Expansão x produtividade

Para juízes, Justiça do Trabalho ficará mais lenta com a reforma.

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19 de março de 2005, 12h17

O governo Lula, como expressão das forças trabalhistas no poder, é uma decepção. A reforma sindical enfraquecerá ainda mais os sindicatos. A reforma do Judiciário, que ampliou a competência da justiça do trabalho, terá efeito contrário ao pretendido — ou seja, passará a ser mais lenta do que já é hoje. Essas são algumas das opiniões manifestadas por um conjunto de 174 juízes do Trabalho ouvidos pela revista Consultor Jurídico, durante o “I Seminário Nacional sobre a Ampliação da Competência da Justiça do Trabalho”, promovido pela Anamatra — Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, em São Paulo.

A crença de que a reforma tornará mais lenta a justiça trabalhista foi manifestada por 52,9% dos juízes. Tomou-se em conta as novidades constitucionais, naturalmente, já que as medidas processuais do pacote infraconstitucional ainda não foram aprovadas. Traduzida em números, a inovação corresponde a um contingente de possíveis ações dos quase 70% de brasileiros que atuam no mercado informal de trabalho — com a EC 45, os juízes trabalhistas passam a julgar todos os conflitos resultantes das relações de trabalho e não mais apenas das relações de emprego.

O desafio dos juízes é, agora, “entender o significado do trabalho no mundo globalizado contemporâneo, como a especialização das funções. Não podemos sentar em cima das conquistas”, afirma o advogado e professor da Faculdade de Direito da USP José Eduardo Campos de Oliveira Farias. O fato é que, para ele, os juízes trabalhistas, com exceção dos mais jovens, não estão suficientemente preparados para perceber o novo conceito. A opinião coincide com a percepção de 43,5% dos entrevistados, para quem a Justiça do Trabalho não está preparada para desempenhar as novas tarefas previstas pela Reforma.

Nesse contexto, a incorporação do mercado informal pode surtir efeitos colaterais em quem pretende acolher e proteger toda a massa de trabalhadores. “Caso [os juízes] entrem com o pé esquerdo no mercado informal, eles podem gerar um efeito em cadeia que desorganizará a economia informal e resultará em mais desemprego”.

No final, despreparo pode resultar também em queda na produtividade. Apesar de uma Instrução Normativa do Tribunal Superior do Trabalho e do consenso da maioria dos juízes, segundo os quais a CLT — Consolidação das Leis Trabalhistas é o código que deve ser aplicado em todos os processos que ingressam na Justiça do Trabalho, ainda há uma corrente que defende a aplicação do CPC — Código de Processo Civil nas relações que não são de trabalho.

Diferentemente das normas trabalhistas, o CPC permite o ingresso de recurso em qualquer fase do processo, o que pode demandar mais tempo para que se chegue à sentença final.

Por outro lado, há luz no fim do túnel. Para outros 56,5% dos juízes que responderam a pesquisa, a Justiça trabalhista está, sim, preparada para as novas competências. “Ela ficará sobrecarregada”, diz o juiz do trabalho aposentado e professor aposentado de Direito da USP Amauri Mascaro do Nascimento. “Mas, por outro lado, as questões serão resolvidas de um modo muito mais simples. O trabalhador não terá mais de bater em duas portas — da Justiça Comum e do Trabalho — para resolver seu conflito”.

De acordo com Mascaro Nascimento, a solução para o aumento na demanda de processos reside num tripé de medidas: o aumento das varas de trabalho, a especialização das varas em matéria sindical, “que é muito complexa”, e o uso de meios alternativas de conciliação extrajudicial, recurso “que deve ser mais bem elaborado, mas ainda é indispensável”.

Ainda, para o presidente da Anamatra, Grijalbo Coutinho, a “Justiça Trabalhista é a única com capacidade do ponto de vista técnico e doutrinário e no que toca à estrutura física para receber as novas demandas”. Apesar de reconhecer que a chegada de processos que antes eram de competência da Justiça Comum pode representar risco de comprometer a celeridade do andamento das ações em estados como São Paulo e Rio de Janeiro, Grijalbo destaca estados que, segundo ele, estão suficientemente preparados para receber a nova competência, como Alagoas, Sergipe, Brasília e Tocantins.

Governo Lula

Também para a maioria dos juízes entrevistados — 64,4% –, o atual governo surpreendeu negativamente em relação à Justiça Trabalhista. Como primeiro presidente representante da classe trabalhadora, esperavam-se maiores e mais radicais mudanças. Com eles, concorda o presidente da Anamatra. “Não houve grande transformação do ponto de vista trabalhista e sindical. O que há é uma grande semelhança com o governo Fernando Henrique Cardoso”, afirma.

