União estável

União estável só é provada se casal quer constituir família

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14 de março de 2005, 12h40

A união estável somente é reconhecida se o casal teve a intenção, quando estavam juntos, de constituir família. A existência de um relacionamento amoroso longo, contínuo e de conhecimento público não basta para provar a união estável.

A interpretação é do 4º Grupo Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que rejeitou Embargos Infringentes propostos por uma professora. Ela pediu na Justiça o reconhecimento jurídico do vínculo com seu ex-companheiro e a partilha dos bens adquiridos durante a convivência. A professora e o médico ficaram juntos por quase oito anos. As informações são dos sites do TJ gaúcho e Espaço Vital.

A decisão já transitou em julgado. A desembargadora Maria Berenice Dias foi voto vencido em um dos julgamentos no TJ-RS. Na ocasião, ela afirmou que “essa mulher deveria ser chamada de Amélia”. A divergência possibilitou o ajuizamento de embargos infringentes.

A defesa da autora da ação sustentou a existência de provas inequívocas, inclusive testemunhais, da união estável. Também afirmou que ela pedira licença-prêmio para cuidar do ex-companheiro durante período em que esteve doente — comprovando dessa forma o envolvimento familiar. A defesa argumentou, ainda, que o fato de não ter havido coabitação durante o relacionamento — por conta de desavenças com uma filha do médico –, não impediria a caracterização da união estável. O pedido foi embasado na Lei nº 8.971/94 (direito dos companheiros) e na Lei nº 9.278/96, que regulamenta o §3º, do artigo 226, da Constituição Federal.

Para o relator do processo, desembargador José Siqueira Trindade, não restaram dúvidas sobre a existência de um relacionamento amoroso. Ele listou quase todos os elementos para o reconhecimento da união estável: conhecimento público, continuidade e duração razoável. Segundo o desembargador, esses são aspectos que nem infidelidade e a falta de um lar comum poderiam atenuar juridicamente.

Porém, de acordo com ele, o casal jamais manifestou o requisito “essencial”: o objetivo de constituir família. “Isso porque, ainda que ambos fossem livres e desimpedidos — ela solteira e ele separado — permaneceram administrando separadamente suas vidas”, afirmou. Trindade lembrou que até mesmo as compras em supermercado eram pagas individualmente.

O relator afirmou, a partir dos autos, que o médico manteve outros namoros durante o período em que durou o relacionamento com a professora. Para ele, a “relação não ultrapassou a seara do namoro”.

Por maioria de votos, o 4º Grupo Cível do TJ-RS entendeu que o objetivo de constituir família é fundamental para diferenciar namoro sério e união estável. O advogado Marcos Gilberto Leipnitz Griebeler atuou em nome do médico.

A advogada especialista em Direito da Família, Betânia Ferreira, do escritório Leite, Tosto e Barros Advogados Associados, considerou a decisão do TJ gaúcho acertada. Segundo ela, o fato de o médico ter outros namoros durante o relacionamento de quase oito anos descaracteriza a união estável. Ela citou a Constituição Federal e o artigo 1.723 do novo Código Civil, que tratam da união estável, para embasar seu entendimento de que o conceito de família foi descaracterizado.

Para o advogado Luiz Kignel, “o acórdão levanta uma abordagem extremamente importante porque diferencia o namoro da união estável. Relacionamentos longos e duradouros não caractrizam, por si só, a união estável”. No caso específico, segundo Kignel, o casal atendia vários requisitos da união estável, como a relação pública e contínua. “Mas ao mesmo tempo, ficou registrado que as ‘compras de supermercado eram pagas individualmente’. Ora, este fato comprova que as partes não almejavam construir uma família porque nas despesas diárias havia uma separação”, afirma.

Processo nº 70008361990

Leia o acórdão

EMBARGOS INFRINGENTES.

união estável. caracterização de namoro.

O namoro, embora público, duradouro e continuado, não caracteriza união estável se nunca objetivaram os litigantes constituir família.

EMBARGOS INFRINGENTES DESACOLHIDOS, POR MAIORIA.

EMBARGOS INFRINGENTES — QUARTO GRUPO CÍVEL

Nº 70008361990 — COMCARCA DE MONTENEGRO

D.M.R. — EMBARGANTE

P.R.O.W. — EMBARGADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Magistrados integrantes do Quarto Grupo Cível do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, desacolher os embargos infringentes, vencida a Des.ª Maria Berenice Dias.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Desembargadores ANTONIO CARLOS STANGLER PEREIRA (PRESIDENTE), MARIA BERENICE DIAS, LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS, SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES E A DR.ª CATARINA RITA KRIEGER MARTINS.


