Partida ganha

Bingo fechado não está dispensado de obrigação trabalhista

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2 de março de 2005, 11h48

A proibição de funcionamento das casas de bingo no Brasil não as dispensa de arcar com as obrigações trabalhistas. O entendimento é da 1ª Turma do Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-SP), que negou para a empresa Anchieta Eventos S/C Ltda. a possibilidade de aplicar o chamado “factum principis”, instituto previsto no artigo 486 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Ainda cabe recurso.

A expressão “factum principis” significa “fato do príncipe”. O texto da CLT define que, “no caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável”. Mas o TRT paulista entendeu que não existia norma expressa que autorizasse o funcionamento dos bingos. A informação é do TRT-SP.

Caso concreto

Uma ex-empregada do bingo operado pela Anchieta entrou com ação na 47ª Vara do Trabalho de São Paulo reclamando verbas trabalhistas devidas em virtude de sua demissão sem justa causa. Com base no artigo 486 da CLT, a empresa sustentou que a União Federal deveria ser condenada a pagar os direitos da reclamante, pois o bingo encerrou suas atividades em virtude da edição da Medida Provisória 168, que proibiu a atividade no Brasil.

A 47ª Vara acolheu a tese da empresa e absolveu-a do pagamento do 13º salário proporcional, férias vencidas e proporcionais acrescidas de 1/3, multa de 40% sobre o FGTS. A primeira instância determinou que a União arcasse com as indenizações devidas ao trabalhador. O caso foi parar no TRT-SP.

De acordo com o juiz Plínio Bolívar de Almeida, relator do Recurso Ordinário, a prática de jogo de bingo foi autorizada, no âmbito federal, pelo artigo 57 da Lei nº 8.672/1993 (Lei Zico), posteriormente revogada pelo artigo 96 da Lei nº 9.615/98 (Lei Pelé).

O relator acrescentou que a Lei nº 9.981/00 (Lei Maguito Vilela) limitou a autorização de exploração de jogos de bingo até 30/12/2001. “Portanto, a exploração de jogos de bingo passou a ser irregular às entidades que o fizessem sem a devida autorização ou, ainda, para aquelas entidades às quais tenha sido concedida a prática deste jogo após esta data”.

Para Bolívar, “a atividade do jogo de bingo explorada pela reclamada se encontrou a margem do ordenamento jurídico, não havendo guarida normativa para a expedição de qualquer autorização para funcionamento, tanto pela Caixa Econômica Federal quanto por qualquer outro órgão estadual por delegação daquela. E, ainda que houvesse, foi a título precário, não havendo falar em ‘factum principis’”.

O relator condenou a Anchieta ao pagamento de todas as verbas trabalhistas devidas para a ex-empregada. A 1ª Turma acompanhou o voto do juiz Bolívar por unanimidade.

RO 00982.2004.047.02.00-4

Leia a íntegra do voto

RECURSO ORDINÁRIO DA MM. 47ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO/SP em RITO SUMARÍSSIMO

RECORRENTE : REGINA CORREA DE MELO

RECORRIDO : ANCHIETA EVENTOS SC LTDA

EMENTA: “FACTUM PRINCIPIS. BINGO. MEDIDA PROVISÓRIA PROIBITIVA. Mesmo anteriormente à edição da medida provisória que proibiu a atividade do jogo de bingo, encontrava-se a Reclamada, como as demais casas similares, a margem do ordenamento jurídico, pois não havia guarida normativa para a expedição de qualquer autorização para funcionamento, tanto pela Caixa Econômica Federal quanto por qualquer outro órgão estadual por delegação daquela. E, ainda que houvesse, foi a título precário, não havendo falar em “factum principis”.”

RELATÓRIO

Inconformada com a r. sentença de fls. 82, julgou a reclamatória procedente em parte, condenando a Reclamada a depositar à Reclamante o FGTS do período de julho de 2003 a 20/02/2004 e liberação do TRCT e guias do Seguro-Desemprego sob pena de multa diária de R$ 100,00, baixa na CTPS com data de 20/02/04, sob pena de fazê-los a Secretaria da Vara, e absolvendo-a dos demais pedidos ao argumento de que é da União Federal eventual responsabilidade pelos créditos respectivos, recorre, ordinariamente a Reclamante sustentando que não houve “factum principis” e, ainda que tenha ocorrido, as verbas são salariais, não havendo pedido fundado no artigo 478 da CLT, além do que, não deveria o Juízo julgar improcedentes os pedidos, mas reconhecer a incompetência, e remeter os autos à Vara da Fazenda.

