação do ex-deputado Natanael José da Silva para o cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia. O juiz Glodner Luiz Pauletto, da Segunda Vara da Fazenda Pública da Comarca de Porto Velho, acatou o argumento de que ele não possui os requisitos constitucionais exigidos para exercer o cargo. Ainda cabe recurso da decisão tomada em Ação Popular ajuizada pela senadora Fátima Cleide (PT) e outros. Ainda cabe recurso.

Os autores da ação alegaram que a Assembléia Legislativa de Rondônia não observou os requisitos previstos nas Constituições Federal e Estadual como “idoneidade moral, reputação ilibada e notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública e mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional” para indicá-lo. Ação também foi proposta contra deputados, que participaram da votação da indicação, e contra a vice-governadora do estado, Odaísa Fernandes, que no exercício do cargo, o nomeou. Segundo os autores da ação, ele foi nomeado sem ter curso superior. Também foi afastado do Banco do Estado de Rondônia por malversação de recursos.

Natanael José da Silva contestou. Alegou que tem os requisitos constitucionais necessários para a indicação e a nomeação ao cargo de conselheiro. Também sustentou que “o ato da Assembléia Legislativa é interna corporis, não se submetendo ao controle do Poder Judiciário”.

O Ministério Público opinou pela procedência da ação por entender que ele não preenche os requisitos constitucionais mencionados para a nomeação.

Leia a determinação:

Vistos.

FÁTIMA CLEIDE RODRIGUES DA SILVA E OUTROS propuseram AÇÃO POPULAR em face de NATANAEL JOSÉ DA SILVA E OUTROS, em razão da nomeação daquele para Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado.

Em suma, aludem que a Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia, ao indicar o réu Natanael José da Silva para o cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, não observou o fato de ele não preencher os requisitos previstos nas Constituições Federal e Estadual, de idoneidade moral, reputação ilibada e notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública e mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional que exija os conhecimentos mencionados.

A ação foi proposta contra a Assembléia Legislativa Estadual por ter realizado a indicação contra os Deputados Estaduais nominados na inicial, por terem participado da votação que culminou com a indicação do Poder Legislativo contra o próprio indicado e contra Odaísa Fernandes, Vice Governadora, que, no exercício do cargo de Governadora do Estado, assinou o ato de nomeação de Natanael José da Silva para o cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado.

Com a inicial vieram inúmeros documentos que foram autuados em autos apartados e apensados.

Recebida a inicial, o Estado de Rondônia foi citado na condição de litisconsorte necessário, tendo ele assumido a posição de defesa do ato administrativo de nomeação do réu Natanael José da Silva, sustentando ser incabível a ação popular por ausência de prejuízo e lesividade ao erário público.

A requerida Odaísa Fernandes apresentou contestação sustentando preliminar de ilegitimidade de parte passiva e no mérito, argumenta que não lhe cabia analisar a indicação do requerido Natanael José da Silva pela Assembléia Legislativa do Estado ao cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia, por ser o ato de indicação, caracterizado como interna corporis.

A Assembléia Legislativa sustenta ter legitimidade para defender ato de sua competência, requerendo, ao final, a extinção do processo com fundamento no art. 53 da CF, por entender que os parlamentares são invioláveis por suas opiniões e votos.

O requerido Natanael José da Silva ofertou contestação na qual alegou que possui os requisitos constitucionais necessários para merecer a indicação e nomeação ao cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, conforme entendido em precedente do Tribunal de Justiça local, ao julgar recurso em ação popular no qual se discutiu a indicação do Conselheiro José Euler Potyguara Pereira de Melo para idêntico cargo. Sustenta, ainda, que o ato da Assembléia Legislativa é interna corporis, não se submetendo ao controle do Poder Judiciário.

Os deputados estaduais requeridos sustentaram, em idênticas peças de contestação, o fato de que a Assembléia Legislativa do Estado possui competência para efetuar a indicação ao cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia, e que, em razão do art. 53 da CF, têm imunidade de voto.

Os autores impugnaram as contestações rebatendo as preliminares e, no mérito, sustentam que, mesmo sendo interna corporis, o ato de indicação do Poder Legislativo local, por ser ilegal, sujeita se ao controle do Poder Judiciário.


O Ministério Público, na qualidade de custos legis, sustenta a improcedência das preliminares apresentadas nas contestações dos requeridos e, no mérito entende pela procedência da ação visto que o requerido Natanael José da Silva não preenche os requisitos constitucionais já mencionados para a nomeação ao cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado. Entende que também não houve retificação no ato pelo qual o Governador do Estado, Ivo Cassol, deixou de nomear o requerido Natanael para o cargo de Conselheiro.

Entende ainda que o ato de indicação da Assembléia Legislativa do requerido Natanael para o cargo de Conselheiro do Tribunal de Consta do Estado não é interna corporis, caracterizando se como ato “regrado/vinculado”, sujeitando se ao controle do Poder Judiciário.

Por fim, entende que, no caso de procedência da pretensão, não deve haver devolução de vencimento por parte do requerido Natanael, requerendo o julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 330, I, do CPC, e a concessão de tutela antecipada para evitar a incidência de efeito suspensivo a eventual recurso interposto, nos termos do art. 520, IV, e art. 273 do CPC.

Verifica se do processo que às fls. 97/109 foi atendido o pedido de concessão de liminar para suspender os efeitos do Decreto n. 1052, de 16 de maio de 2003, que nomeou como Conselheiro do Tribunal de Contas o requerido Natanael José da Silva. Esta decisão foi suspensa por determinação do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia.

É o relatório. Decido.

Assiste razão ao Ministério Público no que tange à antecipação do julgamento, pois a questão posta à apreciação ao Poder Judiciário envolve unicamente matéria de direito, motivo pelo qual passo ao exame das pretensões deduzidas pelas partes.

Os deputados contestantes requerem a extinção do processo com relação a eles, baseados no art. 267, VI, do CPC, sob o argumento de que possuem “imunidade material” no exercício da atividade parlamentar, conforme preceitua o art. 53 da CF, requerendo suas exclusões do pólo passivo desta ação, com o que concordou o Ministério Público.

Com razão os deputados requeridos e o Ministério Público.

