Futebol nos tribunais

Conheça os clubes mais acionados na Justiça do Trabalho

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29 de maio de 2005, 9h37

Um levantamento feito pela revista Consultor Jurídico apurou que dez dos mais importantes clubes de futebol brasileiros respondem, em conjunto, a 2.821 processos na Justiça do Trabalho. O pódio principal pertence todo ao Rio de Janeiro. O campeão é o Botafogo, que responde por 723 processos, seguido pelo Fluminense, com 662 e pelo Flamengo, com 534.

A pesquisa levou em conta os processos de times da primeira divisão nacional que correm na Justiça do Trabalho de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Os dados foram informados pelos TRTs dos respectivos estados. Os números podem apresentar pequena variação, pois alguns processos que constaram no levantamento, podem ter sido arquivados ou já resolvidos, mas continuaram registrados no tribunal. No Rio Grande do Sul e Paraná, outras duas praças com times de tradição e títulos acumulados na história do futebol brasileiro, não foi possível fazer o levantamento já que seus tribunais trabalhistas não divulgam nomes de empregados e empregadores que estão processando ou sendo processados. No caso das empresas, a regra protege os maus patrões.

O futebol brasileiro, como se sabe, não é um primor de administração e organização. Por isso, não é de estranhar que os grandes clubes brasileiros vivam à beira da insolvência, estejam sempre operando no vermelho, são grandes devedores da Previdência e sejam também assíduos clientes da Justiça do Trabalho.

Segundo o diretor jurídico do Botafogo, o advogado Vantuil Gonçalves Júnior, especialista em Direito Societário e Desportivo, a maioria dos processos contra o clube envolve funcionários do clube e não atletas. Mas são os atletas que mais afetam a receita do time, devido aos altos valores da rescisão de contratos e suas conseqüentes multas.

No início de 2003, o Botafogo estava com 100% da sua receita penhorada para pagamento de dívidas trabalhistas. Situação insustentável que poderia condenar o clube a extinção. No final aquele ano, um ato do presidente do Tribunal Regional do Trabalho do Rio, a pedido do Botafogo, determinou que apenas 15% da receita do clube poderia ser repassada à Justiça do Trabalho para quitar as dívidas.

Também aderiram ao acordo, o Flamengo, o Vasco e o Fluminense — outros bons clientes dos tribunais trabalhistas. O Fluminense, que tem 662 processos, fica com a posição de 2º mais acionado na Justiça o Trabalho do Rio, seguido do Flamengo, com 534 processos e do Vasco, com 286.

De acordo com Gonçalves Júnior, o ato do presidente do Tribunal do Trabalho foi a única maneira de manter o funcionamento do clube, que hoje tem aproximadamente 200 funcionários e atletas. Desde então, o Botafogo já pagou mais de R$ 2 milhões em dívidas trabalhistas.

Para o advogado a Lei Pelé (9.615/98) prejudicou os clubes. “Antes o atleta era vinculado ao clube. Quando ele saía, o clube recebia um valor por isso ou uma troca com outro jogador. Agora isso acabou”, afirmou Gonçalves Júnior, comentando a falta de garantia aos clubes.

Extinção do passe

A Lei Pelé extinguiu o passe que submetia o vínculo trabalhista ao desportivo, deixando o atleta vinculado ao clube, muitas vezes sem contrato. O atleta fazia parte do patrimônio do clube e se transformava em fonte de receita uma vez que seu passe podia ser vendido na transferência para outro clube. Com a Lei Pelé, o vínculo desportivo aparece apenas como acessório ao vínculo trabalhista. Ou seja, o atleta passa a ter contrato de trabalho como qualquer outro trabalhador comum. E quando esse contrato acaba ele pode deixar o clube sem dever nada.

De acordo com o criador da Lei Pelé, ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal — na época subchefe da Casa Civil para assuntos jurídicos no governo FHC — “a lei encerrou o regime do passe que era de servidão, possibilitando autonomia e autodeterminação das pessoas”.

O ministro admite que a lei precisa de aperfeiçoamentos: “Faltam cláusulas transitórias, um regime de transição, para os atletas que ainda não chegaram ao estrelato”. Ou seja, se a lei protege e favorece o jogador que já ingressou no hall da fama, o mesmo não acontece com aqueles que ainda vivem no anonimato.

Extinta a lei do passe sem qualquer salvaguarda, o clube que investe na descoberta e na preparação dos novos talentos pode ser prejudicado, afirmou Mendes. Na circunstância de um clube concorrente levar o jogador-revelação, o clube que nele investiu terá perdido tempo e dinheiro.

Mas se a lei merece aperfeiçoamentos, afirma o ministro, isso não significa que se deva voltar à lei do passe que “seria um regresso ao poder feudal dos tempos medievais, em que o atleta era uma propriedade do clube”. Outro avanço importante a ser preservado é a introdução de regras profissionais de gestão, o chamado clube-empresa. “Quem resiste a esse conceito é quem não quer prestar contas a ninguém, mantendo a contabilidade debaixo do colchão”, conclui.