Porto Alegre, 13 de agosto de 2004.

DES. JOSÉ S. TRINDADE,

RELATOR.

RELATÓRIO

Des. José S. Trindade (RELATOR) –

Demanda. D. M. R. opôs embargos infringentes, em sede de ação declaratória de união estável, cumulada com partilha de bens, na qual contende com P. R. de O. W., porquanto inconformada com o acórdão de fls. 607/624 relativo a APC nº 70007083702, oriunda da 7º Câmara Cível que: A) à unanimidade conheceu do recurso adesivo e, por maioria, deu-lhe provimento e b) por maioria, negou provimento ao apelo, vencida a Desa. Maria Berenice Dias.

Razões recursais. Alega a embargante, com respaldo no voto vencido de lavra da Des.ª Maria Berenice Dias, que o entendimento majoritário não merece prosperar, tendo em vista que há provas nos autos da existência de união estável entre as partes, de forma pública e duradoura. Destaca a importância do parecer do Ministério Público de 2º grau, visto que a Procuradora de Justiça examinou de forma minuciosa as provas aportadas aos autos, especialmente, dos depoimentos colhidos em audiência. Afirma que houve muito mais que um estreito vínculo afetivo entre as partes, uma vez que exurge das imagens registradas nas fotografias intenso comprometimento familiar e social. Refere que não coabitava com o embargado porque tinha problemas de relacionamento com a filha deste. Ressalta que a lei que regula o direito dos companheiros (Lei nº 8971/94), bem como a que regulamenta o §3º do art. 226 da CF (Lei nº 9278/96) não exigem à caracterização da união estável o requisito de coabitação. Sustenta que sempre manteve com o embargado envolvimento familiar, visto que solicitou, inclusive, licença-prêmio para cuidar dele, quando este necessitou de tratamento de saúde contra o câncer. Salienta que casos extraconjugais não elidem a entidade familiar, sendo, assim, equivocado o entendimento que premia o varão por apresentar tese imoral para afastar a união estável. Menciona que é lamentável que se continue a sustentar o modelo de família patriarcal como o único possível, negando o reconhecimento de entidade familiar ao homem e mulher que mantêm dois tetos de forma simultânea. Requer o provimento do recurso para o efeito de que prevaleça o voto vencido, com o provimento do recurso de apelação e rejeição do recurso adesivo, reformando-se a sentença monocrática a fim de que seja reconhecido o direito à partilha de bens advindos durante a convivência conjugal, bem como a fixação do ônus da sucumbência (fls. 627/643).

Contra-razões. O embargado apresentou contra-razões, oportunidade na qual pugnou pelo desacolhimento do recurso (fls. 646/667).

Ministério Público. Em parecer de fls. 671/675, o Procurador de Justiça opinou, prefacialmente, pelo não-conhecimento dos embargos infringentes em relação ao pedido de partilha de bens por ausência de previsibilidade recursal. No mérito, pelo respectivo desacolhimento.

É o relatório, que foi submetido à revisão.

VOTOS

Des. José S. Trindade (RELATOR) –

Os embargos infringentes não merecem acolhida.

Em que pese os respeitáveis argumentos expedidos pela eminente Des.ª Maria Berenice, entendo, na esteira dos votos vencedores, que não restou caracterizada a união estável entre os litigantes.

É bem verdade que a convivência sob o mesmo teto e a fidelidade nunca foram requisitos essenciais para a caracterização da união estável, seja sob o ângulo da Lei n.º 9.278/96 – vigente ao tempo do ajuizamento da presente ação – seja sob o ângulo do Código Civil em vigor.

Em ambas as legislações o que caracteriza o instituto em apreço é o relacionamento afetivo pautado pela convivência pública, contínua e duradoura, sempre com o objetivo de constituir família, sem olvidar a constituição de um patrimônio comum.

Assim, se o relacionamento amoroso entre duas pessoas é público, contínuo e duradouro, ainda que não convivam sob o mesmo teto e um dos conviventes tenha sido unilateralmente infiel, sem o conhecimento do outro convivente (conforme já tive oportunidade de referir quando do julgamento da Apelação Cível n.º 599175841), pode restar caracterizada a união estável, desde que presente os requisitos essenciais, dentre os quais se destaca, o objetivo de constituir família.