A Emenda Constitucional n. 35/2001 com a redação dada ao art. 53 no sentido de que “Os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”, deu uma amplitude maior do que o texto anterior, conferindo aos parlamentares imunidade material irrestrita quando estes estão praticando atos legislativos típicos ou atípicos.

ALEXANDRE DE MORAES, em seu Direito Constitucional, ed. Atlas, 2002, às págs. 400 e seguintes, comentando sobre a imunidade parlamentar, acentua que […] “a imunidade material implica subtração da responsabilidade penal, civil, disciplinar ou política do parlamentar, por suas opiniões, palavras e votos” […]. Independentemente da posição adotada, em relação à natureza jurídica da imunidade, importa ressaltar que da conduta do parlamentar (opiniões, palavras e votos) não resultará responsabilidade criminal, qualquer responsabilização por perdas e danos, nenhuma sanção disciplinar, ficando a atividade do congressista, inclusive, resguardada da responsabilidade política, pois trata-se de cláusula de irresponsabilidade geral de Direito Constitucional material. […] Em síntese, a imunidade material é prerrogativa concedida aos parlamentares para o exercício de sua atividade com a mais ampla liberdade de manifestação, por meio de palavras, discussão, debate e voto; tratando se, pois, a imunidade, de cláusula de irresponsabilidade funcional do congressista, que não pode ser processado judicial ou disciplinarmente pelos votos que emitiu ou pelas palavras que pronunciou no Parlamento ou em uma de suas comissões”. (destaquei.)

A doutrina e a jurisprudência citadas nos autos em sentido contrário da aqui esposada são anteriores à EC n. 35/2001, e, portanto, superada.

Diante de tais fatos, e com fundamento no art. 267, VI, do CPC, excluo os deputados requeridos, José Carlos de Oliveira, Francisco Ferreira da Silva, João Ricardo Gerolomo de Mendonça, Ellen Ruth Catanhede Sales Rosa, Amarildo Almeida, Daniel Nery, Francisco Izidro, Haroldo Santos, Ronilton Reis, Edson Gazoni, “João da Muleta”, “Maurão de Carvalho”, Leudo Buriti e José Emílio Mancuso, por entender que são partes ilegítimas para figurarem no pólo passivo desta ação em face da imunidade material estampada no art. 53 da CF, aplicável aos deputados estaduais em razão do princípio da simetria.

O mesmo raciocínio não pode ser aplicável à Assembléia Legislativa, visto que a imunidade conferida pelo art. 53 da CF é dirigida de forma específica ao parlamentar, não sendo extensiva à pessoa jurídica do Poder Legislativo, que pode ter seus atos administrativos questionados no Poder Judiciário.


Assim, e por conseqüência, as impugnações ao valor da causa formuladas por Francisco Carvalho da Silva, João Ricardo Gerolomo de Mendonça, Daniel Néri de Oliveira e Ellen Ruth Cantanhede Sales Rosa ficam sem objeto.

Ainda em sede de análise da ilegitimidade de parte passiva, alega a requerida e Vice Governadora, Odaísa Fernandes, ser parte ilegítima porque respeitou a autonomia do Poder Legislativo ao efetuar a nomeação do requerido Natanael José da Silva, ao cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado. Esta alegação está ligada ao mérito da pretensão deduzida pelas demais partes que entendem os autores ser possível o controle judicial do ato impugnado e os demais réus que entendem ser inviável este controle. Por este motivo, esta preliminar não deve, por ora, ser apreciada.

A Assembléia Legislativa coloca para apreciação judicial sua condição de parte legítima para figurar no pólo passivo na defesa de seus atos, o que é correto, até como conclusão lógica da exclusão de seus membros, considerados partes ilegítimas para o pólo passivo desta ação.

Por fim, os autores alegam que as contestações apresentadas pelos requeridos Natanael José da Silva, Francisco Carvalho da Silva e o Estado de Rondônia são intempestivas, porquanto entendem que o prazo para a apresentação da contestação terminaria em 15 de junho de 2004, visto que a última juntada de mandado de citação ocorreu em 26 de maio de 2004. Contra argumenta o requerido Natanael José da Silva no sentido de que o prazo para contestação deve ser contado em dobro, em razão da existência de múltiplos requeridos com diferentes advogados.

A questão não oferece grande dificuldade para ser resolvida. Ainda que se entendesse pela aplicação do prazo singelo de vinte dias previstos no art. 7º, IV da Lei 4.717/65, como prazo comum a todos os requeridos, o caso que ora se aprecia revela a existência de litisconsorte unitário e necessário, pois a decisão que beneficiar ou prejudicar um dos requeridos, irá atingir a todos, motivo pelo qual se rejeita a preliminar.

Analisadas as questões preliminares, passo à verificação da matéria de mérito.

As alegações contidas nas contestações e na manifestação ministerial versam sobre três possibilidades: (1) Do ato da Assembléia Legislativa de indicação do requerido Natanael José da Silva não poder ser analisado pelo Poder Judiciário, por ser ato interna corporis ou por ser ato abrangido pela imunidade contida no art. 53 da CF; (2) O fato de o Governador do Estado não poder recusar a indicação da Assembléia Legislativa por lhe faltar capacidade jurídica para tanto; (3) O acerto ou desacerto sobre o ato da requerida Odaísa Fernandes, Vice governadora, que na qualidade de Governadora em exercício, nomeou o réu Natanael José da Silva para o cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado sem desconstituir os motivos constantes do ato do Governador do Estado, que à época recusou a indicação da Assembléia Estadual. Por último, acrescente se que o Estado de Rondônia, assumindo a defesa do ato da Vice Governadora, alega ausência de lesividade do ato praticado por ela.

Para iniciar a discussão, é necessário conceituar o tipo de ato praticado inicialmente pela Assembléia Legislativa, consistente na indicação do réu Natanael ao cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, ato este que para se aperfeiçoar, exige a participação do Governador do Estado.

Não resta dúvida de que o ato de indicação é ato tipicamente administrativo. No caso dos autos, todos concordam que o ato de indicação pela Assembléia Legislativa de pessoa que irá ocupar o cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas é ato administrativo atípico (ou seja, não é lei) e complexo, pois necessita da participação de pessoa estranha ao Poder Legislativo, no caso, Chefe do Poder Executivo, para se aperfeiçoar. Com esta conclusão, além das partes, a doutrina e a jurisprudência colocam se de acordo.