Embargos declaratórios opostos pelo Reclamante rejeitados (fls. 86).

Provas produzidas em audiência às fls. 16 (depoimento do Reclamante).

Procurações às fls. 7 (Recte.) e fls. 17 (Recda.)

Contra-razões pela Reclamada às fls. 94/104.

É o relatório do necessário.

CONHECIMENTO

Conheço do apelo, pois bem feito e aviado, preenchendo, assim, os pressupostos de admissibilidade.

VOTO

O apelo merece prosperar.

Entendeu o Juízo “a quo” que o encerramento das atividades da Reclamada decorreu de “factum principis”, julgando improcedentes os seguintes pedidos: saldo salarial, 13º salário proporcional, férias vencidas e proporcionais mais um terço, reflexos no FGTS, multa de 40% sobre o FGTS, e multa do artigo 477 da CLT.

Concedida vênia, há várias incorreções na r. sentença que ora reformo:

1. A invocação pela Reclamada de que a paralisação decorreu de ato de autoridade federal, obriga o juiz a notificar a União, para que, no prazo de 30 dias, alegue o que entender devido, passando a figurar no processo como chamada à autoria, nos termos do artigo 486, parágrafo 1º da Consolidação das Leis do Trabalho.

2. Reconhecido o fato do príncipe, a Reclamada somente se exime da indenização devida pela dispensa imotivada, ou seja, a indenização de 40% sobre o FGTS, que passa a ser devida pela pessoa de direito público apontada.

3. O pedido de indenização de 40% sobre o FGTS não pode ser julgado improcedente, pois caso reconhecida a incompetência, deveriam os autos ser remetidos ao Juízo Fazendário, ou, ainda que se entenda que há competência desta Justiça nos termos do artigo 114 da Constituição Federal, o pedido deveria ter sido apreciado, e, sendo o caso, condenar a União a pagá-la.

Entretanto, antes de analisar tais questões, necessário realizar uma retrospectiva legiferante, a fim de se averiguar se ocorreu ou não “factum principis”.

A prática de jogo de bingo foi autorizada, no âmbito federal, pelo artigo 57 da Lei nº 8.672/1993 (“Lei Zico”). Esta, no entanto, veio a ser expressamente revogada pelo art. 96 da Lei nº 9.615/98 (“Lei Pelé”), verbis: “Os jogos de bingo são permitidos em todo o território nacional nos termos desta lei.”, tendo-se inserido a disciplina legal da exploração da atividade por meio do disposto nos artigos 60 a 81 desta lei.

Ocorre que, em face da edição da Lei nº 9.981/00 (“Lei Maguito Vilela”), houve a limitação da possibilidade da concessão de autorização de exploração de jogos de bingo até 30.12.2001, em face do contido em seu art. 2º, verbis: “Ficam revogados, a partir de 31 de dezembro de 2001, os arts. 59 a 81 da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, respeitando-se as autorizações que estiverem em vigor até a data da sua expiração.”. No parágrafo único deste mesmo dispositivo da lei consta que “caberá ao INDESP o credenciamento das entidades e à Caixa Econômica Federal a autorização e a fiscalização da realização dos jogos de bingo, bem como a decisão sobre a regularidade das prestações de contas”, valendo dizer, portanto, que a partir de então a exploração do jogo de bingo somente poderia ser concedida até 30 de dezembro de 2001.

Portanto a exploração de jogos de bingo passou a ser irregular às entidades que o fizessem sem a devida autorização ou, ainda, para aquelas entidades às quais tenha sido concedida a prática deste jogo após esta data.

Como as autorizações possuíam validade de um ano, por decorrência lógica, deduz-se que, caso um estabelecimento comercial que estivesse em regular situação perante o órgão fiscalizador conseguisse uma autorização no mês de dezembro de 2001, continuaria funcionando até, no máximo, dezembro do ano de 2002.

