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Praia de Abricó deve continuar liberada para nudismo

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10 de março de 2005, 13h03

A praia de Abricó, em Grumari, zona oeste do Rio de Janeiro, continua liberada para a prática de nudismo. O ministro Teori Albino Zavascki, do Superior Tribunal de Justiça, manteve a decisão do Tribunal de Justiça de Rio de Janeiro sobre o assunto. Assim, foi reconhecida a legitimidade de ato administrativo que autorizou o nudismo na praia. A informação é do site do STJ.

Em 1994, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente criou a área própria para naturismo em Abricó por meio de uma resolução. O local chegou a ser demarcado com placas e sinais de aviso pela Federação Naturista fluminense. No mesmo ano, uma ação popular movida pelo advogado Jorge Bejá, atuando em causa própria, deu início a batalha judicial.

Ele alegou violação do artigo 233 do Código Penal — prática de ato obsceno em lugar público — e “privatização” de bem de uso comum do povo. Segundo Béja, a autorização do nudismo em Abricó favorecia “uma meia-dúzia de pessoas em detrimento de toda a sociedade”. Os argumentos da ação foram aceitos em primeira instância e o nudismo ficou proibido na área.

Por mais de oito anos a questão foi debatida no foro do Rio. Em setembro de 2003, a prática do nudismo foi liberada pelo TJ-RJ, que julgou a ação popular improcedente. Conforme a decisão, “desde que restrito à área especialmente reservada para esse fim”, o naturismo não afronta o pudor ou a moral pública.

A decisão invocou ainda “o direito à igualdade para a minoria que adere ao nudismo, dentro daquilo que este grupo entende por razoável e correto, desde que numa coexistência pacífica com a maioria não-praticante”. O advogado Béja recorreu ao STJ.

Para o ministro Teori Zavascki, o recurso especial não cabe para o processo em questão porque a decisão do TJ-RJ baseia-se em matéria de natureza constitucional. Segundo a Súmula nº 126 do STJ, esse instrumento não é cabível para recorrer de acórdãos dos quais não houve recurso extraordinário e que tratem de matérias constitucionais ou infraconstitucionais.

O município do Rio de Janeiro foi defendido pela procuradora Ana Terezinha Palmieri. Durante o andamento da ação popular foram interessados: Alfredo Hélio Syrkis e a Federação Naturista do Rio de Janeiro. Eles foram representados, respectivamente, pelos advogados Carla Piranda Rebello e Wanderley Rebello de Oliveira Filho.

Resp nº 681.736

Leia a íntegra da decisão

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESOLUÇÃO 64/94, DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO, QUE AUTORIZOU A PRÁTICA DE NATURISMO EM PRAIA DAQUELA CIDADE. ACÓRDÃO QUE RECONHECEU A LEGITIMIDADE DO ATO, BASEADO EM FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS E INFRACONSTITUCIONAIS. FALTA DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO.

1. Baseando-se a decisão recorrida em fundamentos de índole infraconstitucional e constitucional, cada qual suficiente por si só para mantê-la, e deixando a parte vencida de interpor o correspondente recurso extraordinário, impõe-se o não conhecimento do recurso especial (Súmula 126-STJ).

2. Recurso especial a que se nega seguimento (CPC, art. 557, caput).

DECISÃO

1.Trata-se de recurso especial (fls. 637-648) interposto com fundamento nas alíneas a e b do permissivo constitucional contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que, em ação popular objetivando a anulação da Resolução nº 64/94, do Secretário do Meio Ambiente da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, que autorizou a prática do naturismo em praia daquela cidade, deu provimento aos embargos infringentes (fls. 586-591) opostos pelo Município para julgar improcedente o pedido contido na

inicial.

O aresto contém os seguintes fundamentos:

(a) são cabíveis embargos infringentes quando o acórdão, após rechaçar sentença terminativa, aprecia desde logo o mérito e reforma o decisum de primeiro grau em julgamento não-unânime (fls. 617);

(b) o princípio da dignidade social “impõe ao Estado um atuar de forma a evitar situações econômicas, culturais e morais mais degradantes, que tornam os sujeitos indignos do tratamento social reservado à generalidade. Daí centra-se a questão da moralidade pública” (fls. 620);

(c) “a assertiva de que todos são iguais perante a lei é insuficiente, pois o cerne do problema permanece irresolvido, qual seja, saber quem são os iguais e quem são os desiguais, já que, em última análise, todos se diferem” (fls. 621);

(d) ao se estabelecerem locais determinados para o naturismo, confere-se a seus praticantes o direito de igualdade naquilo que entendem razoável e lídimo, permitindo-se a coexistência pacífica entre maioria e minoria (fl. 622);

(e) “o ato obsceno, elemento normativo do art. 233 do CP, será aquele que ofende o pudor público generalizado, o que não ocorre” (fls. 622). Opostos embargos de declaração (fls. 626-629) apontando omissão do acórdão quanto à matéria inserta no art. 10 da Lei 7.661/88, restaram providos, sem alteração do resultado, com base no seguinte fundamento: “Exatamente porque as praias são bens de uso comum do povo é que, a princípio, também não se pode impor restrições a seu uso” (fls. 632).