A questão é: refoge o ato de indicação da Assembléia Legislativa ao controle do Poder Judiciário? A resposta é negativa.

MANUEL DE OLIVEIRA FRANCO SOBRINHO, no seu “Atos Administrativos”, Saraiva, 1980, às págs. 316/317, analisando os ato interna corporis de conteúdo administrativo e distinguindo estes dos atos legislativos típicos, ou seja, edição de lei, conclui que os atos interna corporis não escapam do controle cautelar e corretivo exercitado pelo Poder Judiciário toda vez que eles ferirem normas de comportamento traçadas pela Constituição aos Poderes de Estado.

Por seu turno, DERLY BARRETO E SILVA FILHO, no “Controle dos Atos Parlamentares pelo Poder Judiciário”, Malheiros, 2003, às págs. 91/92, analisando a possibilidade de controle dos atos interna corporis pelo Poder Judiciário, assim se manifesta: “[…] O fato de os atos interna corporis serem da exclusiva apreciação e deliberação parlamentar, não afasta segundo Hely Lopes Meirelles o controle do Poder Judiciário. Diz ele: “O que a Justiça não pode é substituir a deliberação da Câmara por um pronunciamento judicial sobre o que é da exclusiva competência discricionária do Plenário, da Mesa ou da Presidência. Mas pode confrontar sempre o ato praticado com as prescrições constitucionais, legais ou regimentais que estabeleçam condições, forma ou rito para o seu cometimento”.


Outro não foi o entendimento do STF que admitiu para análise do Poder Judiciário a Ação Originária n. 476 4/RR, cujo conteúdo concluiu no sentido de que o Poder Judiciário pode examinar ato de outro Poder que seja de conteúdo objetivo e possa causar lesividade à ordem constitucional. Saliente se que esse julgamento tratou da nomeação de Conselheiro para o Tribunal de Contas daquele Estado.

Este julgado do STF esclarece a matéria dizendo que, na edição do ato administrativo de indicação de Conselheiro do Tribunal de Contas duas espécies de requisitos devem ser observadas: os requisitos de ordem objetiva e os requisitos de ordem subjetiva.

O julgado do STF, no caso da indicação do Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Roraima, analisou a hipótese da inobservância do requisito de ordem subjetiva, previsto no art. 73, § 1º, III da CF, ou seja, notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública. O voto condutor do referido julgado concluiu que a qualificação profissional formal não é requisito à nomeação de Conselheiro de Tribunal do Contas Estadual, e o requisito do notório saber jurídico é pressuposto subjetivo a ser analisado pelo Poder indicante a seu juízo discricionário.

Com este posicionamento, concordamos plenamente, motivo pelo qual são improcedentes as alegações dos autores no que se referem à ausência de qualificação profissional do réu Natanael José da Silva e ao fato de não possuir notório saber, como requisitos previstos no inc. III, § 1º, do art. 73 da CF, pois a verificação desses requisitos subjetivos, no caso, é de competência exclusiva do Poder Legislativo.

Portanto, cabe ao Poder Judiciário examinar tão só se foram observados os requisitos de ordem objetiva, quais sejam, (a) mais de trinta e cinco anos e menos de sessenta e cinco anos de idade; (b) e os referentes a idoneidade moral e à reputação ilibada; (c) mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional que exija os conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública, previstos nos incisos I, II e IV do § 1º do art. 73 da CF, aplicável à situação estadual.

O requisito relativo ao inc. I do § 1º do art. 73 não é questionado nos autos, enquanto o previsto no inciso IV, apesar de questionado pelos autores, restou improcedente, em face da documentação acostada às fls. 92, 117/122, 167, 534/535, donde se verifica que o requerido Natanael cumpre o requisito objetivo de ter mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional que exija os conhecimentos mencionados no inc. III do § 1º do art. 73 da CF.

Resta analisar o ponto central do processo de indicação do requerido Natanael José da Silva para o cargo de Conselheiro do Tribunal de Constas do Estado, ou seja, o requisito previsto no inc. II do § 1º do art. 73 da CF, aplicável à situação estadual: idoneidade moral e reputação ilibada.

A sindicabilidade objetiva do conceito de idoneidade moral e reputação ilibada deflui do conceito que a doutrina empresta a tais termos. JOSÉ CRETELA JÚNIOR, citado pelo Ministério Público à pág. 577, em seus Comentários à Constituição de 1988, vol. 5, assegura que “idoneidade moral é o atributo da pessoa que, no agir, não ofende os princípios éticos vigentes em dado lugar e época. É a qualidade da pessoa íntegra, imaculada, sem mancha, incorrupta, pura”. Para De Plácido e Silva, em seu Vocabulário Jurídico, vol. II, 12ª edição, Forense, idoneidade e boa reputação são termos que se completam e idoneidade moral “é a que se gera da honestidade ou dos modos de ação das pessoas no meio em que vivem, em virtude do que é apontada como pessoa de bem”.

Tais conceitos não se confundem com a exigência de trânsito em julgado de sentenças para a finalidade de se considerar uma pessoa primária ou reincidente.

No campo do direito penal a questão objetiva do reconhecimento de reputação ilibada e idoneidade moral é comparável aos antecedestes de um réu, para efeito do cálculo de dosimetria da pena, sendo certo afirmar que o STF considera suficiente para a caracterização de maus antecedentes a existência de distribuição criminal contra o réu ou inquéritos policiais em andamento em que se investigam condutas, em tese, ilícitas.

Ora, se tal compreensão do STF é utilizada como critério objetivo para agravar a pena de acusados em processos crimes, da mesma forma deve ser utilizada para se avaliar os requisitos previstos no inc. II do § 1º do art. 73 da CF, pouco importando, neste passo, se contra a pessoa indicada para ocupar o cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas existem sentenças transitadas em julgado.