No caso em apreço, restou incontroversa – o próprio réu/embargado não nega – a existência do relacionamento amoroso público, contínuo e duradouro mantido entre as partes. Contudo, faltou um requisito essencial para caracterizá-lo como união estável: inexistiu o objetivo de constituir família.

Com efeito, durante os longos anos de namoro mantido entre os litigantes, eles sempre mantiveram vidas próprias e independentes.

Realizaram várias viagens juntos, comemoraram datas festivas e familiares, participavam de festas sociais e entre amigos, a autora realizava compras para a residência do réu – pagas por ele -, às vezes ela levava o carro dele para lavar, e consta que ela gozou licença-prêmio para auxiliar o namorado num momento de doença.


Contudo, ainda que o relacionamento amoroso tenha ocorrido nesses moldes, nunca tiveram objetivo de constituir família.

Isso porque, ainda que ambos fossem livres e desimpedidos – ela solteira e ele separado – permaneceram administrando separadamente suas vidas. Embora a embargante auxiliasse o embargado realizando, às vezes, tarefas que o ajudavam na administração da casa dele, como, por exemplo, fazer compras no supermercado, até tais compras eram pagas separadamente: ela pagava as dela, e as dele eram por ele pagas.

O embargado tinha sob a sua guarda os quatro filhos advindos do casamento, e exerce ativamente a atividade de médico anestesista. Entretanto, sempre contou com a ajuda de empregada para administrar seu lar. A embargante apenas auxiliava eventualmente o namorado neste aspecto. Na verdade, não administrava a casa dele. Nunca morou com ele.

Desfrutaram juntos de um relacionamento afetivo intenso e duradouro, reconhecido pelos filhos, demais familiares e amigos.

Porém, tal relação não ultrapassou a seara do namoro, e assim era vista pelo grupo social e de amigos dos quais participava o casal de namorados junto à comunidade médica onde estava inserido o embargado.

Com efeito, além das inúmeras declarações juntadas aos autos de pessoas que conviviam com os litigantes aduzindo que eles mantinham apenas uma relação de namoro, e que, durante o período em que durou tal relacionamento ele também teve outras namoradas publicamente (fls. 93/97, 301, 315/316) – fato confirmado pelas próprias namoradas (fls. 198/199 e 470) – as testemunhas arroladas pela própria embargante (fls. 463/468) relatam episódios típicos de um relacionamento público e duradouro como foi o dos litigantes, sem, entretanto, retratarem uma convivência de marido e mulher. A testemunha ANGÉLICA – arrolada pela embargante -, por exemplo, refere que autora e réu eram “namorados” (fl. 464).

Em contraponto, à evidência que as declarações de fls. 23 e 42 dando conta que a autora solicitava substituições de “horas-aula” e licenças para assistir o “companheiro” não tem o condão de caracterizar o relacionamento como união estável, porque tais pedidos e requisições eram feitos pela própria autora com as informações por ela prestadas. Tanto é assim que em seu depoimento a testemunha EUNICE (fl. 461), que assinou a declaração de fl. 42, apenas confirmou as licenças, aduzindo que “quanto aos demais aspectos da vida de ambos a depoente não tem conhecimento”.

A inexistência de vida comum sob o mesmo teto e a falta de fidelidade por parte do embargado não seriam, por si só, impeditivos para o reconhecimento da união estável, se esta tivesse existindo.

Contudo, os litigantes se portavam como namorados e assim eram tidos pela comunidade de Montenegro, da mesma forma que o réu apresentou para seus amigos e assumiu publicamente o namoro com outras mulheres, durante o período em que se relacionou com a autora.

Se tais namoros do embargado eram públicos – conforme se extrai inclusive da prova oral por ele produzida – também eram do conhecimento da autora.

Assim, o comportamento – aceito – de ambos os litigantes, durante o período em que se relacionaram, demonstra que, embora prolongado e público o namoro, nunca objetivaram constituir família. E aqui reside o traço fundamental, a diferença marcante entre o namoro sério e a união estável: o objetivo de constituir família.