No recurso especial, a recorrente considera que, ao afirmar a legitimidade da Resolução nº 64/94, o aresto acarretou violação aos artigos 233 do Código Penal e 10 da Lei 7.661/88.

Alega, em síntese, que (a) “o ato refere-se à separação de um espaço próprio e específico para a prática do nudismo. Portanto, a Resolução separou, distinguiu, excepcionou, restringiu o que a legislação não separa, não distingue, não excepciona nem restringe, pois os mares e praias são bens de uso comum do povo” (fls. 641);

(b) em face dessa condição jurídica das praias, a Resolução concedeu indevidamente a um grupo de pessoas um direito que elas não têm – qual seja, o de se exibirem nuas em público;

(c) a Resolução atacada atinge os direitos das pessoas que freqüentam a praia em comento de não se deparar com pessoas desnudas em ambientes públicos, direito esse consubstanciado na lei penal, que implicitamente proíbe o ultraje ao pudor público;

(d) o ato constitui delito contra o sentimento coletivo de pudor. Houve contra-razões, assinalando a falta de prequestionamento da matéria veiculada no recurso e pugnando pela integral manutenção do aresto atacado (fls. 653-661).

2. Para afirmar a validade da Resolução nº 64/94, questionada na demanda, o acórdão recorrido adotou distintos fundamentos, inclusive de natureza constitucional, estes suficientes para, por si sós, para sustentar a conclusão. É o que decorre, a título ilustrativo, dos seguintes excertos da ementa e do voto-condutor:

“O princípio da dignidade social confere a cada homem o direito de ver respeitadas suas convicções pessoais e portar-se conforme elas, desde que não contrárias à lei e aos bons costumes. Nesta trilha, busca-se conferir à minoria o direito de igualdade naquilo que entendem razoável, lídimo e legal, com o que se estará permitindo a coexistência pacífica entre a maioria e a minoria” (fl.617).

“Daí centra-se a questão da moralidade pública. Se a generalidade repudia a nudez por considerá-la imoral, não seria razoável a reserva de local para a minoria, posto que se indaga se ela, a nudez, realmente seria imoral e atentatória ao pudor público?

O princípio de igualdade consagrado na Constituição Federal faz de todos iguais perante a lei. Consiste em ‘tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que eles se desigualam’. Conforme pondera Celso Ribeiro Bastos (…) a assertiva de que todos são iguais perante a lei é insuficiente pois o ‘cerne do problema remanesce irresolvido, qual seja, saber quem são os iguais e quem os desiguais’, já que em última análise todos se diferem. Para tanto, a solução segundo o eminente doutrinador é a busca da finalidade da norma perante o texto constitucional. Algumas finalidades estariam adaptadas a ele, outras lhe seriam antagônicas e algumas outras neutras. Exatamente em relação ao terceiro grupo interessa-nos a solução dada pelo mestre, verbis:

‘O deslinde da situação do tópico c é o mais difícil e aquele que envolve o exercício de uma margem apreciável de juízo subjetivo por parte do julgador. Não que este seja o juiz supremo dos critérios de validade ou invalidade, escolhendo-os ao seu talante e alvedrio. Não lhe será suficiente o manuseio do Texto Constitucional. Far-se-á mister ir a cata dos valores dominantes e das concepções vigentes na sociedade à época. É por este caminho que se dá a constitucionalização de certas discriminações outrora repelidas. Da mesma forma, distinções que em épocas pretéritas eram tidas por razoáveis perdem esta qualidade em face da evolução axiológica do meio cultural’.

Embora estejamos tratando de ilegalidade e imoralidade e não de inconstitucionalidade, a solução apresentada é perfeitamente aplicável a este caso” (fl. 621)

“(…) não a reprovo (a prática naturalista) desde que constrita a determinados locais. Exatamente nisto está em se conferir àquela minoria o direito de igualdade naquilo que entendem razoável e lídimo, permitindo-se a coexistência pacífica entre a maioria e minoria” (fl. 622).

Ora, o recorrente não interpôs recurso extraordinário. Assim, ainda que pudesse ser conhecido e provido o recurso especial, o acórdão recorrido permaneceria íntegro pelos fundamentos de natureza constitucional. Nesses termos, não merece ser conhecido o presente recurso, ante o óbice contido na Súmula 126 desta Corte.

3. Diante do exposto, nego seguimento ao recurso, nos termos do art. 557, caput, do CPC.

Intime-se.

Brasília (DF), 25 de fevereiro de 2005.

MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI, Relator”

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