Não se pode conceber a idéia de que o requisito previsto no art. 73, § 1º, inc. II, da CF seja de avaliação subjetiva, já que a pessoa merecedora da indicação irá cuidar do dinheiro e da contas públicas, revestindo se das mesmas garantias da magistratura, e, portanto, o indicado deve gozar dos mesmos predicados que se exigem de um magistrado, até porque, em determinadas situações, a Corte de Contas exara verdadeiros julgamentos das atividades administrativas.


O que deve ser verificado a partir de agora é se a conduta de vida do réu Natanael José da Silva, até o momento de sua indicação pela Assembléia Legislativa do Estado, atende aos requisitos de reputação ilibada e de idoneidade moral, previstos no art. 73, § 1º, inc. II, da CF.

Para corroborar a possibilidade de sindicabilidade objetiva dos requisitos de reputação ilibada e de idoneidade moral, traçada em paralelo com a posição do STF e adotada pelo STJ, trazem se à colação os seguintes julgados:

A Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que mantivera o aumento da pena do paciente em dois meses, devido ao reconhecimento de maus antecedentes, em razão da existência de vários inquéritos policiais em curso, nos quais indiciado o paciente. Considerou se que os maus antecedentes não resultam exclusivamente de decisões judiciais com trânsito em julgado, mas também das situações da vida pregressa do réu que, pela reiteração e desígnios, autorizem o magistrado a aumentar a pena imposta, sendo que, no caso concreto, o paciente possuía diversificada folha criminal, com inúmeros inquéritos em curso, na ocasião da prolação da sentença condenatória. Vencido o Min. Celso de Mello que concedia o habeas corpus para excluir da condenação o acréscimo relativo ao reconhecimento dos maus antecedentes, por entender que não podem ser considerados como elementos caracterizadores de maus antecedentes a existência de inquéritos policiais em curso contra o paciente. Precedentes citados: RE 211.207 SP (DJU de 6.3.98), HC 77.049 RS (DJU de 9.6.98) e HC 80.630 PB (DJU de 6.3.2001). HC 81.759 SP, rel. Min. Maurício Corrêa, 26.3.2002.

A consideração da reincidência como circunstância que sempre agrava a pena (CP, art. 61) não conflita com o princípio ne bis in idem. Por outro lado, a presunção de não culpabilidade (CF, art. 5º, LVII) não impede que se tome como prova de maus antecedentes do acusado a pendência contra ele de inquéritos policiais e ações penais sem conde nação transitada em julgado. Precedentes citados: HC 70871 RJ (DJ de 25.11.94); HC 72370 SP (DJ de 30.06.95). HC 73.394 SP, rel. Min. Moreira Alves, 19.03.96.

É elemento caracterizador de maus antecedentes o fato de o réu responder a diversos inquéritos policiais e ações penais sem trânsito em julgado, justificando se, assim, a exacerbação da pena base (CP, art. 59). HC 73.297 SP, rel. Min., Maurício Corrêa, 06.02.96.

PENAL. PROCESSUAL. TÒXICOS. RÉU QUE RESPONDEU SOLTO AO PROCESSO. DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE. CPP, ART. 594.

1. O REU PRIMÁRIO E DE BONS ANTECEDENTES, QUE RESPONDEU SOLTO A TODO O PROCESSO, TEM O DIREITO DE AGUARDAR SOLTO O RESULTADO DO JULGAMENTO DA APELAÇÃO.

2. PRIMARIEDADE NÃO SE CONFUNDE COM BONS ANTECEDENTES. O RÉU E PRIMÁRIO SE NÃO TEVE CONDENAÇÃO CRIMINAL ANTERIOR. TEM BONS ANTECEDENTES SE OSTENTA VIDA PREGRESSA LIMPA, BOM CONCEITO SOCIAL, REPUTAÇÃO ILIBADA, NENHUM ENVOLVIMENTO COM O CRIME.

3. RECURSO CONHECIDO, MAS IMPROVIDO.

(RHC 4965 / SP, Ministro EDSON VIDIGAL, DJ 18.03.1996 P. 7586, RT vol. 731 P. 534)

Analisando a jurisprudência majoritária da Suprema Corte, verifica se que se avaliou de forma objetiva a existência de antecedentes criminais sem o trânsito em julgado para determinar a reputação ilibada de pessoas.

Outro não foi o entendimento do STJ, ao afirmar que primariedade não se confunde com bons antecedentes, alertando que tem bons antecedentes quem ostenta vida pregressa limpa, com bom conceito social.

Portanto, a conclusão a que se chega é que processos em andamento, investigações criminais e antecedentes judiciais não se confundem com condenações com trânsito em julgado, enquanto estas servem para determinar a reincidência, aquelas são utilizadas para determinar a reputação ilibada ou não de determinadas pessoas.

Devemos verificar agora se dos autos constam informações que possam levar à conclusão de que o réu Natanael José da Silva possui ou não reputação ilibada e idoneidade moral.

Da inicial transcreve se a relação de procedimentos investigatórios, criminal ou cível, que permeiam a vida do requerido Natanael José da Silva.

Lê se o seguinte:

“[…]

a)foi denunciado pelo Ministério Público Estadual perante o Tribunal de Justiça do Estado (Proc. 03.000279 6 Pleno) por peculato em razão de desvio de dinheiro da Assembléia Legislativa, quando ocupava a Presidência dessa Casa; a mesma denúncia imputa lhe também os crimes de coação no curso do processo e supressão de documentos públicos;

b)Responde perante o Tribunal de Justiça do Estado a ação penal nº 99.000282 9 por crimes contra a ordem tributária deste Estado. Nessa ação já foram condenados outros co réus (sócios da empresa envolvida na sonegação fiscal), não havendo ainda decisão quanto ao último sócio (o ora indicado ao cargo), pois então suspenso o processo em razão da não autorização legislativa decorrente de sua imunidade parlamentar;


c)Respondeu a ação penal nº 1.459/86 1ª Vara Criminal da Comarca de Guajará Mirim (RO), acusado de estelionato por desvio fraudulento de valores sob sua guarda quando ocupava o cargo de Gerente da agência do Banco do Estado de Rondônia, empresa estatal, fato ocorrido em janeiro/1986;

d)Respondeu a ação penal nº 2.833/88 1ª Vara Criminal da Comarca de Guajará Mirim, acusado de estelionato por desvio fraudulento de valores sob sua guarda quando ocupava o cargo de Gerente da agência do Banco do Estado de Rondônia, empresa estatal, fato ocorrido em abril/1986;

