Manifestação pública

OAB repudia ‘brutal’ aumento de carga tributária com MP 232

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14 de março de 2005, 15h33

O Conselho Federal da OAB aprovou, nesta segunda-feira (14/3), nota pública para repudiar o aumento da carga tributária trazida pela Medida Provisória 232 aos prestadores de serviços. A nota é dirigida especialmente ao Congresso Nacional, onde a MP é examinada. A entidade critica “o brutal, giratório e genérico aumento da carga tributária, pelo padecimento que inflige às suas vítimas”.

A OAB sustenta que a MP 232 é inconstitucional e não atende aos requisitos de urgência e relevância que devem nortear a edição dessas medidas. “Urgente e relevante seriam o reajuste adequado do Imposto de Renda da pessoa física e não os dispositivos que elevaram a carga tributária de vários setores do país”, afirma.

De acordo com a nota da OAB, a correção da tabela do Imposto de Renda não foi o principal veículo da MP. “Como se isto não bastasse, tantos foram os pingentes pendurados assistematicamente nesse veículo, como os das agressões ao direito à ampla defesa, pelas alterações realizadas no âmbito do processo administrativo-fiscal (artigo 10), que comprometeram, pela excessiva carga tributária introduzida, o equilíbrio que caracterizaria sua relevância”, sustenta a OAB.

O argumento de que a MP 232 tenta evitar a evasão fiscal, segundo a entidade, “revela falta de sensatez e racionalidade por parte do Executivo federal: com efeito, a Medida Provisória aumentou generalizadamente a carga tributária sobre o trabalho, o realizado pessoalmente e mediante as sociedades prestadoras de serviços”.

Leia a íntegra da manifestação pública

A Ordem dos Advogados do Brasil solicitou à Comissão Especial encarregada de estudar a carga tributária nacional e suas implicações na vida do cidadão brasileiro examinar, em relação à Medida Provisória nº 232/2004, a questão da relevância e urgência e os pressupostos imprescindíveis para que o Poder Executivo edite medida provisória (art. 62, caput da C. F.) constitucionalmente válida, produzindo efeitos precários e temporários.

I – A QUESTÃO DA URGÊNCIA

A Emenda Constitucional n. º 32/2001, ao redisciplinar o dispositivo constitucional (art. 62) que trata da adoção de medida provisória, visou a conter a enxurrada de produção dessa forma precária de norma jurídica.

Ao fazê-lo, inseriu um parágrafo segundo, que consagra a regra de que, à exceção dos impostos de importação, exportação, sobre operações financeiras e sobre produtos industrializados, a medida provisória que estabelecer a instituição de novas incidências ou a elevação das já existentes só produzirá efeitos no exercício seguinte ao de sua conversão em lei. Por evidente impossibilidade temporal e material disso ocorrer em relação ao imposto de renda, o art. 14 da Medida Provisória n. º 232/2004, publicada no penúltimo dia de 2004, previu que o aumento da carga tributária, no âmbito desse imposto e para os artigos que indicou (art. 14), só produzirão seus efeitos no ainda distante janeiro de 2006.

Vale lembrar que, a despeito da tentativa de observar o estatuído no art. 62, § 2º, da Carta Magna, tal propósito não foi integralmente atingido. É que, com relação à elevação do imposto de renda referente aos caminhoneiros, pessoas físicas, subcontratadas por pessoas jurídicas (art. 6º, § 5º, da Medida Provisória), estabeleceu-se a produção de efeitos a partir de 1º de fevereiro de 2005; também a elevação em 50% do imposto de renda incidente na fonte, aplicável a pessoas civis ou mercantis, nos pagamentos recebidos pela prestação de serviços de conservação, segurança, vigilância e locação de mão-de-obra, não foram excepcionados, como deveriam sê-lo, se observado o disposto no citado art. 62, § 2º, da Constituição.

