Mal-estar

Juízes reclamam de mutirão convocado pelo TJ paulista

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3 de março de 2005, 17h11

O mutirão para zerar os mais de 500 mil recursos encalhados no Tribunal de Justiça de São Paulo está provocando mal-estar entre os juízes de primeira instância e críticas à cúpula do TJ. Para tentar apagar o incêndio, a Apamagis — Associação Paulista dos Magistrados — convocou uma assembléia-geral extraordinária para o próximo sábado (5/3), a partir das 9 horas.

Enquanto um promotor de Justiça da capital ganha cerca de R$ 4.900,00 mensais quando convocado para dar parecer em segundo grau, um juiz titular que aderir ao mutirão vai receber R$ 75,00 por decisão. No caso de o juiz fazer o dever de casa conforme as regras e concluir os 30 votos que lhe serão destinados por mês, vai receber R$ 2.250,00.

Os juízes de primeira instância têm mais produtividade que os desembargadores. Em 2003, cada juiz de primeira instância julgou 2.354 processos em São Paulo. No ano passado, cada desembargador analisou uma média de 847 recursos.

Reação

Segundo o presidente da Apamagis, desembargador Celso Limongi, a convocação foi feita para saber o que os juízes têm a dizer e, com isso, definir uma posição da entidade sobre o convite do Tribunal de Justiça para que juízes de primeira instância trabalhem no 2º grau de jurisdição.

“Os juízes estão preocupados porque quem assumir o compromisso terá de cumprir os prazos sem deixar de analisar os processos sob sua responsabilidade nas varas, o que já é bastante trabalho”, afirma Limongi. Os números corroboram os argumentos do desembargador: no estado de São Paulo, cada juiz julga, em média, 2.070 processos por ano.

Mesmo assim, Limongi diz acreditar que os magistrados não deixarão de atender ao chamado. “Será um novo sacrifício que os juízes farão pela Justiça do nosso estado”, afirma.

Mas nem todos estão dispostos a se sacrificar novamente. Segundo um juiz de comarca do interior paulista, “não há dinheiro que pague a saúde e o convício com a família”. Ele disse que vai tentar ter uma vida normal a partir de agora.

Muitos juízes já se recusaram a participar do mutirão. Alguns dizem que estão sendo chamados para um sacrifício que visa melhorar a imagem da cúpula do Judiciário. Outra crítica reside no valor da remuneração.

“Esse mutirão vai nos onerar mais ainda. A remuneração, ainda que razoável, não é o suficiente para atrair os magistrados. Assim, acho que esse mutirão só poderá se movido por um espírito de colaboração com o Tribunal de Justiça”, pondera outro juiz.

O Tribunal de Justiça paulista quer distribuir 150 mil dos recursos encalhados aos juízes voluntários que aderirem ao mutirão. O desejo do TJ é garantir a adesão de 500 voluntários, o que daria 300 recursos para cada um. O restante seria distribuído entre os desembargadores e os chamados “pingüins” — juízes substitutos em 2º grau.

“Sou contra o mutirão. Os juízes de primeiro grau paulistas são os mais produtivos do Brasil, segundo levantamento do Ministério da Justiça. Agora, por causa do fim do represamento, diante da perspectiva de receberem mais de dois mil feitos por desembargador, o TJ volta-se para os membros do primeiro grau. Não temos condições de participar dessa tarefa. Estamos trabalhando no limite há muito tempo”, desabafa um juiz, que pediu para não ser identificado.

“Como é que um juiz vai decidir trinta feitos por mês, tendo que despachar os feitos de sua vara, fazer as audiências e sentenciar os feitos normais que recebe?”, questiona esse mesmo juiz. “Apesar de nobre, a tarefa pedida pela cúpula do TJ é inaceitável”, conclui.

Um outro juiz apela para o bom senso, apesar de reconhecer as dificuldades da primeira instância. Para ele, o maior problema é que a população e a mídia não distinguem Tribunal de Justiça e juízes.

O mutirão

No último dia 16, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo aprovou, por unanimidade, um mutirão dos juízes titulares para julgar parte dos recursos que estão parados no acervo da segunda instância da Justiça paulista. Cada juiz vai receber, no prazo de março deste ano a 31 de março do ano que vem, 300 processos para julgamento.

Três dias depois da decisão do colegiado do TJ, cerca de 120 juízes participaram de uma reunião na Apamagis onde foram feitas críticas ao mutirão. Alguns deles colocaram em xeque a legalidade da convocação de juízes de primeira instância, citando os artigos 107 e 118 da Lei Orgânica da Magistratura.

Juízes presentes criticaram a estrutura de trabalho na primeira instância que, segundo alguns, não dispõe de local para guardar os 300 recursos, nem de funcionários para manuseio desses autos e para a pesquisa dos temas, digitação dos votos e transporte dos volumes.

Eles também apontaram a exigüidade do prazo para a elaboração de todos os votos, se mantida a designação sem prejuízo da Vara, e da remuneração. Na opinião dos juízes, o valor proposto pelo TJ desrespeita a equiparação entre as carreiras.

Os juízes ainda pleiteiam que a quantidade de recursos distribuídos a cada um não pode ser superior ao número mensal de pareceres dos promotores de Justiça convocados.

O presidente da Apamagis afirmou que não há confronto com o Tribunal de Justiça, mas respondeu que existe sim a possibilidade de que os juízes peçam um valor maior para aderir ao mutirão.

Cenário

A distribuição aos juízes titulares será feita por temas, experiência que foi adotada no extinto Segundo Tribunal de Alçada, com redução do tempo de julgamento para três meses.

Antes da reforma do Judiciário, quando tinha 131 desembargadores, o Tribunal de Justiça julgava 110 mil recursos por ano. Agora, o número de desembargadores mais que dobrou, passando para 356 com a inclusão dos juízes dos três tribunais de alçada.

“Depois, novos juízes deverão ser integrados ao trabalho extra e o que sobrar será distribuído com os desembargadores”, afirma um assessor da Presidência do TJ.

A direção do Tribunal acredita que cada juiz possa preparar, sem prejuízo dos trabalhos nas varas judiciais, cerca de 30 votos por mês. “A gratificação e o prazo vai facilitar o recrutamento voluntário dos juízes”, afirmou o presidente do TJ, desembargador Luiz Elias Tâmbara.

Atualmente, os processos que aguardam distribuição no Tribunal de Justiça estão acomodados no Fórum da Barra Funda e em outros dois fóruns e a distribuição é feita em ordem cronológica e de acordo com a capacidade de julgamento de cada seção.

A emenda constitucional da reforma do Judiciário alterou o artigo 93 da Constituição Federal com o objetivo de extinguir o represamento de processos e determinou sua distribuição imediata e automática. O assunto foi submetido à apreciação do Órgão Especial porque o prazo inicial para o mutirão terminaria em 31 de dezembro deste ano, quando acaba a gestão de Tâmbara. O novo prazo vai avançar na futura administração do TJ e comprometer recursos da nova presidência.

A iniciativa integra um pacote de medidas destinadas a enfrentar o enorme atraso na distribuição de processos estacionados na segunda instância do Judiciário paulista. Hoje, a demora na distribuição dos processos em São Paulo chega a ser de até cinco anos, a maior do país.

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