e)Respondeu ação penal nº 1.460/86 1ª Vara Criminal da Comarca de Guajará Mirim, acusado de estelionato por desvio fraudulento de valores sob sua guarda quando ocupava o cargo de Gerente da agência do Banco do Estado de Rondônia, empresa estatal, fato ocorrido em dezembro/1985;

f)Pelos estelionatos acima foi demitido com justa causa do Banco do Estado de Rondônia;

g)Está sob investigação no Inquérito Civil Público nº 2002.0060000596, instaurado pelo Ministério Público do Estado, que apura a notícia de, como então Presidente da Assembléia Legislativa, haver desviado valores do Poder Legislativo em benefício de jornal eletrônico particular;

h)Respondeu a ação penal nº 3336/89 Vara Criminal de Guajará Mirim, pelo crime de lesão corporal ( art. 129 Cod. Penal ), fato ocorrido em fevereiro de 1989;

i)Foi denunciado em 17.06.1988 pelo Ministério Público Federal de Rondônia, acusado dos crimes de desacato e constrangimento ilegal contra funcionário público federal ( Fiscais do Trabalho) que a serviço fiscalizavam sua empresa;

j)Responde a ação penal nº 1998.41.00.002400 0 1ª Vara da Justiça Federal, por sonegação fiscal. Essa ação atualmente tramita no Tribunal Regional Federal 1ª Região sob o nº 1999.01.00.087282 2, em razão de gozo, pelo denunciado, de foro especial;

k)Responde a ação penal nº 2000.32.00.002871 0 1ª Vara da Justiça Federal do Amazonas. Essa ação atualmente tramita no Tribunal Regional Federal 1ª Região sob o nº 1999.01.00099436 8, em razão de gozo, pelo denunciado, de foro especial;

l)Responde a ação civil pública nº 03.000285 0 por ato de improbidade administrativa, acusado de enriquecimento ilícito por, enquanto Presidente do Poder Legislativo do nosso Estado, desviar valores de seus cofres;

m)Responde a inquérito policial nº 011.96.000046 5 na 3ª Vara Criminal de Manaus, por lesão corporal;

n)Está sob investigação no procedimento nº 2002.41.00004507 1, 3ª Vara da Justiça Federal/RO, que apura o possível crime de desacato contra Oficial de Justiça da Justiça do Trabalho;

o)Sua empresa DISMAR — DISTRIBUIDORA DE BEBIDAS SÃO MIGUEL ARCANJO LTDA. responde às seguintes ações fiscais perante a Vara de Execução Fiscal de Porto Velho, movidas pelo Estado de Rondônia, para cobrança do débito total de R$ 11.121.704,66, em vias de ser requerida a despersonalização da pessoa jurídica para acionamento do sócio NATANAEL JOSÉ DA SILVA:

1) proc. 001.2000.003582-4;

2) proc. 001.2000.012678-1;

3) proc. 001.1996.015.255-6;

4) proc. 001.1997.004713-5;

5) proc. 001.2000.003349-0;

6) proc. 001.2002.005072-0;

7) proc. 001.1994.008414-8;

p)Responde na Justiça Federal do Estado de Rondônia e Amazonas às seguintes execuções fiscais por débitos previdenciários, promovidas pelo INSS:

1) proc. 2002.41.00.004419-0 3ª Vara /RO;

2) proc. 1999.41.00.000067-9 2ª Vara /RO;

3) proc. 1998.41.00.002380-2 1ª Vara /RO;

4) proc. 1998.42.00.002654-0 3ª Vara /RO;

5) proc. 1997.32.00.001891-0 5ª Vara /AM;

6) proc. 1998.32.00.001284-1 5ª Vara /AM;

q)Responde na 1ª Vara da Justiça Federal de Rondônia ao Processo de Execução nº 2002.41.00.002512 4, promovido pela Caixa Econômica Federal;

r)Responde a várias ações civis propostas por pessoas físicas e jurídicas nas Comarcas de Guajará Mirim (RO), Porto Velho (RO) e Manaus (AM);”

Esclareça se que a relação acima transcrita se encontra documentada nos autos.

É certo que não existe nenhuma condenação com trânsito em julgado contra o requerido Natanael José da Silva, porém, não se pode afirmar que ele é possuidor de bons antecedentes diante do que conceituou como de “bons antecedentes” o STF e o STJ.

Em passo contínuo, deve examinar se se tais antecedentes deveriam ser considerados pela Assembléia Legislativa para promover a indicação do requerido Natanael José da Silva ao cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, e se em caso positivo, tais antecedentes não violam o princípio constitucional da moralidade e preenchem os requisitos exigidos pela Constituição Federal em seu art. 73, § 1º e inc. II, e art. 48, § 1º, inc. II, da Constituição Estadual.


Ao administrador não é dado dispensar a análise de requisitos constitucionais. Portanto, era de análise obrigatória da Assembléia Legislativa a existência ou não de antecedentes criminais ou cíveis para a avaliação da reputação ilibada e idoneidade moral do requerido Natanael José da Silva.

Diante da certeza da existência de tais antecedentes cíveis e criminais, o que se pergunta é se eles ofendem a moralidade constitucional, como requisito exigido para a indicação do requerido Natanael José da Silva ao cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado.

Mister se faz conceituar moralidade administrativa.

Para JOSÉ AFONSO DA SILVA, no seu “Curso de Direito Constitucional Positivo”, 19ª edição, Malheiros, § 652, “a moralidade é definida como um dos princípios da administração pública (art. 37). Já discutimos o tema quando tratamos da ação popular, e vimos que a Constituição quer que a imoralidade administrativa em si seja fundamento de nulidade do ato viciado. A idéia subjacente ao princípio é a de que a moralidade administrativa não é moralidade comum, mas moralidade jurídica. […] Pode se pensar na dificuldade de se desfazer um ato, produzido conforme a lei, sob o fundamento de vício de imoralidade. Mas isso é possível porque a moralidade administrativa não é meramente subjetiva, porque não é puramente formal, porque tem conteúdo jurídico a partir da regras e princípios da administração. A lei pode ser cumprida moral ou imoralmente”.

