Patentes de remédios

Concessão de patentes não é assunto da Anvisa, dizem especialistas.

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8 de março de 2005, 22h00

Segundo estatísticas, as pesquisas de uma nova droga demoram em média de oito a dez anos para serem concluídas. Para se chegar a ela, são usadas cerca de cinco mil moléculas das quais apenas uma é aproveitada, num investimento que costuma atingir a marca dos US$ 900 milhões. Mas um dos maiores complicadores do processo, de acordo com a indústria, é sentido depois de terminada a pesquisa e esbarra na burocracia criada com a intervenção da Anvisa — Agência de Vigilância Sanitária na concessão da patente dos medicamentos.

Desde o ano passado, quando foi acrescentado o artigo 229-C à Lei da Propriedade Industrial (Lei 9.279) determinando que a concessão de patentes para a indústria farmacêutica deve ser submetida à anuência da Anvisa (não importando o parecer do INPI — Instituto Nacional de Propriedade Industrial), os efeitos colaterais são sentidos pelo setor.

De acordo com a Interfarma, associação que congrega laboratórios de pesquisas farmacêuticas, a Justiça brasileira já conta com duas ações contra o dispositivo que incluiu a necessidade de crivo da Anvisa ao processo. Uma delas é encabeçada pela Roche, que acionou a Justiça contra o parecer que negou a patente do remédio Valcyte, usado no tratamento da AIDS. A disputa já foi vencida em primeira instância.

Os problemas da intervenção da agência vão desde o encarecimento e a demora para conseguir registrar a propriedade intelectual da substância até a insegurança jurídica por ser submetido a dois processos legais para o mesmo fim. O parecer favorável do INPI à concessão da patente para a nova droga não tem valor algum sem a concordância da Anvisa, conflito que hoje atinge 30 dos 500 pedidos em andamento, segundo números fornecidos pela agência sanitária.

Não há dados sobre encarecimento do produto final, mas sabe-se que todo processo que toma tempo e requer acompanhamento gera um custo adicional à mercadoria. Também não existe, ainda, estatística que reflita a conseqüência da intervenção da Anvisa nos investimentos em pesquisa no Brasil. Mas pode-se dizer que eles “seriam facilitados se houvesse garantia de que a proteção seria dada como colocado no começo (por meio do INPI)”, diz o presidente executivo da Interfarma, Gabriel Tannus.

Juridicamente, garantem especialistas, não há amparo legal para a exigência de anuência da agência sanitária para a concessão de patentes. A prática foge da competência designada a ela, que é a de examinar se o medicamento é ou não nocivo à saúde pública. E isso, afirma o advogado Luiz Leonardos, do Momsen, Leonardos & Cia, “deve ser feito na hora de dar licença para a comercialização do produto e não ao decidir pela concessão da patente”.

“O fato de a decisão ficar a cargo da Anvisa infringe uma série de dispositivos de lei, inclusive a Constituição Federal e o decreto 1.355, que colocou em vigor o acordo Trips (acordo internacional de direitos de propriedade)”, concorda o advogado Hélio Fabbri, da Advocacia Pietro Ariboni S/C. “A competência (para a concessão de patentes) é absoluta do INPI, que é por onde tramitam todos os pedidos de propriedade intelectual no Brasil. Criou-se uma monstruosidade legal”, diz.

O que os especialistas defendem é que a intervenção da Anvisa só é justificada nos pedidos de pipeline — produtos indisponíveis ou que não estivessem a ponto de ser lançados no mercado mundial. Segundo a legislação, se atendidos os requisitos, eles poderiam ser patenteados no país. Nesses casos, a agência desempenharia o papel de auxílio ao INPI.

A situação seria, assim, transitória e não permanente, como acontece hoje. “A intenção não foi transferir ou sequer dividir o poder do INPI com a Anvisa”, afirma Fabbri. “No momento em que a Anvisa se intromete na concessão do direito que não lhe diz respeito ela não só contraria a lei, mas também o interesse nacional”.

Ao obstar o caminho do registro de propriedade e desestimular a pesquisa e o desenvolvimento de novos medicamentos, a medida prejudicaria a população. Ainda porque, o Brasil é o único país no mundo onde a agência de propriedade intelectual não possui total autonomia na concessão de patentes.

A intervenção da agência sanitária “não é viável e é desarmônica com as leis de propriedade intelectuais mundiais”, diz a advogada Flavia Vasconcelos, do Trench, Rossi e Watanabe Advogados. O conflito de competência entre a Anvisa e o INPI é agravado pelo fato de não ser explícito por lei quais os critérios que a agência deve avaliar na concessão dos pedidos.

“A viabilidade (da interferência) só se daria se eles fossem acessórios aos usados pelo INPI”, afirma. Ou seja, outros requisitos que não a constatação da atividade inventiva e da aplicação industrial do produto. “Caso contrário ela fica sem pé nem cabeça e fere a isonomia das partes”, diz Flavia. Isso porque qualquer outro setor pode garantir a patente sem maiores problemas, exceto a indústria farmacêutica.

A discussão se prolonga para aspectos mais específicos da questão, como o fato de a Anvisa não concordar com a concessão de patentes de segundo uso — quando se descobre que uma mesma substância pode ser aplicada em doenças diferentes. Isso acontece quando depois de descoberta uma droga para problemas cardiovasculares, por exemplo, se conclui que ela serve também para tratar disfunções eréteis. “Como fazer investimentos se não existe a segurança temporária (sobre a descoberta)?”, questiona Tannus.

Outro lado

De acordo com a gerente de regulamentação sanitária internacional Anvisa, Ana Paula Jucá, no entanto, a atuação da agência existe para agregar conhecimentos técnicos próprios da área de saúde e que são fundamentais para apoiar a avaliação feita pelo INPI. “O governo decidiu que a melhor forma administrativa de apoiar a avaliação técnica de um produto tão sensível é contar com a anuência de um órgão sanitário”, afirma.

Segundo ela, há, sim, base jurídica para a intervenção da Anvisa no processo, já que foi por meio da Lei 10.196 que o artigo 229-C foi acrescentado à Lei de Propriedade Industrial. “Não se tem por objetivo cercear o direito de quem tem direito. A intenção é evitar a concessão indevida de patente”, diz Ana Paula.

A recusa de 30 dos 500 pedidos de patentes que chegaram ao órgão é, de acordo com Ana Paula, natural. “A questão não é tão desesperadora como colocada, estamos pegando esses 30 casos e rediscutindo cada um deles”.

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