Sobre tal aspecto, vale transcrever passagem que extraio da obra “Direito de Família e Psicanálise”, Coordenadores Giselle Câmara Groeninga e Rodrigo da Cunha Pereira, Editora IMAGO, em artigo da autoria da brilhante advogada MARILENE SILVEIRA GUIMARÃES, intitulado “Os vínculos afetivos e sua tradução jurídica quanto ao patrimônio”, mais precisamente quando aborda o ‘namoro’ (pág. 188):

“A subjetividade dos requisitos que definem a união estável – convivência duradoura, pública e contínua – favorecem a equivocada interpretação de que qualquer namoro possa ser identificado como união estável. A errônea interpretação fez surgir, logo após a edição da Lei nº 9.278, uma verdadeira indústria da união estável. A diferença entre esta e o namoro é sutil, pois estes também podem ser longos, públicos e continuados, com convivência íntima e até com aquisição de bens em preparação ao casamento ou à união estável. O principal requisito diferenciador é o objetivo de constituir família, que afasta qualquer dúvida.”

É o quanto basta para filiar-me à posição majoritária.

Improcedente a ação de reconhecimento e dissolução da união estável – na esteira da maioria – descabe a partilha de bens pretendida pela embargante, pedido que fica prejudicado, assim como prejudicada fica a preliminar de não conhecimento do recurso no tocante a este ponto suscitada pelo Dr. Procurador de Justiça que atuou neste Grupo.


O voto, pois, é pelo desacolhimento dos embargos infringentes.

Des. Antonio Carlos Stangler Pereira (PRESIDENTE) – DESACOLHO.

Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves – ACOMPANHO O EMINENTE RELATOR NA MEDIDA EM QUE FUI CONDUTOR DO VOTO MAJORITÁRIO NA CÂMARA.

Des.ª Maria Berenice Dias –

Rogo vênia ao eminente Relator para divergir. A vida sob o mesmo teto não é uma exigência legal, ainda que seja uma prova, um elemento importante para a configuração de uma união estável, para a comprovação do requisito de ordem subjetiva, que é o fim de constituir família.

Doutrinária e jurisprudencialmente é pacificado que, para haver união estável, é necessária a vida sob o mesmo teto. Aceitar o reconhecimento de uma união estável sem a vivência sob o mesmo teto só é possível quando há alguma motivação que leve o par a assim viver.

Neste caso, existe um motivo para que não residissem juntos. É que ele tem quatro filhas, e ela um filho. Uma das filhas prestou depoimento no processo, dizendo que tinha horror dela. E o que fez esta mulher? Não impôs a sua presença na casa do companheiro. Ficou em sua casa com o seu filho e freqüentava a casa dele, passavam os fins-de-semana juntos. Fazia tudo para o companheiro: compras no supermercado, entrou em licença no serviço quando ele estava doente, fazia festas para promover o companheiro. Era uma relação ostensiva. Não importa como os amigos os chamavam, até porque não existe uma terminologia adequada: namorados, noivos, companheiros. Tenho preconizado até doutrinariamente que se poderiam chamar de amantes, pessoas que se amam, e esse vínculo de amor é reconhecido por todos.

Então, como existia um motivo para a não-vivência sob o mesmo teto alheio à vontade das partes, evidentemente que este não pode ser o empecilho para reconhecer uma união que tem todas as demais características legais.

Por tais fundamentos e rogando vênia ao eminente Relator, acolho os embargos.

DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS – Desacolho na linha do meu voto proferido na Câmara, que transcrevo:

“Vou acompanhar o eminente Relator, mas gostaria de fazer algumas observações. Este processo traz à baila novamente um tema recorrente não só neste Colegiado, como no 4º Grupo Cível.

O tema é a necessidade ou não da vida em comum sob o mesmo teto para a caracterização da união estável. Em voto anterior nesta sessão, disse que entendia, de regra, um requisito fundamental a vida em comum sob o mesmo teto. Tenho vários precedentes nesse sentido e insisto que, de regra, deve ser observado. Por quê?

Em primeiro lugar uma observação, tanto a sentença quanto o excerto doutrinário colacionado no parecer ministerial referem que a vida em comum sob o mesmo teto não seria exigível em função do que expressamente diz a Súmula 382 do Supremo Tribunal Federal. ‘Data venia’, nada mais equivocado.

Absolutamente equivocada a invocação da Súmula 382 para afastar a exigência de vida em comum sob o mesmo teto. Já disse aqui várias vezes e repito: a Súmula 382 não guarda qualquer relação com o fenômeno da união estável. A Súmula 382 tem o seguinte teor: “A vida em comum sob o mesmo teto, more uxorio, não é indispensável à caracterização do concubinato”.