Por seu turno, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, no “Curso de Direito Administrativo”, 14ª edição, Malheiros, p.101, conceituando o princípio da moralidade administrativa “de acordo com ele, a Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá los, implicará violação ao próprio Direito, configurando ilicitude que a sujeita a conduta viciado a invalidação, porquanto tal princípio assumiu foros de pauta jurídica na conformidade do art. 37 da Constituição. […] Além disso, o princípio da moralidade administrativa acha se, ainda, eficientemente protegido no art. 5º, inc. LXXIII, que prevê o cabimento de ação popular para a anulação de “ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente, etc.”

Diante de tais conceituações, conclui se que não era lícito à Assembléia Legislativa desconsiderar a longa lista de antecedentes criminais e cíveis do requerido Natanael José da Silva para indicá lo ao cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado.

Não é aceitável no senso ético comum, e muito menos no senso ético constitucional administrativo, que pessoa que tenha tais antecedentes possa integrar a Corte de Contas e atuar no desempenho de funções tão relevantes, como a de conselheiro daquele Tribunal.

O que se indaga ainda é que: alguém que tenha processos criminais em andamento, inquéritos policiais em andamento, contas prestadas como administrador público questionadas, seria admitido ao quadro da Magistratura de 1º grau, dos Tribunais Estaduais ou das Cortes Superiores de Justiça. Efetivamente a resposta negativa se impõe.

O fundamento que ora é acolhido, por si só, justificaria a procedência da pretensão inicial, entretanto outros fundamentos justificam a mesma conclusão e, portanto, devem ser analisados, visto que fazem parte dos autos.

Analise se, na seqüência, a segunda questão posta inicialmente na verificação do mérito deste processo, qual seja, pode o Governador do Estado recusar a indicação da Assembléia Legislativa de pessoa para ocupar o cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas.

No primeiro plano identifica se que o processo de indicação de conselheiro ao Tribunal de Contas é ato administrativo complexo, pois depende do concurso de vontade de mais de um órgão para adquirir a perfeição e, por conseguinte, validade e eficácia jurídica.

No caso em exame o Governador do Estado, Ivo Cassol, ao receber a indicação realizada pela Assembléia Legislativa do requerido Natanael José da Silva para o cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas, em despacho fundamentado, datado de 28 de fevereiro de 2003, e publicado no Diário Oficial no dia 6 de março do mesmo ano (despacho transcrito na íntegra às fls. 9/16 da inicial), recusou a indicação do requerido.

Nas longas considerações contidas no despacho de recusa, o Governador Ivo Cassol conclui que o indicado não preenche os requisitos atinentes à reputação ilibada e à idoneidade moral, levando em consideração a sua longa lista de antecedentes cíveis e criminais.

Pelo princípio da razoabilidade, conjugado com o princípio da legalidade a que todos os administradores estão sujeitos, não seria crível admitir que o Governador praticasse ato de improbidade administrativa ao nomear pessoa que não preenche os requisitos objetivos estipulados pelo art. 73, § 1º, inc. II, da CF e art. 48, § 1º, inc. II, da CE.


MARCELO FIGUEIREDO, no seu livro “Controle da moralidade na Constituição”, Malheiros, 1999, às págs. 43/46, após analisar caso semelhante, conclui no sentido de que é lícito, nos atos complexos, permitir que uma das partes envolvidas na sua elaboração analise a presença dos requisitos extrínsecos e intrínsecos do ato administrativo.

A nosso ver, o Governador Ivo Cassol não foi revisor do ato da Assembléia Legislativa, que indicou o requerido Natanael José da Silva ao cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas, tendo apenas emitido juízo de valor a respeito de critérios objetivos relacionados com os requisitos da idoneidade e reputação ilibada, conjugados com o princípio da moralidade administrativa.

SANDRA JULIEN MIRANDA, no livro “Do ato administrativo complexo”, Malheiros, 1998, p. 65, sustenta que: “Verifica se, assim, que o estudo do nascimento do ato administrativo complexo implica necessariamente na avaliação de seu processo de formação, principalmente se considerarmos que, aqui, a vontade geradora consiste na declaração de vontade de um ou mais órgãos, que tenha um único fim, isto é, a realização do interesse público, declaração, essa, expressa por autoridades competentes. O que imposta, contudo, é que esses atos que, sucessiva ou concomitantemente, vêm a compor o ato administrativo complexo sejam válidos, pois, se um deles for nulo, os outros também o serão, muito embora o ato seguinte possa sanar o vício do ato anterior.”

Esclareça se, ainda, que o Governador de Estado, quando pratica ato administrativo complexo semelhante ao que ora se examina, emite Ato de Governo, na qualidade de Chefe de Estado, portanto derrubando a assertiva que houve intromissão do Poder Executivo no Poder Legislativo, o que caracterizaria violação da independência dos Poderes.

Por este argumento, entendemos que o Governador do Estado, ao recusar a indicação do requerido Natanael José da Silva ao cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas, agiu dentro do que estipula a Constituição Federal e a Constituição Estadual, para não consolidar ato administrativo que atenta ao princípio da moralidade, diante da existência de elementos objetivos que informam a falta de idoneidade moral e reputação ilibada pelo pretendente ao cargo técnico de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado.

Há que se examinar outra questão a que se propôs deslindar nessa sentença que é identificada como sendo o acerto ou desacerto sobre o ato da requerida Odaísa Fernandes, Vice Governadora, que, na qualidade de Governadora em exercício, nomeou o réu Natanael José da Silva para o cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado sem desconstituir os motivos constantes do ato do Governador do Estado, que à época recusou a indicação da Assembléia Estadual.

Não se olvida mais no mundo jurídico que os atos administrativos podem ser revisados pela própria administração. Entretanto, o que se cogita nestes autos é saber se o singelo ato, despido de qualquer motivação, de nomeação do requerido Natanael José da Silva ao cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado tem o condão de invalidar o ato do Governador Ivo Cassol, que de forma fundamentada, no princípio da moralidade, rejeita a indicação da Assembléia Legislativa.

