Sociedade desarmada

Proibição de armas tem de acompanhar lições de cidadania

Autor

  • Esdras Dantas de Souza

    é membro honorário vitalício da Ordem dos Advogados do Brasil Seção do Distrito Federal; professor da Faculdade de Direito da Upis e presidente da Associação Brasileira de Advogados (www.aba.adv.br).

29 de maio de 2005, 14h16

Tudo faz crer que a campanha em favor do desarmamento caminha para o desfecho pretendido por seus promotores.

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados acaba de aprovar o Projeto de Decreto Legislativo 1.274/04, pelo qual o eleitor brasileiro será convocado às urnas para responder a esta simples e inequívoca indagação: “O comércio de armas de fogo e munição deverá ser proibido no Brasil?”

É verdade que a consumação dessa consulta acha-se, ainda, pendente de aprovação do Plenário da Câmara dos Deputados, o que segundo os analistas, de certo deverá ocorrer até meados do próximo mês.

Sendo assim, é de crer que as intermináveis controvérsias provocadas pela votação do Estatuto do Desarmamento e do Referendo Popular, pouco a pouco, hão de cessar seja no âmbito do Congresso, seja no da opinião pública.

Sem embargo, alguns questionamentos persistirão a desafiar o discernimento do eleitorado antes e depois desse polêmico plebiscito. Dentre tais, citem-se os mais inquietantes:

– A proibição do comércio de armas e munição bastará, por si só, para conter o surto de violência que traumatiza a sociedade brasileira?

– Em conseqüência dessa drástica medida, deverá emergir, como por encanto, a cultura da não violência ou, pelo contrário, dela resultará o surgimento de novas formas clandestinas de criminalidade, tal como ocorreu com a “lei seca”, nos Estados Unidos, ou com a interdição dos jogos de azar, no Brasil?

– Os sociólogos apontam a precária situação econômica do país como sendo a principal causa das tensões e da violência que eclodem, sobretudo, nos seguimentos mais pobres da população, donde provém a legião dos “sem-teto”, dos “sem-emprego”, dos “sem-escola”, dos “sem-pão” ou dos sem eira nem beira.

– Isso é tudo ou haverá causas outras a identificar e a atacar com medidas de impacto iguais ou mais vigorosas do que a do desarmamento?

Não é meu propósito esmiuçar, no exíguo espaço destas linhas, os complexos questionamentos acima expostos.

Mesmo porque, sem minimizar sua importância, incluo-me entre os que perscrutam e julgam ter identificado a causa profunda da crise que abala e corrói a sociedade brasileira.

Trata-se de uma causa se não desconsiderada, pelo menos raramente mencionada pela maioria dos analistas que sobre ela se debruçam, na tentativa de interpretá-la.

Refiro-me ao descarte dos valores éticos e cívicos, cujo cultivo, até bem pouco, constituíam, para os cidadãos, apelos a uma vida digna e benéfica para a sociedade, sem falar no freio valioso que contrapunham aos comportamentos anti-sociais.

Refiro-me, noutras palavras, à degradação moral que, progressivamente, vai contaminando todos os setores da sociedade brasileira, abalando e desacreditando as mais respeitáveis instituições e provocando o desmoronamento da mais sagrada de todas, que é a família.

Não é preciso ser conhecedor profundo da História para antever o destino inglório das sociedades que não reagem a tempo ao processo de decadência moral em que se deixaram envolver.

Quem mais sofre as conseqüências desse processo são as novas gerações. Faltando-lhes a família, falta-lhes a base, faltam-lhes as referências fundamentais, falta-lhes, em suma, a educação integral para que possam assumir uma existência digna, operosa e útil a seus semelhantes.

Não faz muito, a Associação Americana de Administradores Escolares endereçou a 50 eminentes especialistas das áreas de educação, negócio, governo, psicologia, sociologia, antropologia e outras uma indagação de palpitante interesse não apenas para a sociedade americana, mas, igualmente para toda a sociedade humana.

Ei-la: que conhecimentos e habilidades as crianças e os jovens precisarão dominar para serem bem sucedidos em suas vidas, no Século XXI?

Como resposta, a Associação obteve várias indicações, que apontavam, em primeiro lugar, como era de prever, o conhecimento atualizado das ciências e de suas aplicações tecnológicas; a habilidade de comunicar-se eficientemente, bem como outras habilidades técnicas, tais que, por exemplo, a de operar computadores e a de fazer uso de seu potencial de informações.

O surpreendente, porém, foi a ênfase dada aos comportamentos éticos e sociais abaixo relacionados:

– conduta pessoal fundada na responsabilidade e em princípios éticos, aplicados com discernimento;

– o comportamento íntegro e honesto, associado à regra de ouro que consiste em tratar os outros como nós gostaríamos de ser tratados;

– uma atitude positiva frente à vida;

– o estabelecimento de objetivos de vida e a habilidade de avaliar metas de progresso pessoal.

Foi citada enfaticamente a necessidade de “aprimorada autodisciplina”, cuja menção mereceu o seguinte comentário: “As crianças e a juventude de hoje são bombardeadas com exemplos de comportamentos contrários à ética, vindos da televisão, do rádio, dos jornais, e, também, com os maus exemplos de muitos adultos”.

Para sobreviver e prosperar no século XXI, os estudantes necessitarão de aprimorada autodisciplina.

Serão os jovens autodisciplinados que assegurarão que seus países sejam economicamente competitivos e, também, livres e democráticos…

A disciplina deveria ser vista como uma forma positiva de comportamento.

Alguém poderá indagar – “que tem isso a ver com o tema da violência e das medidas susceptíveis de contê-la?”

Tudo a ver. Para obter do cidadão comportamentos pacíficos em seu relacionamento social, é preciso muito mais do que, simplesmente, colocar o revolver fora do alcance de suas mãos. Agride-se e mata-se, também, a pauladas ou pelo emprego de arma branca.

É preciso, antes disso, de apaziguá-lo pelo atendimento a seus direitos e necessidades fundamentais.

É preciso, mais do que isso, propiciar-lhe uma educação de qualidade que o capacite ao exercício consciente e frutífero da cidadania.

Sou de opinião que sem esse vigoroso aditivo educacional, vãs serão todas as medidas voltadas para a implantação em nossa população da “cultura da não violência”.

Estou convencido, também, de que já é tempo de reintroduzir-se no currículo escolar a disciplina Ética e Cidadania. Seria a versão atualizada da Moral e Cívica, sem as distorções dos que a implantaram e sem o despreparo dos que a ministraram.

Autores

  • é membro honorário vitalício da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Distrito Federal; professor da Faculdade de Direito da Upis e presidente da Associação Brasileira de Advogados (www.aba.adv.br).

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