Pois bem, se formos estudar a origem desta Súmula 382, constataremos que ela guarda relação com o art. 363, I, do antigo Código Civil, artigo este que dizia respeito à ação investigatória de paternidade, cujo inciso I indicava o concubinato entre a mãe da criança e o indigitado pai como uma das causas de pedir da investigatória. E a Súmula 382 diz respeito à interpretação desse dispositivo legal, especificamente, para dizer que, para se tornar causa de pedir da investigatória, não havia necessidade efetivamente de que aquele concubinato fosse sob o mesmo teto. Isso, evidentemente, é nada mais do que o óbvio, porque, para conceber uma criança, não há necessidade realmente de que o casal more junto. A maior evidência, entretanto, de que essa Súmula não tem nenhuma relação com o fenômeno união estável está no fato de que ela expressamente dispensa, para a caracterização daquele concubinato, o more uxorio.

O que significa more uxorio? More uxorio significa, nada mais nada menos, traduzindo literalmente, “aos costumes de casado”, ou seja, a circunstância de um casal viver ao modo de casado, na posse do estado de casado.

É justamente o more uxorio, a posse do estado de casado, que ontologicamente constitui a essência da união estável. Onde não há more uxorio, não há união estável; logo, onde não há more uxorio, pode haver, sim, concubinato, mas não união estável, o concubinato no sentido amplo, ou mesmo no sentido estrito, que agora é definido pelo art. 1.727 do novo Código Civil.

Portanto, vamos, por favor, abandonar a citação da Súmula 382 do Supremo Tribunal Federal como argumento contrário à exigência da vida em comum sob o mesmo teto, porque não serve.

Quanto à circunstância de o casal não morar junto, disse a eminente Revisora que isso não descaracterizaria de modo nenhum o vínculo afetivo que eles mantinham, no que eu concordo. Realmente, o fato de não morar junto não descaracteriza o vínculo afetivo, mas quem disse que união estável é sinônimo de vínculo afetivo? O vínculo afetivo está na base da união estável, mas por si só não é o bastante para caracterizá-la. Vínculo afetivo temos entre nós aqui, não moramos juntos, nem temos união estável, no entanto temos vínculos afetivos. Vínculo afetivo é um termo muito genérico, de forma que, absolutamente, por si só, não é o bastante para caracterizar união estável.

Outra afirmação da eminente Revisora que eu contesto é a de enxergar na intransigência das filhas do varão um dado externo suficientemente relevante para justificar a ausência da comunhão de vida. Quando me refiro — inclusive no precedente invocado no parecer ministerial — que se admite a não-coabitação sob o mesmo teto quando ela decorre de um fator externo, estou-me referindo a um fator externo incontornável, alheio à vontade das partes, como, por exemplo, a necessidade profissional, no caso, por exemplo, de um casal de Juízes, ele Juiz, ela Juíza, ou Promotores, que estejam designados em comarcas diferentes, ou mesmo em outras profissões, que desempenhem atividade profissionais que não lhes deixam escolha. Agora, a oposição das filhas não retira margem de escolha para as pessoas; as pessoas têm o poder de optar entre comprar a briga e constituir uma união estável, ou não comprar a briga e não constituir uma união estável.

De forma que não vejo, de modo algum, na intransigência filial, muito comum aliás nestas circunstâncias, um obstáculo absoluto e incontornável à formação da entidade familiar, à coabitação do casal, porque, se eles querem realmente manter uma entidade familiar, opor-se-ão, entrarão, se necessário, em conflito com os filhos, e deverão fazê-lo. É realmente inadmissível que os filhos venham a se intrometer na vida dos pais. E se os pais se submetem a isso, então as conseqüências jurídicas têm de ser assumidas, ou seja, não há uma relação caracterizadora de entidade familiar.

Com estes acréscimos, estou acompanhando o eminente Relator.

Dr.ª Catarina Rita Krieger Martins – DE ACORDO COM O RELATOR.

SR. PRESIDENTE (DES. ANTONIO CARLOS STANGLER PEREIRA) – Embargos Infringentes nº 70008361990, de Montenegro – “Por maioria, desacolheram os embargos infringentes, vencida a Desª. Maria Berenice.”

Julgador(a) de 1º Grau: DR. RUY SIMÕES FILHO.

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