Diante do preceito constitucional de motivação das decisões, tem se que todo ato administrativo de cunho decisório deve ser motivado. Portanto, tanto os atos primeiros de uma decisão como os subseqüentes que possam revogar a decisão anterior devem ser motivados, sob pena de nulidade.

Analisando o Decreto n. 10.502, de 16 de maio de 2003, publicado no Diário Oficial 5.230, de 16 de maio de 2003, verifica se que não foi apresentado qualquer fato novo que justificasse o desconhecimento relativo ao despacho do Governador Ivo Cassol, que recusou, fundamentadamente, no princípio da moralidade, a indicação do requerido Natanael José da Silva ao cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas.

Foi como se o ato anterior não existisse, o que não é permitido pela melhor doutrina e jurisprudência nacional. O singelo decreto deveria contemplar as hipóteses da ocorrência de fato novo, de alteração legislativa ou de conveniência para a administração pública, como preceitua DANIELE COUTINHO TALAMINI, na sua obra “Revogação do Ato Administrativo”, Malheiros, 2002, págs. 126/140, quando analisa a motivação do ato de revogação.

Salienta a autora, de forma incisiva, que “mais importante se torna a motivação do ato de revogação por se tratar de medida excepcional que confronta a segurança jurídica e que só existe para preservar ou reinstaurar o interesse público ofendido. O caráter excepcional, então, impõe à Administração Pública, maior cautela no exercício desta competência o que torna mais imperioso o dever de motivar. A legislação brasileira atual reconhece o dever de motivar certos atos administrativos. De acordo com o art. 50, VIII, da Lei 9.784/99, o ato que importe a anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo deve ser motivado, com a indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos. A doutrina antes disso já entendia que a motivação dos atos administrativos era dever da Administração Pública com base na interpretação analógica do art. 93, X, da Constituição Federal, que estabelece o dever de motivação das decisões administrativas dos tribunais”.


Por isso que CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELO, reportando se à prática de atos administrativos, adverte para a necessidade de relação de pertinência lógica entre a motivação do ato e a sua finalidade como supedâneo fático para compreender sua idoneidade e finalidade legal.

IRENE PATRÍCIA NOHARA, no livro “Motivo no ato administrativo”, Atlas, 2004, às págs. 64/66, ensina sobre a exigência da motivação e do seu potencial controle com referência à edição de atos administrativos:

[…]

Discute se a exigência da motivação. Parte da doutrina administrativista entende que em se tratando de ato vinculado seria a motivação obrigatória, pois ela possibilitaria a demonstração da conformidade com o pressupostos de direito contidos em lei. Há, ainda, os que defendem que ela seria obrigatória quanto aos atos discricionários, pois neles não há controle da legitimidade dos motivos que balizam o comportamento da Administração Pública.

Oswaldo Aranha Bandeira de Melo entende que falta de motivação de atos discricionários quando demandada por lei ou pela natureza do ato, acarreta, em princípio , a sua invalidade. Admite, entretanto, para essa hipótese, a possibilidade de demonstração de que o ato foi praticado sem desvios. Tratando se de atos vinculados, ainda que na ausência da enunciação dos motivos, o ato será válido se se provar que a decisão tomada era a mesma que a lei impunha.

Postura oposta é defendida por Edmir Netto de Araújo, para quem “a motivação é obrigatória para os atos vinculados ou quando a lei ou outra norma jurídica assim o determina, sendo dispensada para os atos discricionários”.

Essa também era a posição adotada por Hely Lopes Meirelles, conforme se infere do seguinte excerto de sua obra: “O motivo, como elemento integrante da perfeição do ato, pode vir expresso em lei como pode ser deixado ao critério do administrador. No primeiro caso será um elemento vinculado; no segundo, discricionário, quanto à sua existência e valoração. Da diversidade das hipóteses ocorrentes, resultará a exigência ou a dispensa da motivação do ato”.

Note se que os atualizadores da obra de Hely Lopes a ela acrescentaram a seguinte observação:

“Hoje, em face da ampliação do princípio do acesso ao Judiciário (art. 5º, XXXV, da CF), conjugado com o da moralidade administrativa (art. 37, caput, da CF), a motivação é, em regra, obrigatória. Só não o será quando a lei a dispensar ou se a natureza do ato for com ela incompatível.”

Trata se da orientação seguida pela ementa do seguinte acórdão:

“Ato Administrativo. Discricionário. Ausência de fundamentação. Inadmissibilidade. Motivação obrigatória, exceto quando for incompatível com a natureza do ato praticado. Discricionariedade que não se pode confundir com arbitrariedade. Recurso não provido. A motivação é em regra obrigatória, só não o será quando a lei dispensar ou se a natureza do ato for com ela incompatível. Portanto, na atuação vinculada ou na discricionária, o agente da Administração, ao praticar o ato, fica na obrigação de justificar a existência do motivo, sem o quê o ato será inválido ou, pelo menos invalidável, por ausência de motivação.”

Entende Maria Sylvia Zanella Di Pietro que, quer nos atos vinculados, quer nos discricionários, constitui a motivação necessária garantia de legalidade, tanto para o interessado, quanto para a própria Administração Pública. Também Antônio Carlos de Araújo Cintra propugna que, “em princípio, o ato administrativo deve ser motivado, seja ele vinculado ou discricionário, porque às duas categorias se ajustam indiferentemente, quase todas as finalidades da motivação”.

Segundo Odete Medauar, alguns ordenamentos como o português, na revisão de 1982 constitucionalizaram a exigência de motivação. Relata, ademais, que houve, nos trabalhos de elaboração da Constituição de 1988, a tentativa de introduzir a regra da motivação como princípio da Administração Pública, mas ela não permaneceu no texto definitivo, ficando explícita apenas na exigência de motivação das decisões administrativas dos Tribunais (inciso X do art. 93 da CF).

Diante de tais argumentos, não era lícito à Vice Governadora, no exercício da governância do Estado ter editado o Decreto n. 10.502 sem antes ter dado as razões pelas quais desconstituía o despacho do Governador Ivo Cassol, publicado no Diário Oficial do Estado n. 5.182, de 6 de março de 2003, que rejeitou, de forma fundamentada no princípio da moralidade administrativa, a indicação do requerido Natanael José da Silva ao cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia. Por conclusão, o Decreto 10.502 é inválido.

