Novo prejuízo

Lei Complementar afronta moralidade administrativa

Autores

  • Hugo Barroso Uelze

    é advogado Membro da Comissão de Direito Tributário da 116ª Subseção da OAB-SP e mestre em Direito da Sociedade da Informação pela UniFMU.

  • Rodolfo Tsunetaka Tamanaha

    é advogado associado de Tojal Serrano e Renault Advogados pós- graduando Lato Sensu em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP-COGEAE).

21 de março de 2005, 12h42

A Lei Complementar nº 118/2005, recentemente introduzida no Sistema Jurídico Brasileiro, possui, segundo sua ementa, dois objetos. O primeiro deles trata da alteração e acréscimo de dispositivos constantes da Lei 5172/1966 — o Código Tributário Nacional (CTN). O outro trata da interpretação a ser dada ao inciso I do artigo 168 do mesmo diploma legal.

Aqui, o leitor avesso aos tecnicismos jurídicos poderia estranhar a diferenciação entre os objetos, já que os temas veiculados na ementa se referem a mesma norma jurídica. Nessa linha de idéias, poder-se-ia indagar porque uma mesma lei teria como objeto a alteração do CTN e, de outra parte, a interpretação que a ele (CTN) deve ser dada.

Na verdade, as matérias tratadas pela LC 118/2005 são diferentes tanto com relação ao objeto quanto às finalidades, aspectos realmente difíceis de serem aferidos pela ementa face à imprecisa descrição nela contida, faceta que, aliás, não se coaduna com o artigo 5º da LC 95/1998, norma que regula o “processo legislativo”, instituto de nítido caráter constitucional, conforme se observa do artigo 59 e seguintes da Constituição Federal de 1988.

O intuito da LC 95/1998, ao regular o “processo legislativo”, é o de conferir aos destinatários das leis — os cidadãos –, o conhecimento das regras a todos aplicáveis, prestigiando a segurança jurídica, o que explica a importância da identificação do objeto na ementa, impedindo, por exemplo, que no corpo de uma lei — a partir de uma rubrica genérica (alterações do CTN) –, seja inserida matéria a ela estranha.

Feitas essas considerações preliminares e aprofundando a análise da LC 118/2005, é possível perceber a existência de objetos totalmente distintos ou, porque não dizer, antagônicos.

Realmente, a maior parte das alterações do CTN tem como escopo compatibilizar o citado diploma legal com a chamada “Nova Lei de Falências”, cujos efeitos ou conseqüências, inclusive patrimoniais, se projetam para o futuro, e visam propiciar a recuperação judicial e extrajudicial das empresas.

De outro lado, são veiculadas alterações relativas ao instituto da prescrição — cujo intuito, todavia, não é o de beneficiar as empresas –, dentre essas, a forma pela qual o inciso I do artigo 168 do CTN deveria ser interpretado, o que acaba por interferir diretamente na competência do Poder Judiciário, que é único intérprete autêntico e legítimo da lei, para dizer os direitos dos contribuintes-cidadãos perante a pretensão arrecadatória Fisco.

Mas como o artigo 3º da LC 118/2005, ao tratar da interpretação do inciso I do artigo 168 do CTN, desrespeita o campo de atuação do Poder Judiciário tal como definido pelo Texto Constitucional?

É que o dispositivo em questão (artigo 3º da LC 118/2005), ao restringir o prazo de prescrição para o contribuinte requerer a devolução de impostos pagos a maior, reiteradamente consagrado pelo Poder Judiciário, atinge me cheio uma série de discussões tributárias hoje em curso, tais como a compensação do FINSOCIAL, do PIS, da Contribuição aos Administradores e Autônomos, os aumentos vinculados da alíquota do ICMS Paulista (17%/18%), dentre outros.

As conseqüências disso são nefastas e atingem não apenas àqueles que fizeram uso do acesso ao Judiciário para reaver valores incorretamente transferidos ao Fisco, mas a sociedade como um todo.