Para o jornalista esportivo Juca Kfouri, “a Lei Pelé não precisa mudar, os clubes é que precisam se adequar a ela”. Ele lembrou dos tempos da lei do passe, retaliando as criticas dos clubes à Lei Pelé: “a lei do passe sempre foi ilegal, inconstitucional. Fere o direito ao trabalho assegurado na Constituição. Era uma lei escravagista, e agora os senhores dos escravos estão reclamando de não ter mais os escravos”, afirma Kfouri.

A vez dos paulistas

Em São Paulo, os times também são vaiados no estádio da Justiça Trabalhista. Com 293 processos, o São Paulo encabeça a tabela dos mais acionados na Justiça do Trabalho, seguido do Palmeiras, com 266, Corinthians, com 244, e Santos com 152 ações pendentes.

Também os paulistas culpam a Lei Pelé pelas agruras que enfrentam nas relações com os seus trabalhadores-atletas. Sérgio Dante Grassini, advogado do Corínthians, diz que com a Lei Pelé houve uma mudança radical na vida dos atletas, que passaram a procurar a Justiça do Trabalho com mais facilidade e segurança. O advogado defende a necessidade de se criar uma nova legislação, que substitua a Lei Pelé, para regulamentar a contratação do atleta tirando o vinculo trabalhista da figura do jogador.

De acordo com Grassini, existe alguma coisa errada na Lei Pelé, já que o atleta goza de condições diferentes de trabalho mas tem os mesmos direitos de um trabalhador comum. Com isso, de acordo com o advogado, quem sofre são os clubes.

Ele citou o caso do jogador Luizão, que entrou na Justiça reclamando salários atrasados somados ao direito de imagem num montante de cerca de R$ 8 milhões. A Justiça concedeu sua transferência de clube, mas a dívida ainda está pendente.

O advogado lembrou também o caso do jogador Marcelinho, mas com situação contrária, em que o clube tem a receber. Marcelinho entrou na Justiça pedindo R$ 6 milhões depois de abandonar os treinos, alegando que foi injuriado por estar treinando em lugar diferente do time titular. Na primeira instância, conseguiu liminar para ir para outro time.

Contudo, primeira e segunda instâncias reverteram o pedido em favor do clube. A Justiça entendeu que o Corinthians tinha o direito de mandá-lo treinar onde bem entendesse e que essa medida seria para evitar os freqüentes atritos do atleta com outros integrantes do grupo, condenando Marcelinho a pagar os R$ 6 milhões ao clube.

O juiz Rui César Corrêa, titular da 60ª Vara Trabalhista de São Paulo, entende que com a Lei Pelé o jogador deixou de ser “coisa” para ser um trabalhador, com contrato assinado e garantias que antes não tinha, como sua liberdade de transferência.

Segundo o juiz, as principais causas que levam o atleta a procurar a Justiça são a falta de recolhimento do Fundo de Garantia e o atraso ou não pagamento de salário.

Direito de imagem

Grassini, que trabalha há 23 anos no departamento jurídico do Corínthians afirma que a questão do direito de imagem que os jogadores cobram como artistas do espetáculo do futebol, é uma das peculiaridades que fazem dele um trabalhador com características especiais. Com a Lei Pelé, diz Grassini, os juízes passaram a reconhecer o contrato de imagem como parte do salário. “Se um jogador ganha R$ 100 mil por contrato de imagem e R$ 50 mil de salário, e vai à Justiça pedir o seu 13º, o juiz manda o clube pagar R$ 150 mil, o que não está certo”.

Para o advogado Roberto Vasconcelos, diretor jurídico do Atlético Mineiro, direito de imagem é de ordem civil e não pode ser considerado como parte do salário. O Atlético é o clube que responde o maior número de ações na Justiça do Trabalho de Minas Gerais. São 213 processos contra apenas 23 do arqui-rival Cruzeiro.

O Atlético criou um condomínio de credores e está fazendo acordos para pagar as dívidas em parcelas. Vasconcelos também critica o fato de o jogador ter todos os direitos do trabalhador comum, mas receber salários — que servem de base de cálculo para os direitos trabalhistas — que nenhum trabalhador recebe.

Conheça o ranking dos clubes mais acionados na Justiça Trabalhista

1 — Botafogo de Futebol e Regatas – 723 processos

2 — Fluminense Football Club – 662

3 — Clube de Regatas do Flamengo – 534

4 — São Paulo Futebol Clube – 293

5 — Clube de Regatas Vasco da Gama – 286

6 — Sociedade Esportiva Palmeiras – 266

7 — Sport Club Corinthians Paulista – 244

8 — Clube Atlético Mineiro – 213

9 — Santos Futebol Clube – 152

10 — Cruzeiro Esporte Clube – 23

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