Por último, acrescente se que o Estado de Rondônia, assumindo a defesa do ato da Vice Governadora, alega ausência de lesividade do ato praticado por ela. Essa tese encontra se superada diante do texto constitucional vigente, que elege a moralidade administrativa como bem tutelado pelo ordenamento jurídico e possível de ser objeto de proteção em ação popular.


O atual ministro do STF, EROS ROBERTO GRAU, em estudos em homenagem a Geraldo Atalida, Malheiros, 1997, à pág. 340, acentua que:

“2. A ação popular, diz o inc. LXXIII do art. 5º da Constituição de 1988, visa anular os atos lesivos ao patrimônio público ou de entidade que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente, e ao patrimônio histórico e cultural. Vale dizer: a Constituição, no inc. LXXIII do seu art. 5º, prevê ação não para anular qualquer ato, porém atos lesivos, apenas.”

Discorrendo sobre o tema e concluindo a matéria, entende o i. ministro, atos lesivos não são apenas aqueles que geram indenização patrimonial, mas todo e qualquer ato que possa agredir os bens tutelados pelo inc. LXXIII do art. 5º da CF, incluindo entre eles, a moralidade administrativa.

Quanto ao pleito de devolução dos valores, resta improcedente, porque neste particular, deve seguir a máxima de trabalho prestado, remuneração devida.

O Ministério Público do Estado, às fls. 379/380, fundamentado no art. 273, § 7º c.c. o art. 520, IV, do CPC, requer o exame da antecipação de tutela para restabelecer o estado de direito, com a finalidade de evitar o efeito suspensivo da ação, possivelmente interposta por alguma das partes vencidas.

Para a concessão de tutela antecipada, há que estar sempre presentes os requisitos da verossimilhança da alegação e o perigo da mora.

No caso dos autos, o objeto de tutela antecipada visa a proteger o interesse público defendido pelos autores, qual seja, a violação do princípio da moralidade administrativa.

O requisito da verossimilhança, com relação aos fatos alegados na inicial, e a conclusão a que se chegou nesta decisão, admite, desde logo, tê la por presente. O perigo na mora deve ser analisado em função do prejuízo que pode causar o deferimento desta antecipação de tutela para a administração pública e para o requerido Natanael José da Silva, apontado como beneficiário do ato tido por ilegal.

Para a administração pública, nenhum prejuízo restará pela não concessão de efeito suspensivo pela interposição de eventual recurso por parte dos vencidos. O Tribunal de Contas continuará funcionando, pois compete aos auditores daquela Corte substituir os conselheiros em suas ausências, impedimento e vacância do cargo. Para o requerido Natanael José da Silva também não vislumbramos prejuízo algum, pois, caso ele venha interpor recurso de apelação e nele sagrar se vencedor, o cargo de Conselheiro de Tribunal de Contas estará à sua espera.

Posto isso:

a) julgo extinto o processo sem exame de mérito, com fundamento no art. 267, VI, do CPC, em relação aos requeridos José Carlos de Oliveira, Francisco Ferreira da Silva, João Ricardo Gerolomo de Mendonça, Ellen Ruth Catanhede Sales Rosa, Amarildo Almeida, Daniel Nery, Francisco Izidro, Haroldo Santos, Ronilton Reis, Edson Gazoni, “João da Muleta”, “Maurão de Carvalho”, Leudo Buriti, José Emílio Mancuso;

b) julgo extintas pela perda de objeto, com fundamento no art. 267, IV do CPC, as impugnações ao valor da causa formuladas pelos requeridos Francisco Carvalho da Silva, João Ricardo Gerolomo de Mendonça, Daniel Néri de Oliveira e Ellen Ruth Cantanhede Sales Rosa;

c) julgo procedente em parte o pedido inicial, com fundamento no art. 269, I do CPC c.c. o art. 1º da Lei 4.717/65 e art. 5º, LXXIII, e art. 37 da CF, para declarar nulo de pleno direito o Ato 004/MD/ALE/2003, que indicou o requerido Natanael José da Silva para o cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia, porquanto o ato não sindicou requisitos objetivos obrigatórios previstos no art. 73, § 1º, inc. II, da CF e art. 48, § 1º, inc. II, da CE;

d) julgo procedente em parte o pedido inicial, com fundamento no art. 269, I do CPC c.c. o art. 1º da Lei 4.717/65 e art. 5º, LXXIII, e art. 37 da CF, para declarar nulo de pleno direito o Decreto n. 10.502, de 16 de maio de 2003, publicado no Diário Oficial 5.230, de 16 de maio de 2003, que nomeou o requerido Natanael José da Silva para o cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia, porquanto não obedecido o requisito constitucional da motivação dos atos administrativos, e, por via de conseqüência, restaurar os efeitos do despacho do Governador Ivo Cassol, nos termos em que foi publicado no Diário Oficial do Estado n. 5.182, de 6 de março de 2003, que rejeitou a indicação do requerido Natanael José da Silva ao cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia;

e) concedo, pelos argumentos acima elencados e com fundamento no art. 273 do CPC, a antecipação dos efeitos da tutela requerida pelo Ministério Público, para subtrair de eventual recurso de apelação o efeito suspensivo, e, por conseqüência, determino a expedição de mandado de intimação ao requerido Natanael José da Silva para que ele cesse suas atividades junto ao Tribunal de Contas do Estado de Rondônia, bem como ao Presidente daquela Casa de Contas para que providencie o cumprimento administrativo desta decisão comprovando perante o juízo; ” …Ou se restabelece a moralidade no pais, ou nos locupletamos todos…” (Stanislaw Ponte Preta).

f) Condeno os requeridos Assembléia Legislativa, Estado de Rondônia, Odaísa Fernandes e Natanael José da Silva, solidariamente, ao pagamento de honorários advocatícios que, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, fixo em R$ 20.000,00, além das custas processuais.

Deixo de condenar os autores populares em honorários advocatícios em favor dos requeridos excluídos da demanda, por não vislumbrar a ocorrência de dolo ou má fé na interposição da ação.

PRIC.

Porto Velho, 21 de março 2005.

Juiz de Direito Glodner Luiz Pauletto

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