É inequivocamente artificial a defesa da tese de que as inúmeras elevações do imposto de renda e a criação de nova incidência sejam matérias dotadas de urgência. Estabelecida a produção de efeitos para o início do ano de 2006, é óbvio que, encaminhado tal assunto no bojo do projeto de lei do Executivo, com a indicação de urgência, como deveria ser o normal, seria debatido no ano de 2005, e, eventualmente, aprovado, produziria iguais efeitos no exercício de 2006, por aplicação do princípio da anterioridade da lei. Carente, portanto, nessa matéria, a designação de urgência, que está a fundamentar a Medida Provisória n. º 232/2004.

A atualização das tabelas de incidência do imposto de renda da pessoa física, aplicável ao trabalho, anual e mensal, corresponde a imperativos constitucionais, em face de a situação que existia anteriormente colidir com vários princípios constitucionais – ofensa à capacidade contributiva, personalização do imposto, vulneração à proibição de confisco e, pior, atentado elíptico ao princípio da legalidade, eis que, exatamente, por não se editar a norma de reajuste, estava-se elevando tributo sem lei.

Todavia, editar, em 30 de dezembro de 2004, medida provisória corrigindo tais tabelas, em índice tão insignificante, é menos questão de urgência e mais de temeridade, se for considerada a necessidade de assentar-se de forma segura e definitiva as regras indispensáveis à implementação do programa do imposto de renda para o exercício financeiro de 2005.

Possivelmente a inspiração que levou a edição dessa medida provisória no final de 2004, tenha sido a da inexorabilidade da aplicação do pragmatismo do mal menor, de aprovar medida provisória, com as tabelas corrigidas, pois mais benignas que as determinadas na legislação anterior. Como se sabe, a redução da carga tributária produz efeitos imediatos, eis que o princípio da anterioridade destina-se à proteção do contribuinte contra nova pressão tributária, pela elevação ou criação do tributo. Modificação benéfica produz efeitos imediatos.

Além disso, a exposição de motivos do Ministério da Fazenda que encaminha essa Medida Provisória comete equívocos ao mencionar, no seu item 20 “que a urgência das medidas propostas se justifica pelo atendimento aos princípios constitucionais da anualidade e anterioridade que precisam ser observados para efeito de se promover alterações nos parâmetros das tabelas progressivas e das deduções do IRRF”.

Como exposto acima, as novas tabelas têm aplicação imediata, pois não ofendem ao princípio da anterioridade, já que encerram tratamento mais favorável ao cidadão-contribuinte. Quanto à anualidade não consiste em princípio de natureza tributária, vigendo apenas no âmbito do direito orçamentário, para indicar que o orçamento fiscal é anual.

Inescapável a conclusão de que carece do requisito de urgência essa Medida Provisória, no substancial da elevação da pressão tributária, pois só terá eficácia no exercício financeiro seguinte a sua conversão em lei, como estabelecido no seu art. 14.

II – A QUESTÃO DA RELEVÂNCIA

Inegável que a abordagem do reajuste das tabelas, das deduções e de algumas isenções relacionadas com seus valores seja matéria dotada de relevância, pelo destaque da situação que existia, agressora dos princípios constitucionais já enumerados anteriormente.

A exposição de motivos, após citar no seu item 17 a perda da arrecadação de R$ 2,5 bilhões, em decorrência das alterações efetuadas no imposto de renda da pessoa física e tabelas e deduções – fundamenta a relevância da Medida Provisória (itens 19, 20 e 21), no art. 14 da Lei complementar nº 101/2000, a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal e, na adoção de providências destinadas a evitar a evasão fiscal.

São enganosas tais afirmações, destituídas de bases reais. O art. 14 da Lei Complementar nº 101/2000 introduziu na nossa legislação o conceito de renúncia à receita e reproduziu o que é aceito universalmente, ao afirmar que por tal designação se considera a perda de arrecadação decorrente de favores e benefícios tributários, que fogem a técnica do tributo, vale dizer, isenções, reduções de alíquota e bases de cálculo anômalas à sistemática do tributo.