E os locais que estivessem em situação irregular ou que não tivessem obtido, por qualquer motivo, a renovação do credenciamento até 31/12/2001, somente poderiam licitamente manter a atividade empresarial até a data máxima contida na última renovação, portanto, até o ano de 2001.

Delimitada tais premissas, conclui-se que todas as casas de diversão que exploravam atividades de bingo naquele momento, após o dia 31 de dezembro de 2002, deixaram de ter amparo legal para a atividade.

Sustenta a Reclamada que a Medida Provisória nº 2.216-37 restabeleceu vigência e a eficácia do artigo 59 da Lei Pelé, passando a ser norma autorizadora da exploração da atividade. É que a Lei nº 9.981/00, que revogou o permissivo legal, embora publicada em 17 de julho de 2000, dispôs que a revogação somente teria efeito a partir de 31 de dezembro de 2001. Dentro deste período, precisamente, em 31 de agosto de 2001, a Medida Provisória nº 2.216-37 alterou o artigo 59 da Lei Pelé.

A autorização para a atividade de bingo poderia ser reavivada a partir de uma leitura superficial da referida medida provisória, que em seu artigo 17 retira a exploração do jogo de bingo das entidades de administração e de prática desportiva, remetendo tal competência à Caixa Econômica Federal.

Estabelece a norma que o modo de execução da exploração da atividade se dará “nos termos desta lei e do respectivo regulamento”. E, considerando-se que os artigos que regulavam tal exploração restaram revogados, por consectário lógico, a execução desta exploração vê-se inviabilizada.

Cumpre ressaltar que a multicitada medida provisória objetivou, como consta de sua preâmbulo, “alterar dispositivos da Lei nº 9.649, de 27 de maio de 1998, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios”. Não houve qualquer intuito do Poder Executivo em restabelecer a atividade dos bingos. Na realidade o artigo 17 pretendeu acrescentar mais uma função as já muitas destinadas à Caixa Econômica Federal, sem perceber que mencionara dispositivo já expressamente revogado.

Necessária uma interpretação teleológica da regra. Não se pode vislumbrar em uma norma que atribui funções a um órgão governamental, a autorização para a exploração do jogo de bingo.

Cumpre salientar ainda que o texto do artigo 17 da medida provisória consagra a atividade dos jogos de bingo como serviço público de competência da União. Assim considerando, qualquer intervenção do particular na exploração de tal atividade somente poderá ser autorizada quando existir norma legal que a discipline, fato inexistente até o momento.

Assim sendo, a atividade do jogo de bingo explorada pela Reclamada se encontrou a margem do ordenamento jurídico, não havendo guarida normativa para a expedição de qualquer autorização para funcionamento, tanto pela Caixa Econômica Federal quanto por qualquer outro órgão estadual por delegação daquela. E, ainda que houvesse, diante de todo o exposto, foi a título precário, não havendo falar em “factum principis”.

Diante da confissão da Reclamada quanto ao inadimplemento das verbas rescisórias, julgou procedentes os pedidos “c”, “d”, “e”, “g”, e “i” ad inicial.

Não houve pleito de reforma quanto ao saldo salarial, julgado improcedente pelo Juízo “a quo”.

Por fim, indevida a multa do artigo 467 diante da inexistência de salários incontroversos.

DISPOSITIVO

Diante do exposto, nos termos da fundamentação, conheço do recurso, e, no mérito, dou provimento parcial para condenar a Reclamada a pagar à Reclamante os seguintes títulos, nos limites do pedido: 13º salário proporcional, férias vencidas e proporcionais acrescidas de 1/3, multa de 40% sobre o FGTS, e multa do parágrafo 8º do artigo 477. Descontos previdenciários na forma do Provimento nº 01/96 da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho. Correção monetária nos termos da OJ 124 do C. TST.

Custas no importe de R$ 40,00 pela Reclamada sobre o valor da condenação que ora majoro para R$ 2.000,00.

É o meu voto.

P. BOLÍVAR DE ALMEIDA

Juiz Relator

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