Morosidade da Justiça

Vidigal diz que insegurança jurídica tem custo imprevisível

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4 de março de 2005, 12h38

“A insegurança jurídica tem custo imprevisível”. A afirmação é do presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Edson Vidigal, em palestra proferida nesta quinta-feira (3/3). Ele disse lamentar que a morosidade do Poder Judiciário nacional, segundo estudos internacionais, custa ao Brasil o equivalente a 20% do Produto Interno Bruto (PIB).

Vidigal esteve em Vitória, onde fez uma palestra para os associados do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (IBEF), seção do Estado do Espírito Santo. Na mesma ocasião, ocorreu a posse da nova diretoria do IBEF-ES, que passa a ser presidida pelo empresário Evandro Barreira Milet. As informações são do site do STJ.

O ministro apresentou números aos empresários sobre o funcionamento do STJ. “No ano passado, o STJ julgou 241.309 processos; 11% a mais que em 2003. Ou seja, 7.312 processos por ministro. Levando-se em conta que o Tribunal funciona dez meses por ano, 20 dias por mês e oito horas por dia, obtemos aí uma média de 4,57 processos por hora para cada ministro. Ou seja, um processo a cada 13 minutos”, disse.

Mas ressalvou: “Claro que nem tudo é verdade. Estamos, no caso aqui, diante de uma mentirinha. É possível afirmar-se que mais da metade dos processos cuidam de questões já resolvidas antes em outros processos. Portanto, o trabalho do ministro aqui é de mera formalidade. Ele não precisou pensar muito. Sua assessoria já aferiu e montou o lote de idênticos para os quais são juntadas decisões idênticas, já anteriormente tomadas, mas que precisam, ainda assim, ser levadas à confirmação ou não do colegiado”.

Leia a palestra do ministro:

Senhoras,

Senhores:

O direito que se opera no Brasil é o nacional federal. A Constituição da Republica reserva para a União Federal, ou seja para o Congresso Nacional, competência exclusiva para legislar sobre tudo o que tem a ver com a vida das pessoas no Brasil.

Esse direito nacional federal é operado por duas vertentes judiciárias – a Justiça dos Estados e a Justiça Federal. O que se resolver em qualquer dessas vertentes, estadual ou federal, pode ensejar recurso para o Superior Tribunal de Justiça.

O Superior Tribunal de Justiça é, portanto, a Corte onde devem terminar as demandas instauradas com base no direito nacional federal. Sendo, assim, o Tribunal da Federação, é da sua função unificar a interpretação da lei federal.

Isto quer dizer que não pode haver, quanto à lei federal, interpretação divergente entre os Tribunais. O Superior Tribunal de Justiça é quem dá a palavra final.

No ano passado,em 2004, o STJ julgou 241.309 processos; 11% a mais que em 2003. Ou seja, 7.312 processos por Ministro. Levando-se em conta que o Tribunal funciona 10 meses por ano, 20 dias por mês e 08 horas por dia, obtemos aí uma média de 4,57 processos por hora para cada Ministro. Ou seja, 01 processo a cada 13 minutos. Claro que nem tudo é verdade. Estamos, no caso aqui, diante de uma mentirinha. É possível afirmar-se que mais da metade dos processos cuidam de questões já resolvidas antes em outros processos.

Portanto, o trabalho do Ministro aqui é de mera formalidade. Ele não precisou pensar muito. Sua assessoria já aferiu e montou o lote de idênticos para os quais são juntadas decisões idênticas, já anteriormente tomadas, mas que precisam, ainda assim, ser levadas à confirmação ou não do colegiado.

Houvesse a Sumula Vinculante para o STJ, como hoje há no STF, o Supremo, os processos iguais demorariam menos. Não haveria necessidade do teatrinho de julgamento. O Relator resolveria tudo por Despacho. Da instalação do STJ, há 15 anos, até agosto de 2004, a União Federal foi ré em 202.676 processos. Numa relação dos 20 mais processados, empresas privadas ou instituições publicas, que respondem, nesse quadro, por 401.079 ações, a União Federal comparece com 50,53%.

Noutra lista, entre os que mais demandam, aparece a Caixa Econômica Federal que, no mesmo período, ajuizou 346.799 ações, ou seja 45,55 % dos 761.273 processos chegados ao STJ. Depois da União e da CEF vem o INSS. E a lista cresce com os bancos, Estados, Municípios.

Maior parte do tempo e dos esforços do Judiciário, como se depreende, é com entes estatais ou com grandes corporações. Quase não há espaços para as pequenas ou médias empresas e tampouco para os povo em geral.

A reforma constitucional ou infra-constitucional do Judiciário, portanto, não vai gerar efeitos especiais em favor do Brasil se nos limitarmos às fronteiras das formalidades legais. Precisamos investir na busca das vocações para a magistratura e para o ministério publico. Não basta ter talento, brilho, reputação ilibada e notável saber jurídico. É preciso ter vocação. E vocação é sacerdócio, é desprendimento, é espírito público.

A sociedade não compreende mais o Juiz distante, quase alheio ao mundo circundante. Sendo um agente publico para o serviço da paz, o Juiz hoje precisa estar antenado com as ruas, envolvido com as realidades sociais. Não pode ficar à mercê apenas do que lhe dizem nos autos do processo.

Compreendendo, assim, é do seu dever refletir sobre as questões sociais, políticas e econômicas. Sendo o Estado composto por três Poderes e ele, Juiz, no caso, é parte de um deles, o Judiciário, é importante que entenda a natureza política da sua função.

Realizar a paz quer dizer buscar, antes, a conciliação, promover a mediação. Quantas demandas que se arrastam há décadas no Judiciário que não já estariam superadas através da mediação, de um acordo entre as partes, sob a homologação de um Juiz ? Quanto não se economizaria em tempo e em dinheiro se as partes da contenda fossem induzidas à realização de acordos que resultassem na desistência da via judicial?

Creio que é para esse rumo que vamos caminhar – para a estrada da conciliação, do acordo, da mediação. E assim todos resultarão vencedores. Vencerá o bom senso, a razão. Ganhará o País, vencerá a Justiça.

Para isso precisamos consolidar a segurança jurídica. Isto tem a ver com jurisprudência consolidada, imutável, decisões previsíveis. Tem a ver com garantia judicial para que se respeitem os contratos. Ninguém pode ser surpreendido com novas regras em meio a um contrato em vigor. Nenhuma clausula pode ser alterada nem mesmo pela lei se o contrato está em sua plena vigência.

Os capitais que andam soltos pelo mundo são atraídos pelas possibilidades de melhores rendimentos dos seus investimentos. Eles sondam o terreno, procuram se sentir seguros, estudam as regras do mercado, a estabilidade política do País, aferem a segurança jurídica. Convictos de tudo que precisam em sua proteção, aportam. Transmudam-se em ações, em investimentos. Mas logo vão embora ante alguma ruptura de alguma regra pactuada.

Se a morosidade judicial custa ao País o equivalente a 20% do PIB nacional, a insegurança jurídica tem um custo imprevisível. Dependendo das respostas do Judiciário às questões inerentes à economia, os capitais aumentam-se em aportes ou vão embora, disseminando mundo afora a informação negativa de que o Brasil ainda não é o melhor lugar para grandes investimentos.”

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