A matriz constitucional do imposto de renda é detalhada e decorre de inúmeros princípios orientadores de sua configuração. Em verdade, tem-se que a sua legislação disciplinatória tem tendido a estabelecer incidência sobre rendimentos brutos e não renda, que, no caso, constitui conceito líquido (rendimentos menos deduções, estas correspondentes a despesas necessárias à produção dos rendimentos e gastos considerados socialmente úteis). Tão minguado tem sido o elenco de deduções e seus limites que, em realidade, a aplicação do imposto estava a ocorrer sobre rendimentos brutos e não o que a Constituição autoriza, ao definir a competência da União de instituir imposto de renda.

Dessa forma, é chocante ver-se a distorção argumentativa do Poder Executivo, de índole apelativa, sem solidez, assentando-se no vácuo doutrinário e legal, pois a observância na legislação tributária dos imperativos constitucionais não é favor, benesse ou benemerência do Executivo.

A argumentação utilizada de que se objetiva evitar a evasão tributária, com as providências adotadas, revela falta de sensatez e racionalidade por parte do Executivo Federal. Com efeito, a Medida Provisória nº 232/2004 aumentou generalizadamente a carga tributária sobre o trabalho, o realizado pessoalmente e mediante as sociedades prestadoras de serviços. Pressão tributária acima da capacidade contributiva dos que a padecem constitui poderosa indução à evasão.

Lamentavelmente, o conteúdo da Medida Provisória nº 232/2004 conduz, nesse campo da observância da lei tributária, exatamente à sua negação. Constitui poderosíssimo estímulo à patologia fiscal, pelo brutal incremento de carga tributária que encerra, vale dizer, evasão, elisão e sonegação fiscais, como forma de fugir a sua aplicação. Trata-se, na realidade, de fator estimulante à ineficácia da norma tributária de incidência.

Finalmente, inexiste nessa Medida Provisória a indispensável unidade de articulação e de objeto, posto que estabelece variadas elevações de tributos, afastando-se da técnica legislativa determinada pela Lei Complementar nº 95/1998, que, com base no art. 59 da Constituição, disciplina a elaboração dos textos normativos no País, inclusive as medidas provisórias (parágrafo único do seu art. 1º).

A situação que surge da análise do conteúdo da Medida Provisória n. º 232/2004 é a de que a matéria do imposto de renda da pessoa física, em seus vários desdobramentos, não pode ser o veículo que, por si só, assegure sua adequação ao art. 62 da Constituição Federal. Como se isto não bastasse, tantos foram os “pingentes” pendurados assistematicamente nesse veículo, como os das agressões ao direito à ampla defesa, pelas alterações realizadas no âmbito do processo administrativo-fiscal (Art. 10), que comprometeram, pela excessiva carga tributária introduzida, o equilíbrio que caracterizaria sua relevância.

III – CONCLUSÃO

A bem da verdade, o brutal, giratório e genérico aumento da carga tributária, pelo padecimento que inflige às suas vítimas, é dotado de elevado significado espoliador, o que foi demonstrado pela reação imediata da sociedade civil protestando contra a violência e abusividade praticadas. Urgente e relevante seriam o reajuste adequado do imposto de renda da pessoa física. Tal não acontece com os dispositivos que elevaram a carga tributária de vários setores do País.

A OAB, na sua histórica defesa da ordem jurídica, inerente ao Estado de Direito que todos os brasileiros e suas instituições desejam solidificar, não poderia deixar de se manifestar, junto ao órgão competente, o Congresso Nacional, para que ele exerça na plenitude a sua missão, determinada pela Constituição, e – salvo a necessária adoção, no imposto de renda da pessoa física, de índice que corresponda à inflação havida de 1995 aos dias atuais – declare a abusividade da Medida Provisória nº 232/2004, por carência de atendimento aos requisitos da urgência e relevância, rejeitando-a.

Brasília, 14 de março de 2005.

Roberto Antônio Busato

Presidente

Osiris de Azevedo Lopes Filho – Coordenador

Hugo de Brito Machado

Ives Gandra da Silva Martins

José Luís Mossmann Filho

Roque Antônio Carrazza

Vladimir Rossi Lourenço

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