Isto porque, em evidente prejuízo à segurança jurídica, se frustram as expectativas de todos aqueles que analisando, com boa-fé, as decisões reiteradamente proferidas pelos órgãos competentes para interpretar as leis — Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ) –, ingressaram com ações perante o Poder Judiciário para fazer valer os seus direitos, e que agora, face à superveniência de lei até então inexistente (LC 118/2005), restariam prescritos, não sendo mais passíveis de discussão.

Assim, é importante confrontar a jurisprudência consolidada pelo STJ há pelo menos uma década, com o disposto no artigo 3º da LC 118/2005. A jurisprudência do STJ, em apertada síntese, diz que nos casos de tributo sujeito a “lançamento por homologação” — diferentemente do que ocorre com os tributos sujeitos a “lançamento de ofício” pelo Fisco, exemplo típico do IPTU –, o recolhimento dos tributos consubstancia um “pagamento antecipado”, mesmo porque sujeito a posterior fiscalização por parte do Fisco (artigo 150, §1º do CTN).

Ou seja, face à sua natureza intrínseca, o que é pago antecipadamente pelos contribuintes (lançamento por homologação) não pode ser qualificado como “crédito tributário”, pois depende de fiscalização posterior do Fisco ou, no silêncio deste, somente depois de 5 (cinco) anos considera-se homologado o valor pago (artigo 150, § 4º do CTN).

Daí porque, de conformidade com o entendimento do STJ, legítimo intérprete das leis e tratados federais, como é o caso do CTN, o prazo de prescrição deve obedecer à interpretação acima mencionada, o que, na prática, importa na contagem do prazo de prescrição a partir da homologação tácita da Administração, segundo a conhecida regra do “cinco mais cinco”.

O artigo 3º da LC 118/2005, portanto, ao dispor que, para efeito de interpretação do inciso I do artigo 168 do CTN, a extinção do crédito tributário, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, se inicia no momento do pagamento antecipado, pretende alterar não apenas o prazo de prescrição — em clara afronta ao princípio da tripartição de poderes ou funções (artigo 2º da CF) –, mas a própria natureza das exações fiscais, através da equiparação de institutos distintos como o “pagamento antecipado” e o “crédito tributário”, como se tributos por homologação ou de ofício fossem a mesma coisa, o que não se admite.

Ou seja, o artigo 3º da LC 118/2005 se situa na contra-mão da história, pois mesmo diante da ainda incipiente tradição de respeito à Constituição e as leis — limite indispensável à harmonia social e ao convívio entre governantes e governados –, não se pode olvidar que a recente Emenda Constitucional (EC) nº 45, dentre as alterações veiculadas, introduziu entre nós a chamada “Súmula Vinculante”, cuja finalidade, em obséquio à segurança jurídica, consiste justamente em prestigiar as decisões consolidadas pelos Tribunais.

Por fim, parece importante mencionar que a Primeira Seção do STJ já se posicionou de maneira a obstar esse novo prejuízo aos contribuintes, afastando, assim, a redução do prazo menor para a restituição dos tributos indevidamente pagos, assunto que, todavia, ainda não se encerrou, em virtude da possibilidade da Corte Especial daquele Tribunal ser chamada a se pronunciar acerca do assunto. De qualquer forma, se espera a ratificação do entendimento de que a inovação trazida pela LC 118/05 representa inequívoco desvio de finalidade — abuso do poder de legislar –, e, pois, afronta à moralidade administrativa, à segurança jurídica e, em especial, ao princípio da tripartição de poderes ou funções face à invasão das competências constitucionais do Poder Judiciário.

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    é advogado associado de Tojal, Serrano e Renault Advogados, pós-graduando Lato Sensu em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP-COGEAE).

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    é advogado associado de Tojal, Serrano e Renault Advogados, pós- graduando Lato Sensu em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP-COGEAE).

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