Grijalbo faz ressalva para a criação das 269 varas do trabalho pelo atual governo. Mas, como a Reforma do Judiciário e em conseqüência todos os pontos que concernem à Justiça do Trabalho estão em trâmite há 12 anos, não se pode dizer, segundo ele, que ela é uma conquista do governo Lula.

A crítica do presidente da Anamatra também se respalda no fato de o governo não expressar interesse em determinar que os servidores públicos devam ser julgados pela seara trabalhista. Uma liminar do ministro Cezar Peluso, do Supremo Tribunal Federal, determinou que os servidores estatutários devem ter seus conflitos apreciados pela Justiça Comum. Cabe à trabalhista apenas os casos originados por servidores celetistas. “Não houve esforço para que o texto sobre a competência fosse aprovado pela Câmara”.

Também para o professor Oliveira Farias, as medidas da administração petista são muito mais simbólicas do que concretas. “Eles mantiveram a mesma linha arquitetônica, que acopla a política à economia, do governo FHC. E se a economia é a mesma, a área trabalhista também tem de ser”, afirma.

Segundo o professor de sociologia da Unicamp Ricardo Antunes, o problema está no fato de o presidente não representar mais o cotidiano do trabalhador. De acordo com ele, a atuação do governo Lula não é um paradoxo pelo simples fato de não ser “um governo democrático, popular, que permita o avanço da classe trabalhadora”. A incoerência, no entanto, é visível ao lembrar que o governo FHC não “precarizou o trabalho apenas onde não conseguiu, porque a CUT e o PT não deixaram”.

Segundo Antunes, Lula foi o líder operário mais importante do Brasil do século XX, “mas hoje ele pensa que tem um poder real e na verdade os bancos e banqueiros elitistas fazem chacota dele quando estão sozinhos”.

Reforma Sindical

O atual governo também decepciona quando se trata da reforma sindical. Para o professor Oliveira Faria, ele “surpreendentemente mantém-se na linha macroeconômica e continua o debate travado há 40 anos. É contraditório que um líder sindical, eleito por ser sindicalista, faça uma reforma criticada pelos dois lados [empresários e trabalhadores]”. A opinião reforça o coro dos juízes que responderam ao questionário da ConJur. Para 56,3% deles, a reforma enfraquece o movimento sindical.

Há quem considere a reforma profunda, mas com doses erradas. “O meio de chegar às mudanças é errado”, diz Mascaro Nascimento. “Ela fortalece as centrais e enfraquece sindicatos de base, que pela prática italiana é uma medida falida”.

Segundo Faria, a administração Lula não coloca a reforma trabalhista — que efetivamente influi na vida prática do trabalhador — como prioridade. Ao contrário, embute de maneira inteligente aspectos trabalhistas na reforma sindical e nela coloca a flexibilização do trabalho. “Ele sabe que a reforma trabalhista gera muita tensão. Para levá-la adiante teria de ser muito claro e objetivo. E não vai ser agora, depois de dois anos, próximo à época de eleições, que o assunto será colocado em pauta”, diz.

Além dos pontos controversos como a polarização das centrais ou a concentração do poder nas cúpulas sindicais, o imposto sobre acordos e o direito de greve, a reforma traz agregado o risco de servir como pretexto para o fim das leis que protegem o trabalhador. “Ela não cria barreiras para as expectativas patronais”, afirma o professor e juiz do Trabalho aposentado Márcio Túlio Viana, “e prepara terreno para a reforma trabalhista permitindo que a lei possa ser negociada pelo sindicato”. Em outras palavras, dá margem para que a CLT seja negociada e, conseqüentemente, enxugada em pontos como o direito a férias.

Dano moral

O maior consenso entre os juízes entrevistados está na questão da competência da Justiça do Trabalho para julgar danos morais decorrentes de acidentes de trabalho. Segundo 85,9% deles, a seara trabalhista é a mais indicada para apreciar conflitos dessa natureza. A porcentagem expressa a discordância com entendimento do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual tais ações devem ser julgadas pela Justiça Comum.

O posicionamento encontra abrigo na opinião dos professores Márcio Túlio Viana, para quem a Justiça trabalhista é a que tem maior “agilidade, experiência e sensibilidade para julgar questões sociais”, e Mascaro Nascimento, para quem o melhor caminho é a unicidade das causas. Para ele, não existe motivo para todas as ações relativas a trabalho serem julgadas pela Justiça Trabalhista, com exceção dos danos morais por acidente de trabalho.

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