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Pedágio só é legal se oferecida via alternativa gratuita

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  • José Antônio Savaris

    é juiz federal da 3ª Turma Recursal do Paraná (TRF da 4ª Região) é doutor em Direito da Seguridade Social (USP) professor do programa de pós-graduação Stricto Sensu da Univali e presidente de Honra do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário – IBDP.

8 de março de 2005, 17h22

Após a Segunda Guerra Mundial, o financiamento de auto-estradas mediante pedágios se desenvolveu rapidamente na Europa e nos Estados Unidos, devido ao desenvolvimento da indústria automobilística, à necessidade de reconstrução dos países atingidos pela guerra e às limitações dos orçamentos públicos.

Como importante instrumento de política rodoviária, ressurge então o pedágio após um século de esquecimento ou abandono que lhe fora imposto pelo desenvolvimento das ferrovias (Inglaterra, Estados Unidos, Brasil e outros) e pela força do direito de liberdade (França).

A feição contemporânea do pedágio coloca-o como meio de recuperação e remuneração do capital investido por concessionárias privadas na construção e conservação de modernas autopistas. É assim em todo mundo.

No Brasil, porém, o financiamento privado de infra-estruturas, com a participação das concessionárias de rodovias, está longe de corresponder ao método genuíno de construção de obras públicas para posterior exploração (remuneração dos valores investidos).

Ao contrário, parte-se de uma rodovia existente de regular condição, financiada a partir de impostos pagos por toda sociedade, e concede-se sua exploração à concessionária, a qual passa a exigir pedágios em vias até então gratuitas, embutindo nas tarifas valores destinados à realização de obras futuras, sendo que algumas destas obras futuras, diga-se, já deveriam ter sido realizadas no passado (restauração, adequação da rodovia ao fluxo de veículos etc).

Quando se emprega o pedágio de manutenção, nada mais está a se fazer do que eliminar da tarifa de pedágio a injustificável cobrança de valores para realização de futuras obras. Afinal de contas, que dever teria o usuário que utiliza uma rodovia de pista simples de custear sua duplicação ou a construção de uma ponte?

No pedágio para obras futuras, o usuário paga por um serviço que não lhe é prestado e por uma obra que somente existe nos projetos do concessionário.

Este financiamento de rodovias pelo usuário não tem qualquer fundamento legal e, como lembra o respeitável administrativista argentino Agustín Gordillo, somente ocorre “em países subdesenvolvidos em época de emergência”.

Ora, se quem financia é o usuário e ao concessionário cumpre a cobrança, administração e execução da obra ou do de serviço, qual seria a finalidade da participação do agente privado?

Segue a nova: com o pedágio de manutenção exclui-se a iníqua cobrança de valores destinados a obras futuras, o que reduz consideravelmente o valor das tarifas. Além disso, a administração pelo Estado traduz o reconhecimento de que o concessionário que não constrói senão com valores pagos pelos particulares é um componente descartável nesta história. Esta é a notícia boa.

Passo à notícia ruim: Com a instituição do pedágio de manutenção, o Poder Público manifesta firme propósito de exigir tarifas de pedágios sem oferecer via alternativa de livre trânsito aos usuários. É uma surdez inexplicável. O Poder Judiciário, de tempo em tempo, reitera o entendimento no sentido de que é dever do Estado conservar a malha rodoviária básica com valores arrecadados de toda coletividade, de maneira que somente pode haver a cobrança de pedágios quando oferecida ao usuário uma via alternativa gratuita.

Ora, é interesse de toda coletividade que a malha rodoviária básica efetivamente comunique os diversos pontos deste Brasil continental. Aliás, por muito pouco o sul do país não ficou ilhado em razão da queda de parte da Ponte Capivari (na BR-116 – Paraná), em 25 de janeiro último, e isso bem demonstra que o sistema viário básico afeta continuamente a todos, não aproveitando apenas ao usuário que dele se vale transitoriamente.

Mas não apenas por essa razão é que a conservação da malha rodoviária básica deve correr por conta do Estado. É que, para além disso, os valores recolhidos pelos usuários de vias públicas a título de IPVA e CIDE (incidente sobre os combustíveis) são cobrados justamente pelo motivo de investimento no setor de transportes. Isso sem contar no grande repertório de tributos que constitui a maior carga tributária do mundo.

O que espanta na saga do pedágio é a absoluta resignação do cidadão que pensa ter diante de si apenas a opção entre estradas ruins e o pagamento do pedágio como condição para estradas boas. Ignora ou olvida-se o vulgo que, em que pesem as afirmações de dificuldades orçamentárias, a opção “estradas boas sem pedágio” é possível e é, aliás, a única que se encontra de acordo com a Constituição da República e com a Justiça.

A se confirmarem as decisões dos Tribunais Regionais Federais e do Superior Tribunal de Justiça, o usuário poderá receber de volta os valores que recolheu indevidamente a título de pedágio. Até lá, os políticos ganham votos, os empresários dinheiro, os usuários pagam por enquanto e os contribuintes pagam sempre, sejam os do momento presente ou, melhor, os que venham depois, porque estes não podem protestar agora.

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  • Brave

    é juiz federal do 1º Juizado Especial Cível e Previdenciário de Curitiba, doutorando em Direito da Seguridade Social (USP), mestre em Direito Econômico e Social (PUC-PR), professor de Direito Previdenciário da Escola da Magistratura Federal do Paraná (Esmafe-PR) e da Escola Paulista de Direito Social (EPDS) e presidente de honra do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário.

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